Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:245/24.8BEBJA
Secção:CT
Data do Acordão:10/24/2024
Relator:FILIPE CARVALHO DAS NEVES
Descritores:VALOR DA CAUSA
EXECUÇÃO FISCAL
RERE
MORATÓRIA
Sumário:I - Cabe ao tribunal de primeira instância fixar o valor da causa, estando vedado aos tribunais de recurso usarem as faculdades previstas no art.º 306.º do Código de Processo Civil, ressalvada a situação de conhecimento de recurso jurisdicional dessa decisão.
II - Instaurada a execução fiscal, a sua suspensão apenas pode ser efetuada nos casos previstos na lei, sendo que para esse efeito importa que o sujeito passivo interponha o competente meio de contestação da legalidade/inexigibilidade da dívida exequenda e esteja associada uma garantia idónea ou tenha o contribuinte sido dispensado da sua prestação (art.ºs 169.º, 189.º, n.º8, 199.º do CPPT e 52.º, n.ºs 1 e 2 da LGT).
III - Na execução fiscal a suspensão tem um carácter verdadeiramente excecional, sendo que é proibida nos casos não previstos na lei.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contra-Ordenacionais
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Subsecção de Execução Fiscal e Recursos Contraordenacionais do Tribunal Central Administrativo Sul

I – RELATÓRIO

A S…, Lda., inconformada com a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja, datada de 08/07/2024, que julgou improcedente a reclamação judicial apresentada ao abrigo do art.º 276.º e seguintes do Código de Procedimento e de Processo Tributário («CPPT») contra a ordem de penhora da conta bancária n.º 091420240000014758, emitida pelo Serviço de Finanças de Évora no âmbito do processo de execução fiscal («PEF») n.º 0914202201102036, dela veio recorrer.

Nas suas alegações, a Recorrente formula as seguintes conclusões:

«i. Estamos perante um manifesto erro de julgamento, omissão da matéria de facto provada, e desconformidade dos fundamentos da decisão face ao objeto da reclamação.
ii. A Recorrente invocou a ilegalidade da decisão do OEF proferida no processo de execução fiscal nº 0914202201102036, na ordem de penhora das suas contas bancárias, porque à data da mesma havia já sido comunicada à Autoridade Tributária, ora Recorrida, o depósito, na Conservatória do Registo Comercial, de um protocolo de negociação no âmbito do Regime Extrajudicial de Recuperação de Empresas (RERE),
iii. A Recorrida após ter tido conhecimento do depósito do protocolo RERE na Conservatória, estava vedada a lançar mão da penhora sobre o património da Recorrente,
iv. O Tribunal a quo confirmou a decisão da Recorrida, mantendo-se em consequência o despacho reclamado, no entanto com fundamento diverso, fora do objeto da Reclamação - sobre a concessão ou não do pagamento da dívida exequenda em prestações.
v. Existe um notório erro de julgamento, quanto ao objeto da Reclamação, não havendo, pois, conformidade da sentença proferida com este.
vi. Foi assente na matéria de facto que o depósito do protocolo RERE foi comunicado
oficiosamente pela Conservatória do Registo Comercial de Lisboa à Autoridade Tributária, ainda que não precise qualquer data.
vii. Deveria o Tribunal a quo ter dado como provado o texto contante do artigo 3º, 4º
e 6º da Reclamação, importante para o caso sub judice com o seguinte conteúdo:
“Acresce ainda que, a Reclamante logrou informar o Serviços de Finanças de Évora
através do seu Mediador de Recuperação de Empresas, por email datado de 08/04/2024, 17/04/2024 e 19/04/2024 o depósito do protocolo de negociação no âmbito do RERE - Regime Extrajudicial de Recuperação de Empresas, no termos da
Lei n.º 8/2018, de 02 de Março”.
viii. A prova é feita com o documento número 4, junto ao Requerimento, que o Tribunal a quo não valorou.
ix. Conclui-se pois que, o ato de decisão de penhora do Órgão de Execução Fiscal foi
posterior à comunicação do depósito do protocolo RERE – facto que o Tribunal a quo se absteve de se pronunciar,
x. O n.º 3 do artigo 14º da Lei n.º 8/2018, de 02 de Março obriga a Recorrida, a participam obrigatoriamente nas negociações a realizar ao abrigo do RERE,
xi. Conclui-se que na pendencia destas negociações (após depósito do protocolo) a Autoridade Tributária deveria abster-se de instaurar qualquer ação executiva, ou encetar quaisquer diligencias de penhora que atentassem o património da Reclamante, até conclusão das negociações,
xii. Tal decisão provoca um prejuízo sério na tesouraria da Reclamante e coloca em crise a continuidade da atividade, porquanto deixa de ter tesouraria disponível para fazer face aos gastos correntes,
xiii. O despacho que ordenou a instauração de processo executivo e que ordenou é
nulo,
NESTES TERMOS E NOS MAIS DE DIREITO QUE V.EXAS DOUTAMENTE SUPRIRÃO, DEVERÁ SER CONCEDIDO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO, REVOGANDO-SE A DOUTA SENTENÇA, E CONSEQUENTEMENTE SUBSTITUÍDA POR OUTRA QUE CONSIDERE NULA A DECISÃO RECORRIDA.».
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São as seguintes as conclusões das contra-alegações da Recorrida:

«A) A sentença recorrida padece de um evidente lapso na fixação do valor da causa, que deve ser corrigido para o montante de € 791,10, correspondente ao valor da penhora de saldo bancário em discussão;
B) Consubstanciando-se, assim, na sua irrecorribilidade, pelo facto de a ação ter um valor inferior à respetiva alçada (€ 5.000,00), nos termos do art.º 280º, nº 2 do CPPT, conjugado com o art.º 105º da LGT, art.º 6º, nº 3 do ETAF e art.º 44º, nº 1 da LOSJ;
C) Consequentemente, verifica-se que o recurso apresentado não é admissível;
D) Pelo que, é manifestamente ilegal o Despacho proferido em 05/08/2024 pelo tribunal a quo, no sentido em que admitiu o presente recurso;
E) Devendo o mesmo Despacho ser revogado e substituído por outro que determine a rejeição liminar deste recurso.
F) Acresce ainda que a referida sentença se pronuncia sobre matéria que não tem qualquer conexão com o objeto dos presentes autos sob recurso, pois no segmento da apreciação de direito apenas faz a transposição total e integral de outra sentença.
G) Razão pela qual, se verifica impossível proceder à apreciação de mérito da sua fundamentação, porquanto, a mesma é inexistente.
Pelo que,
Deve ser determinada a REJEIÇÃO do recurso interposto contra a referida sentença, com base no requisito da não superação da respetiva alçada.
Assim se cumprindo com o DIREITO e a JUSTIÇA!»
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O Exmo. Magistrado do Ministério Público pronunciou-se no sentido de ser negado provimento ao recurso.
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Com dispensa dos vistos legais, atento o carácter urgente dos autos, vem o processo submetido à conferência desta Subsecção do Contencioso Tributário para decisão.

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II – DO OBJECTO DO RECURSO

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações (cf. art.º 635.º, n.º 4 e art.º 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil - «CPC» - ex vi art.º 281.º do CPPT), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente.

Assim, delimitado o objeto do recurso pelas conclusões das alegações das Partes, importa decidir:

(i) se o recurso jurisdicional apresentado pela Recorrente é admissível, tendo em conta o valor da causa; e,

(ii) se o ato de penhora da conta bancária n.º 091420240000014758 concretizado no âmbito do PEF n.º 0914202201102036 deve ser anulado.
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III – FUNDAMENTAÇÃO

III.A - De facto

A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:
«A) A sociedade comercial “S…, Lda” detém a sua sede em Quinta d.., caixa …, Nossa Senhora da Boa Fé, em Évora – cfr. informação oficial e docs. juntos pela Reclamante;
B) Em 30/08/2022 foi instaurado no Serviço de Finanças de Évora o processo de execução nº 0914202201102036 contra a sociedade sobredita para cobrança de dívida à Agência para o Desenvolvimento e Coesão, IP referente ao período de 01/09/2020 a 31/05/2022, com a quantia exequenda de 224.452,44 € - cfr. informação oficial e docs. juntos pela Reclamante;
C) Datada de 18/04/2024 foi determinada a ordem de penhora com o nº 091420240000014758 a incidir sobre valores mobiliários e contas bancárias tituladas pela executada - cfr. informação oficial e docs. juntos pela Reclamante;
D) Em consequência da citada ordem de penhora foi efetivada, em 20/04/2024, a penhora do saldo bancário de contas tituladas pela executada no valor global de 791,10 € por parte da entidade bancária C… Central, CRL - cfr. informação oficial e docs. juntos pela Reclamante;
E) Em 27/04/2024 foi disponibilizada na caixa postal da ora Reclamante a comunicação de concretização da penhora - cfr. informação oficial;
F) Em 02/05/2024 a aí executada apresentou reclamação do ato referido em C) - cfr. informação oficial e docs. juntos pela Reclamante;
G) O órgão de execução fiscal apreciou a reclamação, mantendo o despacho - cfr. informação oficial e docs. juntos pela Reclamante;
H) Em 18/03/2024 a ora Reclamante procedeu ao depósito, na Conservatória do registado Comercial, de um protocolo de negociação no âmbito do RERE – regime Extrajudicial de Recuperação de Empresas - cfr. informação oficial e docs. juntos pela Reclamante;
I) O citado deposito foi comunicado oficiosamente pela Conservatória à Autoridade Tributária em data não apurada - cfr. informação oficial e docs. juntos pela Reclamante;
J) O mesmo ato de depósito do protocolo foi ainda comunicado pela própria Reclamante à Autoridade Tributária, concretamente em 08/04/2024, 17/04/2024 e 19/04/2024 - cfr. informação oficial e docs. juntos pela Reclamante;
K) Nas comunicações referidas na alínea que antecede esta foi solicitada pela ali executada reunião com o órgão de execução fiscal - cfr. informação oficial e docs. juntos pela Reclamante;
L) Na sequência das comunicações referidas nas alíneas que antecedem esta foi remetida comunicação interna a dar conhecimento das mesmas à Direção de Serviços de Gestão de Créditos Tributários, a qual é competente em matéria de Regime Extrajudicial de Recuperação de Empresas, na orgânica da Autoridade Tributária - cfr. informação oficial;
M) Por intermédio do ofício nº 1559, datado de 08/05/2024, foi comunicada à C… Central, CRL a suspensão temporária dos efeitos da penhora antes referida – cfr. informação oficial;
N) Em 10/05/2024 deu entrada neste TAF a presente reclamação – cfr. fls. 1 do processo digital.».
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A decisão recorrida consignou como factualidade não provada o seguinte:
«Não ficaram por provar quaisquer outros factos alegados com interesse para a boa decisão da causa.».

