Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:11564/14
Secção:CA- 2º JUÍZO
Data do Acordão:04/16/2015
Relator:HELENA CANELAS
Descritores:PERDA DO DIREITO DE RECORRER - RENÚNCIA TÁCITA AO RECURSO
Sumário:I – Decorre das disposições conjugadas dos nºs 2 e 3 do artigo 632º do CPC novo que não pode recorrer quem tiver aceitado a decisão depois de proferida, aceitação esta que pode ser tácita, derivando em tal caso “da prática de qualquer facto inequivocamente incompatível com a vontade de recorrer”.

II - A aceitação tácita da decisão recorrida consubstancia a renúncia (tácita) ao direito de recurso, de modo que quem detinha legitimidade para recorrer (nos termos dos artigos 141º do CPTA e 631º do CPC), mas tenha praticado, depois da decisão judicial, facto inequivocamente incompatível com a vontade de recorrer, decorrendo dele, assim, a aceitação tácita da decisão judicial, perde o direito de recorrer, não sendo admissível o recurso.

III – Para que se concluir estar-se perante aceitação tácita da decisão mister é que o comportamento adotado pela parte seja “inequivocamente incompatível com a vontade de recorrer”. Para que se possa formar um juízo a tal respeito importa, i) atentar no dispositivo da sentença, ii) considerar o regime do recurso a que a mesma está sujeita e iii) perceber a natureza do comportamento assumido pela parte.

IV – Se a sentença recorrida foi proferida em processo cautelar, no qual é pretendida a regulação provisória de pagamento de quantias, e nela foi concedido parcial provimento à providência, com condenação da entidade requerida a entregar à requerente uma dada quantia, no prazo de 10 (dez) dias, com concomitante fixação de sanção pecuniária compulsória com vista a assegurar o seu cumprimento, não pode extrair-se do facto de a entidade requerida ter procedido, em cumprimento da sentença, ao depósito de tal quantia à ordem da requerente, antes de esgotado o prazo de recurso, que tal comportamento seja incompatível com a vontade de recorrer.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. RELATÓRIO
A Federação Portuguesa de Futebol (devidamente identificada nos autos), Requerida no processo cautelar instaurado no Tribunal Administrativo do Circulo de Lisboa (Proc. nº 2904/06.8BELSB-B) pelo Requerente ……………….. (devidamente identificado nos autos), na pendência de processo de execução de sentença proferida em ação administrativa especial (Proc. nº 2904/06.8BELSB-A), em que este solicitava, na pendencia do processo de execução de sentença anulatória (Proc. nº 2904/06.8BELSB-A) - no qual peticiona a título de indemnização pelo prejuízo causado pela sanção disciplinar judicialmente anulada, mas já cumprida, de suspensão na participação na Taça de Portugal e nos Campeonatos Nacionais de Juniores A e C na época desportiva 2006/2007, a quantia de 5.493.883,58 € - a decretação de providência cautelar de regulação provisória de pagamento de quantias, consistente na imediata entrega, por conta de tal valor, da quantia de 5.000.000,00 €, inconformado com a sentença de 14/07/2014 (fls. 1176 ss.) pela qual o Tribunal a quo, concedendo parcial provimento à providência, o condenou a pagar à Requerente a quantia de 350.000,00 €, vem dela interpor o presente recurso jurisdicional.

Nas suas alegações a aqui Recorrente Federação Portuguesa de Futebol formula as seguintes conclusões nos seguintes termos:

1. O ……………. reclamou, a título de indemnização pelo prejuízo causado pela sanção disciplinar (já cumprida e agora anulada) de suspensão de participação na Taça de Portugal e nos Campeonatos Nacionais de Juniores A e C, durante uma época desportiva – no período de 1/7/2006 a 30/6/2007 – a quantia de €5.493.883,58, acrescida de juros de mora;

2. o ………………….. pede, no presente processo, que lhe seja entregue, por conta de tal valor e face à sua alegada situação de carência económica, a verba de €5.000.000;

