Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:193/19.3BELLE
Secção:CT
Data do Acordão:03/12/2025
Relator:TIAGO BRANDÃO DE PINHO
Descritores:ANULAÇÃO PARCIAL
IVA
DESPORTO
ISENÇÃO
FALTA DE FIXAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
AMPLIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
Sumário:1 – Tendo a Inspeção efetuado correções técnicas e correções através de métodos indiretos, se apenas estas são ilegais, as liquidações devem ser apenas parcialmente anuladas.
2 - São requisitos cumulativos da isenção prevista no artigo 9.º, alínea 8), do Código do IVA que (1) o prestador seja um organismo sem finalidade lucrativa nos termos do artigo 10.º do CIVA que (2) explore instalações destinadas à prática de atividades desportivas e que (3) o destinatário da prestação de serviço seja a pessoa que pratica a atividade desportiva.
3 – A pessoa que pratica a atividade desportiva é aquela em quem se produzem os benefícios que a atividade física provoca no desportista, sendo que a isenção opera desde que a prestação do serviço seja usufruída por pessoa que pratique desporto, isto é, por um atleta, que não pelo clube ou qualquer outro agente desportivo, como um treinador, ainda que quem suporte a contraprestação seja uma pessoa coletiva.
4 – No âmbito de provas de pombal único (os designados derbies, competições desportivas realizadas sob a égide da Federação Portuguesa de Columbofilia), os columbófilos realizam diretamente os treinos iniciais dos pombos, mas depois de os enviarem para o pombal/columbódromo apenas indiretamente potenciam a capacidade de orientação dos seus pombos para regressarem ao pombal da competição, traçam um plano de alimentação ou acompanham o estado físico dos seus pombos (quem o faz é a entidade organizadora da competição, ainda que no âmbito da prestação de serviço contratada com o columbófilo).
5 - Nos derbies em análise nos autos, a atividade desportiva dos columbófilos foi a de técnico/treinador (na medida em que visaram potenciar o rendimento dos seus pombos), e a dos pombos foi a de atleta/praticante (uma vez que o seu objetivo foi obter o melhor desempenho possível de maneira a chegar ao pombal em primeiro lugar).
6 – Consequentemente, as prestações de serviço em crise nos autos não foram prestadas às pessoas que praticam a atividade desportiva (as corridas), nem os beneficiários efetivos foram pessoas que praticam desporto, não se encontrando reunidos os três requisitos cumulativos de que depende a isenção prevista no artigo 9.º, alínea 8), do CIVA.
7 – Tem de ser levada à matéria de facto, e nela discriminada como provada ou não provada, a factualidade relativa aos factos essenciais que constituem a causa de pedir.
8 – Para se concluir se se encontra preenchido o segmento normativo do artigo 9.º, alínea 19), do CIVA que prevê que “a única contraprestação seja uma quota fixada nos termos dos estatutos”, impõe-se levar ao probatório, com pronúncia positiva ou negativa sobre a sua ocorrência, os factos que permitam qualificar se as quantias consideradas contrapartida das prestações de serviços tributadas foram, ou não, entregues a título de quota estatutariamente exigida.
9 – Não tendo tais factos sido levados ao probatório e não constando do processo todos os meios de prova que permitiriam a alteração da matéria de facto pelo Tribunal de segunda instância, nomeadamente os estatutos da associação em vigor à data das provas, a sentença deve ser anulada por se mostrar indispensável a ampliação da matéria de facto.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção Tributária Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam na Subsecção Tributária Comum do Tribunal Central Administrativo Sul:

Na Impugnação Judicial n.º 193/19.3BELLE, deduzida por G.... – Associação contra Autoridade Tributária e Aduaneira no Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, foi proferida sentença em 20 de fevereiro de 2023 que, julgando-a procedente, anulou as liquidações de IVA do ano de 2015 e respetivos juros compensatórios.
A sentença ora posta em xeque considerou, na sua fundamentação, que embora as prestações de serviços não estivessem isentas de IVA ao abrigo do artigo 9.º, n.ºs 8 e 19, do Código do IVA, a Administração determinou a matéria coletável por métodos indiretos quantificando-a de modo excessivo, sem correspondência à realidade, uma vez que à inscrição de um pombo no derby não corresponde automaticamente um pagamento, pois os animais por vezes morrem, outras vezes perdem-se, outras ainda se lesionam.
Inconformada, a Recorrente formulou as seguintes conclusões:
1. Com a ressalva do sempre devido respeito, não pode a Fazenda Pública conformar-se com o doutamente decidido na sentença recorrida, por entender existir erro de julgamento, tendo decidido o tribunal a quo em desconformidade com a realidade factual;
2. O douto tribunal a quo conclui pela procedência da Impugnação e pela anulação das liquidações do IVA e juros compensatórios do ano 2015.
3. Esta conclusão, no entender na Fazenda Pública, surge deveras abalada pela análise do dispositivo da sentença.
4. No relatório de inspeção foi apurado um valor de IVA em falta (não liquidado) de € 108 142,40, com base nos elementos de contabilidade e com fundamento no incorreto tratamento dado aos valores recebidos como isentos de IVA, quando estariam sujeitos a imposto.
5. A própria sentença conclui que assim é, improcedendo o alegado pela Impugnante a esse respeito.
6. Por métodos indiretos foi apurado um valor presumido de IVA em falta de mais € 92 350,48, que na sentença se reputou de excessivamente quantificado tendo-se considerado demonstrada pela Impugnante a falta de correspondência com a realidade do valor da faturação/vendas presumidas.
7. Não se põe em causa a desconsideração dos valores liquidados adicionalmente com base nos valores apurados por métodos indiretos.
8. Mas os valores apurados com base na contabilidade devem manter-se, assim como a parte da liquidação que lhes correspondente, porque válidos e com plena cobertura legal.
9. E deste modo, a Impugnação deveria apenas parcialmente proceder.
E contra-alegando conclui, por sua vez, G.... – Associação, requerendo a ampliação do âmbito do Recurso:
A) Vem o presente recurso interposto da douta sentença proferida nos autos referenciados em que se julga procedente a impugnação judicial deduzida contra o IVA liquidado adicionalmente para o ano de 2015.
B) As referidas liquidações de IVA tiveram na sua base correcções com recurso a métodos indirectos nos termos dos artigos 870 e 900 da Lei Geral Tributária.
C) Tais correcções fundaram-se no entendimento da Autoridade Tributária de que o valor das quotas recebido pela associação impugnante pelas inscrições na prova columbófila denominada Algarve Golden Race está sujeito a IVA e não isento deste imposto como havia sido considerado pela aqui recorrida.
D) A douta sentença recorrida, anuindo ao entendimento da A.T. de que os valores recebidos pela impugnante não estavam isentos de IVA, veio a julgar a impugnação procedente por excesso de quantificação das liquidações fundadas em correcções por métodos indirectos.
E) Com efeito, para além da isenção de IVA, subsidiariamente, a aqui recorrida pugnava que as liquidações efectuadas com recurso a métodos indirectos, estavam feridas de ilegalidade por terem sido determinadas com base numa quantificação manifestamente excessiva.
D’) A douta sentença julgou a impugnação procedente ordenando a anulação das liquidações de IVA apurado através de métodos indirectos, o que, salvo melhor opinião, não merece censura.
E’) De facto, se atentarmos no quadro de fls.6 do Relatório da Inspecção junto à petição inicial como Doc. 3, a totalidade dos valores do imposto (IVA) corrigidos para 2015 no montante de €195.012,61, é considerada a título de correcções por métodos indirectos, como, aliás, consta do mandado de notificação constante de fls. 1 do referido Doc. 3 em que se diz que a fixação do IVA por métodos indirectos nos termos do artigo 87º a 90º da LGT para aquele ano é no montante global de €195.012,61 e, por isso, em consequência, a totalidade dessas correcções de IVA foi sindicada em sede do procedimento de revisão a que se refere o artigo 91º da LGT e consta da decisão da Autoridade Tributária junta aos autos a fls. 114 e em que esta considera que todo o IVA em causa foi corrigido com recurso a métodos indirectos.
F) E, assim sendo, tendo a totalidade das liquidações de IVA sindicadas na sua base a avaliação indirecta, não era possível distinguir, como pretende a Fazenda Pública no seu recurso, que uma parte das mesmas tenha fundamento em avaliação directa e outra parte seja com recurso a métodos indirectos, pelo que bem andou a douta sentença recorrida ao decidir pela anulação integral das liquidações impugnadas.
G) No que se refere às isenções previstas nas alíneas 8) e 19) do artigo 9º do Código do IVA, a douta sentença concluiu que o valores pagos pelos proprietários dos pombos para inscrição nas provas não corresponde ao conceito de quotas "na medida em que não são pagas por associados (sócios) relativa a um valor fixado nos termos dos estatutos, mas sim um valor pago, fixado em regulamento, por forma a possibilitar aa participação dos pombos nas provas e, igualmente, tendo por contrapartida alimentação ou serviços de veterinário, por exemplo" e, ainda, que o legislador terá pretendido que "as prestações isentas se correlacionem directamente com a actividade desportiva, por contrapartida de uma quota fixada estatutariamente", sendo que "os valores referentes às inscrições, pagos por não sócios em muitos casos, para participação numa prova desportiva organizada pela impugnante, não tem enquadramento na referida norma legal".
H) Ora, no ponto 19 dos factos provados, a douta sentença deu apenas como assente que uma "parte dos proprietários dos pombos não são sócios da impugnante" e vem depois concluir nos fundamentos da decisão que "os valores referentes às inscrições [são], pagos por não sócios em muitos casos", donde decorre, por excesso, manifesta contradição com a matéria de facto assente.
I) Acresce que a douta sentença nada refere aos valores que são pagos pelos sócios efectivos da impugnante, pelo que laborou com omissão de pronúncia neste segmento.
J) Por outro lado, a douta sentença julgou que os valores pagos não correspondiam a uma quota estatutária quando este facto não foi fixado nos factos provados o que, também aqui, representa uma contradição entre os factos provados e o julgamento proferido, já que tal conclusão não tem por base os factos assentes, sendo certo que, aliás, os estatutos da associação impugnante nem sequer se encontram juntos aos autos, pelo que mal se compreende como é que tal conclusão pode ter sido retirada na douta sentença.
K) Ou seja, não foram dados como provados factos relevantes donde se pudesse apurar que os valores recebidos pela impugnante e aqui recorrida não tivessem natureza de quota.
L) Com efeito, embora seja certo que a quota paga pelos proprietários dos pombos seja, simultaneamente, a condição de inscrição dos seus respectivos pombos nas provas realizadas pela impugnante, tal facto não invalida que os valores recebidos sejam havidos a título de quota, pelo que a douta sentença padece de erro no julgamento da matéria de facto e, por outro lado, também aqui existe uma contradição insanável entre a matéria de facto dada como provada (ou falta dela) e a fundamentação da decisão proferida.
M) Por outro lado, no que respeita ao enquadramento nos normativos jurídicos relativos à isenção de IVA prevista no artigo 9º do CIVA também mal andou a douta sentença fazendo errado julgamento de direito.
N) A douta decisão parece ter entendido que o disposto nas alíneas 8) e 19) do artigo 9º do CIVA se reportam a uma mesma e única isenção quando na verdade estas isenções, para além de localizadas de forma individualizada e distinta na sistemática do citado artigo 9º, tratam-se de duas isenções que, embora possam ser complementares, operam de forma autónoma.
O) Ora, nos termos dos factos provados, a impugnante é uma associação de direito privado sem fins lucrativos, filiada na Federação Portuguesa de Columbofilia, que organiza e desenvolve a prática de actividades desportivas e culturais no âmbito da prática da columbofilia, designadamente, organizando provas desportivas no âmbito da columbofilia, denominadas "derbies" que fazem parte do calendário daquela Federação Portuguesa de Columbofilia, em que os pombos são recebidos no seu pombal/columbódromo cerca dos meses de Março/Abril, 3 a 4 meses antes da realização das provas, para assegurar mais igualdade competitiva, sendo que os valores os valores pagos pela inscrição nos "derbies" incluem diversas prestações de serviços, como alimentação, veterinário, treinos e demais despesas.
P) E a isenção prevista no artigo 9º, alínea 8) é aplicável às prestações de serviços realizadas por organismos sem finalidade lucrativa que explorem estabelecimentos ou instalações destinadas à prática desportiva a pessoas que pratiquem essas actividades, o que é manifestamente o caso da aqui impugnante no que se refere à disponibilização do seu columbódromo e dos serviços prestados no âmbito e inerentes ao mesmo aos proprietários dos pombos concorrentes que para aí os enviam com antecedência e que se prendem com a estadia, alimentação, treino, transporte para as soltas, sanidade e demais despesas.
Q) Acresce, por outro lado, que a isenção prevista no artigo 9º, alínea 19) reporta-se a prestações de serviços e as transmissões de bens com elas conexas efectuadas no interesse colectivo dos seus associados por organismos sem finalidade lucrativa, desde que esses organismos prossigam objectivos de natureza desportiva e a única contraprestação seja uma quota fixada nos termos dos estatutos, sendo certo que o único pagamento efectuado à impugnante é o valor de uma quota anual, pese embora o pagamento desta seja também condição de inscrição das equipas de pombos que pretendam participar nas provas por aquela realizadas e, por sua vez, serem esses valores a única contrapartida dos serviços que a impugnante presta nas suas instalações desportivas (columbódromo) e, como se conclui na douta sentença recorrida, não se mostra controvertida a natureza desportiva da actividade columbófila desenvolvida pela impugnante nem a sua natureza de associação (sem fins lucrativos).
R) Ainda que se considerasse que o valor pago pelos proprietários dos pombos à aqui impugnante não tem a natureza de quota, o que não se concede, serve o mesmo para custear os serviços por esta prestados relacionados com a logística da utilização do columbódromo (instalação desportiva), alimentação dos pombos, serviços de sanidade incluindo veterinário, transporte dos pombos para o local de largada, organização das provas, etc.
S) Ademais, a interpretação da referida alínea 8) deve ser efectuada no quadro da norma de origem de que foi transposta e que consta da alínea m) do n.º 1 do artigo 132.º da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de Novembro e que, de acordo com a alínea a) do artigo 134.º do mesmo diploma, todas as transmissões de bens e prestações de serviços que mostrem indispensáveis à realização de operações isentas previstas na referida alínea m), beneficiam igualmente da isenção.
T) Sendo a impugnante é uma associação sem fins lucrativos que organiza provas desportivas de columbofilia e, para isso, gere um columbódromo que é uma instalação destinada à prática de uma actividade desportiva, a sua actividade e as prestações de serviços respectivas devem ser enquadradas na isenção de IVA nos termos da alínea 8) do artigo 90 do CIVA, pelo que mal andou a douta sentença no julgamento de direito que fez deste normativo.
U) Por outro lado e entendendo-se que o valor recebido de cada proprietário tem a natureza de quota associativa e sendo esta a única contrapartida recebida pelas prestações de serviços e transmissões de bens com elas conexas efectuadas no interesse colectivo dos seus associados, também tais valores estariam isentos nos termos da citada alínea 19) do artigo 9º, sendo que, como antes se alegou, a douta sentença julgou erradamente que tais valores não tinham a natureza de quota.
V) Termos em que mal andou a douta sentença quando julgou não ser aplicável aos valores recebidos pela impugnante aqui recorrida nenhuma das isenções a que se referem as alíneas 8) e 19) do artigo 9º do CIVA.
O Exmo. Magistrado do Ministério Público emitiu parecer no sentido da procedência parcial do Recurso, no sentido de se manter o cálculo do IVA quanto aos rendimentos que não se verificam os pressupostos da isenção, bem como corrigindo-se, mas não se anulando, o cálculo dos métodos indiretos.
A questão a decidir é, então, a de saber se a sentença errou ao considerar que o excesso na quantificação da matéria coletável consequencia a anulação integral das liquidações.
E, no caso de resposta afirmativa, haverá ainda que apreciar as questões suscitadas pela Recorrida, as de saber se as prestações de serviço tributadas estão, ou não, isentas de IVA nos termos das alíneas 8) e 19) do artigo 9º do Código do IVA, bem como se há contradição entre os factos provados e os fundamentos da decisão (cfr. conclusões F) a H) das contra-alegações).
Colhidos os vistos legais, nada obsta à decisão.
Em sede factual, vem apurado que:
1. A Impugnante é uma Associação de direito privado sem fins lucrativos que organiza e desenvolve a prática de actividades desportivas e culturais no âmbito da prática da columbofilia – não controvertido;

