Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
| Processo: | 19/24.6BELRS |
| Secção: | CT |
| Data do Acordão: | 02/20/2025 |
| Relator: | SUSANA BARRETO |
| Descritores: | NULIDADE INSANÁVEL FALTA DE CITAÇÃO |
| Sumário: | I - Nos termos do artigo 165/1.a) do CPPT, a falta de citação é uma nulidade insanável, quando a mesma possa prejudicar a defesa do interessado. II - A nulidade da falta de citação da executada é de conhecimento oficioso (artigo 165/4 CPPT). III - Recai sobre a Autoridade Tributária o ónus da prova sobre a efetivação da citação e sobre o citando a alegação e prova sobre o não conhecimento do ato por facto que não lhe é imputável. |
| Votação: | Unanimidade |
| Indicações Eventuais: | Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais |
| Aditamento: |
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| Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais da Secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul: I. RELATÓRIO
B. E extraiu tal conclusão depois de ter estabelecido nos factos dados como provados nos n.ºs 5, 6 e 7 e nos factos não provados n.ºs 1 e 2 que, o aviso de receção (referente à citação via postal – 2ª Tentativa) que veio devolvido e que consta nos n.ºs 6 e 7 da matéria de facto provada encontra-se desacompanhado de qualquer documento, não sendo possível associá-lo ou fazer qualquer correspondência entre o mesmo e o ofício de citação vertido no n.º 5 dos factos provados, nomeadamente através do registo postal que se encontra aposto no mesmo Sucede que, C. contrariamente ao entendimento do douto tribunal, do mencionado aviso de receção consta não só a indicação de que se referia a uma CITAÇÃO VIA POSTAL - 2ª TENTATIVA, mas também a identificação do processo executivo no âmbito do qual era efetuada (proc. n.º 3328202101025295), como ainda consta a data da sua emissão em 23.05.2021, ou seja, data coincidente com a data da emissão do ofício da citação referente à 2ª citação constante do ponto 5 dos factos provados. D. Verifica-se, assim, salvo melhor entendimento, um défice instrutório, no que respeita ao facto dado como provado no nº 7, designadamente quanto à ausência da data da expedição do aviso de receção ali referido (23.05.2021), de cuja conjugação com a identificação do processo, com a data da emissão do ofício da citação constante do ponto 5 dos factos provados, e com a data da devolução da primeira citação (20.05.2021), resultaria, certamente, outra conclusão diferente daquela a que chegou o Mmo. Juiz. E. Pretende-se, pois, que seja alterada a matéria dada como provada no quesito 7), sendo que tal facto que enforma a matéria recursiva, e que tem importância fundamental na subsunção dos factos ao Direito. F. Note-se que o Tribunal a quo entendeu, por um lado, que a AT tinha comprovado que tinha procedido à primeira tentativa de citação da reclamante para o processo de execução fiscal nº 3328202101025295, com remessa do respetivo ofício de citação, tendo este sido devolvido pelo operador postal com a indicação de objeto não reclamado (cfr. n.ºs 2, 3 e 4 do probatório), G. admitindo, por outro, que a AT logrou demonstrar que procedeu em 23-05-2021 à emissão de novo documento de citação – correspondente ao que seria a segunda tentativa de citação do mesmo processo, H. mais constando do aviso de receção com o registo RQ710004377PT, junto aos autos, a indicação do processo n.º 3328202101025295, contendo ainda a menção do operador postal atestando que no dia 26.05.2021, na impossibilidade de entrega depositou, no recetáculo postal domiciliário da morada indicada, a citação a ela referente (cfr. PEF apenso a fls. 250 a 320 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido I. Para, imediatamente a seguir, vir o Douto Tribunal afirmar que ao documento de citação, emitido 23-05-2021 (que seria a segunda citação), não se encontra associado qualquer registo postal, nem qualquer documento que ateste que o mesmo foi efetivamente remetido à Reclamante. J. Donde, contrariamente ao entendimento do douto tribunal, resulta comprovada a existência de duas citações e o depósito no recetáculo postal do citando, concluindo-se pela efetiva citação da ora recorrida Mais, K. existe uma razão objetiva para que a AT não tenha juntado aos autos o ofício correspondente à segunda tentativa de citação, mas apenas uma cópia retirada do sistema: esse ofício original foi depositado na caixa postal do citando, não dispondo a AT desse ofício porque não foi devolvido. L. Não é pratica da AT – nem a título excecional - remeter envelopes vazios com referências a processos de execução fiscal instaurados com a indicação de «Citação Postal – 2.