3. deferindo parcialmente o pedido, a sentença de que ora se recorre, condenou a Federação Portuguesa de Futebol a pagar ao ………….. a quantia de €350.000;

4. porém, ao decidir deste modo, a sentença recorrida valorou mais do que a matéria que constitui causa de pedir, ou seja, a quantia atribuída ao requerente teve por base todas as sanções sofridas pelo mesmo Requerente e não apenas, como competia, as sanções que são a única e exclusiva causa de pedir nos presentes autos: a sanção disciplinar de suspensão de participação na Taça de Portugal e nos Campeonatos Nacionais de Juniores A e C, durante uma época desportiva – no período de 1/7/2006 a 30/6/2007 – pelo que, assim decidindo, a sentença recorrida condenou em quantidade superior e em objeto diverso do pedido, com violação expressa do disposto no art.615º, n.1 e) do NCPC, aplicável por força do art.1º do CPTA;

5. o valor fixado a final para a entrega ao Requerente não tem suporte nos factos e fundamentos em que a sentença se baseou, a qual se mostra, por isso, em manifesta contradição com esses mesmos fundamentos, o que constitui causa de nulidade da sentença, nos termos do disposto no art.615º, n.1 c) do NCPC, aplicável por força do disposto no art. 1º do CPTA;

6. por outro lado, por a situação económica do Requerente ser praticamente a mesma desde 2004/2004 a 2012/2013, não se podia entender verificada a situação de grave carência económica, pelo que carece de fundamento a decisão recorrida, a qual deve, assim, ser revogada por falta de fundamento legal e factual, o que é causa de nulidade da sentença, nos termos do do art. 615º, n.1 c) do NCPC, aplicável ex- vi do art.1º do CPTA;

7. por último, por não ter apreciado o requerimento de prova ínsito na alínea c) do pedido final da sua contestação, nem tão pouco ter pronunciado despacho fundamentando tal omissão, cometeu a Mmª Juíza a falta de omissão de pronúncia, o que implica a nulidade da sentença, por força do disposto no art. 615º, n.1 d) do NCPC, aplicável por força do art.1º do CPTA. Nulidade esta tanto mais grave quanto a realização de exame pericial teria evitado as imprecisões de avaliação alegadas supra, designadamente quanto à (in)exata e (in)correta valoração dos prejuízos sofridos pelo Requerente com a suspensão da sua participação na Taça de Portugal e nos Campeonatos de Juniores A e C, durante um ano – a época desportiva 2006/2007.


Termina pugnando pela revogação da sentença, e subsidiariamente pela sua reforma no sentido de ser determinada a entrega de verba substancialmente diversa e inferior à que foi fixada.

O Recorrido apresentou contra-alegações, nas quais suscitou desde logo as seguintes questões prévias:
- a perda do direito de recorrer (ilegitimidade) por renúncia tácita ao recurso, decorrente do pagamento efetuado sem reserva previamente à instauração do recurso, obstando, no seu entender, à apreciação do mérito do recurso e conducente à sua rejeição nos termos do artigo 632º do CPC novo, ex vi do artigo 140º do CPTA, que invoca;
- a rejeição do recurso por violação do ónus em matéria de impugnação da decisão relativa à matéria de facto, a que alude o artigo 640º nº 1 alíneas a), b) e c) e nº 2 alínea a) do CPC novo, ex vi do artigo 140º do CPTA, que invoca.
Pugnou no mais pela improcedência do recurso, com manutenção integral da sentença recorrida.
E deduziu ainda recurso subordinado da sentença, ao abrigo do artigo 633º nº 1 do CPC novo, que invocou, requerendo a revogação da sentença recorrida na parte que determinou a condenação da Federação Portuguesa de Futebol a pagar a quantia de 350.000,00 € substituindo-se a decisão por outra que a condene a pagar ao ......................... a quantia de 1.000.000,00 € a título de regulação provisória do pagamento de quantias.
Concluiu as suas contra-alegações formulando as seguintes conclusões nos seguintes termos:
A. O presente Recurso Jurisdicional vem interposto pela Federação Portuguesa de futebol da Sentença proferida em 14.07.2014, pelo TAC de Lisboa, nos termos da qual foi dado parcial provimento à Providência Cautelar de Regulação Provisória do Pagamento de Quantias instaurada pelo ..........................

