Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:308/09.0BECTB
Secção:CT
Data do Acordão:05/16/2024
Relator:MARIA ISABEL FERREIRA DA SILVA
Descritores:IVA – ARTIGO 16º
LGT- ARTIGO 60º.
CPPT- ARTIGO 145º
AUDIÇÃO PRÉVIA NA RECLAMAÇÃO GRACIOSA
Sumário:I- Resultando provado que foi acordado o pagamento informal de determinadas quantias, a par do pagamento de quantias a considerar dentro do circuito legal, todos no âmbito de contrato de cessão de exploração, em que a Impugnante surge na posição de cedente, tais valores são seus proveitos.
II- Ainda que o então sócio-gerente da Impugnante se possa ter apropriado de tais quantias, trata-se de questão atinente às relações entre a própria impugnante e aquele sócio-gerente.
III- A verificação de um vício de forma no procedimento de reclamação graciosa, não pode projetar efeitos invalidantes sobre o ato tributário de liquidação que o antecede.
Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção Tributária Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a Subsecção Tributária Comum do Tribunal Central Administrativo Sul:



I - RELATÓRIO
M………………, Lda (doravante recorrente) veio recorrer da sentença proferida a 10.03.2021, no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Castelo Branco, na qual foi julgada improcedente a impugnação por si apresentada, que teve por objeto os indeferimentos das reclamações graciosas que versaram sobre as liquidações adicionais de IVA dos respetivos juros compensatórios, relativas aos exercícios de 2003 e 2004, no total de € 11.128,39.
A Recorrente apresentou as suas alegações de recurso, com as seguintes conclusões:
“ 1ª O tribunal “a quo” julgou a impugnação totalmente improcedente e absolveu a
Fazenda Pública do pedido.


2ª A decisão de indeferimento da reclamação graciosa relativa ao IVA de 2003 padece de preterição de formalidade legal por violação do direito de audição prévia, na medida em que o projeto de decisão que lhe foi notificado, apenas, se refere à intempestividade do pedido e a decisão final acrescenta a fundamentação constante de outra informação que ainda não lhe tinha sido notificada.


3ª A recorrente alega que as liquidações padecem de erro sobre os pressupostos de facto na parte em que considera que as “luvas” recebidas a título pessoal pelo então sócio-gerente da impugnante se consideram rendimento desta (artigo 50º a 106º e 107º a 121º da p.i.), sustentando, para o efeito, que tendo as quantias recebidas pelo então sócio-gerente da sociedade, M..., sido afetos a fins estranhos à empresa, não devem ser consideradas rendimento sujeito a tributação na esfera desta.
Contudo, o tribunal “a quo” considerou que aquelas importâncias (luvas) têm de ser consideradas “rendimento” pertencente à esfera jurídica da sociedade, na qual ficam sujeitos a tributação.


4ª As importâncias pagas em cumprimento desses contratos eram devidas ao sócio-gerente que as recebeu relativas a um contrato de cessão de exploração misto com cessão de quotas.
Assim, não se pode considerar que as importâncias destes contratos eram devidas à recorrente quando tinham outro destinatário. Pelo que, deverá ser considerado que tal quantia não é rendimento da sociedade, nada sendo devido à Fazenda Nacional a este título por inexistir base tributável.


Nestes termos requer a V.Exª se dignem considerar procedente e provado o presente recurso revogando a douta sentença recorrida e dando por procedendo o pedido formulado na P.I.”.

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A Fazenda Pública (doravante recorrida) apresentou contra-alegações, pugnando pelo não provimento do recurso.

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Os autos tiveram vista do Ministério Público junto deste Tribunal Central Administrativo Sul, nos termos do art. 288.º, n.º 1 do CPPT, o qual emitiu parecer (págs. 338/339 do SITAF) no sentido de ser negado provimento ao recurso.
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Colhidos os vistos legais, nos termos do art. 657.º, n.º 2, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT, vem o processo à Conferência para julgamento.

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II -QUESTÕES A DECIDIR:
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas, estando o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas as questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer [cf. artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.ºs 4 e 5 do CPC, ex vi artigo 2.º, alínea e) e artigo 281.º do CPPT].
Nesta conformidade, cabe a este Tribunal apreciar e decidir, se:
i. Existe erro de julgamento, em virtude de ter sido preterido o direito de audição prévia em sede de reclamação graciosa, e
ii. Se existe erro de julgamento, dado que os valores corrigidos pela administração tributária (AT) não correspondem a rendimentos da Impugnante, mas sim a luvas recebidas, a título pessoal, pelo sócio-gerente da Impugnante.

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III- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO:


A sentença recorrida proferiu a seguinte decisão relativa à matéria de facto:


“ 1 .A sociedade impugnante tem por objeto social a “exploração de bares e discotecas” exerce essa atividade no estabelecimento designado “Discoteca L….”, anteriormente conhecido por “Discoteca A….” – certidão de registo comercial de fls. 163 do processo físico;
2. Para o exercício dessa atividade a agora impugnante encontra-se fiscalmente enquadrada no regime geral do IRC e no regime normal de periodicidade trimestral do IVA – pág. 4 dos Relatórios de inspeção, de fls. 22 e 139 do PA;
3. A sociedade foi constituída em 1992 com o capital social inicial de 2.000.000$00, distribuído pelos sócios M..., com quota de € 1.200.000$00, B...., com quota de 600.000$00, e F……….., com quota de 200.000$00 – pág. 5 dos Relatórios de fls. 23 e 140 do PA;
4. Posteriormente, a quota pertencente ao sócio F……… foi dividida em duas, no valor unitário de € 100.000$00, que foram transferidas para o sócio M... e para a sócia B.... que, por unificação, ficaram com quotas de 1.300.000$00 e 700.000$00, respetivamente - pág. 5 dos Relatórios de fls. 23 e 140 do PA;
5. Na sequência de uma alteração parcial do pacto social, registada em 19/11/1994, os sócios M... e B.... foram designados gerentes da agora impugnante - pág. 6 dos Relatórios de fls. 24 e 141 do PA;
6. A certa altura, em data não determinada, provavelmente durante o ano 2002, C....... decidiu investir no negócio de divertimento noturno, e convidou J....... para esse projeto por este ser uma pessoa melhor relacionada nesse meio e, em conjunto constituíram a sociedade “N.... – ........, Lda.”, ficando o último nomeado para as funções de gerente – depoimentos das duas testemunhas inquiridas, os referidos sócios;
7. Ainda no ano 2002 os sócios da “N.... – ………., Lda.” iniciaram negociações com M..., gerente da sociedade impugnante com vista à cedência de exploração do estabelecimento desta denominado “Discoteca A...”, em Castelo Branco, tendo iniciado obras de modernização por sua conta e risco – segunda testemunha inquirida, J......., explicando o motivo que levaram a aceitar as condições suplementares para a cessão de exploração desse estabelecimento, disse que, como já tinham gasto muito dinheiro sem contrato, o Sr. M... se aproveitou da situação e fez exigências suplementares porque sabia que se recusassem perdiam todo o investimento já efetuado, pelo que entre si os sócios da “N……” terão falado em chantagem; corroborado pelo termo de declarações do outro sócio, C…………, prestadas em 10/3/2008, a fls. 162 do PA;
8. Em 7/5/2003 entre a agora impugnante, representada por M... e B…………., e a sociedade “N.... – ........, Lda.”, representada por C....... e J......., foi celebrado um contrato de cessão de exploração do estabelecimento de discoteca denominado “A...”, sito na Quelha do Barrocal, em Castelo Branco, com início em 1/7/2003 e termo em 30/6/2006, no qual a primeira cede à segunda a exploração desse estabelecimento em contrapartida do preço de € 108.000,00, a ser pago em 36 prestações de € 3.000,00 cada uma, a que acresce IVA à taxa legal, e, conjuntamente com tal contrato, entre os sócios dessas sociedades foi celebrado um contrato de promessa de cessão de quotas que faz parte integrante do mesmo acordo estipulando-se que a celebração da escritura pública de cessão de quotas determinará a caducidade da presente cessão de exploração (cláusula 12ª) – fls. 38 a 42 e 157 a 161 do PA;
9. No contrato promessa de cessão de quotas aludido na cláusula 12ª do contrato referido no ponto anterior foi estipulado o preço de € 375.000,00 para esse negócio e ficou convencionado que a respetiva escritura pública seria celebrada até ao dia 30/6/2006 - pág. 6 dos Relatórios de fls. 24 e 141do PA;
10. Porém, o verdadeiro acordo original referido em 8 supra era de mil contos ou € 5.000,00 por mês, sendo € 3.000,00 sujeitos a emissão de recibo e € 2.000,00 sem recibo, sendo tal acordo condição “sine qua non” de celebração do contrato de cessão de exploração – primeira testemunha, C……….., sócio da sociedade “N....”;
11. Por isso, na mesma data (7/5/2003) foi celebrado um “Acordo” em que a cessionária (“N....”) se compromete a pagar à impugnante, além do preço do contrato de cessão de exploração, uma renda mensal atualizável todos os anos a que acresce o pagamento das quantias de € 24.000.00 em janeiro de 2004, € 24.000,00 em janeiro de 2005 e € 12.000,00 em janeiro de 2006 – fls. 46 a 48 e 169 a 171 do PA;
12. O acordo referido no ponto anterior visava assegurar a obrigação de pagamento de mais € 2.000,00 mensais “por fora” do contrato aludido em 8 – termo de declarações de fls.51 do PA, subscrito por C......., sócio da sociedade “N....” e depoimentos das duas testemunhas e sócias da cessionária;
13. Com a nova gerência (“N....”) a discoteca “A...” passou a designar-se discoteca “L…….” – depoimento de ambas as testemunhas inquiridas, sócios da sociedade cessionária;
14. Em junho de 2003, através do cheque nº …………….., de 30/5/2003, a sociedade “N....” pagou a quantia de € 22.000,00, correspondente à antecipação de 11 prestações a € 2.000,00 cada uma - termo de declarações de fls.44 do PA, subscrito por C......., sócio da sociedade “N....” e cheque de fls. 59 e 60 do PA;
