Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:716/13.1BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:01/23/2025
Relator:CRISTINA COELHO DA SILVA
Descritores:PEDIDO REVISÃO OFICIOSA
INICIATIVA CONTRIBUINTE
ART. 78º DA LGT
Sumário:I- A nulidade duma sentença por contradição, vício contemplado no artigo 615º, nº 1, al. c), do Código de Processo Civil, pressupõe um erro de raciocínio lógico consistente em a decisão emitida ser contrária à que seria imposta pelos fundamentos de facto ou de direito de que o juiz se serviu ao proferi-la, ou seja, quando os fundamentos invocados pelo Tribunal a quo conduziriam logicamente não ao resultado expresso na decisão, mas a resultado oposto ou, pelo menos, de sentido diferente.
II- Já o vício da ambiguidade ou obscuridade, a que se reporta a segunda parte da alínea c) do nº 1 do artigo 615º pressupõe inteligibilidade de uma decisão.
III- Tal não ocorre quando resulta do discurso fundamentador da decisão que esta alicerçou a sua decisão de anulação da liquidação na circunstância de ter considerado que um determinado despacho padece de vício de violação de lei, por desrespeito pelo Princípio da Legalidade.
IV- A revisão dos actos tributários por iniciativa da administração tributária, prevista no artigo 78º da LGT, pode ter lugar também a pedido dos contribuintes, devendo entender-se que neste preceito se encontra previsto num meio de defesa adicional a estes concedido.
V- Aliás, desde logo por força do Princípio da Legalidade a que está sujeita toda e qualquer atividade da Administração Tributária (arts. 266º, nº 2, da CRP e 55º da LGT), sobre esta impende o dever de rever oficiosamente qualquer liquidação, a pedido dos contribuintes ou por sua iniciativa, da qual resulte um pagamento de imposto superior ao efetivamente devido.
VI- Em consequência, desnecessário se torna indagar da existência de injustiça grave ou notória para corrigir uma liquidação que enferme de vício sobre os seus pressupostos de facto.
Votação:UNANIMIDADE (C/ DECLARAÇÃO DE VOTO)
Indicações Eventuais:Subsecção Tributária Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Subsecção Comum da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul



I – RELATÓRIO

J........, com demais sinais dos autos, deduziu impugnação judicial contra a decisão de indeferimento do pedido de revisão por si apresentado da liquidação de IRS de 2009.


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O Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, por decisão de 01 de Agosto de 2019, julgou procedente a impugnação judicial tendo anulado parcialmente a liquidação de IRS de 2009.



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Inconformada com a decisão, a Recorrente, Fazenda Pública, interpôs recurso da mesma tendo formulado as seguintes conclusões:

“CONCLUSÕES
A. Visa o presente recurso reagir contra a douta Sentença proferida em primeira instância, porquanto a mesma julgou procedente a impugnação, determinando a anulação parcial da liquidação de IRS de 2009 do Impugnante.
B. O Ilustre Tribunal “a quo” considera como provado o teor do Facto J), e ao qual manifestamos a nossa oposição, porquanto o Douto Tribunal, dando como provado este facto, que vai no sentido da sua decisão, tem o intuito, direto, de se apoiar neste facto para alicerçar o seu entendimento.
C. A Fazenda Pública entende que este facto não poderá ser dado como provado porque não constitui um facto essencial da causa de pedir, assim como, apenas causa confusão e dúvida da matéria com relevância para a decisão da causa, o que não se compagina com a clareza e a fundamentação da sentença na determinação da verdade e resolução do litígio.
D. Independentemente do teor desta informação, quer favorável ou não ao contribuinte, esta informação não constitui um projeto de decisão que será comunicado ao contribuinte para efeitos de direito de audição no pedido de revisão, assim como não constitui uma decisão final do procedimento administrativo, designadamente do procedimento de revisão.
E. Pelo que, não se pode aceitar a sua inclusão como facto provado, assim como jamais se pode aceitar o entendimento preconizado quando refere essa informação demonstra a evidência da pertinência desta correção, porque jamais foi oficialmente sufragada, hierarquicamente, pela Autoridade Tributária.
F. Assim, trata-se de um facto irrelevante, por não produzir efeitos jurídicos para a Autoridade Tributária, nem para o contribuinte.
G. Assim, entendemos, e que presentemente se invoca, que esta questão poderá ser suscetível de enquadrar, extensivamente, a nulidade prevista na al.c) do n.º1 do art.615.º do CPC.
H. Da injustiça grave ou notória, o Ilustre Tribunal “a quo” começa por afirmar que não sufraga o entendimento da AT, no sentido de que a AT entende que não se traduz numa injustiça grave e notória, uma vez que a diferença de valores entre o declarado e o realmente auferido não chega a 3% do valor declarado, e dessa forma não existindo uma tributação manifestamente exagerada e desproporcionada com a realidade.
I. Nessa conformidade, a Autoridade Tributária, pelo Ofício-Circulado n.º 2802, de 03 de maio de 2002, veio esclarecer que só existe uma injustiça grave e notória quando a diferença de valores entre o declarado e o realmente auferido, passa os 3% do valor declarado.
J. Se o Legislador entende-se que existia essa injustiça grave e notória sempre que houvesse uma divergência, como se refere o Douto Tribunal (a ocorrência de um erro, com imposto a favor do Estado, teria tratamento oposto, e que o contribuinte ver-se-ia obrigado a compensar o Estado OU um dever do Administração Fiscal) então não teria densificado a norma com a expressão manifestamente exagerada e desproporcionada.
K. Se o Legislador entende-se, que essa injustiça grave e notória seria apreciada casuisticamente e discricionariamente apenas à luz de um espirito interpretativo do princípio da legalidade, da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa fé, então não teria densificado a norma com a expressão manifestamente exagerada e desproporcionada.
L. Com isto, como é obvio, não rejeitamos a áurea destes procedimentos na atuação da Autoridade Tributária, mas não concebemos que venham a ser de aplicação superficial, significando que sempre que existir uma divergência de valores terá que ser aceite como injustiça grave e notória.
M. Portanto, em abono da verdade e da justiça, deveria o Douto Tribunal ter entendido que não estamos perante uma injustiça grave e notória, uma vez que a diferença entre o valor declarado pelo Impugnante na declaração modelo 3 – IRS n.º3522-2009-J0013-07 e o valor indicado pelo mesmo na declaração de substituição é inferior a 3%.
N. Assim sendo, é entendimento da Representação da Fazenda Pública, que o Tribunal “a quo”, com a decisão ora em crise, violou o disposto no art.615 n.º1 al.c) e art.78.º n.º4 e 5 da LGT e do CPC, consubstanciado numa nulidade da sentença, e erro de julgamento, devendo considerar,
O. Por um lado, o facto provado J), não pode ser considerado como integrante dos factos provados, sendo irrelevante para a matéria de facto, e assim a sentença está ferida de nulidade por existir uma ambiguidade ou obscuridade quanto à matéria de facto.
P. Por outro lado, deveria o Douto Tribunal ter entendido que não estamos perante uma injustiça grave e notória, uma vez que a diferença entre o valor declarado pelo Impugnante na declaração modelo 3 – IRS n.º3522-2009-J0013-07 e o valor indicado pelo mesmo na declaração de substituição é inferior a 3%. Q. caso concreto é a nulidade da sentença por violação do art.615 n.º1 al.c) do CPC, e caso assim não se entenda, por erro de julgamento por não se verificar preenchido o fundamento de injustiça grave e notória previsto no art.78.º .º 4 da LGT.
Pelo que se peticiona o provimento do presente recurso, revogando-se a decisão ora recorrida, assim se fazendo a devida e acostumada,
JUSTIÇA!”

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O Impugnante, devidamente notificado, apresentou contra-alegações, tendo formulado as seguintes conclusões:




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O Exmo. Procurador-Geral Adjunto do Ministério Público junto deste Tribunal Central Administrativo, devidamente notificado para o efeito, ofereceu aos autos o seu parecer no sentido da procedência do recurso da Fazenda Pública.

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Colheram-se os vistos dos Juízes Desembargadores adjuntos.

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DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, em consonância com o disposto no art. 635º do CPC e art. 282º do CPPT, são as conclusões apresentadas pelo recorrente nas suas alegações de recurso, a partir da respetiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objeto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer, ficando, deste modo, delimitado o âmbito de intervenção do Tribunal ad quem.

No caso que aqui nos ocupa, as questões a decidir consistem em saber se a sentença recorrida é nula por força do disposto na alínea c) do nº 1 do artigo 615º do CPC, bem como se enferma de erro de julgamento de facto e Direito ao ter considerado ilegal a decisão impugnada e, ainda, do pedido de juros indemnizatórios formulado pelo Recorrido em sede de contra-alegações.


***

II – FUNDAMENTAÇÃO
- De facto
A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:
Com relevância para a decisão, tendo em conta a prova produzida nos autos, bem como a posição assumida pelas partes, consideramos provados os seguintes factos:
A) Em 19 de Abril de 2010, o Impugnante, J........, com o NIF …….3, entregou a declaração Modelo 3 de IRS, referente a 2009, declarando, além do mais, no quadro 4A, referente a RENDIMENTOS DO TRABALHO DEPENDENTE (…), os seguintes rendimento, retenções e contribuições:
“(texto integral no original; imagem)”
– cf. Doc. 2 junto pelo Impugnante - Declaração Modelo 3, de fls. 12 a 17 – quadro 4 a fls. 13
B) No dia 21 de Maio de 2010, foi emitida a "Demonstração de Liquidação de IRS", do Impugnante, referente ao ano de 2009, e, apurando o valor de € 13.716,48, a pagar até 30-09-2010. - cf. Doc. 3 junto pelo Impugnante – Liquidação n.º ........81, a fls. 18
C) No dia 12 de Setembro de 2010, o Impugnante pagou o montante apurado na liquidação descrita na alínea anterior. - cf. Doc. 3 junto pelo Impugnante – comprovativo de pagamento, a fls. 19 e apenso e ponto B – 4 da informação elaborada pelo Serviço de Finanças de Algés, em 24 de Maio de 2012, a fls. 5 do PAT – RO apenso
D) No dia 29 de Abril de 2011, o M........, enviou uma carta ao Impugnante, identificando como assunto “Rectificação das declarações de rendimentos – rendimentos em espécie”, de cujo teor se extrai:

E) Com a carta descrita na alínea anterior, foi remetida declaração com os seguintes valores:

F) Em data não apurada, o sujeito passivo com o NIF ……..15, corrigiu o valor que declarou ter pago ao Impugnante em 2009, de € 209.727,19 para € 203.870,23, mantendo o valor das importâncias retidas e de descontos obrigatórios. – cf. impressão de consulta ao Anexo J/Modelo 10 – Histórico de Declarações, obtido pela Autoridade Tributária, em 10 de Dezembro de 2013, a fls. 46 do PAT apenso e ponto B – 3 da informação elaborada pelo Serviço de Finanças de Algés, em 24 de Maio de 2012 e em 18 de Julho de 2012, a fls. 5 e 29 do PAT – RO apenso
G) Em 29 de Abril de 2011, o Impugnante entregou uma declaração de Modelo 3 de IRS, de substituição, referente a 2009, assinalando “Prazo especial (n.º 2 do art. 60º do CIRS” e declarando, além do mais, no quadro 4A, referente a RENDIMENTOS DO TRABALHO DEPENDENTE (…), os seguintes rendimento, retenções e contribuições:
“(texto integral no original; imagem)”
H) A simulação da liquidação de IRS referente à declaração descrita na alínea anterior, apurava € 11.268,54 a pagar. - cf. Doc. 6 junto pelo Impugnante – Simulação, a fls. 28
I) Em 21 de Maio de 2012, o Impugnante apresentou um requerimento ao “abrigo do Art.º 78 da LGT”, de cujo teor se extrai:


J) Em 19 de Julho de 2012, a Técnica da Divisão de Justiça Tributária, que apreciou o pedido do impugnante descrito na alínea anterior, elaborou informação, concluindo do seguinte modo:
“12. Ora, sendo o acto de liquidação datado de 21.05.2010, como já se referiu, constata-se que o requerente está em tempo para solicitar a revisão oficiosa nos termos do n.º 4 do artigo 78.° da LGT. 13. Uma vez que a sua entidade patronal substituiu a declaração mod. 10 em que lhe foram alterados os rendimentos de 209.727,19 para 203.870,23, deverá a declaração do IRS do requerente, referente ao IRS de 2009, ser corrigida em conformidade.
14. Assim, nos termos que antecedem, somos de parecer que deverá o dirigente máximo deste serviço autorizar a revisão da matéria colectável apurada, nos termos do disposto no n.º 4 do artigo 78° da LGT”. - cf. Informação, a fls. 31 do PAT – RO apenso
K) Em data não apurada, o contribuinte foi notificado do projeto de decisão do pedido descrito na alínea I) supra, onde se concluía do seguinte modo:
“7. Verifica-se que o Requerente pretende que seja alterado o valor dos rendimentos de trabalho dependente declarados pelo Contribuinte na M3 - IRS.
8. O art. 78° engloba, ainda que sob a designação de "revisão", dois tipos de instrumentos que em bom rigor não podem ser confundidos entre si: a revisão oficiosa (que visa a correção de erros do sujeito passivo ou dos serviços, ou ainda a anulação de situações de duplicação da coleta) e a revisão excecional da matéria tributável prevista no nº 4 do preceito em causa que visa corrigir situações de injustiça grave ou notória para as quais não haja contribuído o comportamento negligente do contribuinte.
9. Por não haver erro imputável ao Serviço e por a Requerente não ter acionado qualquer pedido de reclamação administrativa, está afastado o recurso ao disposto no nº 1 do art. 78° da LGT.
10. Por outro lado, dispõe o nº 4 do referido artigo que o dirigente máximo do serviço pode autorizar, excecionalmente, nos três anos posteriores ao do ato tributário a revisão da matéria tributável apurada em fundamento em injustiça grave ou notória, desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte. (…)
13. Ora, no caso em apreço, a injustiça da liquidação vigente reflete-se na declaração de rendimentos superiores aos que o Requerente efetivamente recebeu traduzindo-se, consequentemente, num aumento da matéria tributável, resultando dai um imposto superior ao que seria devido pelo Requerente.
14. Contudo, a diferença de valores não se traduz numa injustiça grave e notória, uma vez que a diferença de valores entre o declarado e o realmente auferido não chega a 3% do valor declarado, não estando preenchidos os requisitos do Ofício-circulado na 2803, de 03 de Maio de 2002 pois não existe uma tributação manifestamente exagerada e desproporcionada com a realidade”. - cf. Doc. 8 junto pelo Impugnante – Ofício n.º 19629, de 28.11.12, de fls. 31 a 34
L) Em 6 de Dezembro de 2012, o Impugnante exerceu o direito de audição prévia relativamente ao projeto de decisão descrito na alínea anterior, concluindo do seguinte modo:
“Termos em que se convola o pedido feito por errada indicação de um funcionário das Finanças, num pedido de informação ao abrigo da alínea a) do nº 1 do artigo 67° da LGT quanto à ausência de liquidação do IRS de 2009 com base na declaração de substituição apresentada em 23 de Maio de 2011 nos termos do nº 2 do artigo 60° do CIRS, requerendo-se as seguintes indicações: o Qual a fase em que se encontra o respectivo procedimento de liquidação: o Qual a data previsível para a sua conclusão”. - cf. Doc. 9 junto pelo Impugnante – requerimento, de fls. 37 a 39 e envelope, a fls. 45 do PAT – RO apenso
M) Em 1 de Março de 2013, o Impugnante recebeu uma carta remetida pela Direção de Finanças de Lisboa, a notifica-lo do seu pedido descrito na alínea anterior, conforme fundamentação de cujo teor se extrai:
“5. Resumindo, o Requerente apenas alega que a declaração M10 - IRS, entregue pela entidade patronal em 29 de Abril de 2011 que se trata de um facto superveniente, conforme refere o artº 60°, n° 2 do CIRS, pelo que a esse facto acresce um prazo de 30 dias para entregar nova declaração M3 - IRS, deste modo, a Administração Fiscal estaria obrigada a proceder à sua liquidação, não o tendo feito, o Requerente pretende saber em que estado está o mesmo e qual a data previsível para a sua conclusão.
6. Ora, o art. 60°, n.º 2 refere-se a "facto que determine alteração de rendimentos", a esse facto não se refere a um qualquer erro da entidade patronal quando preencheu a declaração M10 - IRS. Quando o legislador se refere a um "facto que determine a alteração de rendimentos" refere-se a efetivas alterações do rendimento como seria se. por exemplo, o Contribuinte tivesse qualquer quantia auferida ilegitimamente, aí sim, existiria um facto na alteração de rendimentos. O erro no preenchimento da declaração não constitui por si só um facto superveniente que determine a alteração do rendimento auferido. Não existe qualquer transação do Contribuinte para a sua entidade patronal, ou vice-versa, de rendimentos em dinheiro ou em espécie relativos a remuneração de trabalho prestado pelo ora Requerente no ano de 2009 posteriores à entrega da declaração M3 - IRS n.º 3522-2009-J0013-07. Pelo Exposto, não nos parece que a declaração entregue pelo Requerente possa ser liquidável, uma vez que a mesma não se pode enquadrar na situação prevista no art. 60°, n.° 2 do CIRS, pelo que a pretensão do Contribuinte em ver convolado o pedido de revisão do art. 78ª, n.° 4 da LGT em pedido de informação previsto no art. 67°, n °1, al. a) não pode ser atendido, mantendo-se o pedido de revisão da matéria tributável nos termos do art. 78°, n.º 4 da LGT”. – cf. Doc. 1 junto pelo Impugnante – Ofício n.º 015021, de 28-02-2013, despacho e informação anexos, de fls. 7 a 11, e comprovativos de envio e receção postal, a fls. finais do PAT – RO apenso
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A decisão recorrida consignou como factualidade não provada o seguinte:
FACTOS NÃO PROVADOS
Inexistem factos não provados com relevância para a decisão da causa.
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Sustentou a matéria de facto fixada do seguinte modo:
MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO
A convicção do Tribunal quanto aos factos considerados provados resultou desde logo da posição das partes assumida nos articulados, complementada com o exame dos documentos e das informações oficiais constantes dos autos, conforme referido no probatório.
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III . Do Direito

