Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 01582/06 |
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Secção: | Contencioso Administrativo - 2º Juízo |
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Data do Acordão: | 03/05/2009 |
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Relator: | Teresa de Sousa |
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Descritores: | ORDEM DE DEMOLIÇÃO OBRA CLANDESTINA LEGALIZAÇÃO DE OBRA |
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Sumário: | I - Do preceituado nos arts. 106º, nº 2 e 115º, nº 1 do DL nº 555/99, de 16/12, conclui-se que vigoram em matéria de demolição de construções ilegais a regra de que a demolição só deve ser ordenada se não for possível a legalização, com ou sem a realização de trabalhos de correcção ou de alteração; II - Tal regra é um afloramento do princípio constitucional da proporcionalidade (art. 18º, nº 2 da CRP) que impõe que não sejam infligidos sacrifícios aos cidadãos quando não existam razões de interesse público que os possam justificar; III - Assim, se as obras, apesar de ilegalmente efectuadas, podem vir a satisfazer os requisitos legais e regulamentares de urbanização, não devem, sem mais, ser demolidas; IV - E, tal apreciação da possibilidade de satisfação dos requisitos de licenciamento deve anteceder a ordem de demolição prevista no nº 1 do art. 106º do DL. nº 555/99. |
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Aditamento: | ![]() |
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Decisão Texto Integral: | Acordam na 1ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul Vem interposto recurso do acórdão do TAF- Almada que julgou improcedente a acção administrativa especial, na qual se pede a anulação da ordem administrativa de reposição da obra de acordo com o projecto licenciado, absolvendo o réu do pedido. Em alegações são formuladas as seguintes conclusões: 1) Em 25/08/04 a recorrente foi notificada do despacho do Vereador do Urbanismo, Organização e informática, de que "por meu despacho de 04.08.10, e no uso da competência delegada pelo despacho da Sra. Presidente n.° 201/03 de 15 de Dezembro, foi determinada a ordem administrativa de reposição da obra de acordo com o projecto licenciado, face às alterações efectuadas à revelia do licenciamento Municipal obrigatório relativamente ao fecho total do terraço correspondente ao 1° andar D da Rua ...- Costa de Caparica. A ordem administrativa de reposição deverá ser cumprida no prazo de 90 (noventa) dias" doc. 1 junto à p.i. 2) Em 5 de Novembro de 2004, apresentou "Acção Administrativa Especial de pretensão conexa com actos administrativos pedindo a anulação da ordem administrativa de reposição da obra e a intimação da recorrida a reconhecer a obra. 3) Em 16 de Dezembro de 2005, a recorrente é notificada da douta sentença que considerou não provada e improcedente o pedido da recorrente, sendo dessa sentença que está a recorrer. 4) O Tribunal a quo, ignorou toda a matéria factual apresentada pela recorrente, na petição inicial, como nas alegações, sem que tenha em relação a tal matéria feito sequer urna simples apreciação positiva ou negativa. 5. Nos termos do art. 3.° A do C.P.C " O tribunal deve assegurar, ao longo de todo o processo, um estatuto de igualdade substancial das partes, designadamente no exercício de faculdades, no uso dos meios de defesa e na aplicação de cominações ou de sanções processuais." 6. O Tribuna! a quo desviou-se no caso subjudice deste preceito legal de igualdade das partes. 7. O Tribunal a quo não atendeu nem deu qualquer relevância a factos alegados pela recorrente, nomeadamente, na sua petição inicial com relevância para o processo que não foram contraditados por parte da recorrida e que foram provados através de abundante prova documental junta aos autos com aquela petição. 8. Desses factos, não considerados pelo Tribunal a quo no elenco dos factos dados como provados, destacam-se os seguintes: As obras realizadas são do conhecimento da Ré, peio menos desde 25 de Julho de 1977. (doc.2 junto à pi); . Em 25 de Julho de 1977, a recorrente recebeu um "Mandato de Notificação" igual ao que está na base do presente recurso para demolir a obra de ampliação realizada (doc. 2 junto á p. i) * A recorrente entregou à recorrida o Projecto de Arquitectura de Alteração e Ampliação do andar (doc. 4 junto à p i); A recorrente foi notificada para "Audiência Prévia", em 11 de Outubro de 2002, para "no prazo de 10 dias úteis a contar da recepção do presente ofício, se pronunciar, por escrito, sobre o projecto de decisão, referente ao processo de construção acima mencionado e do qual se envia fotocópia" (doc. 12 junto à p. i) 9) Nesse documento fotocopiado pode ler-se: Trata-se de um projecto de alterações/legalização que consiste no encerramento da área do terraço com consequente aumento da área encerrada do fogo; Após visita ao local, em 09.10.2002, verifica-se que existem mais situações análogas no nível do 1.