B. Face aos termos que a Recorrente empresta ao seu Recurso Jurisdicional, levantam-se um conjunto de Questões Prévias/Excepções que, por procederem, determinam a impossibilidade deste Tribunal Central Administrativo Sul se pronunciar sobre o mérito do Recurso, ou, no limite, que esse conhecimento fique circunscrito a um conjunto de questões, cuja apreciação, pela sua natureza, não influi - porque não pode - naquilo que foi o teor decisório da Sentença proferida pelo Tribunal a quo.

C. Em matéria de Questões Prévias/Excepções, começou por se demonstrar que o Recurso Jurisdicional interposto pela Recorrente não pode ser admitido, pois que a Recorrente aceitou tacitamente a Sentença proferida pelo Tribunal a quo em 14.07.2014, o que determina a perda do direito de recorrer e renúncia ao recurso, nos termos do disposto no artigo 632.°, n.º 1, 2 e 3, do CPC, aplicado, ex vi, do artigo 140.°, do CPTA.

D. A situação dos autos é uma em que a Recorrente (Federação Portuguesa de Futebol), aceitou, sem reservas, o teor da Sentença proferida, cumpriu essa Sentença de modo integral, voluntário e espontâneo (embora com dias de atraso), nunca expressou por via própria e inequívoca perante o Tribunal que a condenara de que procedia à execução da Sentença sob reserva ou protesto, assim levando à aceitação do teor da mesma.

E. O pagamento efetuado pela Recorrente ao Recorrido, em 30.07.2014, para cumprimento do determinado da Sentença de 14.07.2014. não foi feito sob qualquer reserva de ulterior interposição de Recurso Jurisdicional da Sentença proferida pelo TAC de Lisboa em 14.07.2014. O pagamento, espontâneo, livre e voluntário, imediato à condenação, sem qualquer reserva ou declaração sobre o mesmo, designadamente que o fazia sem prejuízo da interposição de Recurso Jurisdicional por discordar da Sentença proferida em 14.07.2014, representa uma inequívoca aceitação tácita dessa decisão, tomando-a definitiva e irrecorrível.

F. Ainda em matéria de Questões Prévias/Excepções, demonstrou também que o Recurso Jurisdicional interposto pela Recorrente deve ser imediatamente rejeitado, por violação do ónus em matéria de impugnação da decisão relativa à matéria de facto, de acordo com o disposto no artigo 640,°, n.º 1, alíneas a), b) e c), e n.º 2, alínea a), do CPC, aplicados, ex vi, do artigo 140.°, do CPTA.

G. Em suma, e como se demonstrou, a Recorrente não respeitou o ónus que sobre si impendia de identificar, com precisão, os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; nem o ónus de identificar, com precisão, os concretos meios probat6rios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; nem o ónus de identificar, com precisão, a decisão que, no seu entender, deveria ter sido proferida sobre as questões de facto impugnadas; nem, por último, o ónus de identificar, com exactidão, as passagens da gravação em que funda o seu recurso.

H. Essas violações implicam - nos termos da Lei, da Jurisprudência e da Doutrina - a imediata rejeição do Recurso Jurisdicional interposto, sem possibilidade de convite ao aperfeiçoamento.

I. Quanto à improcedência do Recurso Jurisdicional interposto pela Federação Portuguesa de Futebol, em função do seu mérito, demonstrou-se, autonomamente, a total falência das alegações da Recorrente.