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Mais resulta consignado em termos de motivação da matéria de facto o seguinte:
«A convicção do Tribunal formou-se com base no teor dos documentos dos autos juntos quer pela Reclamante quer pela Fazenda Pública, designadamente a informação oficial a respeitam o ato reclamado e despacho que sobre o mesmo recaiu.
A análise crítica a tais documentos revestiu-se de natureza objetiva e direta inexistindo qualquer outra prova que as partes tenham apresentado que se mostrasse suscetível de que com a mesma ser confrontada. Cumpre referir que pesembora disponha o nº 5 do art. 278º do CPPT que a reclamação dos atos do órgão de execução fiscal subirá ao Tribunal Tributário competente acompanhado do respetivo processo de execução fiscal, tal norma não foi cumprida. Efetivamente, o órgão de execução fiscal bastou-se a remeter a este Tribunal o mínimo dos atos, ou melhor sua reprodução sem certificação, do despacho proferido sobre a reclamação, citando o ato reclamado. Não se dignou sequer remeter cópia contendo o mínio dos atos do processo de execução fiscal conforme se prescreve naquela norma, for forma a proceder a enquadramento do ato reclamado. Limitando-se a remeter o despacho e alheando-se dos seus deveres processuais.».
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Da impugnação da decisão da matéria de facto

A Recorrente, nas conclusões n.ºs i. a viii. das alegações de recurso, vem impugnar a matéria de facto dada como provada na sentença recorrida, defendendo, na essência, que deve ser dado como provado que «Acresce ainda que, a Reclamante logrou informar o Serviços de Finanças de Évora através do seu Mediador de Recuperação de Empresas, por email datado de 08/04/2024, 17/04/2024 e 19/04/2024 o depósito do protocolo de negociação no âmbito do RERE - Regime Extrajudicial de Recuperação de Empresas, no termos da Lei n.º 8/2018, de 02 de Março».

Mais alega que a prova deve ser feita através do documento 4 junto com a petição inicial, que, alegadamente, nas palavras da Recorrente, não foi valorado pelo Tribunal a quo.

Vejamos.

O art.º 662.º, n.º1 do CPC preceitua que «A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa».

A modificabilidade da decisão da matéria de facto tem, assim, como pressuposto necessário e lógico que os factos a aditar sejam relevantes e pertinentes para a decisão a proferir.

Ora, compulsada a sentença recorrida verificamos, sem esforço, que no ponto J) da matéria de facto dada como assente consta que «O mesmo ato de depósito do protocolo foi ainda comunicado pela própria Reclamante à Autoridade Tributária, concretamente em 08/04/2024, 17/04/2024 e 19/04/2024», sendo que na alínea L) foi consignado que «Na sequência das comunicações referidas nas alíneas que antecedem esta foi remetida comunicação interna a dar conhecimento das mesmas à Direção de Serviços de Gestão de Créditos Tributários, a qual é competente em matéria de Regime Extrajudicial de Recuperação de Empresas, na orgânica da Autoridade Tributária».

Donde podemos concluir que a pretendida modificação da decisão da matéria de facto pela Recorrente não se mostra pertinente, porquanto da factualidade assente na sentença recorrida já dimana provado que o depósito do protocolo de negociação no âmbito do RERE - Regime Extrajudicial de Recuperação de Empresas, no termos da Lei n.º 8/2018, de 02/3, foi comunicado à Autoridade Tributária e Aduaneira («AT») nas datas acima apontadas. E por ser assim, não há razão para proceder ao pretendido aditamento à factualidade assente na decisão recorrida.

Termos em que o recurso não pode deixar de estar condenado, nesta parte, ao insucesso, pelo que se indefere a pretendida modificação da decisão da matéria de facto.

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III.B De Direito

In casu, a Recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja que julgou improcedente a reclamação deduzida contra a ordem de penhora da conta bancária n.º 0…, emitida pelo Serviço de Finanças de Évora no âmbito do PEF n.º 0914202201102036.