° andar, as quais também não se encontram devidamente licenciadas, pelo que se julga remeter esta situação à D.A.C.O, para o devido prosseguimento; « Relativamente ao projecto de alterações refere-se que o mesmo não se encontra devidamente instruído carecendo não só de um estudo do de conjunto como também das devidas autorizações de pelo menos de 2/3 dos condóminos; Em termos estéticos, considera-se que esta ocupação do terraço traduz uma imagem dissonante, pelo que se julga ser fundamental a apresentação de uma solução mais integrada e cujos os aspectos regulamentares sejam devidamente salvaguardados. 10. Existem inúmeras situações de fecho e cobertura do terraço idênticas à da recorrente não só no seu prédio ao nível do 1.° andar como nos prédios circundantes, (doc.s 13 a 19 juntos à p.i). 11. Em 29 de Outubro de 2002, a recorrente respondeu ao ofício da recorrida de 11/10/2002, dando-lhe conta que havia alguns esclarecimentos que iram ser pedidos ao Sr, Arquitecto, Luís Bernardo, colaborador da recorrida a fim de serem ultrapassadas as correcções apresentadas e já atrás referidas e pedindo urna prorrogação do prazo, nunca inferior a 90 dias, para a entrega do projecto com as alterações pretendidas, (doe, 20 junto è p.i). 12. Em 29 de Novembro de 2002, a recorrida informa a recorrente que "Mais se informa que nos termos do art, 25 do mesmo diploma, o referido projecto poderá ser reapreciado quando suprir as deficiências que fundamentam o indeferimento" (doc. 21 junto è p.i) 13. Pelo ofício de 14 de Novembro de 2003, a recorrida é convocada para prestar esclarecimentos sobre as alterações efectuadas sem licenciamento Municipal obrigatório na construção sita na Rua ...- Costa da Caparica (doc. 22 junto à p.i) 14. Todos os factos referidos no n.° anterior foram omitidos na matéria dada como provada, embora a recorrente tenha deles feito prova documental e não foram contraditados pela recorrida. 15. E a sua não inclusão na matéria considerada como provada não permitiu ao Tribunal a quo fazer sobre eles a devida apreciação. 16. Assim, o Tribunal a quo ter-se-ia pronunciado sobre a falta de razoabilidade e sustentação de uma decisão administrativa proferida em 25 de Agosto de 2004, (doc.1 junto ao p.i) para que a obra fosse reposta de acordo com o projecto licenciado, quando a recorrida 26 anos e onze meses atrás, ou seja, em 25 de Julho de 1977, (doc.2 junto ao p.i.) já tinha proferido a mesma decisão. 17. O Tribunal a quo, não fez uma correcta e justa apreciação desta situação e não teve em conta a douta Jurisprudência aplicável a casos desta natureza, como por exemplo, o douto Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, retirado da Internet (JSTA0006092, SA1200512140959), onde se pode ler"... A obra já edificada existe, implicou investimentos e despesas, em muitos casos alberga já pessoas e famílias, fez entretanto nascer da parte de várias pessoas interesses convergentes na respectiva manutenção - porventura também provocando efeitos antagonistas" 18. E por outro lado, em complemento desta douta ponderação de conflito de interesses públicos e privados, a recorrente, tal como alegou nos artigos. 9.° e 10.° do p.i, pelo facto de ter pago a multa em 1977; o ter lhe sido dito que não se preocupasse porque se a sua obra fosse abaixo, cerca de três quartos das obras realizadas sem licença da Câmara também teria de ser demolidas e o facto de terem decorrido cerca de 27 anos, criou legítimas expectativas de que o assunto estava resolvido. 19. O Tribunal a quo considerou como provado que "Em 06/06/02 foi a autora notificada para "submeter, no prazo de 60 (sessenta) dias, a contar da data da recepção da presente notificação, à apreciação da Câmara projecto de arquitectura de alterações, para efeito de legalização de obras de construção que foram realizadas à revelia do licenciamento municipal obrigatório. 