Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2901/05.0BELSB
Secção:CT
Data do Acordão:09/30/2025
Relator:TERESA COSTA ALEMÃO
Descritores:INCIDENTE DE JUSTO IMPEDIMENTO
RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA
Sumário:I - O justo impedimento tem de ser alegado e provado em tempo devido, i. é, «a invocação do justo impedimento para evitar o efeito extintivo do decurso do prazo tem de ser feita logo que cesse a causa impeditiva, devendo a parte que o alegue oferecer imediatamente as provas da sua verificação»;

II - A existência de dificuldades não é suficiente para se concluir que se está perante um evento que obsta a prática atempada do acto: é necessário verificar-se uma impossibilidade absoluta, um facto que obste à prática do acto, não bastando que o facto torne simplesmente mais difícil a prática do acto;

III - Sendo a Recorrente representada por Mandatário, não se pode considerar que os eventos invocados, a terem-se verificado – o que não está demonstrado – impossibilitaram de forma inexorável o pagamento atempado da taxa de justiça e da multa, ao que acresce que, nem com a presente requerimento, a Recorrente efectuou os pagamentos em falta.

Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção Tributária Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a Subsecção Tributária Comum do Tribunal Central Administrativo Sul

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M........, notificada do Acórdão proferido nos autos acima identificados, tendo interposto recurso do mesmo, sem pagamento da taxa de justiça, veio deduzir INCIDENTE DE JUSTO IMPEDIMENTO, o qual, por despacho de 03-06-2025, foi julgado improcedente, tendo sido determinado o desentranhamento das alegações e julgado deserto tal recurso.

Notificada dessa decisão, veio requerer “que sobre a mesma recaia decisão colegial, nos termos do artigo 700º/4 do CPC, aplicável ex vi artigo 2º do CPPT.”, por entender que esta viola o direito aplicável in casu


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Notificada a parte contrária, a mesma nada disse.

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A Exma. Magistrada do Ministério Público emitiu parecer no sentido da improcedência da reclamação apresentada por,Além de a situação descrita não configurar justo impedimento, a parte continua a não efectuar o pagamento da taxa de justiça devida.”, “Pelo que o Despacho judicial proferido não deve merecer qualquer censura.

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Colhidos os vistos legais, vêm os autos à conferência.

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O instituto da reclamação para a conferência, actualmente previsto no artigo 652.º, nº 3, do CPC, fundamenta a sua existência no carácter de Tribunal colectivo que revestem os Tribunais Superiores, nos quais a regra é a decisão judicial demandar a intervenção de três juízes, os quais constituem a conferência, e o mínimo de dois votos conformes.

Sempre que a parte se sinta prejudicada por um despacho do relator, que não seja de mero expediente, pode dele reclamar para a conferência. O que se visa com a reclamação é, afinal, a substituição do órgão excepcional (o relator) pelo órgão normal (a conferência como tribunal colectivo) para proferir determinada decisão.

A reclamação é também admissível de despacho proferido no exercício de poder discricionário, o qual tem a ver com matérias confiadas ao prudente arbítrio do julgador (cfr. artigo 152º, nº 4, do CPC).

No âmbito do processo judicial tributário, a jurisprudência e a doutrina defendem a possibilidade de utilização do instituto da reclamação para a conferência da decisão do relator que considere findo ou deserto um recurso.


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Feito este enquadramento, centremos a nossa atenção no caso concreto.

O despacho reclamado, proferido pela ora Relatora, que julgou improcedente o incidente de justo impedimento, tem o seguinte teor:

Em 06-02-2025 foi proferido acórdão nos presentes autos, o qual foi notificado às partes, electronicamente, na mesma data.

Em 17-03-2025, M........ interpôs recurso do acórdão que antecede, tendo apresentado alegações e as respectivas conclusões.

Não efectuou o pagamento da taxa de justiça.

Em 18-03-2025 foi notificada para efectuar o pagamento da taxa de justiça acrescida da respectiva multa, contendo o ofício em causa a cominação para a falta de tal pagamento.