Em concreto, e para tanto, sustenta a Recorrente, além do mais, que «(…) após ter tido conhecimento do depósito do protocolo RERE na Conservatória, estava vedada a lançar mão da penhora sobre o património (…)», mais afirmando que «Conclui-se que na pendencia destas negociações (após depósito do protocolo) a Autoridade Tributária deveria abster-se de instaurar qualquer ação executiva, ou encetar quaisquer diligencias de penhora que atentassem o património da Reclamante, até conclusão das negociações».

Por seu turno, alega a Recorrida que o recurso em apreço não é admissível, dado que o valor da ação deveria ter sido fixado em € 791,10, correspondente ao valor da penhora de saldo bancário em discussão, e apenas é admissível a interposição de recurso jurisdicional nas ações cujo valor exceda a alçada do tribunal – no caso, € 5.000,00, nos termos do art.º 280.º, n.º 2 do CPPT, conjugado com os art.ºs 105.º da Lei Geral Tributária («LGT»), 6.º, n.º 3 do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais («ETAF») e 44.º, n.º 1 da Lei da Organização do Sistema Judiciário («LOSJ»).

Mais alega que a «sentença se pronuncia sobre matéria que não tem qualquer conexão com o objeto dos presentes autos sob recurso, pois no segmento da apreciação de direito apenas faz a transposição total e integral de outra sentença».

Vejamos, então, o mérito das posições assumidas pelas Partes, começando, pela questão da não admissibilidade do recurso, que se apresenta como de conhecimento prévio no caso que agora nos ocupa.

Da não admissibilidade do recurso jurisdicional

Como visto, sustenta a Recorrida, fundamentalmente, que o recurso em apreço deve ser rejeitado, porquanto o valor da ação deveria ter sido fixado na sentença recorrida em € 791,10, correspondente ao valor da penhora de saldo bancário em dissídio, e apenas é admissível a interposição de recurso jurisdicional nas ações cujo valor exceda a alçada do tribunal recorrido – € 5.000,00.

Regularmente notificada para, querendo, se pronunciar relativamente a esta questão, a Recorrente veio pugnar pela admissibilidade do recurso.

Apreciando.

O art.º 306.º, n.º 1 do CPC estipula que compete ao juiz fixar o valor da causa, sem prejuízo do dever de indicação que impende sobre as partes.

A propósito desta disposição legal, Salvador da Costa (in Os Incidentes da instância, 2016, 8.ª edição, pág. 60 e seguintes) refere que «O n.º 1 estabelece competir ao juiz a fixação do valor da causa, sem prejuízo do dever de indicação que impende sobre as partes. É uma solução inspirada no relevo do valor processual da causa, quanto à forma do processo comum executivo para pagamento de quantia certa, à sua relação com a alçada do tribunal e à competência das secções de competência cível.
No regime pretérito, o valor da causa era suscetível de ser relevantemente acordado, expressa ou tacitamente, pelas partes, salvo se o juiz, findos os articulados, entendendo que o acordo estava em flagrante oposição com a realidade, fixasse à causa o valor que considerasse adequado.
Mas se o juiz, por qualquer motivo, não usasse esse poder, o valor processual da causa, proferido que fosse o despacho saneador ou a sentença, conforme os casos, considerava-se definitivamente fixado na quantia acordada.
As partes indicavam frequentemente para a causa valor desconforme com a utilidade económica do pedido e a lei e, não raro, o juiz não proferia o respetivo despacho de fixação do valor da causa, desvirtuando-se, por via disso, o regime de admissibilidade dos recursos e a própria obrigação de pagamento da taxa de justiça.
A referida alteração visou obstar, além do mais, às mencionadas consequências. Agora, independentemente da posição das partes relativamente ao valor da causa, o juiz tem de o fixar, podendo, para o efeito, nos termos dos artigos 308.º e 309.º, ordenar diligências.
Assim, o acordo expresso ou tácito das partes quanto ao valor processual da causa já não releva com vista à sua fixação, impondo-se ao juiz a verificação da sua conformidade com os factos e a lei.
(…)».


Dispõe, por seu turno, o art.º 97.º-A, n.º1, alínea e) do CPPT que «1 - Os valores atendíveis, para efeitos de custas ou outros previstos na lei, para as ações que decorram nos tribunais tributários, são os seguintes:
(…)
e) No contencioso associado à execução fiscal, o valor correspondente ao montante da dívida exequenda ou da parte restante, quando haja anulação parcial, exceto nos casos de compensação, penhora ou venda de bens ou direitos, em que corresponde ao valor dos mesmos, se inferior.».

Ora, na sentença recorrida foi fixado o valor da ação em € 228.960,00, por, supostamente, corresponder ao valor da execução. Mas a verdade é que consistindo o objeto do litígio no ato de penhora praticado pelo Serviço de Finanças de Évora à ordem da execução fiscal n.º 0914202201102036, deveria ter sido relevado para efeitos de fixação do valor da ação o correspondente quantum, ou seja, € 791,10 (cf. ponto D. dos factos assentes), pelo que concluímos que o Tribunal a quo fixou incorretamente o valor da ação.