2. A Impugnante foi sujeita a procedimento inspectivo, ao exercício do ano 2015, realizado pelos Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Faro ao abrigo da ordem de serviço n.º OI201700831 – cfr. documento n.º 3 junto com a petição inicial;

3. Em 22 de Dezembro de 2017, foi elaborado, no âmbito do supra referido procedimento inspectivo, relatório de inspecção tributária (RIT), pelos Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Faro, do qual se extrai, designadamente, o seguinte excerto:
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– cfr. documento n.º 3 junto com a petição inicial;
4. A Impugnante solicitou a revisão da matéria colectável fixada, não tendo sido alcançado acordo entre os peritos – facto que se extrai do documento n.º 2 junto com a petição inicial;

5. Com data de 15 de Janeiro de 2019, foi emitida, em nome da Impugnante, a liquidação do IVA n.º 2019 026176372, referente ao período de imposto de 201503T [primeiro trimestre do ano 2015], no valor a pagar de € 16.924,44, acrescida de juros compensatórios e moratórios no valor a pagar de € 2.732,33 – cfr. documento n.º 1 junto com a petição inicial;

6. Com data de 15 de Janeiro de 2019, foi emitida, em nome da Impugnante, a liquidação do IVA n.º 2019 026176405, referente ao período de imposto de 201506T [segundo trimestre do ano 2015], no valor a pagar de € 104.299,25, acrescida de juros compensatórios e moratórios no valor a pagar de € 15.709,12 – cfr. documento n.º 1 junto com a petição inicial;
7. Com data de 15 de Janeiro de 2019, foi emitida, em nome da Impugnante, a liquidação do IVA n.º 2019 026176446, referente ao período de imposto de 201509T [terceiro trimestre do ano 2015], no valor a pagar de € 61.844,82, acrescida de juros compensatórios e moratórios no valor a pagar de € 8.666,54 – cfr. documento n.º 1 junto com a petição inicial;

8. Com data de 15 de Janeiro de 2019, foi emitida, em nome da Impugnante, a liquidação do IVA n.º 2019 026176446, referente ao período de imposto de 201512T [quarto trimestre do ano 2015], no valor a pagar de € 32.098,35, acrescida de juros compensatórios e moratórios no valor a pagar de € 910,37 – cfr. documento n.º 1 junto com a petição inicial;

9. Em 16 de Setembro de 2015, a Impugnante solicitou à Autoridade Tributária informação sobre a sujeição de IVA [Imposto sobre o Valor Acrescentado] e IRC [Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas], bem como a retenção de IRS pelo pagamento dos “prémios” atribuídos a residentes e não residentes, ou eventual Imposto do Selo e IVA, bem como pela compra dos pombos e respectivo leilão – cfr. documento n.º 6 junto com a petição inicial;

