Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1944/08.7BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:12/05/2024
Relator:JORGE CORTÊS
Descritores:IVA.
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO FORMAL.
Sumário:I- O acto tributário não está fundamentado se não contem a referência às normas e aos cálculos que justificam as correcções impostas à declaração do contribuinte.

II- A regularização voluntária do imposto considerado devido não obsta, nem contende, com o dever de fundamentação formal do acto tributário.

Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção Tributária Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
I- Relatório
N………. Construções, Lda. veio deduzir impugnação judicial, na sequência indeferimento tácito que se formou, em virtude da falta de decisão, em tempo, da reclamação graciosa que oportunamente apresentou contra os atos tributários de liquidação adicional de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) e respectivos juros compensatórios, os quais resultaram da regularização voluntária com a entrega das declarações de substituição de IVA, no seguimento de inspeção tributária a que foi sujeita, por referência aos anos de 2004, 2005 e 2006, de que resultou a pagar a quantia total de €61.22,98.
O Tribunal Tributário de Lisboa, por sentença incorporada a fls. 654 e ss., (sitaf), e datada de 30/04/2021 julgou a presente impugnação procedente.
Desta sentença foi interposto o presente recurso em cuja alegação, inserta a fls. 738 e ss. (sitaf), a Fazenda Pública, ora recorrente, formulou as conclusões seguintes:
“4.1. Visa o presente recurso reagir contra a Douta decisão que julgou procedente a Impugnação judicial, intentada pela ora recorrida contra a decisão de arquivamento da reclamação graciosa n.º ……………510, que teve por objecto as liquidações de IVA n.º………..759; ……………..761; ……….763; ………..765; ………….767; ………….769; …………….771; ………..775; ……….760; ………..762; …………764; ………..766; ………….768; ………..770; ………..772; …………..774, referentes ao ano de 2004; n.º ……….776; ………777; …………778; …………779; ………….780; ……….781; ………..783; ……..782; ……….784; ………….785; ……….786, referentes ao ano de 2005, e n.º …………787; …………..789; …………..791; ………..793; ……….795; …………796; ……….788; …………..790; ………..792; ………….794; …………797, referentes ao ano de 2006, no montante total de €61.221,98.
4.2. Como fundamentos da impugnação invocou a impugnante a ilegalidade da liquidação em questão, decorrente de:
- Errónea quantificação dos rendimentos, lucros, valores patrimoniais e outros factos tributários;
- Ausência ou vício da fundamentação legalmente exigida;
-Inexistência do direito de agir por parte da Administração Fiscal, por caducidade do mesmo direito (artigo 45.º, da Lei Geral Tributária (LGT).
Conclui peticionando a procedência da impugnação, por provada, com a consequente anulação das liquidações em crise
4.3. O Ilustre Tribunal “a quo” julgou procedente a impugnação, anulando as liquidações de IVA em questão, mais condenado a Administração Tributária no pagamento das custas do processo.
4.4. Para tanto, entendeu o Ilustre Tribunal a quo que “A verdade, é que, apesar de ter sido a Impugnante a apresentar via electrónica as declarações de IVA correspondentes às infracções, as notas de cobrança e de liquidação juntas aos autos, não estão devidamente fundamentadas, pois, não é compreensível o percurso percorrido pela Administração Tributária para alcançar os valores cobrados.”, e que
4.5. “Pese embora a explicação prestada em sede de contestação pela Administração Tributária, quer se considere que a mesma é ou não correta, a verdade, é que das notas de liquidação, ou sequer do RIT, não resultam elementos que permitam compreender os cálculos aplicados e as normas tidas em conta pela Administração Tributária para chegar aos valores tributados e plasmados nas notas de liquidação.”.
Ora,
4.6. entende a Fazenda Pública, com o devido respeito e salvo melhor entendimento, que com as supra transcritas conclusões colhida pelo Ilustre Tribunal recorrido, incorreu este em erro, tanto no julgamento da matéria de facto como na aplicação do direito.
Isto porque,
4.7. por um lado, e conforme já foi oportunamente referido pela Fazenda Pública em sede de contestação, as liquidações adicionais impugnadas resultaram das declarações de IVA, Mod. C, entregues pela ora impugnante, e pelas quais esta regularizou voluntariamente a sua situação tributária.