No entanto, se é certo que o valor da ação se mostra erroneamente fixado nos presentes autos, tal como vem alegado pela Recorrida e acima se deixou demonstrado, a verdade é que não poderá agora nesta sede ser alterado. É que nos presentes autos não foi apresentado recurso jurisdicional da decisão do Tribunal a quo quanto à fixação do valor da ação, pelo que se consolidou na ordem jurídica, produzindo plenamente os seus efeitos, tendo força obrigatória no processo.

Em anotação ao art.º 306.º do CPC, Abílio Neto, no Novo Código de Processo Civil Anotado, 3.ª edição revista e ampliada, maio/2015, pág. 369-370, refere, no que para agora releva, o seguinte:
«Embora as partes continuem obrigadas a indicar o valor da causa na petição inicial (art.º 552.º-1-f), sob pena de recusa do articulado (art.º 658.º-e), após o DL n.º 303/2007 o juiz passou a ter uma intervenção ativa muito mais acentuada na fixação desse valor, sobrepondo-se ao acordo das partes, o que fará, em regra, no despacho saneador, ou antes (se houver a admissão de recursos interpostos de decisões anteriores), ou na sentença, ou ainda no despacho de admissão do recurso (art. os 306.º e 641.º).
(…)
Assim, cabendo ao juiz do tribunal de primeira instância fixar o valor da causa está vedado aos tribunais de recurso usarem as faculdades previstas no art.º 306.º do Código de Processo Civil.
(…).»

O Supremo Tribunal de Justiça («STJ») tem, reiteradamente, firmado quanto a esta matéria as seguintes linhas orientadoras, assinaladas na decisão sumária proferida em 18/09/2015, no processo n.º 158/13.9TTBRR.L1:

(i) o valor da causa é fixado definitivamente na 1.ª instância, sem possibilidade de posterior alteração no tribunal de recurso, pelo que, mesmo que haja condenação acima do valor da causa ali fixado, o valor que releva para efeitos de alçada e de recurso é apenas aquele, e não o da utilidade económica do objeto (material) do recurso, nem o valor tributário;
(ii) ainda que a decisão (implícita ou explícita) sobre o valor da causa tenha subjacente um erro de julgamento, resultante da circunstância de tal valor se encontrar em flagrante oposição com os critérios consagrados na lei para o determinar, tal decisão, na medida em que transite em julgado, tem força obrigatória dentro do processo, não se configurando qualquer nulidade;
(iii) uma vez que a competência para a fixação do valor de uma causa cabe à 1.ª instância e não aos Tribunais Superiores (ressalvando a situação de conhecimento de recurso da decisão proferida na 1.ª instância), a decisão do Tribunal da Relação que infrinja esta regra terá mesmo de ser considerada inexistente.




Assim sendo, sopesando o que acima se deixou explanado, impõe-se considerar o valor da ação fixado pelo Tribunal a quo como consolidado na ordem jurídica, insuscetível de ser agora modificado, apesar de não se encontrar em consonância com o regime que emerge do art.º 97.º-A, n.º1, alínea e) do CPPT.

Notamos, ainda, que a posição ora propugnada é aquela que assegura a sempre desejada observância dos princípios do acesso ao direito e da tutela jurisdicional efetiva, consagrados no art.º 20.º da Constituição da República Portuguesa («CRP»).

Pelo que, sem necessidade de mais amplas considerações, concluímos que improcede esta questão prévia suscitada pela Recorrida, porquanto passaremos de seguida à apreciação do mérito do recurso jurisdicional interposto pela Recorrente quanto à sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja.

Do mérito do recurso

Nas conclusões das alegações de recurso defende a Recorrente, nesta parte, que deve ser revogada a decisão recorrida e anulada a ordem de penhora da conta bancária n.º 091420240000014758, emitida pelo Serviço de Finanças de Évora, no âmbito PEF n.º 0914202201102036, dado que o n.º 3 do art.º 14.º da Lei n.º 8/2018, de 2/3 obriga a Recorrida a participar obrigatoriamente nas negociações a realizar ao abrigo do RERE e na pendência das mesmas (após depósito do protocolo) a AT deveria abster-se, até à sua conclusão, de instaurar qualquer ação executiva ou encetar quaisquer diligências de penhora que atentassem contra o património da Recorrente.

Por seu turno, a Recorrida nada disse a este respeito, porquanto considera que a «sentença se pronuncia sobre matéria que não tem qualquer conexão com o objeto dos presentes autos sob recurso, pois no segmento da apreciação de direito apenas faz a transposição total e integral de outra sentença».
Apreciando.

Importa começar por notar que, na verdade, a sentença recorrida não logrou responder minimamente às alegações formuladas pelas Partes nos articulados apresentados nos presentes autos, tendo antes, por razão que não se vislumbra, elaborado sobre a (não) aplicação do art.º 196.º do CPPT, quando o que estava em causa era a aplicação do regime plasmado no RERE.

Feita esta consideração introdutória, cabe, agora, a este Tribunal determinar se o pedido formulado pela Recorrente merece ou não provimento.