15. Esse cheque teve por finalidade o pagamento ao Sr. M... nos termos do acordo de antecipação de 11 prestações mensais de € 2.000 a partir de fevereiro de 2003 - termo de declarações de fls.50 do PA, subscrito por J......., gerente da sociedade “N.... e termo de declarações de fls. 163 do PA; subscrito por C.......;
16. Ao longo de 2003 a sociedade “N………..” emitiu 6 cheques, no total de € 24.000,00, ao portador ou à ordem de M..., ao tempo sócio-gerente da sociedade agora impugnante – pág. 7 do Relatório de fls. 25 do PA;
17. Esses cheques foram depositados em conta particular do referido M... - pág. 8 do Relatório de fls. 25 do PA e depoimentos das testemunhas inquiridas;
18. Esses pagamentos destinavam-se a cumprir o A.... aludido em 11 supra – depoimentos das testemunhas inquiridas, os dois sócios da sociedade “N....”, que disseram estarem convencidos que esse dinheiro se destinava à esfera pessoal do Sr. M...;
19. No decurso do ano 2004 a sociedade “N....” foi efetuando pagamentos faseados no tempo no montante global de € 24.000,00 com o objetivo de dar cumprimento à clausula 4ª do “acordo” aludido em 8 supra - termo de declarações de fls.44 do PA, subscrito por C......., representante da sociedade “N....” e pág. 7 do Relatório de fls. 142 do PA;
20. Ao longo de 2004 a sociedade “N………” emitiu 9 cheques, no total de € 26.125,00, à ordem de M..., ao tempo sócio-gerente da sociedade agora impugnante – pág. 7 a 10 do Relatório de fls. 142 a 145 do PA;
21. Esses cheques foram depositados em conta particular do referido M... - pág. 8 do Relatório de fls. 143 do PA e depoimentos das testemunhas inquiridas;
22. Esses pagamentos destinavam-se a cumprir o A.... aludido em 11 supra – depoimentos das testemunhas inquiridas, os dois sócios da sociedade “N....”, que disseram estarem convencidos que esse dinheiro se destinava à esfera pessoal do Sr. M...;
23. Em 2004 a impugnante declarou como custo, o valor de € 840,34, referente ao recibo nº ………. de 29/1/2004, no montante total de € 1.000,00, incluindo IVA a 19% no montante de € 159,66, que pagou a R……………., Lda., referente a “patrocínio no campeonato nacional de Ralis 2004” – fls. 186 do PA;
24. Por escritura pública de 7/5/2004 J………. de 2004 J....... vendeu a sua quota no capital da sociedade “N....”, pelo valor nominal, correspondente a 50% do capital total da sociedade, a favor de C....... e esposa - termo de declarações de fls.50 do PA, subscrito por J......., gerente da sociedade “N.... e pág. 9 do Relatório de fls. 27 do PA e depoimento da segunda testemunha;
25. Em junho de 2004 foi negociada a cedência de quotas de M... na impugnante para J…… tendo o primeiro exigido que, para a concretização do negócio entre C…………. e J…………, este lhe pagasse a quantia de € 15.000,00 “para beber uns whiskys até ao final do ano” - termo de declarações de fls. 44 do PA, subscrito por C......., representante da sociedade “N....”;
26. Por escritura pública de 16/7/2004 C....... e esposa cederam a totalidade do capital social da sociedade “N....” a favor de J………. e esposa, L……….. - pág. 9 do Relatório de fls. 27 do PA;
27. Por escritura pública de 27/1/2005 J……….. e esposa, L………., adquiriram a totalidade do capital da sociedade agora impugnante a M... e B……… - pág. 9 do Relatório de fls. 327 do PA;
28. Ao abrigo da Ordem de Serviço nº …………, em 25/9/2007 a AT deu inicio a uma ação inspetiva externa à atividade da agora impugnante nos anos 2003 e 2004 – fls. 19 e seguintes do PA apenso;
29. No decurso da ação inspetiva a AT não conseguiu aceder aos elementos da contabilidade da impugnante, apesar das notificações efetuadas nesse sentido – pág. 5 e 10 do Relatório de fls. 23 e 28 do PA;
30. Em 19/3/2008 a AT concluiu o Relatório final relativo ao exercício de 2003, homologado por despacho da mesma data, no qual efetuou “correções meramente aritméticas” em sede de IRC e IVA– fls. 19 e seguintes do PA;
31. As correções acima aludidas e em sede de IVA (imposto em falta), no montante de € € 4.560,00, resultaram do entendimento da AT segundo o qual “Não obstante os pagamentos atrás referidos [no montante de € 24.000,00] terem sido efectuados ao então gerente da sociedade M……………. Lda., afigura-se-nos que os mesmos constituem originariamente proveitos da sociedade ora inspeccionada, em conformidade com o disposto no artº. 20° do CIRC, uma vez que, tendo em conta o inserto na cláusula 5ª do referido A.... "os pagamentos referidos nas cláusulas 3a e 4a acrescem aos que se encontram previstos no contrato de cessão de exploração celebrado nesta mesma data", assumindo, assim, a mesma natureza” e “em sede de IVA, (…) estamos perante uma cessão de exploração que, sendo temporária, não é suscetível de beneficiar da não sujeição consignada no nº 4 do art.º 3º do CIVA. Encontra-se, por isso, preenchidas as regras de incidência previstas no Código respetivo, designadamente nos art.ºs 1º nº 1, alínea e) e 4º - nº 1, sendo aplicável a taxa prevista na alínea c) do nº 1 do art.º 18º do CIVA, na redação em vigor na data a que se reportam os factos (19%). Estando a sociedade inspecionada enquadrada no regime trimestral (art.º 40º - nº 1, al. b) do CIVA) e tendo em conta o disposto nos art.ºs 7º e 8º do CIVA,. O IVA é devido e tornou-se exigível, nos períodos e nos mo0ntamntes evidenciados no quadro seguinte:

Quadro III cheque Data Valor (€) IVA (€)
6………..30.05.2003 10.000,00 1.900,00
5……….30.05.2003 12.000,00 2.280,00
2……..Sub-Total 4.180,00
2…………10.08.2003 400,00 76,00
2………12.09.2003 400,00 76,00
2………..Sub-Total 155,00
4…………08.11.2003 800,00 152,00
7………..10.12.2003 400,00 76,00
2…………Sub-Total 228,00
TOTAL 4.560,00








– pág. 8-11 do Relatório de fls. 26-30 do PA;




32. Em resposta ao exercício do direito de audição prévia a AT reiterou a posição acima referida – ponto IX, de pág. 12 a 18 do Relatório, de fls. 30 a 36 do PA;


33. Por ter sido prorrogado o prazo para a inspeção ao ano 2004, em 13/6/2008 a AT concluiu o Relatório final da inspeção a esse exercício, que foi homologado por despacho de 20/6/2008, no qual efetuou “correções meramente aritméticas” em sede de IRC e IVA – fls. 136 e seguintes do PA;


34. As correções acima aludidas e em sede de IVA (imposto em falta), no montante de € 4.963,75, resultaram do entendimento da AT segundo o qual, quanto aos cheques aludidos em 15 supra, no montante total de € 26.125,00, “Não obstante os pagamentos atrás referidos terem sido efectuados ao então gerente da sociedade M……………….. Lda., afigura-se-nos que os mesmos constituem originariamente proveitos da sociedade ora inspeccionada, em conformidade com o disposto no artº. 20° do CIRC, uma vez que, tendo em conta o inserto na cláusula 5a do referido A.... "os pagamentos referidos nas cláusulas 3a e 4a acrescem aos que se encontram previstos no contrato de cessão de exploração celebrado nesta mesma data", assumindo, assim, a mesma natureza” e “em sede de IVA, (…) estamos perante uma cessão de exploração que, sendo temporária, não é suscetível de beneficiar da não sujeição consignada no nº 4 do art.º 3º do CIVA. Encontra-se, por isso, preenchidas as regras de incidência previstas no Código respetivo, designadamente nos art.ºs 1º - nº 1, alínea e) e 4º - nº 1, sendo aplicável a taxa prevista na alínea c) do nº 1 do art.º 18º do CIVA, na redação em vigor na data a que se reportam os factos (19%). Estando a sociedade inspecionada enquadrada no regime trimestral (art.º 40º - nº 1, al. b) do CIVA) e tendo em conta o disposto nos art.ºs 7º e 8º do CIVA,. O IVA é devido e tornou-se exigível, nos períodos e nos mo0ntamntes evidenciados no quadro seguinte:
Quadro II

Quadro II Cheque Data Valor (€) IVA (€)
6…….15.02.2004 12.000,00 2.280,00
3………13.01.2004 425,00 80,75
4………10.02.2004 425,00 80,75
4………..17.03.2004 425,00 80,75
2………Sub-Total 13.276,00 2.522,25
Cheque Data Valor (€) IVA (€)
6………. 06.05.2004 4.850,00 921,00
5…… 08.06.2004 2.000,00 380,00
2………… Sub-Total 6.850,00 1.301,50
Cheque Data Valor (€) IVA (€)
4…..08.07.2004 2.000,00 380,00
3………08.08.2004 2.000,00 380,00
2…………..08.09.2004 2.000,00 380,00
2……..Sub-Total 6.000,00 1.140,00
TOTAL 4.963,75

– pág. 14-16 do Relatório de fls. 149 a 151 do PA;


35. Em resposta ao exercício do direito de audição prévia a AT reiterou a posição acima referida – ponto IX, de pág. 17 a 20 do Relatório, de fls. 163 a 167 do PA;


36. Na sequência das notificações dos Relatórios acima aludidos, a AT efetuou as seguintes liquidações, que notificou à agora impugnante:

Período Tipo Nº Liq. Data Liq. Montante Data Limite pag vol
2003.06T IVA-LA 08087787 31/5/2008 4.180,00 31/7/2008
2003.06T JC 08087788 31/5/2008 767,29 31/8/2008
2003.09T IVA-LA 08087789 31/5/2008 152,00 31/7/2008
2003.09T JC 08087790 31/5/2008 26,39 31/8/2008
2003.12T IVA-LA 08087791 31/5/2008 228,00 31/7/2008
2003.12T JC 08087792 31/5/2008 37,25 31/8/2008
2004.03T IVA-LA 08131256 2/8/2008 2.522,25 31/10/2008
2004.03T JC 08131257 2/8/2008 411,30 31/10/2008
2004.06T IVA-LA 08131258 2/8/2008 1.301,50 31/10/2008
2004.06T JC 08131259 2/8/2008 199,25 31/10/2008
2004.09T IVA-LA 08131260 2/8/2008 1.140,00 31/10/2008
2004.09T JC 08131261 2/8/2008 163,16 31/10/2008








- parte introdutória da p.i., de fls. 55 do processo físico e fls. 14 e 15 e 123 a 134 do PA;


37. Para notificação das liquidações de IVA e JC do ano 2003 a AT remeteu sob registo postal (sem AR) nº ……………..de 12/6/2008, pela ordem indicada no ponto anterior, cuja entrega não foi conseguida, pelo que foram devolvidos ao remetente – fls. 82 a 89 do PA, não litigioso;


38. Para notificação das liquidações de IVA e JC do ano 2004 a AT remeteu as seguintes cartas sob registo postal:











Registo nº









Data Reg.









Nº Liq.