4.8. Se a impugnante, ora recorrida, apresentou, via eletrónica, as declarações de IVA correspondentes às infrações detetadas pelos serviços de inspecção tributária, dúvidas não restam que a impugnante compreendeu os motivos pelos quais o fez, tendo em vista a sua regularização tributária.
Por outro lado,
4.9. e à revelia do entendido pelo Ilustre Tribunal a quo, é entendimento da Fazenda Pública, com o devido respeito e salvo melhor entendimento, que no relatório final inspectivo encontra-se a fundamentação clara, concisa e congruente dos motivos que levaram à liquidação do IVA em questão, conforme melhor se pode aferir pela leitura do relatório final em questão.
Efectivamente,
4.11. face à factualidade descrita, é por demais evidente que, da exposição dos motivos aduzidos pela Autoridade Tributária no relatório final de inspecção ficou a impugnante a saber o porquê de tal decisão, já que se esclarecem as razões de facto e de direito que determinaram aquela.
Aliás, a própria petição apresentada e tudo o que vem exposto e alegado assim o demonstram.
4.12. Perante a fundamentação que lhe foi transmitida, constante do relatório inspectivo, dúvidas não restam que aquela teve perfeito conhecimento e ajuizou de forma correcta a legalidade do acto que lhe foi notificado, já que lhe era antecedente uma fundamentação formal. Ou seja, foram pela Administração Tributária comunicados os concretos pressupostos legais de preenchimento do seu direito.
4.13. Aliás, da leitura da petição inicial, não resta qualquer dúvida, de que a impugnante interpretou claramente e de forma correcta, as razões que levaram a Autoridade Tributária a decidir como decidiu, bem como o percurso cognitivo e valorativo percorrido por esta, como se constata da leitura atenta aos fundamentos de facto e de direito por si aí explanados.
4.14. Tanto assim é, que não convencida da legalidade e do rigor da actuação da Administração Tributária, apresentou a presente impugnação, mostrando profundo conhecimento dos factos e do direito que estribam os actos que deram origem à actuação da Administração Tributária
4.15. Factos só por si consubstanciadores de uma correcta fundamentação do acto colocado em crise nos presentes autos. Ao contrário do decidido, a Administração Fiscal fundamentou de forma irrepreensível a sua decisão, indicando claramente, as motivações de facto e de direito que a levaram a decidir como decidiu.
4.16. E mesmo que assim não tivesse acontecido, bastava uma leitura superficial à petição inicial para perceber que a impugnante conheceu e entendeu, claramente, porque se decidiu conforme se decidiu e os motivos das decisões impugnadas.
4.17. Não resta nenhuma espécie de dúvida, também, que a impugnante se apercebeu perfeitamente do itinerário cognitivo e valorativo seguido pela Autoridade Tributária, pelo que não pode alegar a falta de fundamentação dos actos impugnados.
Razão pela qual,
4.18. o Ilustre Tribunal recorrido, ao assim não entender e ao considerar que os actos impugnados padecem do vício de falta de fundamentação, decidindo-se pela anulação dos mesmos, no modesto entendimento da Fazenda Pública, sempre com o devido respeito e salvo melhor entendimento, incorreu em erro de julgamento.
Pelo que,
4.19. com o devido respeito e salvo sempre melhor entendimento, deve ser revogada a decisão ora recorrida, com as legais consequências daí decorrentes.
Pugna pela procedência do recurso e pela revogação da sentença recorrida, com a consequente manutenção do acto tributário.
X
Não foram apresentadas contra-alegações.
X
O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal notificado para o efeito, emitiu parecer no sentido de ser concedido provimento ao recurso.
X
Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.
X
II- Fundamentação
2.1. De Facto.
A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:”
1) A acção inspetiva à ora Impugnante, relativamente aos exercícios de 2004, 2005 e 2006, foi efetuada no estrito cumprimento das Ordens de Serviço n.ºs OI200800012, OI200800013 e OI200800014, de 03.01.2008, ordenada por despacho de 25.02.2008 - cfr. teor do relatório de inspecção tributária (RIT), ínsito no processo administrativo (PA) apenso a este processo;
2) A acção de inspecção foi iniciada no dia 28.04.2008 e concluída em 20.06.2008 - cfr. RIT ínsito no PA, apenso ao processo;
3) “B - Motivo, âmbito e incidência temporal

A presente acção, de âmbito parcial – IRC e IVA, com enquadramento no PNAIT 221, 22, surge no seguimento da ficha de inspecção remetida pela Direcção de Finanças de Leiria, a que corresponde a Entrada Geral 8420, de 29-01-2007.