E adiantamos, desde já, que não tem razão a Recorrente. Vejamos, então, porquê.

Em primeiro lugar, porque a letra da Lei n.º 8/2018, de 2/3, que criou o RERE, não confere qualquer efeito suspensivo ao depósito do protocolo ou ao início das negociações encetadas nesse âmbito, donde não se pode defender que a materialização de uma penhora na sua pendência seja ilegal. De resto, por ser assim, a Recorrente não convocou nas suas alegações e conclusões qualquer norma legal do RERE que estatua o pretendido efeito suspensivo da execução fiscal, afirmando antes, de forma conclusiva e sem substanciar do ponto de vista jurídico, que o órgão de execução fiscal não deveria ter realizado o ato de penhora em dissídio.

Neste sentido, o art.º 14.º, n.º3 do RERE remete, de forma evidente, para o regime geral de cobrança de créditos pela AT, ao dispor que «Sempre que forem credoras do devedor ou que com este mantenham acordo prestacional, a segurança social e a AT, os trabalhadores e as organizações representativas dos trabalhadores, participam obrigatoriamente nas negociações a realizar ao abrigo do RERE, mesmo que não subscrevam o protocolo de negociação, sem prejuízo do estipulado no artigo 30.º da Lei Geral Tributária, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 398/98, de 17 de dezembro.».


Ora, estipula o art.º 30.º, n.º2 da LGT que «O crédito tributário é indisponível, só podendo fixar-se condições para a sua redução ou extinção com respeito pelo princípio da igualdade e da legalidade tributária.». Esta norma aponta precisamente para a indisponibilidade do crédito tributário, firmando a posição que a AT deve, além do mais, agir em observância com o princípio da legalidade tributária no que tange à sua cobrança. Esta indisponibilidade dos créditos tributários, genericamente enunciada nesta norma, proíbe à AT, fora de casos especialmente previstos, retardar a cobrança dos tributos.

Apenas o art.º 11.º, n.º2 do RERE estabelece que «Celebrado acordo nos termos da presente lei, e salvo quando o mesmo preveja a manutenção da respetiva suspensão, extinguem-se automaticamente as ações executivas para pagamento de quantia certa instauradas contra a empresa e ou os seus respetivos garantes relativamente às operações garantidas, e, salvo transação, mantêm-se suspensas, por prejudicialidade, as ações destinadas a exigir o cumprimento de ações pecuniárias instauradas contra a empresa e ou os seus respetivos garantes relativamente às operações garantidas», mais preceituando o seu n.º3 que «O disposto no número anterior não se aplica às ações executivas para pagamento de quantia certa ou quaisquer outras ações destinadas a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias, instauradas por credores que não tenham subscrito o acordo.».

E embora a AT participe obrigatoriamente nas negociações a realizar (nos termos do já citado art.º 14.º, n.º3 do referido compêndio legal), a verdade é que não ficou provado nos presentes autos que tenha sido celebrado acordo nos termos do RERE, nem sequer tal foi alegado pela Recorrente. Por outro lado, também não foi alegado que as partes tenham chegado a acordo sobre os efeitos processuais do protocolo de negociação, tal como possibilita o preceituado no n.º 1 do art.º 11 do RERE, e, por essa via, tenham consensualizado, designadamente, a atribuição do pretendido efeito suspensivo quanto à execução fiscal no âmbito da qual foi executado o ato de penhora sub judice.


Em segundo lugar, porque do quadro normativo que dimana do regime tributário geral também não resulta que o órgão de execução fiscal não devesse ter realizado o ato de penhora sindicado nos presentes autos. Importa, pois, enunciar esse regime legal, de modo que fique bem claro o que ora se concluiu.

Dispõe o art.º 85.º, n.º3 do CPPT relativamente à proibição da moratória e da suspensão da execução fiscal que: «A concessão da moratória ou a suspensão da execução fiscal fora dos casos previstos na lei, quando dolosas, são fundamento de responsabilidade tributária subsidiária.».

Como doutrinado no aresto do Supremo Tribunal Administrativo («STA»), proferido no processo n.º 01377/13, datado de 25/9/2013, disponível em www.dgsi.pt:

«[t]ão logo finde o prazo para o pagamento voluntário, é extraída pelos serviços competentes a certidão de dívida e remetida ao órgão periférico local competente, o qual, com base nessa certidão, instaura e promove a tramitação da execução fiscal, sendo considerado órgão de execução fiscal (arts. 88.º, n.ºs 1 e 4, 148.º, n.º 1, alínea a), 149.º, 150.º, n.º 1, e 152.º, n.º 1, do CPPT).
A execução fiscal, como decorre do n.º 3 do art. 36.º da LGT (A administração tributária não pode conceder moratórias no pagamento das obrigações tributárias, salvo nos casos expressamente previstos na lei».) e está previsto no n.º 3 do art. 85.º do CPPT («A concessão de moratória ou a suspensão da execução fiscal fora dos casos previstos na lei, quando dolosas, são fundamentos de responsabilidade tributária subsidiária».), não pode ser suspensa, a não ser nas situações em que a lei expressamente o permite (Esta proibição de suspensão da execução fiscal é «um afloramento do princípio da indisponibilidade dos créditos tributários, genericamente enunciado no art. 30.º da LGT, que proíbe à administração tributária, fora de casos especialmente previstos, retardar a cobrança dos tributos» (cfr. JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, volume I, anotação 3 ao art. 85.º, págs. 694/695)».