Entrega conseguida








Entrega não conseguida








Devolução ao remetente
R………20/8/2008 …………-IVA 21/8/2008
R…….20/8/2008 ………….-IVA 21/8/2008
R…….. 20/8/2008 …………-IVA 21/8/2008
R………. 26/9/2008 ………..29/9/2008 9/10/2008
R……..26/9/2008 ………….29/9/2008 9/10/2008
R………26/9/2008 ……..29/9/2008 9/10/2008

tendo as cartas devolvidas, com AR e 2ª notificação nos termos do nº 5 do artigo 39º do CPPT, as menções “Destinatário ausente, empresa encerrada, Avisado na estação S. Tiago”, 2 “Objeto não reclamado, devolvido” - fls. 123 a 134 do PA;


39. Em 18/12/2008 a agora impugnante apresentou reclamação graciosa contra a liquidação do IVA de 2003 alegando, além do mais, que não foi validamente notificada da liquidação – processo nº ……………. de fls. 5 e seguintes do PA;


40. Na mesma data, em 18/12/2008, a agora impugnante apresentou reclamação graciosa contra a liquidação do IVA de 2004 – processo nº …………….. de fls. 116 e seguintes do PA;


41. Por despacho de 9/3/2009 o Chefe do Serviço de Finanças de Castelo Branco 1 projetou indeferir a reclamação graciosa nº............... (IVA/2003) com fundamento na intempestividade do pedido, considerando que notificação foi efetuada em 26/6/2008, a data limite de pagamento era 31/7/2008 e o prazo para reclamação era de 120 dias, logo o pedido deveria ter sido apresentado até 28/11/2008, pelo que é intempestivo o pedido apresentado em 19/12/2008 – fls. 89 do PA;


42. Notificada do despacho aludido no ponto anterior, em 18/3/2009 a agora impugnante exerceu o direito de audição prévia reiterando que a notificação da liquidação não foi efetuada, dado que a carta foi devolvida ao remetente, pelo que se deveria ter aplicado o disposto no artigo 39º, nº 5, do CPPT – fls. 93 a 96 do PA;


43. Em 27/3/2009, a pedido do Serviço de Finanças de Castelo Branco 1, a Equipa 2 da Divisão de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Castelo Branco emitiu uma informação interna, destinada a preparar a decisão a proferir nas 4 reclamações graciosas relativas ao IRC e IVA de 2003 e 2004, que foi aprovada por despacho concordante de 30/3/2009, mantendo no essencial a posição manifestada no Relatório da inspeção e no sentido do indeferimento dos pedidos – fls. 101 a 105 do PA;


44. Em 8/4/2009 o Chefe do Serviço de Finanças de Castelo Branco-1 proferiu despacho concordante com informação interna de 31/3/2009 que, remetendo para a informação aludida em 43 supra, propunha o indeferimento da reclamação graciosa nº............. (IVA/2004) – fls. 208 do PA;


45. Por despacho de 8/4/2009, o Chefe do Serviço de Finanças de Castelo Branco 1 indeferiu a reclamação graciosa nº ………….. (IVA/2003) por “concluir que a presente reclamação para além de ser deduzida fora do prazo, também não merece deferimento no que respeita ao imposto reclamado, pelo que tendo em conta os dois motivos, a indefiro” – fls. 106 a 108 do PA;


46. Por oficio nº ……… de 23/4/2009 remetido sob registo postal nº ………… e ………….., de 24/4/2009, para a sociedade impugnante e para o respetivo mandatário judicial, a AT notificou a impugnante do teor do despacho aludido no ponto anterior e da informação a que alude o ponto 43 supra – fls. 109 a 112 do PA;


47. Notificada do projeto de decisão aludido em 44 supra, em 23/4/2009 a agora impugnante exerceu o direito de audição invocando erro sobre os pressupostos de direito e ou de facto – fls. 209 a 214 do PA;


48. Por despacho de 24/4/2009 e tendo por base a antecedente informação interna, o Chefe do Serviço de Finanças de Castelo Branco-1 indeferiu a Reclamação Graciosa nº ……….. (IVA/2004) – fls. 215 do PA;


49. Pelo oficio nº ………, de 30/4/2009, remetido sob registos postais nº …………. e ………, de 4/5/2009, com aviso de receção assinado em 5/5/2009, a AT notificou, na pessoa do mandatário da impugnante, a decisão aludida no ponto anterior – fls. 216 a 220 do PA;


50. Em 11/5/2009 a impugnante apresentou, via telefax, a petição inicial da presente impugnação – fls. 3 e seguintes do processo físico;


Mais se provou que:
51. Na ação declarativa com processo ordinário nº ………..TBCTB que a agora impugnante intentou contra M... (e contra os sócios da sociedade “N....”) requereu que os Réus lhe pagassem diversas quantias e, após transação em que as partes se davam por reciprocamente pagos de todos os créditos relativo ao negócio da cessão da exploração da discoteca A... /L……….., ficando apenas por apreciar se alguns réus pagarram à autora M………, por entrega ao Réu M..., a quantia de € 24.000.00 e se essa quantia entrou ou não na caixa da sociedade ou se ficou na posse do Réu M..., tendo sido proferida sentença em primeira instância que julgou a ação improcedente e absolvendo M..., mas a Autora, inconformada, recorreu para o Tribunal da Relação de Coimbra que proferiu acórdão a acrescentar o facto provado de que M... não entregou à sociedade M…………. a quantia em causa que recebeu dos sócios da sociedade “N....” e a revogar a sentença recorrida e a condenar M... a pagar à recorrente a quantia de € 24.000,00 e este, inconformado, recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça que, por acórdão de 30/11/2010 decidiu negar a revista e confirmar o acórdão recorrido – fls. 181 a 186 do processo físico;