J. Quanto à alegação de que a Sentença a quo condenou em "matéria estranha ao pedido", demonstrou-se que a Sentença proferida pelo Tribunal de 1.ª instância esclarece claramente que a sua apreciação - e o juízo formulado quanto ao montante indemnizatório apurado - se cinge aos prejuízos advenientes para o Recorrido do ato administrativo que lhe aplicou a sanção de não participação na Taça de Portugal e nos Campeonatos de Juniores A e C na época desportiva 2006/2007, e não a qualquer outro, como pretende a Recorrente pretender fazer passar, como se o Tribunal a quo se tivesse confundido ou condenado extra vel ultra petitum.

K. Toda a prova testemunhal foi produzida - e demonstrou -, também, nesse sentido, i,e., de que os danos subjacentes ao Processo de Execução de que a presente Providência Cautelar depende advêm da decisão da Recorrente, já declarada ilegal, que aplicou ao Recorrido a sanção de não participação na Taça de Portugal e nos Campeonatos de Juniores A e C na época desportiva 2006/2007.

L. Mas não só. Importa recordar que, no âmbito da presente Providência Cautelar de Arbitramento de Reparação Provisória, peticionou o ora Recorrido, em sede de Requerimento Inicial, a intimação da Recorrente a prestar ao Recorrido "a quantia de € 5.000.000,00 (cinco milhões de euros), sob a forma de uma renda mensal, no montante de € 500.000,00 (quinhentos mil euros), a pagar em 10 (dez) prestações mensais e sucessivas", sendo o valor global da Execução o de € 5.493.883,58 (cinco milhões, quatrocentos e noventa e três mil, oitocentos e oitenta e três euros e cinquenta e oito cêntimos), acrescido de juros de mora, vencidos e vincendos.

M. Ora, a Sentença a quo condenou a Recorrente no pagamento ao Recorrido da quantia de € 350.000,00 (trezentos e cinquenta mil euros), o que significa que o Juiz a quo condenou na proporção dessa ponderação entre factos danosos, arbitrando a condenação em 7% daquilo que foi peticionado pelo Recorrido.

N. Ao condenar em 7% daquilo que foi peticionado pelo Recorrido, tal traduz uma ponderação do Tribunal a quo relativamente aos danos que foram invocados pelo Recorrido, considerando que essa é a percentagem - do montante global peticionado - que corresponde a parte dos prejuízos advenientes da sanção de não participação na Taça de Portugal e nos Campeonatos de Juniores A e C na época desportiva 2006/2007,

O. Mas, na verdade, toda esta discussão criada pela Recorrente se torna inútil quando se pense que o que está em causa na presente Providência Cautelar de Regulação Provisória do Pagamento de Quantias não é indagar as razões que determinaram (ou que estão na génese da) insuficiência, mas sim se existe uma situação de grave carência económica do Recorrido. E é certo que existe, e ficou demonstrada essa existência.

P. Quanto ao apuramento do quantum indemnizatório, demonstrou-se que, atenta a natureza da presente Providência Cautelar, encontrava-se o Tribunal a quo legitimado - legal e jurisprudencialmente - a proceder a uma análise sumária da questão, sem que qualquer juízo de censura lhe pudesse ser assacado. Mas não foi assim. O Tribunal a quo procedeu a uma análise exaustiva dos factos e da prova - documental e testemunhal - produzida.

Q. Acresce, ademais, que, conforme se concluiu, é certo que a pretensão formulada no processo principal vai ser julgada procedente, pois que é a própria lei processual administrativa que fixa os efeitos decorrentes da Administração não dar execução a uma sentença de anulação - cfr. artigo 176.°, n.º 1, do CPTA- como ocorre no caso vertentes. E esses efeitos são os estabelecidos no artigo 176.°, n.º 3, do CPTA, onde se prevê que, em execução, pode o lesado requerer o "pagamento de quantias pecuniárias" por conta da execução de uma sentença de anulação, como é aquela que deu origem à execução em apreço.

R. Quanto à alegação, pela Recorrente, que o Recorrido não se encontra numa situação de "grave carência económica", resultou da prova documental e testemunhal produzida que a situação económico-financeira do ......................... piorou drasticamente com a decisão de condenação proferida pela Recorrente que havia determinado a condenação do Recorrido a uma época desportiva de suspensão na Taça de Portugal (época desportiva de 2006/2007) e nos Campeonatos Nacionais de Juniores A e C (época desportiva de 2006/2007).