Preceituando, por seu turno, o art.º 88.º, n.º1 do mesmo diploma legal, sob a epígrafe de «extração das certidões de dívida», que: «Findo o prazo de pagamento voluntário estabelecido nas leis tributárias, será extraída pelos serviços competentes certidão de dívida com base nos elementos que tiverem ao seu dispor.».

No concernente à regulamentação da suspensão da execução fiscal, dispõe o art.º 169.º do CPPT que:
«1 - A execução fica suspensa até à decisão do pleito em caso de reclamação graciosa, a impugnação judicial ou recurso judicial que tenham por objeto a legalidade da dívida exequenda, bem como durante os procedimentos de resolução de diferendos no quadro da Convenção de Arbitragem 90/436/CEE, de 23 de julho, relativa à eliminação da dupla tributação em caso de correção de lucros entre empresas associadas de diferentes Estados-Membros, ou de convenção para evitar a dupla tributação, desde que tenha sido constituída garantia nos termos do artigo 195.º ou prestada nos termos do artigo 199.º ou a penhora garanta a totalidade da quantia exequenda e do acrescido, o que deve ser informado no processo pelo funcionário competente.
2 - A execução fica igualmente suspensa, desde que, após o termo do prazo de pagamento voluntário, seja prestada garantia antes da apresentação do meio gracioso ou judicial correspondente, acompanhada de requerimento em que conste a natureza da dívida, o período a que respeita e a entidade que praticou o ato, bem como a indicação da intenção de apresentar meio gracioso ou judicial para discussão da legalidade ou da exigibilidade da dívida exequenda.
3 - A execução fica ainda suspensa, por um período máximo de 120 dias, contados a partir do termo do prazo de pagamento voluntário, para dívidas tributárias em execução fiscal de valor inferior a 5000 € para pessoas singulares, ou 10 000 € para pessoas coletivas, independentemente da prestação de garantia ou de apresentação de requerimento, até à apresentação do meio gracioso ou judicial correspondente, cessando este efeito quinze dias após a sua apresentação, se não for apresentada a competente garantia ou obtida a sua dispensa.
4 - O requerimento a que se refere o n.º 2 dá início a um procedimento, que é extinto se, no prazo legal, não for apresentado o correspondente meio processual e comunicado esse facto ao órgão competente para a execução.
5 – Extinto o procedimento referido no número anterior, aplica-se o disposto no n.º 2 do artigo 200.º
6 - A execução fica ainda suspensa até à decisão que venha a ser proferida no âmbito dos procedimentos a que se referem os artigos 90.º e 90.º-A.
7 - Se não houver garantia constituída ou prestada, nem penhora, ou os bens penhorados não garantirem a dívida exequenda e acrescido, é disponibilizado no portal das finanças na Internet, mediante acesso restrito ao executado, ou através do órgão da execução fiscal, a informação relativa aos montantes da dívida exequenda e acrescido, bem como da garantia a prestar, apenas se suspendendo a execução quando da sua efetiva prestação.
8 - Caso no prazo de 15 dias, a contar da apresentação de qualquer dos meios de reação previstos neste artigo, não tenha sido apresentada garantia idónea ou requerida a sua dispensa, procede-se de imediato à penhora.
9 - Quando a garantia constituída nos termos do artigo 195.º, ou prestada nos termos do artigo 199.º, se tornar insuficiente é ordenada a notificação do executado dessa insuficiência e da obrigação de reforço ou prestação de nova garantia idónea no prazo de 15 dias, sob pena de ser levantada a suspensão da execução.
10 - O executado que não der conhecimento da existência de processo que justifique a suspensão da execução responderá pelas custas relativas ao processado posterior à penhora.
11 – (revogado)
12 – Se for apresentada oposição à execução, aplica-se o disposto nos n.os 1 a 8.
13 - Considera-se que têm a situação tributária regularizada os contribuintes que obtenham a suspensão do processo de execução fiscal nos termos do presente artigo, sem prejuízo do disposto quanto à dispensa de garantia.
14 - O valor da garantia é o que consta da citação, nos casos em que seja apresentada nos 30 dias posteriores à citação.».

De convocar, outrossim, o art.º 199.º, n.º4 do CPPT o qual estatui que:
«4 - Vale como garantia, para os efeitos do n.º 1, a penhora já feita sobre os bens necessários para assegurar o pagamento da dívida exequenda e acrescido ou a efetuar em bens nomeados para o efeito pelo executado no prazo referido no n.º 7.