20. Não considerou, no entanto, como provado, como já atrás se disse que a recorrente tinha entregue à recorrida o Projecto de Arquitectura de Alteração e Ampliação do andar (doc. 4 junto à p.i); 21. O Tribunal a quo não considerou como provado que a recorrente tinha sido notificada para "Audiência Prévia", em 11 de Outubro de 2002, para "no prazo de 10 dias úteis a contar da recepção do presente ofício, se pronunciar, por escrito, sobre o projecto de decisão, referente ao processo de construção acima mencionado e do qual se envia fotocópia" ( doc. 12 junto à p.i). 22. O Tribunal a quo não se pronunciou, também sobre a análise global do projecto apresentado pela recorrente e que a seguir se indica; Trata-se de um projecto de alterações/legalização que consiste no encerramento da área do terraço com consequente aumento da área encerrada do fogo; Após visita ao local, em 09.10.2002, verifica-se que existem mais situações análogas no nível do 1° andar, as quais também não se encontram devidamente licenciadas, peio que se julga remeter esta situação à D.A.C.O, para o devido prosseguimento; Relativamente ao projecto de alterações refere-se que o mesmo não se encontra devidamente instruído carecendo não só de um estudo do de conjunto como também das devidas autorizações de pelo menos de 2/3 dos condóminos; Em termos estéticos, considera-se que esta ocupação do terraço traduz urna imagem dissonante, peio que se julga ser fundamental a apresentação de uma solução mais integrada e cujos os aspectos regulamentares sejam devidamente salvaguardados. 23. A obra tem mais de um quarto de século, e que, inopinadamente, pela razão alegada no art 19.° da p.i, a recorrida ressuscitou, com a exigência do Projecto de Arquitectura e Alterações. 24. Mas esse facto indiciava claramente que a recorrida considerou que o processo de legalização é exequível caso sejam satisfeitas certas condições, por ela indicadas e já referidas. 25. Assim, a recorrente apresentou à recorrida o projecto de Arquitectura e Alterações. 26. A recorrida analisou-o e deu o seu parecer sobre as correcções a introduzir; 27. A recorrente predispôs-se a apresentar um novo projecto que contemplasse tais correcções, obviamente, em relação àquelas que estavam ao seu alcance. 28. Tendo em conta que no referido parecer, relativamente ao projecto de alterações se refere-se que o mesmo não se encontra devidamente instruído carecendo não só de um estudo de conjunto corno também das devidas autorizações de pelo menos de 2/3 dos condóminos. E que, em termos estéticos, considera-se que esta ocupação do terraço traduz uma imagem dissonante, pelo que se julga ser fundamental a apresentação de uma solução mais integrada e cujos os aspectos regulamentares sejam, devidamente, salvaguardados, (vide doc. 12, já citado e junto á p.i), 29. Facilmente se pode concluir que só a obtenção das devidas autorizações de 2/3 das assinaturas dos condóminos é que está ao alcance da recorrente, a qua! até já foi obtida na última Assembleia Gerai de Condóminos realizada em 28 de Janeiro de 2008. 30. Quanto ao estudo de conjunto e à apresentação de uma solução mais integrada para evitar a imagem dissonante criada pela referida obra, são aspectos que, obviamente, não passam exclusivamente pela acção da recorrente mas terá de passar pelos Condóminos dos primeiros andares (1° A, 1.°B, 1.°C, 1.°F, 1.°G e 1.º H) que também fizeram obras iguais ás da recorrente. 31. É que a recorrente não tem o poder de exigir que os condóminos dos andares referenciados no artigo anterior se predisponham a entrar num projecto que englobe uma solução integrada, pela simples razão de que não foram notificados, tal como foi a recorrente. 32. É bastante estranho que a recorrida tenha verificado que na visita ao local, efectuada em 09 de Outubro de 2002, existiam situações análogas ao nível do 1.° andar (vide anexo do doe. 12 já citado e junto à p. i) e não tenha enviado a mesma notificação aos Condóminos do 1.A, 1-° 8, 1.° C, 1° F, 1.° G e 1° H, para só referir as situações idênticas às da recorrente. 33. Talvez assim fosse mais fácil integrá-los na dita solução integrada até porque já teve tempo suficiente para o fazer, dado que já passaram quase 3 anos e meio depois da visita ao local, em 09.10.2002. 34. Não o tendo feito, até à data, razão tem a recorrente para admitir que a recorrida actua de forma diferenciada com os seus munícipes, violando, assim, o princípio da igualdade. 35. A recorrida em momento algum, antes de tomar a decisão de mandar demolir a obra, considerou que o projecto de alteração e legalização era inexequível. 