10. Em resposta datada de 30 de Setembro de 2015, a Autoridade Tributária informou a Impugnante do seguinte: “[r]elativamente aos prémios informa-se o seguinte em sede de imposto do selo:
1) Os rendimentos resultantes de prémios do bingo/rifas/jogo do loto/prémios de sorteios e concursos são tributados em imposto do selo.
2) O momento do nascimento da obrigação tributária (facto gerador) é aquele em que o prémio for atribuído.
3) O encargo do imposto recai sempre sobre o beneficiário.
4) Quem liquida e entrega o imposto nos cofres do Estado é a entidade que concede os prémios.
5) As taxas a aplicar sobre os valores ilíquidos dos prémios são as seguintes: 25% (bingo)/35% (restantes), acrescendo 10% quando atribuídos em espécie.
6) Os montantes dos prémios devem ser anunciados líquidos de impostos, pelo que, independentemente da taxa, o beneficiário recebe sempre o prémio pelo montante anunciado (…)” – cfr. documento n.º 5 junto com a petição inicial;
11. Com data de 17 de Dezembro de 2017, a Federação Portuguesa de Columbofilia emitiu elemento escrito denominado “parecer”, do qual se extrai, nomeadamente, o excerto que se segue:




- cfr. o documento n.º 4 junto com a petição inicial;
12. Para o ano 2015, a Impugnante elaborou “regulamento final oficial 2015”, no
qual consta, entre o mais, o seguinte:
“(texto integral no original; imagem)”
“(texto integral no original; imagem)”









“(texto integral no original; imagem)”
- cfr. o documento n.º 7 junto com a petição inicial;

13. Foi registada na prova final a chegada de 668 pombos - facto que se extrai do documento n.º 11 junto com a petição inicial;
14. A Impugnante organiza prova desportivas no âmbito da columbofilia, denominadas “derbies” - cfr. declarações de parte de R.... ;

15. A Impugnante encontra-se filiada na Federação Portuguesa de Columbofilia - cfr. declarações de parte de R.... ;

16. Os pombos são recebidos no pombal/columbódromo da Impugnante cerca dos meses de Março/Abril, 3 a 4 meses antes da realização das provas, para assegurar mais igualdade competitiva - cfr. declarações de parte de R.... ;

17. Os valores pagos pelos inscritos nos “derbies” incluem diversas prestações de serviços como alimentação, veterinário, treinos e demais despesas - cfr. declarações de parte de R.... ;

18. O total de pombos comunicados à Federação Portuguesa de Columbofilia não corresponde, posteriormente, a inscrições válidas nos “derbies” - cfr. declarações de parte de R.... ;

19. Há pombos inscritos para os “derbies” em que o valor da inscrição não é pago, nomeadamente por perda de interesse do proprietário dos mesmos atenta a sua menor qualidade competitiva - cfr. declarações de parte de R.... ;
20. A maior parte dos proprietários dos pombos são estrangeiros que pagam por transferência bancária - cfr. declarações de parte de R.... ;

21. Parte dos proprietários dos pombos não são sócios da Impugnante - cfr. declarações de parte de R.... ;
22 A Impugnante apenas possui uma conta bancária para uso - cfr. declarações de parte de R.... ;

23. As provas organizadas pela Impugnante fazem parte do calendário da Federação Portuguesa de Columbofilia - cfr. o depoimento da testemunha J... ;

24. O recenseamento dos pombos que queiram competir em território nacional é obrigatório na Federação Portuguesa de Columbofilia, quer os mesmos participem, posteriormente nas provas, quer não - cfr. o depoimento da testemunha J... ;

25. O recenseamento dos pombos obriga ao pagamento de uma taxa à Federação Portuguesa de Columbofilia, entre o mais, para efeitos sanitários - cfr. o depoimento da testemunha J... ;

26. O pagamento da taxa à Federação Portuguesa de Columbofilia não consequencia, automaticamente, a inscrição nos derbies - cfr. o depoimento da testemunha J... ;

27. Os proprietários dos pombos inscrevem estes nas provas, mas o pagamento é realizado a final - cfr. o depoimento da testemunha J... ;

28. Muitas das inscrições dos pombos não são pagas - cfr. o depoimento das testemunhas J... e Almerindo Moreira Mota Santos;

29. Há “comissões” pagas aos angariadores de participantes estrangeiros - cfr. declarações de parte de R.... ;

30. Existe um número significativo de pombos que têm a inscrição valida dada porque morrem, se perdem ou se lesionam - cfr. o depoimento das testemunhas J... e Almerindo Moreira Mota Santos;

31. A Autoridade Tributária não colocou em causa que a Impugnante é uma associação desportiva - cfr. depoimento da testemunha J... ;

32. Não constavam valores não pagos na contabilidade da Impugnante - cfr. depoimento da testemunha J... .

II- B - DOS FACTOS NÃO PROVADOS

Compulsados os autos, analisados os articulados e atenta a prova documental constante dos mesmos, bem como pela prova testemunhal produzida, não existem quaisquer factos com relevância para a decisão, atento o objecto do litígio, que devam julgar-se como não provados.
II- C – FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO

Os factos acima enunciados encontram-se, todos eles, comprovados pelos documentos acima discriminados, que não foram impugnados pelas partes nem há indícios que ponham em causa a sua genuinidade, e foram tidos em consideração por haverem sido articulados pelas partes ou por deles serem instrumentais [cfr. artigo 5.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo Civil].
Das testemunhas inquiridas os depoimentos prestados relevaram, dada a forma coerente, com conhecimento directo dos factos, escorreita e sincera como o foram, nos pontos concretamente indicados e levados aos factos dados como provados.
As testemunhas, bem como o declarante de parte, indicadas pela Impugnante, R.... , Director da Impugnante, J... e Almerindo Moreira Mota Santos, da Federação Portuguesa de Columbofilia, ou seja, por elementos com conhecimento da actividade, em concreto e em geral da Impugnante, esclareceram o Tribunal sobre a forma como se processa a actividade dos “derbies”, do recenseamento obrigatório dos pombos na Federação, da inscrição, validação e pagamento da inscrições nas provas, do pagamento das “comissões” contribuindo de forma clara para formação de convicção do Tribunal.
As testemunhas indicadas pela Fazenda Pública pouco acrescentaram ao que já se encontrava vertido no relatório de inspecção tributária, esclarecendo, pontualmente, o mesmo e a forma como foi desenvolvido o procedimento inspectivo realizado à Impugnante e que originou, posteriormente, as liquidações agora em crise.
*
QUANTO AO EFEITO JURÍDICO DO EXCESSO NA QUANTIFICAÇÃO DA MATÉRIA COLETÁVEL POR MÉTODOS INDIRETOS:
A sentença considerou, na sua fundamentação, que embora as prestações de serviços não estivessem isentas de IVA ao abrigo do artigo 9.º, n.ºs 8 e 19, do Código do IVA, a Administração determinou a matéria coletável por métodos indiretos quantificando-a de modo excessivo, sem correspondência à realidade, uma vez que à inscrição de um pombo no derby não corresponde automaticamente um pagamento, pois os animais por vezes morrem, outras vezes perdem-se, outras ainda se lesionam. E, consequentemente, anulou as liquidações impugnadas.
A Recorrente sustenta que foram realizados três grupos de correções, um relativo a operações não isentas, outro relativo a subfaturação e outro relativo à aplicação de métodos indiretos, pelo que tendo sido assacada uma ilegalidade à aplicação de métodos indiretos, apenas este grupo de correções poderia ser anulado, o que levaria a uma anulação parcial das liquidações.
Já a Recorrida advoga que “se atentarmos no Relatório da Inspeção junto à Petição Inicial como Doc. 3, no quadro de fls. 6 deste documento a totalidade do valor do imposto (IVA) corrigido no montante de 195.012,61€ para o ano de 2015 é considerado a título de correções por métodos indiretos”.
Vejamos, então.
Efetivamente, no Mapa Resumo das Correções Resultantes da Ação de Inspeção constante de fls. 6 do RIT é indicado que o IVA em falta foi determinado exclusivamente com recurso a métodos indiretos.
No entanto, analisado o teor do Relatório verifica-se que a Inspeção fez duas correções.
Num primeiro momento, por considerar que “o valor correspondente às inscrições/quotas para participação na prova organizada pela associação GOLDEN RACE não enquadram na definição de quotas, previsto no n.º 3 do artigo 54.º do Código do IRC”, analisou “os montantes contabilizados pelo sujeito passivo considerados como isentos (inscrições, ativação de pombo de reserva e inscrição de pombo designado para prémio «paralelo»)” – cfr. o capítulo IV do RIT transcrito no ponto 3 do probatório.
E aqui, no ponto “4 – Prestações de Serviços Contabilizadas”, a Inspeção constatou “na contabilidade do sujeito passivo que o valor das inscrições (inscrições iniciais, ativação do pombo de reserva e inscrição de pombo designado para o prémio «paralelo») foi registado na sua totalidade na conta «721 – Quotas de inscrição evento desportivo – isento IVA» (…) que regista o montante de anual de € 434.726,16 no ano de 2015”.
Ao contrário do entendimento do Sujeito Passivo, a Inspeção considerou que a quantia de € 434.726,16 estava sujeita e não isenta de IVA, surgindo então identificada na primeira linha do Quadro 24 relativo ao “Apuramento do Rendimento Global pela Golden Race” como “Correções técnicas (2)”.
Já num segundo momento, a Inspeção concluiu que, face aos regulamentos das provas, os valores contabilizados eram inferiores aos devidos. E considerando verificar-se uma impossibilidade de “comprovação e quantificação direta e exata da matéria tributável” procedeu “ao seu apuramento nos termos das alíneas d) e i) do n.º 1 do artigo 90.º da LGT”, acrescendo € 401.523,64 à matéria coletável, através de métodos indiretos.
A sentença considerou que “atento o teor do artigo 9.º [do CIVA], o valor de inscrição pago pelos proprietários dos pombos, nas provas, não corresponde ao conceito de quotas, na medida em que não são pagas por associados (sócios), relativa a um valor fixado nos termos dos estatutos, mas sim um valor pago, fixado em regulamento, por forma a possibilitar a participação dos pombos nas provas e, igualmente, tendo por contrapartida alimentação ou serviços de veterinário, por exemplo”, e decidiu que a isenção não se verificava, dando, pois, razão, à Administração quanto à correção de € 434.726,16.
Já quanto ao excesso na quantificação, a sentença entendeu “Da prova realizada, mormente da testemunhal, perceciona-se que a inscrição de pombos (ou equipas de pombos) não é, per si, uma validação e participação correspondente ao pagamento que a Impugnante recebe por essa participação. Ou porque morrem, se perdem ou se lesionam, ou até pela menor capacidade competitiva, que leva a que os proprietários não tenham interesse, num juízo de verosimilhança, a inscrever os mesmos”. Ou seja, a sentença considerou que não era possível fazer corresponder uma taxa de inscrição a cada pombo inscrito, e não validou a correção de € 401.523,64.
Deste modo, a sentença considerou que os € 434.726,16 constantes da contabilidade não estavam isentos de IVA (ao contrário do que entende o sujeito passivo), e que a fixação da matéria coletável através de indícios e presunções, no valor de € 401.523,64, não era legal (ao contrário do que entendia a Administração Tributária).
Mas, assim sendo, a sentença não devia ter anulado a totalidade das liquidações, pois que considerou legal a correção dos preditos € 434.726,16 e apenas julgou ilegais a correção dos € 401.523,64.
Pelo que a sentença merece a crítica que lhe é dirigida pela Recorrente.
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Todavia, a Recorrida, através da ampliação do Recurso, põe em xeque a legalidade a correção daqueles € 434.726,16, pelo que se impõe apreciar se as prestações de serviço tributadas se encontram, ou não, isentas.
QUANTO À ISENÇÃO PREVISTA NO ARTIGO 9.º, ALÍNEA 8), DO CIVA:
A norma do artigo 9.º, alínea 8), do Código do IVA, na redação em vigor em 2015, dispõe do seguinte modo: “Estão isentas de imposto as prestações de serviços efectuadas por organismos sem finalidade lucrativa que explorem estabelecimentos ou instalações destinados à prática de actividades artísticas, desportivas, recreativas e de educação física a pessoas que pratiquem essas actividades”.
Esta norma resulta da transposição da alínea m) do artigo 132.º da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro, que estatui que os Estados-Membros isentam “determinadas prestações de serviços estreitamente relacionadas com a prática de desporto ou de educação física, efetuadas por organismos sem fins lucrativos a pessoas que pratiquem desporto ou educação física”.
Pretendeu, assim, no ponto, o legislador isentar de IVA as prestações de serviço relacionadas com a exploração de instalações desportivas, efetuadas a pessoas que pratiquem atividades desportivas por organismos sem finalidade lucrativa.
Quanto a estes, de acordo com o artigo 10.º do CIVA, “para efeitos de isenção, apenas são considerados organismos sem finalidade lucrativa os que, simultaneamente:
a) Em caso algum distribuam lucros e os seus corpos gerentes não tenham, por si ou por interposta pessoa, algum interesse directo ou indirecto nos resultados da exploração;
b) Disponham de escrituração que abranja todas as suas actividades e a ponham à disposição dos serviços fiscais, designadamente para comprovação do referido na alínea anterior;
c) Pratiquem preços homologados pelas autoridades públicas ou, para as operações não susceptíveis de homologação, preços inferiores aos exigidos para análogas operações pelas empresas comerciais sujeitas de imposto;
d) Não entrem em concorrência directa com sujeitos passivos do imposto.”
São, então, requisitos cumulativos da isenção que (1) o prestador seja um organismo sem finalidade lucrativa nos termos do artigo 10.º do CIVA que (2) explore instalações destinadas à prática de atividades desportivas e que (3) o destinatário da prestação de serviço seja a pessoa que pratica a atividade desportiva, ou seja, o praticante desportivo.
A Recorrida sustenta – conclusão P) – que a disponibilização do seu columbódromo e dos serviços aí prestados (estadia, alimentação, treino, transporte para as soltas, acompanhamento veterinário…) aos proprietários dos pombos concorrentes no âmbito do derby que organizou em 2015 são prestações de serviços isentas de IVA por serem efetuadas por uma associação.
Ora, resulta provado que a Recorrida “é uma associação de direito privado sem fins lucrativos que organiza e desenvolve a prática de actividades desportivas e culturais no âmbito da prática da columbofilia” – cfr. ponto 1 do probatório -, pelo que se conclui, para efeito da alínea a) do artigo 10.º do CIVA, que não distribui lucros e que as suas receitas são integralmente afetas ao seu escopo associativo.
Resulta igualmente provado que a Recorrente “foi sujeita a um procedimento de inspecção ao exercício de 2015” que culminou com a elaboração do Relatório de Inspeção Tributária, após a análise da sua contabilidade – cfr. pontos 2 e 3 do probatório -, pelo que, para efeito da alínea b) do artigo 10.º do CIVA, dispõe de escrituração que abrange todas as suas atividades e que foi disponibilizada aos serviços fiscais.
Finalmente, ainda no que ao artigo 10.º diz respeito, verifica-se que a Recorrida não exerce uma atividade comercial, industrial ou agrícola, mas sim atividades desportivas e culturais no âmbito da prática da columbofilia – cfr. o predito ponto 1 do probatório -, pelo que não se encontra em concorrência com empresas comerciais (alínea c) do artigo 10.º) ou em concorrência com outros sujeitos passivos de IVA (alínea d) do mesmo artigo 10.º).
E estando preenchidos os requisitos do artigo 10.º do CIVA, encontra-se também verificado aquele primeiro requisito da isenção prevista na alínea 8) do artigo 9.º: o prestador dos serviços é um organismo sem finalidade lucrativa.
Resulta também provado que a Recorrida “organiza provas desportivas no âmbito da columbofilia denominadas «derbies»” que “fazem parte do calendário da Federação Portuguesa de Columbofilia”, no âmbito das quais “Os pombos são recebidos no pombal/columbódromo da impugnante cerca dos meses de março/abril, 3 a 4 meses antes da realização das prova, para assegurar mais igualdade competitiva”, sendo que “Os valores pagos pela inscrição nos «derbies» incluem diversas prestações de serviços como alimentação, veterinário, treinos e demais despesas” – cfr. pontos 14 a 17 e 23 do probatório.
Pelo que também se verifica o predito segundo requisito cumulativo: a associação explora instalações destinadas à prática de atividades desportivas.
E, assim sendo, é pacífico estar-se perante prestações de serviços efetuadas por organismo sem finalidade lucrativa que explora instalação destinada à prática de atividades desportivas.
Todavia, para que estas prestações de serviços estejam isentas de IVA é também necessário que se observe o terceiro requisito cumulativo, isto é, que aquelas sejam prestadas “a pessoas que pratiquem desporto”.
Pretendeu, assim, o legislador que a prestação de serviço de exploração de instalação desportiva esteja isenta de IVA se, além do mais, for prestada ao praticante, atentos os benefícios que a atividade física provoca no desportista.
Sobre este inciso normativo já se debruçou o Tribunal de Justiça da União Europeia, ainda que na redação em vigor por força do artigo 13.º-A, n.º 1, alínea m), da Sexta Diretiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de maio de 1977, no sentido de dever ser interpretado “que abrange igualmente, no contexto de pessoas que praticam desporto, prestações de serviços fornecidas a pessoas coletivas e a associações não registadas, desde que (…) essas prestações tenham uma estreita conexão com a prática do desporto e sejam indispensáveis à sua realização, sejam efetuadas por organismos sem fins lucrativos e que os beneficiários efetivos das referidas prestações sejam pessoas que praticam desporto”.
Ou seja, independentemente de quem suporta a contraprestação, ponto é que a prestação do serviço seja usufruída por pessoa pratique desporto, isto é, por atleta, que não pelo clube ou qualquer outro agente desportivo.
A Federação Portuguesa de Columbofilia, em cujo calendário de competições se integrou o derby Algarve Golden Race do ano de 2015, viu renovado o seu estatuto de utilidade pública desportiva através do despacho do Secretário de Estado do Desporto e Juventude n.º 5321/2013, de 5 de abril, publicado na II Série do Diário da República de 22 de abril de 2013.
A Federação Portuguesa de Columbofilia é, assim, de acordo com a Lei de Bases da Atividade Física e do Desporto, aprovada pela Lei n.º 5/2007, de 16 de janeiro, uma federação desportiva, isto é, uma pessoa coletiva constituída sob a forma de associação sem fins lucrativos que, além do mais, é necessariamente titular do estatuto de utilidade pública desportiva (artigo 14.º, alínea b)) que implica a atribuição de poderes públicos (de regulamentação e disciplina da respetiva modalidade – artigo 19.º) e de direitos desportivos exclusivos (conferir títulos nacionais e regionais e organizar seleções nacionais – artigo 16.º), mas também de obrigações (promover, regulamentar e dirigir, a nível nacional, a prática da modalidade respetiva e representá-la perante a Administração Pública e junto das organizações desportivas internacionais – artigo 14.º, alínea a)).