O sujeito passivo foi notificado para proceder à substituição das declarações periódicas de IVA, dos exercícios em análise, dado terem sido apuradas divergências entre a base tributável que constava das declarações entregues e a que resulta de facturas emitidas a clientes. Da referida divergência foi apurado IVA liquidado e não entregue, nos cofres do Estado que a seguir quantificamos.

C - Outras Situações

ENQUADRAMENTO FISCAL DA ACTIVIDADE DESENVOLVIDA

No período em análise, a empresa encontrava-se enquadrada em sede de IVA e IRC, pelo exercício da actividade de “Construção de Edifícios” CAE 045211, respectivamente, no Regime Normal de Periodicidade mensal, desde 01/01/2002, nos Termos dos Artigos 1º e 2º do CIVA, com direito à dedução do Imposto suportado, nos termos dos Artigos 19º a 25º, do mesmo Diploma e, em sede de IRC, no regime geral, também desde a mesma data.

INFORMAÇÃO RECOLHIDA NO SISTEMA E PREPARAÇÃO DA ACÇÃO INSPECTIVA

Em sede de IR, da consulta ao sistema informático, verificou-se que a empresa, cumpriu com as obrigações declarativas, em cada um dos exercícios – 2004, 2005 e 2006.

Em sede de IVA, verificou-se que inicialmente, o sujeito passivo entregou as declarações periódicas nas quais fez constar apenas IVA dedutível, à excepção do período 05.01, em que não tinha procedido à entrega de qualquer declaração.

Todavia, predispôs-se a regularizar voluntariamente a situação em causa, mediante a entrega de declarações de substituição ou, as declarações em falta para os períodos em que não tinha apresentado declaração.

Foi efectuada a circulação de clientes e fornecedores, identificados no decurso do procedimento de inspecção.

ORGANIZAÇÃO CONTABILISTICA.

A empresa, abrangida pelo regime geral de apuramento da matéria tributável, possui contabilidade organizada, por conseguinte, obrigada ao cumprimento das normas contabilísticas e do Código das Sociedades Comerciais.

Foram verificados e analisados os registos contabilísticos e correspondentes documentos de suporte, na sequência do qual, verificámos que os proveitos resultam da actividade normal da empresa.

A contabilidade da empresa está organizada de forma clara, permitindo uma adequada informação de gestão e satisfaz as exigências externas, bem como as de natureza fiscal.

ANÁLISE DOCUMENTAL

Da análise efectuada aos elementos de escrita e respectivos documentos de suporte da empresa, referentes aos exercícios de 2004, 2005 e 2006, constatamos o seguinte:

SITUAÇÃO FISCAL – ANÁLISE DE CUSTOS, PROVEITOS, PERDAS E GANHOS – IR/IVA

Foi assegurada a coerência global dos registos contabilísticos (Balancetes) com os valores inscritos na declaração mod.22, nas declarações periódicas de IVA, na declaração anual e no processo de documentação fiscal, bem como os valores mencionados entre si:

· Resultado líquido do exercício devidamente apurado;

· Validação dos valores constantes das declarações Anual/Periódicas quanto ao IVA dedutível, bases tributáveis, regularizações e IVA liquidado, após a regularização voluntária;

· Validação do cumprimento das disposições do CIVA nas facturas ou documentos equivalentes, para efeitos do direito à dedução do imposto

(…)

III - Descrição dos Factos e Fundamentos das Correcções Meramente Aritméticas à Matéria Tributável


IVA

Da análise efectuada à factura n.º82, de 2004-11-30, no montante de € 15.000,00, acrescido de IVA, à taxa de 19%, no montante de € 2.850,00, bem como as restantes facturas emitidas pelo sujeito passivo, constatámos que não haviam sido declarados os montantes nas respectivas declarações periódicas de IVA, por conseguinte, não havia sido apurado o imposto a favor do Estado, fazendo constar na mesma apenas o imposto dedutível, situação que já foi regularizada voluntariamente pelo sujeito passivo, resultando as correcções discriminadas, no quadro junto - cfr. teor do RIT ínsito no PA apenso a este processo;