36. Muito pelo contrário, a Sra. Arquitecta Isabel Maria Ferreira Serra, colaboradora da recorrida, no oficio que dirigiu á recorrente, demonstrando bom senso e equidade na resolução desta situação, vem dizer, sem indicar quaisquer prazos que "......o referido projecto poderá ser reapreciado quando suprir as deficiências que fundamentam o indeferimento" (doc. 21 da p. i) 37. A recorrida admitindo que o referido projecto poderá ser reapreciado quando forem supridas as deficiências que fundamentam o indeferimento, não pode, inopinadamente, "saltar" para a decisão que a recorrente devia dar cumprimento à ordem administrativa no prazo de 90 dias sob pena da recorrente, desobedecendo, cometer um crime de desobediência qualificada. (doc. 1 junto á p.i. 38. Com esta absurda decisão a recorrente devia deitar abaixo urna obra construída há mais de um quarto de século, enquanto os outros em situações idênticas nem sequer foram notificados para proceder de igual forma. 39. O Tribunal a quo fundamentou a sua douta sentença apenas e só na matéria que considerou como provada, não tendo como já se referiu na análise factual atrás exposta e analisada pela recorrente feito qualquer referência positiva ao negativa a toda a matéria factual por esta apresentada, pelo que não se pronunciou sobre questões que devia apreciar. 40. Assim, o Tribunal a quo considerou, conforme se pode ler no ponto 3 da douta sentença, que as questões a resolver eram apenas as seguintes: - A reposição da obra no estado anterior é obrigatória face à ausência de licenciamento municipal? - A existência do processo de contra-ordenação constitui causa impeditiva da ordem camarária.? - O facto de existirem mais prédios na mesma situação dá à autora o direito de não repor a obra.? 41. O Tribunal a quo, ao limitar a análise do caso sub judice à resolução das referidas questões, não podia deixar de concluir pela improcedência da acção, bastando para o efeito compulsar a legislação aplicável. 42. No entanto, a questão em apreço deve ser analisada e decidida pela matéria factual global, incluindo nesta toda a matéria factual que a recorrente logrou provar ao longo do processo através da documentos juntos á sua petição inicial e não contestados peta recorrida. 43. Nesse sentido, não pode deixar de ser devidamente apreciado o caso em apreço sem que haja uma resposta para a seguinte questão; - A recorrida pode ordenar a demolição de uma obra, neste caso feita há mais de 25 anos, quando reconhece que a mesma é susceptível de legalização? 44. Tendo em conta toda a matéria factual provada pela recorrente, facilmente se conclui que não existe no processo nada que aponte em sentido negativo, muito pelo contrário a análise factual correcta dos factos, aponta para a possibilidade real dessa legalização ser susceptível de acontecer. 45. A recorrida ao interromper de forma intempestiva um processo de legalização que decorria, fê-lo ilegalmente contrariando o n.° 2 do art.106.° do Decreto-Lei n.° 555/99, de 16 de Dezembro, com as alterações introduzidas peto Decreto-Lei n.° 177/2001 que estipula " A demolição pode ser evitada se a obra for susceptível de ser licenciada ou autorizada ou se for possível assegurar a sua conformidade com as disposições legais e regulamentares que lhe são aplicáveis mediantes trabalhos de correcção ou de alteração" 46. Aliás tem sido esta a orientação seguida na vasta douta Jurisprudência do Supremo Tribunais Administrativo, bastando para o efeito, respigar alguns passos do douto Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo que já foi citado no art. 11.° deste recurso. 47. Aí se diz no n.° l I I..." Os arts. 165 e segs. do RGEU deram às câmaras a faculdade de ordenar a demolição das obras particulares executadas sem licença, prevendo, no entanto, que possa não haver lugar a essa demolição se a autarquia reconhecer que a obra susceptível de legalização, por poder vir a satisfazer os requisitos legais e regulamentares aplicáveis, e conformar-se com os ditames da estética, segurança e salubridade - art. 167° e seus parágrafos. A leitura destes preceitos mostra que, tal como tem sido decidido por este STA a emissão deste juízo, em forma negativa, tem de anteceder a prática do acto de demolição. Ou, dito doutra forma, constituí um dos pressupostos, a que vinculadamente tal acto se acha adstrito." 