ª Tentativa» nos avisos de receção, sem que corresponda efetivamente ao citado, nem lhe caberia fazer prova desse facto por este resultar da experiência comum e de ponderação. M. Assim sendo, verifica-se existir uma distorção do que ficou comprovado: que a AT procedeu a uma primeira tentativa de citação, infrutífera, e posteriormente procedeu a uma segunda tentativa de citação, que foi depositada na caixa postal do citando, ora reclamante, que, recorde-se, nunca invocou expressamente esta argumentação aduzida pelo Tribunal a quo para justificar a procedência da reclamação. N. Sublinhe-se, que as citações foram endereçadas para a morada fiscal da reclamante, e que esta nunca demonstrou ter existido qualquer impedimento que não lhe tenha permitido receber as citações. O. Conforme se estabelece no Acórdão do TCA Sul, prolatado no âmbito do processo n.º 959/21.4BELRA, de 16-02-2023, «Ao citando é imposto o ónus de alegação e prova sobre o não conhecimento do acto, por motivo que lhe não é imputável (cfr. artigo 190.º, n.º 6 do CPPT), e não sobre a sua efectivação ou não que incumbe à AT»; P. Estabelece o mesmo Aresto que «Com efeito, nestes casos, a citada norma consagra uma presunção iuris tantum, de que a carta de citação foi entregue ao destinatário e que este dela teve oportuno conhecimento, sem prejuízo de essa presunção ser afastada pelo Executado se fizer prova da impossibilidade de comunicação da alteração do seu domicílio». Q. Ora, também nos presentes autos não foi alegada a falta de requisitos formais da segunda citação para sustentar uma nulidade, pelo que, desde logo, «O ónus de alegação desses factos essenciais e respectiva prova recaía sobre o reclamante, não cabendo ao tribunal substituir-se-lhe nessa incumbência, supondo ou concebendo factos concretos que pudessem ter relevo nessa matéria», e muito menos houve a comprovação pela executada da impossibilidade de comunicação da alteração do seu domicílio, nunca sequer alegada! R. Não poderia, pois, o Tribunal a quo ter concluído como concluiu, quer por não dever substituir-se à reclamante na alegação e prova dos factos, quer por a AT ter logrado provar que remeteu as duas citações à ora recorrida no PEF 3328202101025295, tendo a primeira sido devolvida e a segunda sido depositada no recetáculo postal, chegando ao poder da reclamante, não tendo esta alegado qualquer impedimento temporário ou definitivo, para comunicar a mudança do domicílio fiscal, como seria seu dever fazê-lo. S. O que aqui interessa realmente é comprovar que a citação chegou ao conhecimento da executada, o que se comprovou que sucedeu, não tendo a mesma reagido à citação por vontade própria, não conseguindo, nem sequer alegando, que se encontrava impedida de receber essa citação. T. Sendo que o Tribunal a quo foi procurar uma motivação diferente, que nunca foi invocada pela reclamante, assim se substituindo à mesma na alegação e prova dos factos Sem prescindir, U. também não pode a FP assentir com a afirmação do douto tribunal de que se frustrando a citação postal, ainda tinha a AT de lançar mão da citação por contacto pessoal, através de citação com hora certa. V. É certo que atendendo ao valor em cobrança no PEF n.º 3328202101025295, no montante de € 73.811,16, a citação teria de ser efetuada, como o foi, nos termos do artigo 192.º do CPPT, ou seja, a citação teria de ser pessoal, nomeadamente por carta registada com aviso de receção. W. Mas de acordo com o preceituado no n.º 2 do artigo 192.