S. Conforme resulta da prova documental e testemunhal produzida nos autos, e, bem assim, da factual idade dada como indiciariamente provada - e que a Recorrente, recorde-se, não impugnou - o Recorrido, com a decisão de condenação proferida pela Recorrente a uma época desportiva de suspensão na Taça de Portugal (época desportiva de 2006/2007) e nos Campeonatos Nacionais de Juniores A e C (época desportiva de 2006/2007), ficou, desde logo, numa situação de carência económica. Isto é, com a decisão proferida em 2006, ficou o Recorrido, desde logo, numa situação de carência económica, face aos efeitos económico/financeiros, nefastos, que desde logo e imediatamente lhe advieram em virtude dessa decisão.

T. Mas essa situação de carência económica não deixou de se agravar, tendo esse agravamento tido por base a decisão da Recorrente. Essa situação de carência económica é hoje grave, e, a prolongar-se, pode acarretar consequências graves e dificilmente reparáveis para o Recorrido.

U. E essa situação de carência económica é hoje grave porque a Recorrente insiste em incumprir as decisões condenatórias de que foi alvo, mormente através do pagamento da indemnização devida ao ........................., para compensação pelos prejuízos sofridos em virtude da prática do acto ilegal. E assim têm-se por preenchidos todos os critérios de que o artigo 133.°, do CPTA, faz depender o deferimento de uma medida cautelar como a presente, e que estiveram na base da Sentença de procedência proferida pelo Tribunal a quo.

V. Quanto à invocada "omissão de diligência probatória”, demonstrou-se que a mesma, a existir, não produz os efeitos de nulidade da Sentença que a Recorrente. Contudo, in casu, o certo é que o Tribunal a quo expressamente se pronunciou sobre a prova pericial requerida pela Recorrente e este não reagiu contra a pronúncia/decisão judicial.

W. Por último, e como se referiu em Capítulo autónomo de "Recurso Subordinado”, a Sentença proferida deixou por adiantar ao ......................... a quantia de € 4.650.000,00 (quatro milhões, seiscentos e cinquenta mil euros), correspondente ao diferencial entre o valor peticionado na providência cautelar e o valor atribuído, reconhecendo, porém, o Tribunal a quo que: "( ... ) tendo em conta os diferenciais das contas certificadas dos anos de 2005 a 2013/ julga-se como adequado fixar a titulo de regulação provisória o pagamento pela requerida à requerente do montante de 350.000,00 (trezentos e cinquenta mil euros), sendo que tal quantia ainda permite que a requerente fique numa situação de debilidade económica ( ... ) ".

X. Demonstrou-se que, ainda que o recebimento do referido montante permita, de alguma forma, a possibilidade de o ......................... fazer face a algumas das suas obrigações, o certo é que, face à factualidade dada como provada e ao facto de se reconhecer que nem toda a situação de fragilidade económica é atendida com o valor arbitrado em providência cautelar, o montante provisoriamente arbitrado deveria ser outro, superior, de modo a afastar a situação de debilidade económica. Isto porque, atendendo às dívidas de curto prazo do ........................., o montante de E 350.000,00 (trezentos e cinquenta mil euros), provisoriamente arbitrado, não lhe permite ultrapassar a situação de "grave carência económica" em que se encontra, o que significa que o desiderato da presente Providência Cautelar não foi alcançado, não obstante o provimento da mesma.

Y. Assim como resultou testemunhalmente provado que o ......................... não dispõe de condições para se financiar junto da banca, com o que será pessoalmente executado, caso não satisfaça, a muito curto prazo, as suas obrigações junto dos fornecedores, no montante de € 476.209,90 (quatrocentos e setenta e seis mil, duzentos e nove euros e noventa cêntimos). Em suma: o montante arbitrado pelo Tribunal a título de regulação provisória do pagamento de quantias é o único de que o ......................... dispõe para fazer face aos seus compromissos assumidos e já vencidos, já que não dispõe de capitais próprios nem se consegue financiar junto da banca.