48. E mais à frente, o douto Acórdão acrescenta; " Pois bem, do que aqui se trata é do órgão autárquico, ponderando uma série de elementos objectivos, fazer a prognose de que a obra, devidamente enquadrada e apresentada em forma de projecto a submeter a aprovação camarária, é susceptível de vir a cumprir com os requisitos legais e regulamentares em matéria de urbanismo, de estética, de segurança e salubridade. Estes elementos são, por um lado, as características da obra; e por outro, a disciplina urbanística e construtiva com a qual tem de se enquadrar e conformar -normas do RGEU, prescrições dos planos, regras técnicas e de segurança, etc. Feita esta prognose, a conclusão pode ser uma de duas; ou a obra cumpre no essencial com tais preceitos e com algumas correcções que lhe venham a ser introduzidas é aproveitável para o tecido urbano construído, ou apresenta já disfunções de tal modo graves e insanáveis que o presente projecto nunca poderá Foi isto que o legislador pretendeu que antecedesse uma decisão tão drástica merecer aprovação, quanto a de demolir o que já esta feito, quem sabe se bem feito - embora com o incumprimento das normas sobre licenciamento de construções. É preciso ver que a demolição não é uma sanção, mas uma medida de reposição do statu quo ante que só tem razão de ser se for verdadeiramente necessária ou indispensável para conseguir a boa harmonia construtiva e urbanística." 49. Acrescentando ainda o douto Acórdão que " Ora esses princípios, os da necessidade, adequação, indispensabilidade ou menor ingerência possível, não são mais do que variantes ou corolários do princípio da proporcionalidade que deve guiar toda a actuação administrativa - cf. Art. 286, n.° 2 da CRP e 5.° do CPA, e Gomes Canotilho, Direito Constitucional, p. 387.°. Essa tem sido a orientação deste STA., como o ilustram os Acs. De 2.2.05, procº n.° 633/04, e 19.5.98, proc 43.433." 50. E finalmente, " Em suma, bem andou a sentença recorrida ao exigir que a ponderação acerca da viabilidade de legalização antecedesse a determinação de demolir, e ao dar consequentemente corno violado o preceito do art. 167 do RGEU" 51. Acresce ainda a esta douta e sábia Jurisprudência que no caso sub judice foi completamente ignorada que a construção em apreço, também está sujeita às normas do Capítulo VI da Propriedade Horizontal contidas no C.Civil, mais propriamente no n ° 3 do art. 1422.° onde se pode ler "As obras que modifiquem a linha arquitectónica ou o arranjo estético do edifício podem ser realizadas se para tal se obtiver prévia autorização da assembleia de condóminos, aprovada por maioria representativa de dois terços do valor total do prédio." 52. Embora a obra em apreço tenha sido realizada há mais de um quarto de século, nunca houve por parte dos condóminos do prédio qualquer manifestação de discordância pela obra realizada, o que pressupõe uma autorização tácita, no entanto para suprir esta falta, na última Assembleia de Condóminos, a recorrente já obteve a correspondente autorização. 53. Muito mal andou o Tribunal a quo na análise e decisão do caso em apreço que não teve em conta a correcta apreciação do caso, limitando-se a aderir à fundamentação apresentada pela recorrida. 54. Nestes termos a decisão da recorrida violou o n.° 2 do art.106.° do Decreto-Lei n.° 555/99, de 18 de Dezembro, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 177/2001, na medida que reconheceu ao longo do processo que a obra é susceptível de ser autorizada e inopinadamente de decidiu que devia ser demolida." 55. O Tribunal a quo ao julgar a acção interposta pela recorrente por não provada e improcedente, absolvendo a Ré do pedido, não especificou os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, deixou de se pronunciar sobre questões que devia apreciar pelo que nos termo do art. 668.° n.° 1, al. b) e d) do C.P.C, a sentença é nula. Em contra-alegações defende-se que o acórdão recorrido se deve manter. O EMMP emitiu parecer a fls. 315, no sentido da improcedência do recurso. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. Os Factos O acórdão recorrido considerou provados os seguintes factos: 1º- Em 05/04/02 foi levantado à autora um auto de contra-ordenação em virtude de “na qualidade de proprietária de uma andar procedeu à realização de obras na fracção autónoma correspondente ao 1° andar D, letra G, do prédio urbano sito na R. António Correia, n° 2, Costa da Caparica, com o fecho total do terraço da referida fracção em caixilharia de alumínio e vidro ampliando assim uma área coberta com 27,45 m2 que teve como consequência a alteração ao projecto aprovado n° 77/71 sem que para o efeito se encontrasse munida do respectivo Alvará de Licença de Construção” - doc. fls. 2 do processo instrutor, 2º- Em 06/06/02 foi a autora notificada para “submeter, no prazo de 60 (sessenta) dias, a contar da data da recepção da presente notificação, à apreciação da Câmara projecto de arquitectura de alterações, para efeito de legalização de obras de construção que foram realizadas à revelia do licenciamento municipal obrigatório - doc. fls. 5 do processo instrutor. 