Começa a Recorrente por se insurgir contra a decisão do Tribunal a quo arguindo que esta enferma de nulidade por ambiguidade e obscuridade, sustentando que por ter dado como provado o facto J) e por este não consubstanciar nenhum facto relevante para a decisão, bem como por, no seu entender, este facto “apenas causa confusão e dúvida da matéria com relevância para a decisão da causa, o que não se compagina com a clareza e a fundamentação da sentença na determinação da verdade e resolução do litígio.”.
Prossegue arguindo que “(…) trata-se de um facto irrelevante, por não produzir efeitos jurídicos para a Autoridade Tributária, nem para o contribuinte. Assim, entendemos, e que presentemente se invoca, que esta questão poderá ser suscetível de enquadrar, extensivamente, a nulidade prevista na al. c) do n.º1 do art. 615.º do CPC.” (conclusões F) a G)].
Apreciemos.
As nulidades das sentenças em sede de processo tributário são as que se encontram consagradas no artigo 125º do CPPT, preceito paralelo ao artigo 615º do CPC, sendo ali mencionado que enferma de nulidade a sentença cujos fundamentos se encontrem em oposição com a decisão.
Essas nulidades, encontram-se taxativamente enumeradas em ambos os preceitos e têm a ver com vícios estruturais ou intrínsecos da sentença, que a doutrina e a jurisprudência definem como erro de atividade ou de construção da mesma e que não se confundem com eventual erro de julgamento de facto e/ou de direito.
A existência de fundamentos em oposição com a decisão, ocorre quando os fundamentos de facto ou de direito invocados pelo Tribunal a quo deveriam conduzir logicamente a um resultado oposto ao expresso na decisão por existir uma contradição entre as suas premissas, sejam elas de facto ou de direito, e a decisão final.
Já o vício da ambiguidade ou obscuridade, a que se reporta a segunda parte da alínea c) do nº 1 do artigo 615º, que não se encontra expressamente previsto no aludido art. 125º do CPPT, pressupõe inteligibilidade de uma decisão ou resposta, ou seja, que não pode, com segurança, determinar-se o sentido exato dessa decisão ou resposta, quer porque não se mostra claramente expresso, quer porque contém em si mais do que um sentido.
Mais, os factos e/ou respostas de que resultaram, só devem considerar-se contraditórios quando se mostrem absolutamente contraditórios entre si, de tal forma que não possam coexistir entre si, ou seja, quando se apresentem como um conteúdo logicamente incompatível, de tal modo que não possam subsistir entre si. (Vide, nesse sentido, Abrantes Geraldes, Recursos em Processos Civil, 6ª. ed. Atualizada, Almedina, pág. 352, Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2º, 3ª. ed., Almedina, pág. 735., Amâncio Ferreira, Manual de Recursos em Processo Civil, 9.ª edição, pg. 56, bem como e os Acórdãos do STJ de 16/11/2021, proc. 2534/17.9T8SRTR.E2.S1, e de 08/10/2020, proc. n.º 361/14.4T8VLG.P1.S1, disponíveis in www.dgsi.pt).
Ora, do enquadramento aqui efetuado e da leitura da sentença sob escrutínio resulta cristalino que não ocorre a nulidade que vem assacada à decisão.
Senão vejamos.
No caso concreto, resulta do discurso fundamentador da decisão que esta alicerçou a sua decisão de anulação da liquidação na circunstância de ter considerado que despacho que indeferiu o pedido de revisão apresentado pelo Recorrido padece de vício de violação de lei, por desrespeito pelo Princípio da Legalidade. Esse despacho é o que se encontra vertido na alínea K) do probatório.
Daqui não resulta qualquer ambiguidade ou contradição na decisão. Na verdade, e como já se afirmou, a contradição referida no preceito é entre a fundamentação jurídica exposta pelo julgador e a decisão que toma ser em sentido contrário ou divergente, o que não ocorre no caso dos autos. Na verdade, verificado que esteja a existência de violação do Princípio da Legalidade, outra não pode ser a decisão senão a da anulação do ato.
Por outro lado, a ininteligibilidade referida é da decisão final. Ora, do segmento decisório final não resulta nenhuma ambiguidade que torne a decisão ininteligível, pois dele resulta que o Tribunal a quo anulou o ato de modo absolutamente de modo legível e entendível.
Por outro lado, também não existe qualquer contradição entre os fundamentos de facto e a solução jurídica adotada pelo Tribunal a quo, desde logo porque o fundamento da procedência da impugnação é a informação que consta da alínea K) do probatório que considerou que ao Recorrido não assistia o direito a pedir a revisão oficiosa do ato de liquidação.
Em consequência, improcedente terá de ser julgado o presente recurso, nesta parte.
Se bem interpretamos as alegações e respetivas conclusões da Recorrente, esta confunde a figura da nulidade da sentença com eventual vício da decisão da matéria de facto, por suposta contradição entre factos, que são duas situações bem distintas.
Apreciemos, então, o alegado erro de julgamento de facto.
Argui a Recorrente que o facto constante da alínea J) é irrelevante, não foi sancionado superiormente, pelo que não tem eficácia e apenas pode gerar confusão na decisão.
Mas também aqui, sem qualquer razão.
A primeira observação que importa fazer é que a mencionada informação faz parte do processo instrutor, foi elaborada pela AT, muito embora não tenha sido superiormente sancionada, à mesma não foi imputada qualquer falsidade.
Por outro lado, o facto elencado não é contraditório com nenhum outro facto, porquanto dele resulta claramente que estamos apenas perante uma informação dos serviços.
Acresce ainda que a sua fixação apenas teve relevância para a decisão recorrida na estrita medida em que dela se retira que a AT admite que a entidade patronal apresentou uma declaração de substituição Modelo 10 e que o valor que dela consta é o que consta da declaração Modelo 3 entregue pelo Recorrido em 2011, sendo que o mesmo é inferior ao anteriormente declarado. Embora tal facto já resultasse do facto F) e, nessa medida, possa ser redundante, não se vê como possa ser irrelevante. Ademais, tal facto pode ser visto como um facto instrumental e, nessa medida, a sua inserção na matéria de facto é pertinente.
Aliás, na sentença recorrida, e com referência à mencionada alínea do probatório, o relevo probatório que dela é retirado é o seguinte:
Como vimos acima, não é controvertido que o valor auferido pelo Impugnante em 2009 foi o declarado na declaração entregue em 2011, e não o considerado na liquidação efetuada em 2010. (cf. alíneas F) e J) da factualidade assente)
Ora, muito embora nunca seja controvertida a existência de divergência entre os valores declarados na primeira declaração entregue e na segunda, nem seja colocado em causa pela AT, nem em sede de procedimento administrativo, nem em sede da impugnação judicial, a veracidade dos valores que constam de ambas as declarações, a verdade é que naquela informação, tal como do facto elencado na aliena F), resulta absolutamente claro que a própria Recorrente admite que foi entregue uma declaração modelo 10 de substituição pela entidade patronal do Recorrido e que com base nela foi, por este, entregue uma declaração de substituição Modelo 3 de IRS apresentada por este em 2011 (ponto F do probatório).
Atento o relevo probatório atribuído ao facto aqui em dissidio, é claro que não resulta qualquer contradição ou ambiguidade da matéria de facto, desde logo, porque a fixação deste facto e do que consta da alínea K) não é de molde a que não possam subsistir entre si.
Uma última nota para mencionar que a decisão recorrida em nenhum momento fundamenta a sua decisão de conceder provimento à Impugnação judicial em tal informação, mas, como melhor veremos abaixo, na circunstância de sobre a AT impenderem deveres, decorrentes do Princípio da legalidade, que impunham uma decisão contrária a tomada. Aliás, resulta claro de todo o discurso fundamentador da sentença que a apreciação que efetuada pelo Tribunal a quo tem como objeto o ato que indeferiu o pedido, ou seja, o facto a que corresponde a alínea K) e não a informação transcrita n alínea J).
Assim sendo, o recurso terá também de naufragar, nesta parte.
Prosseguindo.
Vem, também, a Recorrente sustentar que a decisão recorrida enferma de erro de julgamento de Direito.
A questão aqui em dissidio prende-se com apurar se o Tribunal a quo errou no seu julgamento de Direito quando considerou que o pedido de revisão consagrado no artigo 78º da LGT, constitui um expediente a que os contribuintes possam lançar mão quando existam erros nas suas liquidações, pedindo a sua revisão.
A Recorrente defende que o artigo 78º da LGT apenas permite esta revisão a pedido do contribuinte no prazo da reclamação graciosa ou numa situação em que ocorra uma injustiça grave ou notória, nos termos do nº 4 do aludido preceito, sendo certo que nesta última situação tal apenas seria possível nas situações previstas no seu Ofício-Circulado n.º 2802, de 03 de maio de 2002.
Apreciemos.
Comecemos por chamar à colação o que dispunha o artigo 78.º da LGT à data do pedido, ou seja, em 2012:
“1 - A revisão dos actos tributários pela entidade que os praticou pode ser efectuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou, por iniciativa da administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços.
2 - Sem prejuízo dos ónus legais de reclamação ou impugnação pelo contribuinte, considera-se imputável aos serviços, para efeitos do número anterior, o erro na autoliquidação.
3 - A revisão dos actos tributários nos termos do n.º 1, independentemente de se tratar de erro material ou de direito, implica o respectivo reconhecimento devidamente fundamentado nos termos do n.º 1 do artigo anterior.
4 - O dirigente máximo do serviço pode autorizar, excepcionalmente, nos três anos posteriores ao do acto tributário a revisão da matéria tributável apurada com fundamento em injustiça grave ou notória, desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte.
5 - Para efeitos do número anterior, apenas se considera notória a injustiça ostensiva e inequívoca e grave a resultante de tributação manifestamente exagerada e desproporcionada com a realidade ou de que tenha resultado elevado prejuízo para a Fazenda Nacional.
6 - A revisão do acto tributário por motivo de duplicação de colecta pode efectuar-se, seja qual for o fundamento, no prazo de quatro anos.
7 - Interrompe o prazo da revisão oficiosa do acto tributário ou da matéria tributável o pedido do contribuinte dirigido ao órgão competente da administração tributária para a sua realização.”
Da leitura da norma decorre, com mediana clareza, que a revisão dos atos tributários pode ter lugar, essencialmente, em duas situações, a saber:
i) por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade;
ii) por iniciativa da administração tributária, com fundamento em erro imputável aos serviços nos quatro anos após a liquidação se o tributo já estiver pago, ou a todo o tempo, isto é, antes de decorrido o prazo de prescrição se o tributo ainda não tiver sido pago.
Quer a doutrina, quer a jurisprudência dos Tribunais Superiores têm vindo a entender que a revisão dos atos tributários por iniciativa da administração tributária podem ter lugar também a pedido do contribuinte, na medida em que o artigo 78º da LGT constitui um reforço das garantias conferidas aos contribuintes.
Como nos ensinam Diogo Leite Campos e outros, Lei Geral Tributária, Anotada e Comentada, 4ª Edição, 2012, Encontro da Escrita, págs. 704 e seguintes: “A revisão pode ser efectuada por iniciativa do contribuinte ou por iniciativa da administração tributária. (…) De qualquer forma, o dever de a Administração concretizar a revisão de actos tributários, a favor do contribuinte, quando detectar uma situação desse tipo por sua iniciativa ou do contribuinte, existe em relação a todos os tributos, pois os princípios da justiça, da igualdade e da legalidade, que a administração tributária tem de observar na globalidade da sua actividade (art. 266º, nº 2 da CRP e 55º da LGT), impõem que seja oficiosamente corrigidos todos os erros das liquidações que tenham conduzido à arrecadação de tributo em montante superior ao que seria devido face à lei.
A Subsecção de contencioso Tributário Comum deste Tribunal também tem vindo a sustentar o mesmo entendimento, designadamente no seu recente Aresto de 04/04/2024, tirado no processo nº 2406/15.1BELRS, onde se sumariou o seguinte:
IV – A revisão dos actos tributários por iniciativa da administração tributária podem ter lugar também a pedido do contribuinte, na medida em que o artigo 78.º da LGT constitui um reforço das garantias conferidas aos contribuintes, quando comparado com o regime de impugnação de actos tributários, como último reduto da defesa da garantia do princípio da capacidade contributiva e em última instância do princípio da legalidade.”