4) A ora Impugnante em termo de declarações de 2008.04.29, questionado pelos serviços de inspecção tributária sobre a falta de regularização da situação tributária em sede de IVA, justificou-se com dificuldades económicas e financeiras - cfr. fls.71 do PA apenso;

« Texto no original»

5) O IVA liquidado e não entregue nos cofres do Estado nos exercícios em análise – 2004, 2005 e 2006 – no valor respetivamente de €23.674, 53, €19.696,48 e €24.355,04, foi regularizado espontaneamente pela ora Impugnante - cfr. docs. de fls.179 a 186 do processo físico;
6) Em 08.07.2008 a ora Impugnante foi notificada das liquidações de IVA e dos correspondentes Juros Compensatórios relativos aos exercícios de 2004 a 2006, na sequência das liquidações adicionais efetuadas nos termos do artigo 87.º do Código do IVA - cfr. AR assinados a fls.13 a 52 da Processo de Reclamação Graciosa (PRG) apenso;
7) A data limite de pagamento das notas de cobrança em causa é 31-08-2008 - cfr. docs. De fls.76 a 113 do PA apenso;
8) Não tendo a Impugnante procedido ao pagamento voluntário das liquidações objecto dos autos, foi instaurado no Serviço de Finanças de Cadaval, em 07.10.2008, o processo de execução fiscal n.º ……………..594 - cfr. fls.187 do PA apenso
9) A ora Impugnante apresentou reclamação graciosa que deu entrada no Serviço de Finanças do Cadaval em 12.11.2008, a qual foi instaurada com o n.º ………………51.0 - cfr. PRG apenso;
10) A reclamação graciosa não obteve decisão - cfr.fls.57 do PRG apenso.
11) A presente impugnação judicial deu entrada no dia 28 de Novembro de 2008 - cfr. data do fax registada na petição inicial

X
“Factos não provados//1) Que tivesse sido prestada garantia bancária.”
X
“Não existem outros factos com relevância para a apreciação do mérito dos autos.”
X
“Motivação do julgamento da matéria de facto//O julgamento da matéria de facto fundou-se nos meios de prova indicados a propósito de cada facto provado. //Relativamente ao facto não provado, baseou-se o Tribunal no doc. de fls.117 do processo físico, junto com a petição inicial, que prova que a mesma foi solicitada, mas, nada mais. Ficou o Tribunal sem saber se a mesma foi deferida, tanto mais, que o “órgão de execução fiscal na sua Informação a fls.2001 a 202 do PA apenso), vem dizer que no âmbito do processo de execução fiscal não foi prestada garantia. // Quanto à demais matéria alegada, a mesma não carece de ser aqui tida em conta por se tratar de alegações conclusivas, de direito ou impertinentes”
X
2.2. De Direito.
2.2.1. A presente intenção recursória centra-se sobre o alegado erro de julgamento quanto ao enquadramento jurídico da causa.
A sentença julgou procedente a impugnação, determinando a anulação das liquidações de IVA questionadas nos autos. Estruturou, em síntese, a argumentação seguinte:
«Resulta do teor do RIT no capítulo “III - Descrição dos Factos e Fundamentos das Correcções Meramente Aritméticas à Matéria Tributável // IVA // Da análise efectuada à factura n.º82, de 2004-11-30, no montante de € 15.000,00, acrescido de IVA, à taxa de 19%, no montante de € 2.850,00, bem como as restantes facturas emitidas pelo sujeito passivo, constatámos que não haviam sido declarados os montantes nas respectivas declarações periódicas de IVA, por conseguinte, não havia sido apurado o imposto a favor do Estado, fazendo constar na mesma apenas o imposto dedutível, situação que já foi regularizada voluntariamente pelo sujeito passivo, resultando as correcções discriminadas, no quadro junto” // Resulta do RIT que a acção de inspecção foi concluída sem correcções em virtude de a ora Impugnante ter remetido as declarações periódicas. Assim sendo, informa a Administração Tributária, que, os DCU que acompanham o relatório de inspecção são meramente confirmativos das declarações modelo C entregues pela Impugnante (cfr. docs. de fls.64 e 81 a 164 do PA apenso aos autos). // (…) o acto estará fundamentado quando contenha os requisitos gerais e especiais de fundamentação previstos na lei, que impõe se dêem a conhecer ao contribuinte não só as razões factuais que motivaram a decisão como também as disposições legais aplicáveis, dito de outro modo, se dê a conhecer o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido na prática do acto. // No caso sub judice foram emitidas liquidações adicionais pelos Serviços do IVA, porque não obstante o sujeito passivo tenha remetido as declarações periódicas de IVA, não efetuou qualquer pagamento correspondente às declarações que entregou. // A verdade, é que, apesar de ter sido a Impugnante a apresentar via electrónica as declarações de IVA correspondentes às infracções, as notas de cobrança e de liquidação juntas aos autos, não estão devidamente fundamentadas, pois, não é compreensível o percurso percorrido pela Administração Tributária para alcançar os valores cobrados. // Pese embora a explicação prestada em sede de contestação pela Administração Tributária, quer se considere que a mesma é ou não correta, a verdade, é que das notas de liquidação, ou sequer do RIT, não resultam elementos que permitam compreender os cálculos aplicados e as normas tidas em conta pela Administração Tributária para chegar aos valores tributados e plasmados nas notas de liquidação».