3º- Em 26/09/02 foi a autora notificada para "pronunciar-se, por escrito, no prazo legal de 15 (quinze) dias, sobre a ordem administrativa de reposição da obra de acordo com o projecto aprovado, na qual foram realizadas alterações sem o respectivo licenciamento Municipal obrigatório, sita em R. ... - Costa da Caparica” - doc. fls. 7. 4º- A autora pronunciou-se nos termos do requerimento de fls. 9 do processo instrutor, cujo teor se dá por reproduzido - doc. fls. 9 do processo instrutor. 5º- Em 25/08/04 a autora foi notificada do despacho do Vereador do Urbanismo, Organização e Informática, de que “por meu despacho de 04.08.10, e no uso da competência delegada pelo despacho da Sra. Presidente n° 201/03 de 15 de Dezembro, foi determinada a ordem administrativa de reposição da obra de acordo com o projecto licenciado, face às alterações efectuadas à revelia de licenciamento Municipal obrigatório relativamente ao fecho total do terraço correspondente ao 1° andar D da R. ... - Costa da Caparica. A ordem administrativa de reposição deverá ser cumprida no prazo de 90 (noventa) dias” - doc. fls. 14 do processo administrativo. 6º- O processo de contra-ordenação n° 67/2002, instaurado por causa das obras sub-judice, foi arquivado por prescrição, dado que as obras datam desde pelo menos 1977 -doc. fls. 174. Consideram-se ainda provados os seguintes factos, nos termos do art. 712º, nº 1, al. a) do CPC: 7º - Na sequência da notificação indicada no ponto 2º supra, a recorrente entregou à recorrida o Projecto de Arquitectura de Alteração e Ampliação do andar - doc. 4 junto à p.i., fls. 39 a 52 dos autos. 8º - A recorrente foi notificada para "Audiência Prévia", em 11 de Outubro de 2002, através do ofício 10794/02, Proc. 77/71, para “no prazo de 10 dias úteis a contar da recepção do presente ofício, se pronunciar, por escrito, sobre o projecto de decisão, referente ao processo de construção acima mencionado e do qual se envia fotocópia” (doc. 12 junto à p. i, fls. 73 e 74 dos autos). 9º - Nesse projecto de decisão pode ler-se o seguinte: “Trata-se de um projecto de alterações/legalização que consiste no encerramento da área do terraço com consequente aumento da área encerrada do fogo. Após visita ao local, em 09.10.2002, verifica-se que existem mais situações análogas no nível do 1.° andar, as quais também não se encontram devidamente licenciadas, pelo que se julga remeter esta situação à D.A.C.O, para o devido prosseguimento. Relativamente ao projecto de alterações refere-se que o mesmo não se encontra devidamente instruído carecendo não só de um estudo de conjunto como também das devidas autorizações de pelo menos de 2/3 dos condóminos. Em termos estéticos, considera-se que esta ocupação do terraço traduz uma imagem dissonante, pelo que se julga ser fundamental a apresentação de uma solução mais integrada e cujos os aspectos regulamentares sejam devidamente salvaguardados.” - cfr. doc. 12, fls. 74 dos autos. 10º - Em 29 de Outubro de 2002, a recorrente respondeu ao ofício da recorrida de 11.10.2002, nos termos constantes do doc. 20, junto a fls. 82/83 dos autos, e cujo teor se dá por reproduzido, pedindo uma prorrogação do prazo, nunca inferior a 90 dias, para a entrega do projecto com as alterações pretendidas. 11º - Em 29 de Novembro de 2002, pelo Of. 12614/02, Proc. 77/71, a recorrida informa a recorrente de que: “(…) o pedido de licenciamento requerido no processo acima mencionado, mereceu despacho de indeferimento datado de 2002/11/22, “ao abrigo da alínea a) do nº 1 do artº 24º do Dec. Lei 555/99 de 16 de Dezembro, com redacção dada pelo Dec. Lei 177/01, de 4 de Junho, conforme informação técnica anexa ao n/ ofício n.º 10794/02, de 11 de Outubro e uma vez que o requerimento n.º 21337/02, entrado no âmbito da audiência prévia não altera o parecer desfavorável emitido. Mais se informa que nos termos do art.