º do CPPT, no caso de a citação pessoal ser efetuada através de carta registada com aviso de receção e este vier devolvido ou não vier assinado o respetivo aviso por o destinatário ter recusado a sua assinatura ou não ter procedido, no prazo legal, ao levantamento da carta no estabelecimento postal e não se comprovar que o contribuinte comunicou a alteração do seu domicílio ou sede fiscal, é repetida a citação, enviando-se nova carta registada com aviso de receção ao citando, considerando-se a citação efetuada, na data certificada pelo distribuidor do serviço postal ou, no caso de ter sido deixado aviso, no 8.º dia posterior a essa data, presumindo-se que o citando teve conhecimento dos elementos que lhe foram deixados, sem prejuízo de fazer prova da impossibilidade de comunicação da alteração do seu domicílio ou sede X. Não se impondo assim qualquer citação por contacto pessoal, através de citação com hora certa. Y. Nestes termos, e salvo o devido respeito, não pode a Fazenda Pública conformar-se com o decidido, porquanto considera que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, consubstanciado na incorreta apreciação e valoração da matéria factual, pois entende este Tribunal que (embora a Fazenda Pública tenha comprovado que deu sequência ao estipulado no artigo 192.º no que respeita à primeira e segunda tentativas de citação), o facto de alegadamente não ser possível associar o ofício da segunda citação ao aviso de receção, leva o Tribunal a quo a concluir que se verifica a nulidade por falta de citação, o que é negado pelos factos e pela ponderação que resulta da experiência comum, culminando num grave prejuízo para o Estado se se mantiver o decidido. Z. Em suma, com o devido e muito respeito, o Tribunal a quo, ao decidir como efetivamente o fez, estribou o seu entendimento numa inadequada valoração da matéria de facto e de direito relevante para a boa decisão da causa, tendo violado o disposto nos nºs 2 e 3 artigo 192.º do CPPT, impondo-se assim a substituição do sentido decisório da mesma, julgando a Reclamação parcialmente procedente, determinando a manutenção do ato reclamado no segmento em que considerou verificada a falta de citação no âmbito do PEF 3328202101025295, tudo com as legais consequências.
Termos em que, e nos melhores de Direito aplicáveis, concedendo-se provimento ao recurso, deverá a douta sentença ser revogada, com o julgamento improcedente da reclamação, com as legais consequências. Sendo que V. Exas., decidindo, farão a costumada JUSTIÇA.»
A Recorrida, devidamente notificada para o efeito, apresentou contra-alegações, nas quais conclui:
«- SOBRE QUESTÃO DA EFECTIVA REMESSA DO DOCUMENTO DE CITAÇÃO (2ª CITAÇÃO) À RECLAMANTE 1. O Meritíssimo Juiz “a quo” explicou, e bem, que, como se trata de uma execução fiscal cuja dívida ascende a € 73.811,16, e que por isso o valor do processo executivo correspondente a 500 unidades de conta, ou seja, excede o valor de € 51.000,00 a citação para aquele processo de execução fiscal teria de ser efectuada nos termos do artigo 192.º do CPPT, ou seja, a citação teria de ser pessoal, nomeadamente por carta registada com aviso de recepção 2. Do que resultou provado, constata-se que, para chamar a ora Recorrente ao processo de execução fiscal o respectivo órgão remeteu uma citação dirigida à mesma por carta registada com aviso de recepção, a qual veio devolvida sem que se tenha comprovado a entrega. 3. Dos autos não resulta que o órgão de execução fiscal tenha realizado outra tentativa de citação, ou qualquer outro tipo de diligência, nomeadamente a expedição de nova citação por carta registada com aviso de recepção, em conformidade com o disposto no n.º 4 do artigo 229.º do CPC, aplicável ex vi do n.º 1 do artigo 192.º do CPPT. 4. Tal como não se mostra cumprido o n.º 2 do artigo 192.º do CPPT, que também exige a repetição do envio da citação. 5. Tendo-se frustrado a primeira citação enviada, impunha-se que o órgão de execução fiscal procedesse à remessa de uma nova citação, também por carta registada com aviso de recepção. 6. Frustrando-se, por sua vez, a citação postal, ainda tinha de lançar mão da citação por contacto pessoal, através de citação com hora certa. 