Z. Como se demonstrou, atenta a prova documental e testemunhal junta aos autos e ai produzida, afigura-se correto, a título de regulação provisória do pagamento de quantias, a condenação da Federação Portuguesa de Futebol no pagamento ao ........................., no prazo de 10 (dez) dias, da quantia de € 1.000.000,00 (um milhão de euros), a qual não corresponde ao montante em divida a apurar no processo principal, mas sim ao montante indispensável a - neste momento - o ......................... deixar de estar na situação de "grave carência económica” em que se encontra, conforme resultante da prova produzida e perante o reconhecimento em sentença que a verta de € 350.000,00 é insuficiente para afastar a situação de carência económica.


Notificado o recorrente pronunciou-se (fls. 1567 ss.) quanto às questões prévias suscitadas, pugnando, no que tange à questão da inadmissibilidade do recurso por perda do direito de recorrer por renuncia, pela sua improcedência, e no que respeita ao não cumprimento dos ónus atinentes à impugnação do julgamento da matéria de facto, que não recorreu quanto à mesma, apenas fundou o seu recurso na errada interpretação que o Tribunal a quo fez dos factos que deu como provados, e que por conseguinte o que pretende é a revogação da sentença recorrida em função da interpretação da matéria de facto e não a modificação da decisão da matéria de facto. Concluiu defendendo nada obstar ao conhecimento do recurso que interpôs, que entende dever merecer provimento, e pugnando pela improcedência do recurso subordinado interposto pelo recorrido.

Notificado nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 146º e 147º do CPTA o Ministério Público emitiu Parecer (fls. 1606 ss.) no sentido do não conhecimento do objeto do recurso, pelos seguintes fundamentos que ali verteu, que se passam a transcrever:
«O Tribunal Superior tem de se guiar pelas conclusões da alegação de Recurso.
A parte que recorre, embora sinteticamente, deve indicar não só os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão, como também quando impugne a matéria de facto em que se fundamenta a sentença, deve indicar os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados ou apreciados – artºs 639º e 640º do CPC, aplicável ex vi do art. 1º do CPTA.
A Recorrente, apresenta conclusões vagas e imprecisas que impedem este Tribunal Superior de apreciar o recurso.
Isto é, não enunciou a matéria de facto que considera ter sido incorretamente incluída e valorada na sentença, nem precisou em que termos considera ter havido contradição entre os factos e a decisão e entre os diversos fundamentos e esta, assim como não explicita quais os factos que entende serem causa de inexatidão ou imprecisão na sentença, e também no que respeita à valoração dos prejuízos, decorrentes de não haver apreciado a realização da perícia que requereu, por forma a poderem ser apreciadas as nulidades invocadas.
Limita-se a exarar conclusões que não fundamenta, as quais não podem por si só ser objeto de apreciação por este Tribunal Superior, na medida em que implicariam um ficcionamento dos factos que o recorrente pretende sejam apreciados e valorados no julgamento do recurso.
Perante estas omissões o Tribunal ad quem não tem questões substrânciais sobre que se possa pronunciar, o que inviabiliza o conhecimento do recurso, não sendo, por isso motivo pra convidar o recorrente à reformulação prevista no art. 639º nº 3 do CPC.
No sentido exposto veja-se o recente Acórdão deste TCA Sul, de 9-10-2014, e doutrina aí citada, proferida no Recurso nº 11848/14 (Relatora: Ex.ma Srª Juiz Desembargadora Cristina Santos).
Deve, assim, este Tribunal abster-se de conhecer do recurso, nos termos do artigo 640º do CPC.
Deste modo, fica também afastada a apreciação da primeira questão prévia suscitada pelo Recorrido, bem como a apreciação do recurso subordinado interposto pelo Requerente (artº 633º nº 3 do CPC).
Pelo exposto, não se aprecia o mérito dos recurso, face ao Parecer que antece de não conhecimento do mesmo por este Tribunal Superior.»