º 25º do mesmo diploma, o referido projecto poderá ser reapreciado quando suprir as deficiências que fundamentam o indeferimento.” - cfr. doc. 21, fls. 84 dos autos 12º - Pelo ofício de 14.11.2003, a recorrente foi convocada para prestar esclarecimentos sobre as alterações efectuadas sem licenciamento municipal obrigatório na construção em causa - cfr. doc. 22, fls. 85 O Direito O acórdão recorrido julgou improcedente a acção administrativa especial, na qual se pede a anulação da ordem administrativa de reposição da obra de acordo com o projecto licenciado, e de intimação da Entidade Demandada no reconhecimento do licenciamento camarário das obras realizadas pela aqui Recorrente. No presente recurso alega a recorrente que o decidido resultou de o Tribunal recorrido não ter incluído, nos factos considerados provados, certos factos por si alegados, que não sofreram contestação do réu e que foram provados através de prova documental junta aos autos. E que a não integração de tais factos na matéria considerada como provada não permitiu ao Tribunal fazer sobre eles a devida apreciação, o que a ser feito, determinaria uma decisão diferente. Mais alega que o Tribunal a quo não se pronunciou sobre questões que devia apreciar, daí resultando uma inadequada aplicação da lei ao caso sub judice, ao arrepio da jurisprudência que sobre questões desta natureza já foi proferida. Vejamos. Da matéria de facto A recorrente defende que deveriam ter sido dados como provados, e não o foram, os factos constantes das alíneas do art. 7º das alegações de recurso (e das conclusões 8 a 12). Quanto ao facto da alínea a), embora não conste do probatório com a formulação dada pela recorrente, consta do respectivo ponto 6º, no qual se refere “(…), dado que as obras datam desde pelo menos 1977”, sendo tido em conta na sentença, que refere no ponto 4.1 que “A realização de alterações na fracção em causa, deveria ter sido precedida da obtenção do respectivo licenciamento municipal, ainda que tivesse sido realizada em 1977, como as partes acordam”. Quantos aos factos das alíneas b), f), não têm qualquer relevância para a decisão, sendo certo que mesmo que fossem levados ao probatório não seriam, por si só, susceptíveis de alterar a decisão recorrida. Quanto aos factos das als. c), d), e), g), h) e i), foram aditados ao probatório, porque, encontrando-se provados documentalmente, interessam para a apreciação da causa. Das nulidades da sentença Alega a recorrente que o Tribunal a quo ao julgar a acção interposta pela recorrente por não provada e improcedente, absolvendo a Ré do pedido, não especificou os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, deixou de se pronunciar sobre questões que devia apreciar pelo que nos termo do art. 668.º n.º 1, al. b) e d) do C.P.C, a sentença é nula. Quanto à nulidade da sentença prevista na al. b) do citado art. 668º do CPC, ocorre quando a sentença “…não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;” Manifestamente não se verifica tal nulidade, já que a sentença recorrida contém fundamentação de facto e de direito, sendo pacífico o entendimento da jurisprudência no sentido de que só se verifica tal nulidade quando haja total ausência de fundamentação (de facto e/ou de direito), e já não quando esta seja (eventualmente) deficiente. Improcede, consequentemente, a nulidade invocada. Quanto à nulidade da sentença prevista na alínea d) do nº 1 do art. 668º do CPC verifica-se “quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.”. Tal nulidade, de omissão de pronúncia, traduz-se no incumprimento, por parte do julgador, do dever prescrito no nº 2 do art. 660º do CPC, que é o dever de resolver todas as questões submetidas à sua apreciação. Ora, no caso dos autos, verifica-se que não existe qualquer questão que as partes tenham submetido à apreciação do tribunal e que este não tenha resolvido, face à matéria de facto que se considerou provada, pelo que improcede a nulidade por omissão de pronúncia. Do mérito Alega a recorrente que a questão em apreço deve ser analisada e decidida pela matéria factual global, incluindo nesta toda a matéria factual que a recorrente logrou provar ao longo do processo através da documentos juntos á sua petição inicial e não contestados pela recorrida. E, que tal questão, é a de saber se a recorrida pode ordenar a demolição de uma obra, feita há mais de 25 anos, quando reconhece que a mesma é susceptível de legalização? E, para tanto, invoca que o acto administrativo impugnado viola o disposto no art. 106º, nº 2 do DL nº 555/99, de 18 de Dezembro, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 