Tal significa que a República Portuguesa reconhece a columbofilia como modalidade desportiva.
Ora, quer a Lei de Bases da Atividade Física e do Desporto, quer o Regime Jurídico das Federações Desportivas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 248-B/2008, de 31 de dezembro, identificam nas modalidades desportivas várias categorias de agentes desportivos: além dos atletas/praticantes, regulam, por exemplo, os técnicos/treinadores, os árbitros/juízes, os dirigentes, os clubes ou os empresários desportivos.
Atendendo aos elementos literal e teleológico de interpretação, bem como à referida jurisprudência do TJUE, as pessoas que praticam desporto são os atletas/praticantes, por serem as pessoas praticantes quem goza dos benefícios proporcionados pela atividade física. Tais pessoas, que não animais, têm então de ser atletas/praticantes, que não técnicos/treinadores, árbitros/juízes, dirigentes ou empresários desportivos.
No caso dos autos, os serviços em análise foram prestados aos donos dos pombos-correio, no âmbito do derby Algarve Golden Race do ano de 2015.
Nestas provas, os columbófilos, a maior parte estrangeiros, inscrevem os pombos de que são proprietários mediante o pagamento de uma verba que serve também como contraprestação de diversas prestações de serviços como alimentação, veterinário, treinos e demais despesas, sendo os pombos recebidos no pombal/columbódromo da impugnante cerca de três a quatro meses antes da realização das provas – cfr. os pontos 16, 17 e 20 do probatório.
Ora, assim sendo, os columbófilos proprietários dos pombos-correio que participaram no derby Algarve Golden Race do ano de 2015 enviaram os seus pombos para a instalação desportiva (o columbódromo) onde as aves ficaram durante vários meses antes da realização da competição, sendo que após darem entrada no pombal, os pombos ficaram ao cuidado da organização – cfr. artigo 6 do Regulamento da prova, transcrito no ponto 12 do probatório.
E, desde a sua receção até à realização do derby, a organização realizou, entre março e maio, voos diários à volta do pombal por grupos de pombos conforme grupos de entrada; a partir de junho, voos diários conjunto de todos os pombos do pombal; e a partir de julho, 8 treinos iniciais cujos locais de solta constam também do Regulamento transcrito no probatório. Finalmente, a organização levou também os pombos aos locais de solta para as provas.
Deste modo, verifica-se que a atividade dos columbófilos consistiu em preparar e selecionar os pombos, em inscrevê-los nas provas e em enviá-los para o pombal que seria a meta das corridas «de pombal único», onde os deixaram ao cuidado da organização para continuarem os seus treinos, serem alimentados, acompanhados e transportados até ao ponto de partida das corridas.
Ou seja, a intervenção dos columbófilos terminou no momento em que, vários meses antes da prova, entregaram os seus pombos-correios à organização da prova de pombal único (o derby), não tendo, nestas provas, potenciado a capacidade de orientação dos seus pombos para regressarem ao pombal/columbódromo do derby, traçado um plano de alimentação ou acompanhado o estado físico dos seus pombos (quem o fez foi a organização, ainda que no âmbito da prestação de serviço contratada com o columbófilo).
E, então, impõe-se concluir que, no derby em análise nos autos, a atividade desportiva dos columbófilos consistiu na realização dos treinos iniciais dos pombos, que não na participação nas corridas que compõem cada derby, tendo a função do columbófilo sido a de técnico/treinador (na medida em que visou potenciar o rendimento do pombo), e a do pombo a de atleta/praticante (pois o seu objetivo foi obter o melhor desempenho possível de maneira a chegar ao pombal em primeiro lugar).
Pelo que as prestações de serviço em crise nos autos não foram prestadas às pessoas que praticam as corridas no âmbito do derby Algarve Golden Race do ano de 2015, nem os beneficiários efetivos foram pessoas que praticam desporto, não se encontrando reunidos os três requisitos cumulativos de que depende a isenção prevista no artigo 9.º, alínea 8), do CIVA.
Pelo que a razão não está, aqui, com a Recorrida.
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QUANTO À ISENÇÃO PREVISTA NO ARTIGO 9.º, ALÍNEA 19), DO CIVA, E À FALTA DE DISCRIMINAÇÃO DOS FACTOS RELATIVOS À NATUREZA DA QUANTIA ENTREGUE PELOS COLUMBÓFILOS À ASSOCIAÇÃO:
A norma do artigo 9.º, alínea 19), do Código do IVA, na redação em vigor em 2015, reza do seguinte modo: “Estão isentas de imposto as prestações de serviço e as transmissões de bens com elas conexas efectuadas no interesse colectivo dos seus associados por organismos sem finalidade lucrativa, desde que esses organismos prossigam objectivos de natureza política, sindical, religiosa, humanitária, filantrópica, recreativa, desportiva, cultural, cívica ou de representação de interesses económicos e a única contraprestação seja uma quota fixada nos termos dos estatutos”.
Desejou, então, no ponto, o legislador nacional isentar de IVA as prestações de serviço e as transmissões de bens com elas conexas efetuadas por (1) organismos sem finalidade lucrativa que (2) prossigam objetivos de natureza desportiva, (3) no interesse coletivo dos seus associados, desde que (4) a única contraprestação seja uma quota fixada nos termos dos estatutos (não podendo, pois, ser compensadas de qualquer outro modo, total ou parcialmente).
Alega a Recorrida que a sentença “julgou que os valores pagos não correspondiam a uma quota estatutária quando este facto não foi fixado nos factos provados o que, também aqui, representa uma contradição entre os factos provados e o julgamento proferido, já que tal conclusão não tem por base os factos assentes, sendo certo que, aliás, os estatutos da associação impugnante nem sequer se encontram juntos aos autos”, “ou seja, não foram dados como provados factos relevantes donde se pudesse apurar que os valores recebidos pela impugnante e aqui recorrente não tivessem a natureza de quota” – cfr. conclusões J) e K) das contra-alegações de Recurso.
Ora, efetivamente, um dos pressupostos da isenção, o quarto e último na enumeração acima efetuada, é que as prestações de serviço e as transmissões de bens com elas conexas tenham como única contraprestação uma quota fixada nos termos dos estatutos.
Por este segmento se integrar na previsão normativa que atribui a isenção, são factos essenciais aqueles permitem concluir se as quantias, consideradas contrapartidas das prestações de serviços tributadas, foram, ou não, entregues a título de quota fixada nos termos dos estatutos.