7. Encontrando-se demonstrada a emissão do documento de citação em 23-05-2021 (que seria a segunda citação), a verdade é que a este documento não se encontra associado qualquer registo postal, nem qualquer documento que ateste que o mesmo foi efectivamente remetido à ora Recorrente. 8. Não é possível associar o ofício ao aviso de recepção que consta do probatório e que foi devolvido ao órgão de execução fiscal. 9. O referido aviso de recepção encontra-se desacompanhado de qualquer documento, sem que seja possível associa-lo ao ofício de citação, nomeadamente através do registo postal que se encontra aposto no mesmo. 10. Não se pode afirmar, de forma segura e desprovida de incertezas, que foi remetida à ora Recorrida, em cumprimento do n.º 2 do artigo 192.º do CPPT, a segunda citação para o processo de execução fiscal, após se ter frustrado o envio da primeira citação. 11. Não pode operar qualquer presunção de citação, uma vez que não se mostra demonstrado, ab initio, a sua remessa à ora Recorrente. 12. O facto de não ser possível associar o ofício da segunda citação ao aviso de recepção conduz indubitavelmente à nulidade por falta de citação 13. E se assim não se concluisse, o resultado seria um grave prejuízo para o cidadão e para a segurança jurídica no seu global. 14. A falta da citação impossibilitou a ora Recorrida de usar dos meios processuais que são colocados ao dispor de qualquer executado, como seja, por exemplo, o de pedir o pagamento em prestações, bem como de deduzir Oposição alegando todos os fundamentos que a lei lhe concede. 15. Falhando essa prova, e não havendo possibilidade, pelos fundamentos expendidos na douta sentença aos quais aderimos, de presumir a segunda citação nos termos legais deverá concluir-se a procedência da Reclamação como bem se decidiu na douta Sentença Recorrida,
Pelo que deverá manter-se Assim, mantendo e confirmando integralmente a douta decisão proferida nos autos pelo Meritíssimo Juiz “a quo”. Vs. Exs. Farão JUSTIÇA!
O recurso foi admitido com subida imediata nos próprios autos e efeito meramente devolutivo. Artigo 640.º 1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:(Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto) a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. 2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes; b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes. 3 - O disposto nos n.os 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º. Com efeito, incumbe à Recorrente cumprir este ónus, identificando os factos que entende terem sido mal julgados: quer por terem sido dados como provados quando o não deveriam ter sido, quer os que foram desconsiderados e considera serem relevantes à decisão, com indicação dos meios de prova que suportam esta sua pretensão de alteração do probatório. Contudo, no que concerne à decisão da matéria de facto, a mesma não deverá conter formulações genéricas, de direito ou conclusivas. Na seleção dos factos, e na decisão sobre a matéria de facto deve o Juiz acolher apenas o facto cru, despido de conceitos de direito e de conclusões, afastando, pois, conceitos, proposições normativas ou juízos jurídico-conclusivos. Desde já diremos que a Recorrente nas conclusões das alegações de recurso indica os pontos concretos da matéria de facto que não foram dados como provados e contra os quais se insurge e a matéria que não foi dada por provada quando o deveria ter sido e indica meios de prova em que funda a sua discordância. A intervenção solicitada a este Tribunal de recurso, no que se refere à alteração da matéria de facto é, no essencial, de alteração à factualidade dada como provada mas não se insurge quanto à matéria dada como não provada nos factos sob os números 1 e 2. Ora, a singela alteração da redação do nº 7 dos factos provados peticionada, desacompanhada da alteração simétrica dos factos não provados conduzirá inelutavelmente ao insucesso da pretensão da ora Recorrente com a alteração pretendida, como melhor veremos infra. No caso em apreço, mais que o facto cru, vem antes peticionada um juízo conclusivo: o de que o ofício emitido foi enviado por carta registada com aviso de receção, e mais ainda, que esta foi depositada no recetáculo postal da Reclamante e ora Recorrida. Todavia, como já referimos supra, não vem peticionada a alteração dos factos não provados sob os números 1 e 2. Na motivação da decisão de facto, diz a sentença recorrida: «(…) No que diz respeito aos factos não provados n.