177/2001, na medida que reconheceu ao longo do processo que a obra é susceptível de ser autorizada e decidiu que devia ser demolida. Vejamos. A questão essencial que é colocada no presente recurso jurisdicional, é, efectivamente, a de saber se, nas circunstâncias referidas no probatório (com os aditamentos por nós introduzidos) a entidade recorrida pode ordenar a demolição da obra em causa, quando reconhece que a mesma é susceptível de legalização? O DL. nº 555/99, de 16/12, com as alterações introduzidas pelo DL nº 177/2001, de 4/6, estabelece actualmente o regime jurídico da urbanização e edificação, já se encontrando em vigor à data do acto administrativo que ordenou a reposição da obra de acordo com o projecto licenciado (cfr 5º do probatório). No nº 1 do seu art. 106º atribui-se ao presidente da câmara municipal para ordenar a demolição total ou parcial da obra ou a reposição do terreno nas condições em que se encontrava antes da data de início dos trabalhos, fixando um prazo para o efeito. No entanto, no nº 2 do mesmo artigo estabelece-se que “a demolição não pode ser ordenada se a obra for susceptível de ser licenciada ou autorizada ou se for possível assegurar a sua conformidade com as disposições legais ou regulamentares que lhe são aplicáveis mediante a realização de trabalhos de correcção ou de alteração”. Por outro lado, o nº 1 do art. 115º do mesmo diploma atribui efeito suspensivo ao (então designado) recurso contencioso dos actos previstos no art. 106º, só podendo ser-lhe atribuído efeito meramente devolutivo se existirem indícios da ilegalidade da sua interposição ou da sua improcedência. De tais preceito conclui-se que vigoram em matéria de demolição de construções ilegais as regras de que a demolição só deve ser ordenada se não for possível a legalização, com ou sem a realização de trabalhos de correcção ou de alteração. Assim, a demolição de obras ilegais tem de ser considerada como um último recurso para a reposição da legalidade, só devendo ser ordenada quando não subsistem dúvidas razoáveis sobre a possibilidade de legalização. De facto, como se escreveu no Acórdão do STA de 09.04.2003, Rec. 09/03, “Está-se perante um afloramento do princípio constitucional da proporcionalidade (art. 18.º, n.º 2, da C.R.P.) (Princípio este reafirmado, a nível da actividade administrativa, nos arts. 266.º, n.º 2, da C.R.P. e 5.º do C.P.A.) que impõe que não sejam infligidos sacrifícios aos cidadãos quando não existam razões de interesse público que os possam justificar.” (cfr no mesmo sentido os Acs. do mesmo Tribunal de 02.02.2005, Rec. 0633/04 e de 19.05.98, Rec. 43433). Ora, conforme resulta dos factos aditados ao probatório, a recorrente apresentou um Projecto com vista à legalização da obra (cfr. ponto 7º do probatório), e apesar do pedido de licenciamento ter sido indeferido a entidade recorrida admite a possibilidade da sua reapreciação “…quando suprir as deficiências que fundamentam o indeferimento.”, tendo a recorrente sido convocada, posteriormente a este indeferimento, para prestar esclarecimentos sobre o assunto (cfr. 11º e 12º do probatório). Assim, não resulta, para já, ser impossível a legalização da obra, sendo possivelmente necessária uma intervenção integrada da Câmara Municipal, já que, por um lado, se reconhece a existência de diversos outros casos análogos sem licenciamento, e, por outro lado, se considera ser necessário um estudo de conjunto (cfr. 9º do probatório), que, como a recorrente alega não são aspectos que passem exclusivamente pela sua acção. E, tal apreciação da possibilidade de satisfação dos requisitos de licenciamento deve anteceder a ordem de demolição prevista no nº 1 do art. 106º do DL. nº 555/99, e, consubstanciada no acto impugnado. Nestes termos, ao ter ordenado a reposição nos termos em que o fez, o acto impugnado, viola o art. 106º, nº 2 do DL. nº 555/99, tal como invocado pela recorrente, devendo ser anulado (art. 135º do CPA), pelo que, ao assim não ter entendido, a sentença recorrida padece de erro de julgamento, resultante da incorrecta apreciação da matéria de facto relevante para a decisão. Pelo exposto, acordam em: a) - conceder provimento ao recurso, revogando a sentença recorrida e anulando o acto impugnado e intimando o recorrido a reapreciar o pedido da recorrente à luz dos critérios acima expostos; b) - condenar o recorrido nas custas, fixando a taxa de justiça em 5 UC (arts. 73º-D, nº 3 e 73º-E, nº 1, al. b) CCJ). Lisboa, 5 de Março de 2009 |