Notificados daquele Parecer respondeu unicamente o recorrente (fls. 1613 ss.), renovando a posição por si já defendida, no sentido de nada obstar ao conhecimento do mérito do recurso.

Constatando-se que vindo arguida a nulidade da sentença recorrida (conclusões 5ª, 6ª e 7ª das alegações de recurso da Recorrente FEDERAÇÃO PORTUGUESA DE FUTEBOL – fls. 1212 ss.), o Tribunal a quo não proferiu o despacho previsto no artigo 617º nºs 1 e 2 do novo CPC (correspondente ao artigo 670º do antigo CPC), foi ordenada a baixa dos autos ao Tribunal a quo para tal efeito (fls. 1241). Tendo por despacho de 18/12/2014 (fls. 1645) a Mmª Juiz do Tribunal a quo mantido a sentença recorrida, não reconhecendo a verificação de qualquer das invocadas causas de nulidade da sentença.

Sem vistos, em face do disposto no artigo 36º nº 1 alínea e) e nº 2 do CPTA, foi o processo submetido à Conferência para julgamento.


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II. DAS QUESTÕES A DECIDIR/DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO
Cumpre começar por apreciar e decidir as questões prévias que foram suscitadas pelo recorrido nas suas contra-alegações, já que a ocorrerem poderão obstar ao conhecimento do mérito do recurso que vem interposto pelo recorrente, como invocou, e que são as seguintes:
- da perda do direito de recorrer (ilegitimidade) por renúncia tácita ao recurso, decorrente do pagamento efetuado sem reserva previamente à instauração do recurso, obstando, no seu entender, à apreciação do mérito do recurso e conducente à sua rejeição nos termos do artigo 632º do CPC novo, ex vi do artigo 140º do CPTA, que invoca;
- da rejeição do recurso por violação do ónus em matéria de impugnação da decisão relativa à matéria de facto, a que alude o artigo 640º nº 1 alíneas a), b) e c) e nº 2 alínea a) do CPC novo, ex vi do artigo 140º do CPTA, que invoca.

Se a tanto nada obstar importará então apreciar o mérito do recurso dirigido pela recorrente Federação Portuguesa de Futebol à sentença de 14/07/2014 (fls. 1176 ss.) pela qual o Tribunal a quo, concedendo parcial provimento ao processo cautelar, o condenou a pagar à requerente a quantia de 350.000,00 €.
Sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos artigos 144º nº 2 e 146º nº 4 do CPTA e dos artigos 5º, 608º nº 2, 635º nºs 4 e 5 e 639º do CPC novo (aprovado pela Lei n.º 41/013, de 26 de Junho) ex vi dos artigos 1º e 140º do CPTA, caberá então apreciar e decidir se a sentença recorrida é nula, por verificação de alguma das seguintes razões ali enunciadas pelo recorrente, e se assim incorreu na violação dos dispositivos legais que a recorrente invoca, e se deve ser revogada e substituída por decisão de improcedência da providência, ou se assim não se concluir, por decisão que fixe montante inferior:
- por ter condenado em quantidade superior e em objeto diverso do pedido - artigo 615º nº 1 alínea e) do CPC novo, ex vi do artigo 1º do CPTA – (conclusão 4ª);

- por o valor fixado a ser entregue ao Requerente não ter suporte nos factos e fundamentos em que a sentença se baseou, incorrendo assim em contradição com esses mesmos fundamentos – artigo 615º nº 1 alínea c) do CPC novo, ex vi do artigo 1º do CPTA – (conclusão 5ª);

- por o entendimento feito na sentença recorrida de que se encontra verificada situação de grave carência económica do requerente da providência carecer de falta de fundamento legal e factual – artigo 615º nº 1 alínea c) do CPC novo, aplicável, ex vi do artigo 1º do CPTA – (conclusão 6ª);

- por ao não ter sido apreciado o requerimento de prova ínsito na alínea c) do pedido final da sua contestação ter a Mmª Juíza do Tribunal a quo incorrido em omissão de pronúncia, implicando a nulidade da sentença – artigo 615º nº 1 alínea d) do CPC novo, ex vi do artigo 1º do CPTA – (conclusão 7ª).