ºs 1 e 2, a convicção do tribunal baseou-se no facto de não constar dos autos prova alguma, nomeadamente documental, susceptível de demonstrar qual o documento que acompanhava o aviso de recepção que veio devolvido e que consta nos n.ºs 6 e 7 da matéria de facto provada. Nomeadamente se o mesmo acompanhava o oficio de citação vertido no n.º 5 dos factos provados, referente ao processo de execução fiscal n.º 3328202101025295. Com efeito, o ofício de citação em causa (constante n.º 5 do probatório) não tem qualquer número de registo postal associado, através do qual seja possível estabelecer uma correspondência com aviso de recepção devolvido (que consta no n.º 6 do probatório), contrariamente ao que sucede com a primeira citação, na qual é possível estabelecer uma correspondência entre o número de registo postal que se encontra no ofício e o que consta no aviso de recepção devolvido, referidos nos n.ºs 2, 3 e 4 da matéria de facto provada e que coincidem. Assim, não é possível dar como provado que aquele aviso de recepção tivesse acompanhado o ofício de citação da Reclamante para o processo de execução fiscal n.º 3328202101025295, que nega o seu recebimento, razão pela qual se deu como não provado que documento aquele aviso de recepção acompanhava, bem como a remessa do documento de citação para o processo de execução fiscal n.º 3328202101025295 e referido no n.º 5 da matéria de facto provada. (…)» Assim é, não tendo a ora Recorrente indicado ou feito remissão para qualquer documento ou elemento de prova que contrarie o decidido na sentença recorrida. Consequentemente, desde já adiantaremos que a sentença recorrida que julgou verificada a falta de citação da Reclamante e ora Recorrida por ter considerado não provado ter sido enviada e depositada a carta respeitante à segunda citação para o processo de execução fiscal, após a devolução da carta respeitante à primeira tentativa de citação por carta registada com aviso de receção, isto no âmbito do PEF nº 3328202101025295, não merece a censura que lhe é feita. A improcedência do recurso quanto à pretendida alteração à matéria de facto, levará inexoravelmente à improcedência do recurso, porquanto todo o demais alegado assenta nessa premissa. Prosseguindo: A sentença recorrida, no segmento recorrido e que aqui nos interessa, começa por discorrer sobre o regime das citações em processo de execução fiscal, distinguindo corretamente entre as figuras da falta de citação e da nulidade da citação, em termos que pouco ou nada temos a acrescentar e que aqui recuperamos. Diz: «Segundo o disposto no artigo 35.º, n.º 2, do CPPT, a citação é o acto destinado a dar conhecimento ao executado de que foi proposta contra ele determinada execução ou a chamar a esta, pela primeira vez, pessoa interessada. O regime das citações em processo de execução fiscal encontra-se previsto no artigo 191.º do CPPT, o qual, na redacção vigente à data dos factos (pela Lei n.º 82-B/2014, de 31 de Dezembro), prevê nos seus n.ºs 1 e 2 que nos processos de execução fiscal cuja quantia exequenda não exceda 500 unidades de conta, a citação se efectua por simples postal, porém, sempre que a dívida exequenda seja superior a 50 vezes a unidade de conta, a citação teria de ser efectuada por carta registada. Porém, nos casos não referidos nos n.ºs 1 e 2, nas situações de efectivação de responsabilidade subsidiária, quando houver necessidade de proceder à venda de bens ou quando o órgão de execução fiscal a considerar mais eficaz para a cobrança da dívida, a citação é pessoal- Por força do previsto no artigo 192.º, n.º 1 do CPPT. as citações pessoais são efectivadas nos termos do Código de Processo Civil, cujo regime se encontra previsto no artigo 225.º, n.º 2 do CPC. Nos termos do referido artigo 225.º n.º 2 do CPC, a citação pessoal é feita mediante: a) Via electónica , nos termos da portaria prevista no n.º 2 do artigo 132.