Em igual sentido o Supremo Tribunal Administrativo no seu Acórdão de 12/09/2012, proferido no âmbito do processo nº 0476/12, discorreu sobre a mesma questão de Direito, tendo concluído o seguinte:
I - O artº. 78° da LGT prevê a revisão do ato tributário «por iniciativa do sujeito passivo» ou «da administração tributária», aquela «no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade», e esta «no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços».
II - De acordo com o disposto no artº 78º, nº 2 da LGT considera-se imputável aos serviços, para efeitos do número anterior, o erro na autoliquidação, pelo que, não obstante o disposto no artº 131º do CPPT, o contribuinte pode suscitar a apreciação oficiosa de ilegalidade cometida em autoliquidação.
III - Tal resulta, desde logo, dos princípios da legalidade, da justiça, da igualdade e da imparcialidade - art. 266°, n.° 2 da CRP.
IV - Face a tais princípios, não pode a Administração demitir-se legalmente de tomar a iniciativa de revisão do ato quando demandada para o fazer através de pedido dos interessados já que tem o dever legal de decidir os pedidos destes, no domínio das suas atribuições, sendo que «o dever de pronúncia constitui, de resto, um princípio abertamente assumido pelo artº. 9° do CPA, no domínio do procedimento administrativo mas aqui também aplicável por mor do disposto no artº. 2° do mesmo código.
V - Sendo assim, e sendo tempestivo o pedido de revisão oficiosa efectuado no prazo de quatro anos após a autoliquidação, deverá ser apreciado o respectivo pedido de revisão.”
Mais recentemente, o Supremo Tribunal Administrativo no seu Acórdão datado de 04/05/2016, proferido no processo n.º 0407/15 esclareceu:
II - É hoje jurisprudência consolidada que, podendo a AT, por sua iniciativa, proceder à revisão oficiosa do acto tributário, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços (art. 78.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária), também o contribuinte pode, naquele prazo da revisão oficiosa, pedir esta mesma revisão com aquele fundamento.
III - Deve considerar-se como erro imputável aos serviços o vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto, quando os factos foram apurados pela AT que, com base neles, procedeu à correcção do lucro tributável declarado e à liquidação adicional do imposto.”
De tudo o mencionado, resulta claro que sobre a AT impende o dever de decidir todos os pedidos de revisão oficiosa que lhe sejam dirigidos pelos contribuintes, desde logo ao abrigo do disposto no nº 1 do artigo 78º da LGT, corrigindo todos os erros das liquidações que tenham conduzido a uma arrecadação de receita superior à devida, uma vez que toda a sua atividade se encontra sujeita ao Princípio da Legalidade, consagrado não apenas na Lei Geral Tributária (art. 55º), mas na própria Constituição da República, mais concretamente no seu artigo 266º.
Baixando ao presente recurso, verificamos que o Recorrido procedeu à entrega duma primeira declaração Modelo 3 de IRS para o exercício de 2009, tendo da mesma feito constar o valor de rendimentos que a sua entidade patronal havia declarado, quer na sua declaração modelo 10, quer na declaração que lhe teria remetido para o efeito.
Mais tarde, em Abril de 2011, a mesma entidade patronal procedeu à entrega duma nova declaração que remeteu ao Recorrido, indicando um valor de rendimentos sujeitos a tributação em sede de IRS do exercício de 2009 inferior aos constantes da primeira declaração, tendo também procedido à correção da sua declaração modelo 10 de IRS.
O Recorrido apresentou uma declaração de substituição para o aludido exercício e, em face da sua não liquidação, apresentou em Maio de 2012 um pedido de revisão.
Este pedido de revisão foi indeferido pela Recorrente com fundamento na inexistência de erro dos serviços, bem como na circunstância de não existir uma injustiça grave ou notória.
Nenhum destes factos é controvertido.
Ora, ficando demonstrado que o rendimento declarado na primeira declaração modelo 3 de IRS do Recorrido era superior ao que consta da segunda declaração, não colocando a Recorrente em causa os valores indicados em qualquer das declarações e sendo também certo que o pedido formulado o foi dentro do prazo de quatro anos, sobre a Recorrente impendia, como bem decidiu o Tribunal a quo, o dever de corrigir a liquidação, desde logo ao abrigo do disposto no nº 1 do artigo 78º da LGT e Princípio da Legalidade que enforma toda a sua atividade.
Em consequência, e como bem decidiu o Tribunal a quo, a decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa não se poderia manter na ordem jurídica, pelo que o presente recurso terá de naufragar.
Julgando-se improcedente o recurso com este fundamento fica prejudicado o conhecimento da questão referente à injustiça grave e notória, prevista no nº 4 do artigo 78º da LGT e ao entendimento sufragado pelo oficio-circulado da Recorrente, bem como a sua validade. Na verdade, considerando-se que o pedido deveria ter sido admitido ao abrigo do disposto no nº 1 do artigo 78º da LGT é absolutamente irrelevante indagar da sua admissibilidade, ou falta dela, ao abrigo do nº 4 do mesmo preceito.
Vem ainda o Recorrido, em sede de contra-alegações, peticionar o pagamento de juros indemnizatórios.
Cumpre salientar que tal pedido nunca foi formulado em sede de impugnação judicial, conforme se retira da leitura da petição inicial, pelo que o Tribunal a quo nunca se pronunciou sobre tal questão.
Muito embora se entenda que o pagamento de juros indemnizatórios não depende de pedido a formular em primeira instância, a verdade é que, em sede de recurso, o Tribunal ad quem apenas pode decidir sobre questões que foram apreciadas na decisão recorrida, não podendo confrontar-se com questões novas, salvo quando se trate de questões de conhecimento oficioso, o que não ocorre no caso aqui em apreço, nomeadamente por força do Princípio da preclusão (vide Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 7ª edição atualizada, Almedina, pags. 139 e segs.), pelo que se rejeita o recurso do Recorrido.
Ainda assim, refira-se que tal pedido poderá sempre vir a ser efetuado em sede de execução de sentença.
Assim sendo não se conhece o pedido em sede de contra-alegações pelo Recorrido.