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A decisão recorrida consignou como factualidade não provada o seguinte:
“Não se apuraram factos a julgar não provados com relevância para a boa decisão das questões a apreciar”.
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A motivação da matéria de facto assentou no seguinte:
“O Tribunal julgou provada a matéria de facto relevante para a decisão da causa com base na análise crítica e conjugada dos documentos juntos aos autos e ao PA, que não foram impugnados, e bem assim na parte dos factos alegados pelas partes que não tendo sido impugnados – art. 74º da LGT - também são corroborados pelos documentos juntos aos autos art. 76º nº 1 da LGT e arts. 362º e ss do Código Civil (CC) – identificados em cada um dos factos descritos no probatório.
Relevou-se, ainda, o depoimento das testemunhas inquiridas:
1º - C......., na altura dos factos era sócio da sociedade “N.... – ........, Lda.”
2º - J......., na altura dos factos era sócio-gerente da sociedade “N.... – ........, Lda.”;
3º - M..., sócio-gerente na altura dos factos da sociedade agora impugnante;
Todas as testemunhas foram participantes diretos nos factos em causa nos autos.
Os depoimentos foram prestados de forma que se afigurou ser séria, consistente e convincente, merecedora de plena credibilidade, tendo as suas explicações, conjugadas com as demais provas documentais carreadas para os autos, contribuído fortemente para a formação da convicção acerca dos factos acima descritos, tal como se indica em cada um desses pontos, tendo o depoimento da última, M..., consistido na reiterada alegação de que, dado o tempo já decorrido, não se recorda dos factos, nomeadamente se existiu algum A...., quais os respetivos termos, se recebeu quantias em causa nos autos e se as entregou à sociedade agora impugnante, mas adiantou que o dinheiro com que operava no negócio não era seu, dado que os seus rendimentos pessoais como professor de educação física eram insuficientes, pelo que utilizava dinheiros dos seus pais e que, por isso, algumas vezes devolvia algum dinheiro que recebia da sociedade para os seus pais e noutros casos usava-o para financiar a sua atividade como corredor de automóveis de rally, depreendendo-se de tal depoimento que reconhece os factos que estão relatados na p.i. e no Relatório da inspeção”.
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IV- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO:


A impugnante, ora recorrente, começa por imputar à decisão recorrida erro de julgamento ao ter decidido que não foi preterido o direito de audição prévia em sede de reclamação graciosa e, num segundo momento salienta que existe igualmente erro de julgamento na medida em que os valores corrigidos não correspondem a rendimentos seus, mas rendimentos recebidos pelo seu sócio.
Assim, por uma questão de precedência lógica, o conhecimento das questões suscitadas iniciar-se-á pelo erro de julgamento, no tocante ao vício de erro nos pressupostos das liquidações em causa em que repousa a segunda questão trazida à nossa apreciação.
Do erro de julgamento, atinente ao erro nos pressupostos
Defende a Recorrente que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, porquanto as quantias em causa foram luvas recebidas a título pessoal pelo seu então sócio-gerente e não rendimentos da Impugnante.
Apreciando.
Importa desde já notar que a decisão proferida sobre a matéria de facto não foi alvo de qualquer impugnação, encontrando-se, por isso, estabilizada.
Assim, consultando os factos provados, é de sublinhar o seguinte:
a. A impugnante exercia a sua atividade em estabelecimento designado Discoteca A... e, desde 1994, tinha como sócios-gerentes M... e B....;
b. C....... e J....... constituíram a sociedade N....– ........, Lda (doravante N....);
c. Após negociações, entre a Impugnante e a N....:
i. Foi celebrado um contrato de cessão de exploração da discoteca referida em a), pelo preço de 108.000,00 Eur., a ser pago em 36 prestações de 3.000,00 Eur. cada uma, acrescidos de IVA;
ii. Foi efetuado um acordo escrito, condição para a celebração o contrato de cessão de exploração e por forma a assegurar, por fora, o pagamento mensal de mais 2.000,00 Eur., onde se estipulou que a N.... pagaria à Impugnante uma renda mensal atualizável e as quantias de 24.000,00 Eur. em janeiro de 2004 e em janeiro de 2005, e a quantia de 12.000,00 Eur., em janeiro de 2006;
d. Após negociações, foi celebrado, entre os sócios da Impugnante e os da N...., um contrato de promessa de cessão de quotas, estipulando-se que a celebração da escritura pública de cessão de quotas determinaria a caducidade da cessão de exploração, tendo sido estipulado o preço de 375.000,00 Eur.;
e. Em junho de 2003, a N.... pagou 22.000,00 Eur., correspondente a 11 prestações de 2.000,00 Eur., relativas aos meses contados a partir de fevereiro de 2003;
f. Ao longo de 2003 a sociedade “N....” emitiu 6 cheques, no total de 24.000,00 Eur., ao portador ou à ordem de M... e depositados na conta particular deste, visando o cumprimento do acordo mencionado supra;
g. Em 2004, a N.... efetuou pagamentos no valor total de 24.000,00 Eur., visando o cumprimento do acordo mencionado supra;
h. Ao longo de 2004, a N……… emitiu 9 cheques, no total de 26.125,00 Eur., à ordem de M..., depositados na sua conta particular, visando o cumprimento do acordo mencionado supra;
i. Em 2005, J…………….. e sua mulher adquiriram a totalidade do capital social da Impugnante;
j. Foram efetuadas correções, em sede de relatório de inspeção tributária (RIT), na sequência de a administração tributária (AT) ter chegado à conclusão de que, quanto ao exercício de 2003, o valor de 24.000,00 Eur. e, quanto ao exercício de 2004, o valor de 26.125,00 Eur., relativos ao cumprimento do acordo mencionado supra, eram proveitos da Impugnante.
A este respeito, considerou o Tribunal a quo, que em causa estão proveitos da Impugnante, na medida em que estamos perante pagamentos efetuados no âmbito do cumprimento de negócios celebrados entre a Impugnante e a N.....
O assim decidido não merece reparo.
Na verdade, decorre da matéria de facto assente que foi efetuado um contrato de cessão de exploração com um determinado valor e, complementarmente, foi celebrado um acordo, com a previsão de um pagamento adicional ao previsto no referido contrato, porquanto terá havido o objetivo de se receber, informalmente, uma parte do valor.
Toda a matéria de facto provada nos dá notícia de que, a totalidade dos valores acordados eram destinados à Impugnante e não pessoalmente ao seu sócio-gerente.
A metodologia adotada, de serem feitos pagamentos diretamente ao então sócio-gerente, que os depositou na sua conta particular, não altera esta conclusão, antes reforça a mesma, na medida em que, como se viu, estamos perante pagamentos que se pretendia que escapassem ao circuito formal e legal de pagamentos. Se o mencionado sócio-gerente fez suas as mencionadas quantias trata-se de questão que extravasa a presente, sendo, sim, questão atinente à relação entre a própria Impugnante e o seu então sócio-gerente – o que, aliás, é cabalmente explanado pelo Tribunal a quo.
Deste modo, contrariamente ao referido pela Recorrente, nada resultou provado no sentido do por si alegado.
Nesta conformidade, em causa estão proveitos da recorrente (artigo 20º CIRC), que deveriam ter sido oportunamente declarados em sede de IRC e bem assim nas declarações periódicas de Imposto sobre o Valor Acrescentado, consoante decorre do artigo 16º do CIVA. Tendo sido omitidos tais valores nas declarações fiscais, encontra-se legitimada a atuação corretiva da AT/recorrida.
Improcede, por conseguinte, o apregoado pela Recorrente a este respeito.