º; (b) Entrega ao citando de carta registada com aviso de recepção, seu depósito, nos termos do n.º 5 do artigo 229.º, ou certificação da recusa de recebimento, nos termos do n.º 3 do mesmo artigo. O regime de citação por via postal vem depois regulado nos 228.º e 230.º do CPC, estabelecendo o n.º 1 do artigo 22.º que a citação por via postal se faz por meio de carta registada com aviso de recepção, dirigida ao citando e endereçada para a sua residência ou local de trabalho, incluindo todos os elementos a que se refere o artigo 228.º e ainda a advertência, dirigida ao terceiro que a receba, de que a não entrega ao citando, logo que possível, o fará incorrer em responsabilidade, em termos equiparados aos da litigância de má fé. Não sendo possível a entrega da carta, prevê o n.º 5 do artigo 228.º que será deixado aviso ao destinatário, identificando-se o tribunal de onde provém e o processo a que respeita, averbando-se os motivos da impossibilidade de entrega e permanecendo a carta durante oito dias à sua disposição em estabelecimento postal devidamente identificado. Prevê ainda o n.º 4 do artigo 229.º do CPC que, no caso de o expediente vir devolvido por o destinatário não ter procedido, no prazo legal, ao levantamento da carta no estabelecimento postal ou por ter sido recusada a assinatura do aviso de recepção ou o recebimento da carta por pessoa diversa do citando, nos termos do n.º 2 do artigo 228.º do CPC, é repetida a citação, enviando-se nova carta registada com aviso de recepção ao citando e advertindo-o da cominação constante do n.º 2 do artigo 230.º. Nestas situações, prevê o n.º 5 do artigo 229.º do CPC que é deixada a própria carta, contendo cópia de todos os elementos referidos no artigo 227.º, devendo o distribuidor do serviço postal certificar a data e o local exacto em que depositou o expediente e remeter de imediato a certidão ao tribunal; não sendo possível o depósito da carta na caixa do correio do citando, o distribuidor deixa um aviso nos termos do n.º 5 do artigo 228.º. Além disso, importa ainda convocar o n.º 2 do artigo 192.º do CPPT, o qual prescreve que, no caso de a citação pessoal ser efectuada através de carta registada com aviso de recepção e este vier devolvido ou não vier assinado o respectivo aviso por o destinatário ter recusado a sua assinatura ou não ter procedido, no prazo legal, ao levantamento da carta no estabelecimento postal e não se comprovar que o contribuinte comunicou a alteração do seu domicílio ou sede fiscal, é repetida a citação, enviando-se nova carta registada com aviso de recepção ao citando, advertindo-o que a citação se considera efectuada, nos termos do artigo 191.º do CPPT, na data certificada pelo distribuidor do serviço postal ou, no caso de ter sido deixado aviso, no 8.º dia posterior a essa data, presumindo-se que o citando teve conhecimento dos elementos que lhe foram deixados, sem prejuízo de fazer prova da impossibilidade de comunicação da alteração do seu domicílio ou sede No que diz respeito aos vícios referentes ao acto de citação, podemos ter duas situações distintas, designadamente: a) A falta de citação, quando possa prejudicar a defesa do interessado, prevista no artigo 165.º, n.º 1, alínea (i), do CPPT, que configura uma nulidade insanável do processo de execução fiscal; e (ii) A nulidade da citação, quando não hajam sido observadas as formalidades prescritas na lei. Como já se antecipou, tratam-se de duas realidades distintas. Com efeito, como tem assinalado a jurisprudência, de forma pacífica e reiterada, a falta de citação não se confunde com a nulidade da citação: enquanto a falta de citação apenas ocorre nas situações expressamente previstas, à data dos factos, no artigo 195.º, n.º 1 do CPC (actual artigo 188.º, n.º 1), já a nulidade da citação verifica-se quando o acto tenha sido praticado com inobservância de formalidades prescritas na lei e a falta cometida possa prejudicar a defesa do citando [cfr. n.ºs 1 e 4 do artigo 198.º do CPC, à data dos factos, a que hoje corresponde o artigo 191.º]. Além disso, importa frisar, que apenas a falta de citação (e já não a nulidade da citação) e na medida em que possa prejudicar a defesa do executado, configura a nulidade insanável prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 165.