2.2.2. A recorrente censura o veredicto que fez vencimento na instância. Alega que «[p]erante a fundamentação que lhe foi transmitida, constante do relatório inspectivo, dúvidas não restam que aquela teve perfeito conhecimento e ajuizou de forma correcta a legalidade do acto que lhe foi notificado, já que lhe era antecedente uma fundamentação formal»; que «foram pela Administração Tributária comunicados os concretos pressupostos legais de preenchimento do seu direito»; «da leitura da petição inicial, não resta qualquer dúvida, de que a impugnante interpretou claramente e de forma correcta, as razões que levaram a Autoridade Tributária a decidir como decidiu, bem como o percurso cognitivo e valorativo percorrido por esta, como se constata da leitura atenta aos fundamentos de facto e de direito por si aí explanados».
Apreciação. Estão em causa as liquidações adicionais de IVA de 2004 a 2006 (1).
A propósito do dever de fundamentação dos actos tributários, o preceito do artigo 77.º da LGT enuncia os seus requisitos. De acordo com o n.º 1, a fundamentação deve incluir a «sucinta exposição das razões de facto e de direito, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integram o relatório da fiscalização tributária» (n.º 1). Concretiza o n.º 2 que, podendo «[a] fundamentação dos actos tributários pode ser efectuada de forma sumária, deve[…] sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações da matéria tributável e do tributo» (n.º 2). Trata-se de uma formulação específica do dever geral de fundamentação (artigo 268.º, n.º 3, da CRP) (2). Noutra formulação, «[a] fundamentação do acto tributário tem de expressar-se em um discurso contextual, formal, acessível, congruente e suficiente para dar a conhecer ao contribuinte, pressuposto como um contribuinte normal colocado nas circunstâncias concretas do recorrente, as razões de facto e de direito que levaram a administração a praticá-lo, variando a exigência de densificação daquele discurso em função do tipo de acto e da participação ou não participação do contribuinte no procedimento da sua formação» (3). «[E]xige-se que o sujeito passivo da relação jurídica de imposto (destinatário normal), perante o itinerário valorativo e cognoscitivo em que se baseou o acto decisório, esteja razoavelmente habilitado a conhecer integralmente os fundamentos que levaram o decisor tributário a firmar o entendimento num sentido e não noutro qualquer. Pelo que a decisão procedimental se considera fundamentada, independentemente da sua concordância, caso exista congruência e clareza, susceptível de ser perceptível para qualquer destinatário normalmente diligente que com a mesma se confronte». Os critérios de aferição do preenchimento do dever de fundamentação são, pois, os da suficiência, clareza e congruência (4). A fundamentação deve, pois, ser explícita, incisiva e precisa, deve ser congruente (e não ambígua ou contraditória) e deve ser suficiente, no sentido que deve dar conta da análise factual e do quadro legal em que se baseou[aram] o[s] critério[s] de decisão ínsito[s] ao acto tributário (5).
No caso em exame, o relatório inspectivo é omisso no apuramento do montante do imposto devido, pela recorrida, bem como nas disposições legais aplicáveis, que justificam a emissão das liquidações adicionais em causa (6). Em rigor, não existe fundamentação do acto tributário sob escrutínio, dado que a recorrente se baseia no entendimento de que a recorrida procedeu à regularização do imposto devido e que contestou as liquidações em exame através da invocação de erro na quantificação dos valores a liquidar, pelo que conheceria o seu iter cognoscitivo e valorativo. Sem embargo, falta aos actos sob escrutínio o iter cognoscitivo e valorativo que sustenta tais liquidações, o que resulta na impossibilidade de contestação judicial efectiva das mesmas. O argumento de que ocorreu a regularização pelo contribuinte do IVA devido não permite suprir a detectada omissão. Continua por explicar o acerto no apuramento do imposto considerado devido ao Estado (7). Aos actos tributários em apreço falta a exposição clara, congruente e suficiente dos motivos pelos quais são de aceitar as segundas declarações do contribuinte e não as iniciais.
A prova do que se afirma resulta do teor da contestação oferecida pela FP nos autos, porquanto aí constam os cálculos do imposto considerado em falta e as normas legais consideradas aplicáveis. No entanto, dado que a fundamentação a posteriori não é de relevar, tais considerações não poderão ser acolhidas com vista a convalidar um acto que se mostra manifestamente inválido, por falta de fundamentação formal. A título de exemplo, aí se consigna, designadamente, o seguinte (8):
«Relativamente ao período de Janeiro de 2004 constatamos (pelo extracto informático da declaração que o sujeito passivo entregou - fls 204) que o sujeito passivo declarou inicialmente transmissões de bens/prestações de serviços no montante de € 14.030,00 (base tributável, campo 03 do quadro 06) do qual resultou o montante de 2.665,70 de imposto liquidado pelo sujeito passivo (taxa de 19%). No quadro do imposto a favor do sujeito passivo declarou ter suportado € 2.563,91 no campo 22 do quadro 06 (IVA suportado à taxa normal) e € 59,83 no campo 24 do quadro 06 (IVA suportado com outros bens e serviços). Temos pois todos os elementos necessários para apurar o imposto que o sujeito passivo teria a entregar ao Estado ou o imposto que teria a receber dentro deste período de tributação (excluindo assim qualquer eventual reporte de período anterior - campo 61 do quadro 06 da declaração). As declarações modelo C (de substituição ou entrega fora do prazo legal) não contêm qualquer campo para reporte por força do artigo 8º, n° 1 do DL 229/95 de 11-09 (fls 216 e seguintes). // O cálculo do imposto do período (na primeira declaração) corresponde à diferença entre soma do imposto dedutível e o imposto liquidado nas operações activas, ou seja € 2.665,70 - (€ 2.563,91 + € 59,83) = € 41,96 (imposto a entregar ao Estado) - fls 204. // O montante apurado só não foi entregue pelo sujeito passivo na primeira declaração (dentro do prazo) porque este possuía um reporte do período anterior no montante de € 64,81 (campo 61 do quadro 06 da declaração). Este reporte permitiu-lhe não entregar qualquer imposto e ficar ainda com um reporte para o período seguinte no montante de €22,85 (campo 96 da declaração, valor a inscrever no campo 61 da declaração do período de tributação seguinte) - fls 204».