Em 04-04-2025 a Recorrente apresentou um requerimento com o seguinte teor:

“M........, recorrente nos autos acima identificados, vem deduzir INCIDENTE DE JUSTO IMPEDIMENTO, o que o faz nos seguintes termos e demais fundamentos:

1. Veio a parte processual notificada para proceder ao pagamento de Guia Cível.

2. Para tanto, seguia em anexo ao despacho, referências de pagamento.

3. No valor de € 382,50.

Não obstante,

4. Verdade é, que em data anterior à data-limite, procurou, liquidar a importância em causa.

5. Para tanto tendo utilizado a referência indicada e ora supra melhor transcrita.

6. Tendo até à data-limite vindo a procurar efectuar o pagamento da mesma via ATM.

7. E mesmo via sistema de homebanking.

8. Sendo que tal não foi possível, na medida em que, em todos os terminais multibanco que procurou efectuar a liquidação, não permitiram a realização da operação.

9. Bem como o sistema de homebanking.

10. Aquando procurava efectuar a liquidação, surgia a informação, de que existia um erro associado com a referência para pagamento.

11. Tendo o mesmo acontecido no último dia de prazo em que tentou efectuar a liquidação.

12. Recorde-se que tal não é caso isolado em Portugal, bastando para tanto referir o erro na "referência multibanco” nas guias de pagamento emitidas, que impedia os contribuintes devedores ao fisco de regularizarem a situação fiscal.

13. Encontrando assim a parte processual perante um obstáculo objectivo e intransponível para o cumprimento do quanto veio pelo douto Tribunal ordenado.

14. O que não pode deixar de ser entendido como um justo impedimento para a prática do acto processual, cfr. melhor dispõe o artigo 140.° CPC.

15. Mais ocorre que apenas na presente data, a parte processual deu a conhecer tal facto ao mandatário,

16. Como resposta ao facto do mandatário ter reencaminhado o douto despacho de 18.03.2025 para o Constituinte,

17. Sendo que apenas com a resposta à questão do mandatário, veio o requerente alegar que não conseguiu liquidar a guia cível, conforme supra melhor alegado, mais alegando o requerente que homebanking acusou a indicação "Referência Inválida”.

18. Sendo assim de imposição legal deduzir o presente incidente, como forma única de acautelar o direito do requerente.

19. Não obstante e porquanto pretende a parte processual dar estrito cumprimento ao doutamente ordenado, sem mais vicissitudes, respeitosamente se requer a este douto Tribunal que se digne admitir o cumprimento do ordenado, através de DUC de autoliquidação que ora se junta, acompanhado da taxa de justiça do respectivo incidente, o que respeitosamente se requer ao abrigo do mais elementar Princípio da Justiça.

Prova Testemunhal, a notificar cfr. art. 507.° CPC, caso seja entendimento deste douto Tribunal, ouvirem-se as testemunhas ao abrigo do quanto melhor dispõe o artigo 140.°/2 CPC:

• Testemunha:

1. A........, Avenida ……… andar …….. Lisboa”


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Por despacho de 25-04-2025 foi determinado o cumprimento do disposto no art. 140.º n.º 2 do CPC, nada tendo a parte contrária aduzido.

O requerimento de invocação de justo impedimento acima transcrito, apesar de mencionar que junta o documento de autoliquidação da taxa de justiça e da multa, não se fez acompanhar do mesmo.

Cumpre, pois, apreciar tal requerimento.

Como é sabido, nos termos do art. 7.º n.º 2 do RCP a taxa de justiça em sede de recurso é paga pelo recorrente com as alegações. Nos termos do art. 642.º do CPC, se a taxa de justiça devida não for paga, mesmo após notificação da secretaria, o tribunal determina o desentranhamento da alegação de recurso.

No requerimento em apreciação a Recorrente vem invocar justo impedimento para o facto de não ter procedido a tal pagamento, invocando, em suma, que, apesar de várias tentativas, tanto por multibanco como por homebanking, o pagamento foi inviabilizado por erro associado à referência fornecida, facto que se manteve até ao último dia do prazo e que a Recorrente só informou o mandatário da situação após este reencaminhar o despacho judicial, tendo então relatado o erro da “referência inválida”.

Considera este impedimento como objectivo e intransponível e, com base no artigo 140.º do Código de Processo Civil, requer que o Tribunal aceite este justo impedimento.

Como se disse, apesar de referir a junção do documento de pagamento, não o fez.