Dispondo, ainda neste particular, o art.º 52.º, n.ºs 1 e 2 da LGT, relativamente à garantia da cobrança da prestação tributária que:
«1 - A cobrança da prestação tributária suspende-se no processo de execução fiscal em virtude de pagamento em prestações ou reclamação, recurso, impugnação e oposição à execução que tenham por objeto a ilegalidade ou inexigibilidade da dívida exequenda, bem como durante os procedimentos de resolução de diferendos no quadro da Convenção de Arbitragem n.º 90/436/CEE, de 23 de Julho, relativa à eliminação da dupla tributação em caso de correção de lucros entre empresas associadas de diferentes Estados membros.
2 - A suspensão da execução nos termos do número anterior depende da prestação de garantia idónea nos termos das leis tributárias.».

Mais consignando o art.º 189.º, nº 8 do CPPT, que: «Nos casos de suspensão da instância, pela pendência de reclamação graciosa, impugnação, recurso judicial ou oposição sobre o objeto da dívida exequenda, pode o executado, no prazo de 15 dias após a notificação da decisão neles proferida, requerer o pagamento em prestações ou solicitar a dação em pagamento.»

No âmbito das penhoras, importa ainda reter que findo o prazo posterior à citação sem ter sido efetuado o pagamento, procede -se à penhora (cf. art.º 215.º n.º 1 do CPPT), devendo a mesma materializar-se nos bens previsivelmente suficientes para o pagamento da dívida exequenda e do acrescido, sendo certo que quando o produto dos bens penhorados for insuficiente para pagamento da execução, esta prossegue em outros bens (cf. art.º 217.º do CPPT).


De convocar, in fine, o art.º 223.º, n.º 2 do CPPT, o qual relativamente à «formalidade da penhora de dinheiro ou de valores depositados», regulamenta que a penhora de dinheiro ou de outros valores depositados será precedida de informação do funcionário competente sobre a identidade do depositário, a quantia ou os objetos depositados e o valor presumível destes.

Ora, da conjugação dos citados normativos legais resulta, pois, que decorrido o prazo de pagamento voluntário sem que a dívida tributária liquidada seja paga, é extraída certidão de dívida, que tem a função de título executivo para efeitos de execução fiscal, sendo, portanto, a regra em direito tributário da execução imediata dos atos tributários, ou seja, logo que recebido o título executivo, o órgão periférico local deverá instaurar a execução no prazo de 24 horas, efetuando o competente registo e ordenando a citação do executado. Com efeito, instaurada a execução a sua suspensão apenas pode ser efetuada nos casos previstos na lei, sendo que para esse efeito importa, por um lado, que o sujeito passivo interponha o competente meio de discussão da legalidade/inexigibilidade da dívida exequenda e esteja associada uma garantia idónea ou tenha o contribuinte sido dispensado da sua prestação.

E assim sendo, tal como acima se deixou dito, do regime que resulta das normas acima indicadas não se pode retirar, tendo em conta a factualidade assente nos presentes autos, que o órgão de execução fiscal não devesse ter realizado o ato de penhora atacado pela Recorrente.

Por último, cumpre notar que, no quadro jurídico e factual aplicável ao caso que agora nos ocupa, não foi sequer criada na esfera da Recorrente qualquer legítima expetativa de paralisação de atos de cobrança da dívida exequenda. Com efeito, não se verificaram quaisquer circunstâncias que, no caso concreto, permitam indiciar minimamente a violação do princípio da boa-fé (cf. art.º 266.º da CRP e o art.º 10.º do Código do Procedimento Administrativo), porquanto não existe base legal ou factual que possa ter dado origem à expectativa da Recorrente de suspensão dos atos de cobrança da dívida exequenda em referência.


Noutra formulação, não se vislumbra uma situação de confiança legítima e justificada, traduzida na convicção por parte da Recorrente na determinação da AT quanto à sua atuação subsequente de suspensão de todos os atos de execução, mormente, penhoras, atenta, como visto, a sua não conformidade com a lei, especialmente, o regime do RERE, a indisponibilidade dos créditos tributários e insusceptibilidade de concessão de moratórias.

Conclui-se, assim, que inexiste uma qualquer vinculatividade jurídico-administrativa das referidas expetativas, tudo se reconduzindo a meras expetativas injustificadas da Recorrente, sendo que estas não são juridicamente tuteladas.

Neste conspecto, e sem necessidade de outros considerandos, não assiste razão à Recorrente, improcedendo, assim, o recurso interposto, com a consequente manutenção da sentença recorrida e da penhora da conta bancária visada nos presentes autos, conforme se decidirá no dispositivo do presente Acórdão.
*
IV- Decisão

Face ao exposto, acordam, em conferência, os Juízes da Subsecção de Execução Fiscal e Recursos Contraordenacionais do Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e manter a sentença recorrida, embora com a presente fundamentação.

Custas pela Recorrente.

Registe e notifique.

Lisboa, 24 de outubro de 2024


(Filipe Carvalho das Neves)
(Luísa Soares – em substituição)
(Susana Barreto)