Do erro de julgamento, quanto à preterição do direito de audição em sede de reclamação graciosa
Defende, a outro passo, a recorrente, exclusivamente quanto ao exercício de 2003, que foi preterido o seu direito de audição, em sede de reclamação graciosa.
Analisando.
Regressando à factualidade considerada como provada pelo Tribunal a quo, a este propósito resulta assente o seguinte:
a. A Recorrente apresentou reclamação graciosa da liquidação atinente ao exercício de 2003, cujos fundamentos coincidem com os suscitados em sede de impugnação judicial, centrando-se no erro sobre os pressupostos de facto;
b. Foi proferido projeto de indeferimento da reclamação graciosa, por intempestividade, remetendo a informação que precede o despacho proferido, ainda, em termos de mérito, para o teor do relatório de inspeção tributária;
c. A Impugnante exerceu o seu direito de audição;
d. A Divisão de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Castelo Branco emitiu uma informação interna, mantendo, no essencial, a posição manifestada no RIT e no sentido do indeferimento dos pedidos;
e. A reclamação graciosa foi indeferida, sustentando-se na referida informação e mantendo o entendimento quanto à sua intempestividade, decisão notificada à aí reclamante.


O direito de audição prévia, ao nível tributário, encontra-se previsto no artigo 145º do CPPT e no artigo 60º da LGT, consagrando, ao nível ordinário, o desiderato constitucional consubstanciado no direito de participação dos cidadãos na formação das decisões administrativas que lhes disserem respeito, consagrado no art.º 267°, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa.
A audição prévia do contribuinte visa garantir a defesa dos interesses destes perante o Fisco e a valoração dos factos tributáveis de acordo com o princípio da verdade material. Consequentemente, o seu único pressuposto positivo é a previsão de uma decisão da Administração fiscal desfavorável aos interesses do contribuinte. Perante tal hipótese, quis o legislador que fosse dada ao contribuinte a possibilidade de criticar o entendimento já assumido pela Administração – Cf. Pedro Machete, in A Audição Prévia do Contribuinte», Problemas fundamentais do Direito tributário, Vislis, Lisboa, 1999, p. 322.
Na situação que nos cabe analisar, mesmo a existir preterição de audição prévia antes da decisão da reclamação graciosa, tal ilegalidade por ser posterior ao ato de liquidação (não se tratando de preterição de audição prévia no procedimento da própria liquidação do tributo), não teria a virtualidade de contaminar com ilegalidade o ato de liquidação cuja formação é anterior.
Assim sendo, ainda que se viesse a concluir que assistia razão à Recorrente na verificação de tal vício, tal não poderia conduzir à anulação dos atos de liquidação impugnados, degradando-se esta formalidade em não essencial.
Em concordância com este entendimento, vide o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, datado de 10.10.2012, Processo n.º 0376/12, onde se discorreu que:
“A verificação de um vício de forma no procedimento de reclamação não pode projectar efeitos invalidantes sobre o acto tributário de liquidação que o antecede. (…)
Porém, sendo certo que a verificação de um vício de forma no procedimento de reclamação, isto é, em momento posterior à efectivação da liquidação, «nunca poderia projectar efeitos invalidantes sobre um acto tributário que o antecede» e sendo certo, igualmente, que apesar de tal vício poder vir a determinar a anulação da decisão administrativa proferida na reclamação graciosa, «com tal efeito se quedará, podendo apenas conduzir, naquele primeiro aspecto, ao proferimento de nova decisão judicial, sanado o cometido vício procedimental, mas nunca à anulação da liquidação igualmente impugnada» (cfr. o ac. de 25/6/2009, rec. nº ………../09, bem como os acs. de 15/10/08, rec. nº …./08 e de 16/6/04, rec. nº …./03, naquele referenciados), no caso, e como bem refere o MP, a aceitar-se a tese da sentença recorrida, teríamos que a AT, após sanação de tal vício de forma, poderia manter ou alterar o acto de liquidação, obrigando, de novo, o recorrido a impugnar o acto de liquidação, possibilidade teórica esta que, em função dos princípios aplicáveis, é incompatível com o facto do tribunal recorrido já ter julgado a liquidação conforme ao direito e quando é certo que nos termos do estatuído nos nºs. 3 e 4 do art. 111º do CPPT, existe uma preferência absoluta do processo judicial sobre o processo administrativo de impugnação de um mesmo acto tributário.