Dispõe o art. 140.º do CPC, quanto ao justo impedimento que:

“1 – Considera-se justo impedimento o evento não imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatários, que obste à prática atempada do ato.

2 – A parte que alegar o justo impedimento oferece logo a respectiva prova; o juiz, ouvida a parte contrária, admite o requerente a praticar o ato fora do prazo se julgar verificado o impedimento e reconhecer que a parte se apresentou a requerer logo que ele cessou.

3 – É do conhecimento oficioso a verificação do impedimento quando o evento a que se refere o n.º 1 constitua facto notório, nos termos do n.º 1 do artigo 412.º, e seja previsível a impossibilidade da prática do ato dentro do prazo.”

Da norma acima transcrita resulta, desde logo, como primeiro requisito, que a parte tem de se apresentar a requerer o justo impedimento logo que ele tenha cessado.

O justo impedimento tem de ser alegado e provado em tempo devido, i. é, «a invocação do justo impedimento para evitar o efeito extintivo do decurso do prazo tem de ser feita logo que cesse a causa impeditiva, devendo a parte que o alegue oferecer imediatamente as provas da sua verificação» - cfr. Anselmo de Castro in Direito Processual Civil Declaratório, V-III, pág. 54.

Ora, nos presentes autos, verifica-se que a Recorrente, com a invocação do justo impedimento, não vem efectuar o pagamento da taxa devida acrescida de multa, ou seja, desde logo, não cumpre o requisito temporal para a sua apreciação.

Por outro lado, apesar de arrolar uma testemunha, nenhum dos fundamentos por si alegados é susceptível de configurar uma situação de justo impedimento, sendo que, a ser verdade a existência de erro na referência de pagamento, o mesmo poderia facilmente ter sido ultrapassado através de requerimento dirigido ao Tribunal.

Acresce que, de resto, a Recorrente nunca demonstra a existência desse erro, nomeadamente, através de “print sreen” ou fotografia, não sendo a prova testemunhal idónea para confirmar uma situação deste tipo.

A existência de dificuldades não é suficiente para se concluir que se está perante um evento que obsta a prática atempada do acto: é necessário verificar-se uma impossibilidade absoluta, um facto que obste à prática do acto, não bastando que o facto torne simplesmente mais difícil a prática do acto.

Ora, no caso em apreciação, e sendo a Recorrente representada por Mandatário, não se pode considerar que os eventos invocados, a terem-se verificado – o que não está demonstrado – impossibilitaram de forma inexorável o pagamento atempado da taxa de justiça e da multa.

De notar que, nem com a presente requerimento, a Recorrente efectuou os pagamentos em falta.

Ora, assim sendo, não se podendo considerar válidos os motivos que sustentaram o justo impedimento e não tendo a Recorrente efectuado o pagamento em falta, sequer, com o requerimento ora em apreciação, tal significa que o mesmo improcede.

Ao improceder, nos termos do disposto no art. 642.º n.º 2 do CPC, tal tem como consequência o desentranhamento da alegação.

E, na verdade, assim é, sendo que o acabado de expor mantém-se inteiramente válido, razão pela qual não assiste razão à Recorrente, ora Reclamante, ou seja, não se justifica, com base no alegado, alterar o despacho reclamado.

A nenhum título, salvo o devido respeito, se pode considerar existir justo impedimento, num quadro factual como o apresentado.

Assim sendo, daquilo que fica exposto, e à falta de novos argumentos que já não tivéssemos anteriormente ponderado (aquando da prolação do despacho ora reclamado), resulta que inexiste o justo impedimento invocado.

Termos em que, se conclui, como no despacho reclamado, pela não verificação do invocado justo impedimento, indeferindo-se, em consequência, a reclamação.


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Decidindo,

Pelo exposto, acordam os juízes da Subsecção Tributária Comum deste Tribunal Central Administrativo Sul em julgar improcedente a presente reclamação para a conferência, confirmando-se o despacho reclamado.

Condena-se a Reclamante pelo presente incidente, fixando-se a taxa de justiça devida em uma (1) UC.

Lisboa, 30 de Setembro de 2025.


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(Teresa Costa Alemão)

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(Tiago Brandão de Pinho)

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(Rui Ferreira)