E, como tal, têm de ser levados à matéria de facto, e nela discriminada como provados ou não provados.
Todavia, o probatório é omisso quanto a esta factualidade que constitui uma das causas de pedir.
Estamos, então, perante uma decisão da matéria de facto que apresenta uma patologia que não corresponde “verdadeiramente a erros de apreciação ou de julgamento”, uma situação que exige a ampliação da matéria de facto por terem sido omitidos do probatório “factos alegados pelas partes que se revelam essenciais para a resolução do litígio, na medida em que assegur[a]m enquadramento jurídico diverso do suposto pelo tribunal a quo. Trata-se de uma faculdade que nem sequer está dependente da iniciativa do recorrente, bastando que a Relação se confronte com uma objectiva omissão de factos relevantes”. Neste caso, estando acessíveis todos os elementos probatórios relevantes, “a Relação deve proceder à sua apreciação e introduzir na decisão da matéria de facto as modificações que forem consideradas oportunas” – cfr. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, nota 13 ao artigo 662.º do CPC, pp. 237, 240 e 241, Almedina, 2013.
Nos presentes autos não constam do processo todos os elementos probatórios que permitiriam a alteração da decisão da matéria de facto, desde logo porque, como assinala a Recorrente, os estatutos da associação impugnante nem sequer se encontram juntos aos autos.
E não sendo possível a modificabilidade da decisão de facto, impõe-se, ex vi da alínea c) do n.º 2 do artigo 662.º do Código de Processo Civil, anular a decisão proferida na 1.ª instância para que proceda à predita ampliação da matéria de facto (nomeadamente, após a junção aos autos dos estatutos da Recorrida) e interprete e aplique a norma do artigo 9.º, alínea 19), do Código do IVA (que por força do princípio do primado deve estar em conformidade com a Sexta Diretiva – cfr., nomeadamente, a alínea l) do artigo 132.º da Diretiva 2006/112/CE, bem como os regimes de isenção que o Estado português estava autorizado a criar, maxime em relação aos organismos que prossigam objetivos de natureza desportiva).
Consequentemente, fica prejudicado o conhecimento da última questão suscitada pela Recorrida – contradição entre o facto provado no ponto 21 do probatório e os fundamentos da decisão (cfr. conclusão H) do Recurso) -, pois esta deve ser, como se viu, anulada.
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Ou seja, em síntese, face aos temas tratados na presente decisão (Anulação parcial - IVA – Desporto – Isenção - Falta de fixação da matéria de facto - Ampliação da matéria de facto), conclui-se que:
1 – Tendo a Inspeção efetuado correções técnicas e correções através de métodos indiretos, se apenas estas são ilegais, as liquidações devem ser apenas parcialmente anuladas.
2 - São requisitos cumulativos da isenção prevista no artigo 9.º, alínea 8), do Código do IVA que (1) o prestador seja um organismo sem finalidade lucrativa nos termos do artigo 10.º do CIVA que (2) explore instalações destinadas à prática de atividades desportivas e que (3) o destinatário da prestação de serviço seja a pessoa que pratica a atividade desportiva.
3 – A pessoa que pratica a atividade desportiva é aquela em quem se produzem os benefícios que a atividade física provoca no desportista, sendo que a isenção opera desde que a prestação do serviço seja usufruída por pessoa que pratique desporto, isto é, por um atleta, que não pelo clube ou qualquer outro agente desportivo, como um treinador, ainda que quem suporte a contraprestação seja uma pessoa coletiva.
4 – No âmbito de provas de pombal único (os designados derbies, competições desportivas realizadas sob a égide da Federação Portuguesa de Columbofilia), os columbófilos realizam diretamente os treinos iniciais dos pombos, mas depois de os enviarem para o pombal/columbódromo apenas indiretamente potenciam a capacidade de orientação dos seus pombos para regressarem ao pombal da competição, traçam um plano de alimentação ou acompanham o estado físico dos seus pombos (quem o faz é a entidade organizadora da competição, ainda que no âmbito da prestação de serviço contratada com o columbófilo).
5 - Nos derbies em análise nos autos, a atividade desportiva dos columbófilos foi a de técnico/treinador (na medida em que visaram potenciar o rendimento dos seus pombos), e a dos pombos foi a de atleta/praticante (uma vez que o seu objetivo foi obter o melhor desempenho possível de maneira a chegar ao pombal em primeiro lugar).
6 – Consequentemente, as prestações de serviço em crise nos autos não foram prestadas às pessoas que praticam a atividade desportiva (as corridas), nem os beneficiários efetivos foram pessoas que praticam desporto, não se encontrando reunidos os três requisitos cumulativos de que depende a isenção prevista no artigo 9.º, alínea 8), do CIVA.
7 – Tem de ser levada à matéria de facto, e nela discriminada como provada ou não provada, a factualidade relativa aos factos essenciais que constituem a causa de pedir.
8 – Para se concluir se se encontra preenchido o segmento normativo do artigo 9.º, alínea 19), do CIVA que prevê que “a única contraprestação seja uma quota fixada nos termos dos estatutos”, impõe-se levar ao probatório, com pronúncia positiva ou negativa sobre a sua ocorrência, os factos que permitam qualificar se as quantias consideradas contrapartida das prestações de serviços tributadas foram, ou não, entregues a título de quota estatutariamente exigida.
9 – Não tendo tais factos sido levados ao probatório e não constando do processo todos os meios de prova que permitiriam a alteração da matéria de facto pelo Tribunal de segunda instância, nomeadamente os estatutos da associação em vigor à data das provas, a sentença deve ser anulada por se mostrar indispensável a ampliação da matéria de facto.

Termos em que se acorda:
- Conceder provimento ao Recurso interposto pela Autoridade Tributária e Aduaneira, revogar a sentença recorrida na parte em que anulou totalmente as liquidações impugnadas, e anular parcialmente as liquidações quanto à correção no montante de € 401.523,64;
- Manter a sentença na parte em que julgou improcedente a Impugnação Judicial por não se verificar a isenção prevista no artigo 9.º, alínea 8), do Código do IVA;
- Anular a sentença na parte em que julgou não se verificar a isenção prevista no artigo 9.º, alínea 19), do Código do IVA, e ordenar a baixa do processo à 1.ª instância para a ampliação da matéria de facto de modo a que nela sejam incluídos os factos que permitam concluir se as quantias consideradas contrapartida das prestações de serviços tributadas foram, ou não, entregues a título de quota fixada nos termos dos estatutos, e a tramitação subsequente do processo até à prolação de nova sentença concordante com o resultado da ampliação.

São devidas custas, neste TCA Sul, pela Recorrente e pela Recorrida, na proporção do vencido que se fixa em 50%.
Lisboa, 12 de março de 2025.
Tiago Brandão de Pinho (relator) – Cristina Coelho da SilvaMargarida Reis