º do CPPT. Com efeito, enquanto a nulidade da citação tem como consequência, em princípio, a anulação dos ulteriores termos processuais que dela dependam absolutamente, aproveitando-se as peças úteis ao apuramento dos factos, como decorre do disposto no n.º 2 do artigo 165.º do CPPT (cfr. entre outros, acórdão do STA, de 30-092020, proc. n.º 0677/20.0BELRS, disponível em www.dgsi.pt). Nos termos do artigo 188.º, n.º 1, do CPC, temos como situações de falta de citação as seguintes: a) Quando o acto tenha sido completamente omitido; b) Quando tenha havido erro de identidade do citado; c) Quando se tenha empregado indevidamente a citação edital; d) Quando se mostre que foi efectuada depois do falecimento do citando ou da extinção deste, tratando-se de pessoa coletiva ou sociedade; e) Quando se demonstre que o destinatário da citação pessoal não chegou a ter conhecimento do acto, por facto que não lhe seja imputável. Devendo ainda ter-se em conta o disposto no n.º 6 do artigo 190.º do CPPT, nos termos do qual, só ocorre falta de citação quando o respectivo destinatário alegue e demonstre que não chegou a ter conhecimento do acto por motivo que lhe não foi imputável. Quanto ao regime de arguição, a falta de citação pode ser invocada a todo o tempo, até ao trânsito em julgado da decisão final (cfr. artigo 165.º, n.º 4, do CPPT). Já quanto à nulidade da citação, pode ser suscitada quando, tendo sido a citação feita, na mesma não tenham sido observadas as formalidades prescritas na lei, pelo interessado, no prazo para a apresentação da oposição ou na primeira intervenção do citado no processo, no caso de citação edital [cfr. artigo 198.º, n.º 2, do CPC na redacção vigente à data) (cfr. acórdãos do STA de 12-09-2012, proc. n.º 0884/12 e de 21-11-2019, proc. n.º 03479/10.9BEPRT, disponíveis em www.dgsi.pt). Com efeito, e tal como considerado na sentença recorrida, nos termos do artigo 165/1.a) do CPPT, a falta de citação quando possa prejudicar a defesa do interessado, constitui uma nulidade insanável do processo de execução fiscal. Além dos casos em que ela é totalmente omitida, verifica-se também falta de citação nas situações previstas no artigo 188º do CPC, aplicável, ex vi artigo 2.e) do CPPT: “(b) quando tenha havido erro de identidade do citado; (c) quando se tenha empregado indevidamente a citação edital; (d) quando se mostre que foi efetuada depois do falecimento do citando ou da extinção deste, tratando-se de pessoa coletiva ou sociedade; (e) quando se demonstre que o destinatário da citação pessoal não chegou a ter conhecimento do ato, por facto que não lhe seja imputável.” Sobre o caso concreto ora em apreciação prossegue a sentença recorrida: «(…) Em primeiro lugar importa referir que, atendendo a que a dívida em cobrança no processo no de execução fiscal n.º 3328202101025295, no montante de € 73.811,16, excede o valor correspondente a 500 unidades de conta, ou seja, excede o valor de € 51.000,00 (1 UC corresponde ao valor de € 102, nos termos do artigo 22.º do Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro, conjugado com o artigo 2.º da Portaria n.º 9/2008, de 3 de Janeiro), a citação para aquele processo de execução fiscal teria de ser efectuada nos termos do artigo 192.º do CPPT, ou seja, a citação teria de ser pessoal, nomeadamente por carta registada com aviso de recepção. (…) Ora, do probatório resulta que, para chamar a Reclamante ao processo de execução fiscal n.º 3328202101025295, o órgão de execução fiscal remeteu uma citação dirigida à Reclamante, por carta registada com aviso de recepção, a qual veio devolvida sem que se tenha comprovado a entrega, considerando que o aviso de recepção foi devolvido sem aposição de assinatura e com a menção “objecto não reclamado” (cfr. n.ºs 2, 3 e 4 do probatório). Sendo que, dos autos não resulta que o órgão de execução fiscal tenha realizado outra tentativa de citação, ou qualquer outro tipo de diligência, nomeadamente a expedição de nova citação por carta registada com aviso de recepção, em conformidade com o disposto no artigo 229.