O que depõe no sentido da procedência do vício de falta de fundamentação formal do acto tributário, o qual, na medida em que impossibilita o escrutínio das razões que estiveram na sua base, cujo acerto ou desacerto se mostra inacessível a um destinatário médio, colocado na posição da impugnante, determina a anulação dos actos tributários in judicio. Sem que se descortine a possibilidade de convalidação do acto assim inquinado.
Motivo por que se julga improcedente a presente intenção rescisória.


Dispositivo
Face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da subsecção do juízo comum da secção de contencioso tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.
Registe.
Notifique.



(Jorge Cortês - Relator)


(1ª. Adjunta- Tânia Meireles da Cunha)


(2ª. Adjunta – Cristina Coelho da Silva)
(1)N.os 5 e 6 do probatório.
(2) E artigo 125.º do CPA vigente à data dos factos.
(3)Acórdão do STA, de 15.12.1999, P. 024143.
(4)Acórdão do TCAS, de 13.10.2016, P. 08848/15.
(5) Neste sentido, V. Paulo Marques e Carlos Costa, A liquidação de imposto e a sua fundamentação, Coimbra Editora, Coimbra, 2013, pp. 70/74. V. também Acórdão do TCAS, de 14.04.2015, P. 06984/13.
(6)V. n.º 3 do probatório.
(7) Ponto III do relatório inspectivo.
(8)Artigos 33.º a 35.º da contestação.