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CUSTAS
No que diz respeito à responsabilidade pelas custas do presente Recurso, atendendo ao seu total decaimento da Recorrente, as custas são da sua responsabilidade. [cfr. art. 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC, aplicável ex vi art. 2.º, alínea e) do CPPT].

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III- Decisão

Face ao exposto, acordam, em conferência, os Juízes da Subsecção de Contencioso Tributário Comum deste Tribunal Central Administrativo Sul negar provimento ao recurso, confirmar a sentença recorrida e não se conhece o requerido pelo Recorrido relativo a juros indemnizatórios.

Lisboa, 23 de Janeiro de 2025

Cristina Coelho da Silva (Relatora)

Margarida Reis

Tiago Brandão de Pinho (com declaração de voto)


Declaração de Voto

Voto a decisão, no sentido de negar provimento ao recurso e confirmar a sentença que anulou parcialmente a liquidação.

Acompanho o acórdão na resposta às questões relativas ao erro no julgamento de facto (inexiste, uma vez que além dos factos essenciais, também os instrumentais, como é o caso, devem ser considerados na decisão), à nulidade da sentença (inexiste, uma vez que não há qualquer ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível) e ao pedido de pagamento de juros (a questão não foi conhecida na 1.ª instância, o que obsta à ampliação do recurso da Recorrente).

Quanto à questão da ilegalidade da liquidação de IRS, também considero que ela se verifica por resultar dos autos que o rendimento auferido pelo sujeito passivo foi inferior àquele que inicialmente declarou e pelo qual foi tributado.

Todavia, ao contrário do caminho que trilha a posição vencedora, não chego a esta conclusão pela via da existência de erro imputável aos serviços prevista na parte final do artigo 78.º, n.º 1, da LGT. Por um lado, porque a causa de pedir do Recurso se centra, exclusivamente, nos n.os 4 e 5 do mesmo artigo 78.º (cfr. as conclusões J a N e P do Recurso) que, aliás, foi a norma indicada, interpretada e aplicada na sentença recorrida. Por outro, ainda que assim não fosse, por entender não ser imputável à Autoridade Tributária as alterações aos rendimentos declarados quer pelo contribuinte quer pela sua entidade empregadora.

Acompanho, antes, a fundamentação da sentença recorrida, e face às declarações congruentes do contribuinte e da sua entidade empregadora no sentido de serem inferiores aos inicialmente declarados os rendimentos efetivamente pagos - valores também considerados no procedimento [nomeadamente na informação referida no ponto j) e no projeto de decisão referido no ponto k) do probatório] -, entendo estar-se perante uma situação ostensiva e inequívoca, configurando a tributação dos rendimentos mais elevados inicialmente declarados uma injustiça notória para o efeito previsto no artigo 78.º da LGT (cfr. os seus números 4 e 5), sendo inócuo para tal notoriedade que a diferença entre os valores declarados na primeira e na segunda declaração seja inferior a 3%, ao contrário do que sustenta a Autoridade Tributária com fundamento na doutrina de um mero ofício-circulado, mas sem apoio legal para tal quantificação.

Tiago Brandão de Pinho