º, n.º 4 do CPC, aplicável ex vi do artigo 192.º, n.º 1 do CPPT, nos termos atrás descritos. Da mesma forma que não se mostra cumprido o n.º 2 do artigo 192.º do CPPT, que também exige a repetição do envio da citação. No caso dos autos, a Reclamante e ora Recorrida, tinha de ser citado pessoalmente para a execução (cf. artigo 191º, nº 3 do CPPT). Ou seja, tendo-se frustrado a primeira citação enviada, impunha-se que o órgão de execução fiscal procedesse à remessa de uma nova citação, também por carta registada com aviso de recepção. E, frustrando-se, por sua vez, a citação postal, ainda tinha de lançar mão da citação por contacto pessoal, através de citação com hora certa. (…)» A sentença recorrida decidiu com base na premissa de não estar comprovado, que após a devolução da primeira carta, tenha sido remetido um segundo ofício de citação por carta registada com aviso de receção, concluindo assim pela verificação da falta de citação da executada e consequentemente anulou o despacho reclamado e todo o processado subsequente à omissão das citações da Reclamante para os processos de execução fiscal. É desta decisão com a qual a Recorrente se não conforma e da qual recorre. Com efeito, e tal como decidido, entendemos também que não tendo o ofício de citação a que se refere a alínea 5 dos factos provados a indicação do número de registo postal associado, não é possível estabelecer uma correspondência entre ele e o aviso de receção mencionado na alínea 6 do probatório. Não se sabendo qual o conteúdo da carta que foi depositada no recetáculo postal da Reclamante e ora Recorrida. Sendo certo, porém, que recaía sobre a Autoridade Tributária o ónus da prova sobre a efetivação da citação e sobre o citando a alegação e prova sobre o não conhecimento do ato por facto que não lhe é imputável (artigo 190/6 CPPT). Contudo, em face do insucesso do pedido de alteração da matéria de facto, esta prova, sobre a efetivação da citação, não foi feita, não tendo assim resultado provado que a executada foi chamada para os termos da execução. Termos em que se deu por verificada a falta de citação da executada, nulidade essa que é de conhecimento oficioso (artigo 165/4 CPPT). Consequentemente inútil se torna apreciar os demais argumentos da ora Recorrente nomeadamente sobre se o citando não chegou a ter conhecimento do ato, por facto que não lhe seja imputável e se comunicou ou não à Autoridade Tributária e Aduaneira em data anterior a alteração do seu domicílio fiscal [cf. conclusões Q) e R) das alegações de recurso]. Em consequência do exposto, podemos desde já concluir pela improcedência do recurso, resultando assim prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas e que pressupunham a procedência da peticionada alteração aos factos provados fixados na sentença, bem como a eliminação dos factos dados como não provados sob os números 1 e 2, acrescentamos nós. Termos em que improcedem todas as alegações de recurso. Relativamente à condenação em custas importa considerar que nos termos dos artigos 527/1 CPC: a decisão que julgue a ação ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa (…). Assim, atento o princípio da causalidade, consagrado no artigo 527/2, do CPC, aplicável por força do artigo 2º, alínea e), do CPPT, as custas são pela Recorrente, que ficou vencida. Sumário/Conclusões: I - Nos termos do artigo 165/1.a) do CPPT, a falta de citação é uma nulidade insanável, quando a mesma possa prejudicar a defesa do interessado. II - A nulidade da falta de citação da executada é de conhecimento oficioso (artigo 165/4 CPPT). III - Recai sobre a Autoridade Tributária o ónus da prova sobre a efetivação da citação e sobre o citando a alegação e prova sobre o não conhecimento do ato por facto que não lhe é imputável. III – Decisão Termos em que, face ao exposto, acordam em conferência os juízes da Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais deste Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso, e confirmar a sentença recorrida. Custas pela Recorrente, que decaiu. Lisboa, 20 de fevereiro de 2024 Susana Barreto Lurdes Toscano Isabel Vaz Fernandes |