Daí que, independentemente da apreciação (que fica prejudicada) da invocada questão atinente à eventual degradação, no caso, da preterição da formalidade de audição prévia em preterição de formalidade não essencial, se deva concluir pela procedência do presente recurso e pela revogação da sentença, na parte em que vem recorrida, julgando-se, em consequência, totalmente improcedente a impugnação”.
Ainda a respeito de situação em tudo similar à situação sob nossa mira (mesmas partes, mesmo relatório inspetivo, mesma(s) questão(ões) embora a respeito de IRC de 2003), discorreu-se no recente acórdão deste TCAS de 24.04.2024, Processo nº 307/09.1BECTB (em que a Relatora foi adjunta), a respeito da preterição de audição prévia em sede de procedimento de reclamação graciosa, o seguinte:
“(…) In casu, mesmo que se considerasse existir tal irregularidade, a mesma não configura qualquer vício invalidante e, sobretudo, não tem qualquer reflexo na legalidade do ato mediato objeto da impugnação, a saber a liquidação de imposto.
Não configura qualquer vício invalidante, atenta a teoria do aproveitamento do ato, acolhida já há muito entre a doutrina e a jurisprudência e atualmente até objeto de positivação legal (cfr. art.º 163.º, n.º 5, do Código do Procedimento Administrativo), dado que os fundamentos suscitados em sede de reclamação graciosa já foram ora apreciados e concluiu-se pela legalidade das liquidações.
Com efeito, nos termos da mencionada teoria, verifica-se uma inoperância da força invalidante do vício que inquina o ato, em virtude da preponderância do conteúdo sobre a forma. Assim, quando em relação a um determinado ato, que padeça de ilegalidade formal ou externa, se possa afirmar inequivocamente que o ato só podia ter o conteúdo que teve em concreto, a essa invalidade não é operante, em virtude da conformidade substancial do ato praticado. É este o caso.
Uma solução em sentido diferente conduziria a um resultado antijurídico, na medida em que os pressupostos de facto da tributação já foram apreciados pelo Tribunal.
Chama-se, a este respeito, à colação o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 12.04.2012 (Processo: 0896/11), onde se refere:
“[A]pós a sentença recorrida ter confirmado a validade do acto, no que toca à relação material subjacente, (…) não há dúvida que as liquidações adicionais correspondem à solução imposta pela lei para a situação concreta, pelo que a sua anulação criaria uma situação antijurídica. Para evitar tal situação, impõe-se aproveitar o acto, quanto ao vício de procedimento”.
Ademais e acima de tudo, mesmo que se considerasse existir tal vício, tal não comportaria a ilegalidade das liquidações. Como referido no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 07.04.2021 (Processo: 01056/15.7BELRS 0931/17), “o fim da impugnação judicial é a anulação (total ou parcial) da liquidação, e (…) a preterição de uma formalidade legal posterior ao ato de liquidação não tem sobre este ato efeitos invalidantes. O que significa que tal vício, naquele contexto, não é um fundamento válido para o fim visado na impugnação judicial”.
Como tal, ainda que com a presente fundamentação, não assiste razão à Recorrente”.


Uma vez que em causa está, como avançamos, o mesmo procedimento inspetivo, a mesma factualidade considerada pelo Tribunal a quo, as mesmas partes, sendo a questão em análise a mesma, não se vê razão alguma para divergir do entendimento vazado do acórdão supra transcrito, do qual, como avançado, a relatora foi adjunta.
Aqui chegados, assuma a conclusão que o recurso terá de improceder, sendo de manter a decisão recorrida e bem assim a anulação da liquidação de IVA e dos respetivos juros compensatórios que da mesma sorte do imposto padecerão (cf. art. 35º da LGT).

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No que respeita a custas, considerando o princípio da causalidade vertido no artigo 122º nº 2 do CPPT e bem assim no 527º nº 1 e 2 do CPC, as custas ficam a cargo da recorrente por ser parte vencida.
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IV- DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Subsecção de Contencioso Tributário Comum deste Tribunal Central Administrativo Sul, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202.º da Constituição da República Portuguesa, em negar provimento ao recurso, mantendo a decisão recorrida.
Custas a cargo da recorrente.
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Lisboa, 16 de maio de 2024

Isabel Silva
(Relatora)
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Teresa Costa Alemão
(1ª adjunta)
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Jorge Cortês
(2º adjunto)
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