E importará ainda, se não se mostrar prejudicado e a tanto nada obstar, apreciar o mérito do recurso subordinado deduzido ao abrigo do artigo 633º nº 1 do CPC novo, pelo ........................., requerente da providência, no sentido da revogação da sentença recorrida na parte que determinou a condenação da Federação Portuguesa de Futebol a pagar-lhe a quantia de 350.000,00 € a título de regulação provisória do pagamento de quantias, substituindo-se a decisão por outra que a condene a pagar-lhe a quantia de 1.000.000,00 €.

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III. FUNDAMENTAÇÃO
A – De facto
Na sentença recorrida foi dada como provada pela Mmª Juiz do Tribunal a quo a seguinte factualidade, nos seguintes termos:
1 - Mediante acórdão proferido em 13.10.2011, pelo Tribunal Central Administrativo foi confirmada a sentença proferida pelo TAC de Lisboa, de 01.06.2010, decisões judiciais cujo teor aqui se dá por reproduzido (cfr. docºs. juntos com o r.i., respectivamente, de fls. 189 a 248, e de fls. 142 a 188, dos autos).

2 - Mediante acórdão proferido em 20.06.2012, pelo Supremo Tribunal Administrativo foi negado o recurso de revista interposto do acórdão proferido pelo TCA Sul - supra identificado - acórdão cujo teor aqui se dá por reproduzido (cfr. docº. junto com o r.i. de fls. 251 a 256 dos autos, e admissão por acordo).

3 - A requerente interpôs acção para execução de sentença, a qual corre termos nos autos sob o nº.2904/06.BELSB-A (admissão por acordo).

4– Na época desportiva de 2006/2007 a requerente pagou as inscrições dos jogadores nos termos patenteados nos documentos juntos aos autos, a fls. 513 a 519 dos autos, cujo teor aqui se dá por reproduzido (cfr. docºs. de fls. 513 a 519 dos autos, e admissão por acordo).

5– A certificação das contas, datada de 10.10.2006, realizada pela Sociedade de Revisores Oficiais de Contas nº. 148, Joaquim …………….. e Mário …………., com referência aos exercício da época desportiva de 2005/2006, tem o teor documento junto aos autos de fls. 578 a 631 dos autos, cujo teor aqui se dá por reproduzido, e do qual extrai-se o seguinte (cfr. docº. de fls. 578 a 631 dos autos, e admissão por acordo):

“…”

«(Imagem)»


6 - Em 30.06.2013 a requerente devia a título de remunerações de pessoal a quantia de 124.137,50 euros (cfr. certificação de contas de 2013/ docº. de fls. 992 a 1037 dos autos, e prova testemunhal).

7- Em 30.06.2013 a requerente devia a título de dividas a fornecedores a quantia de 702.072,40 euros (cfr. certificação de contas de 2013/ docº. de fls. 992 a 1037 dos autos, e prova testemunhal).

8- Em 30.06.2013 a requerente apresentou um resultado líquido negativo no montante de 317.285,29 euros (cfr. certificação de contas de 2013/ docº. de fls. 992 a 1037 dos autos, e prova testemunhal).

9 - Em 30.06.2013 a requerente tinha fundos patrimoniais negativos no valor de 2.025.085,74 euros, e um fundo de maneio negativo no valor de 1.887.518,80 euros (cfr. certificação de contas de 2013/ docº. de fls. 992 a 1037 dos autos, e prova testemunhal).


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B – De direito
1. Das questões prévias
1.1 Da perda do direito de recorrer (ilegitimidade) por renúncia tácita ao recurso
Nas suas contra-alegações o recorrido ......................... começou por suscitar a questão prévia da perda do direito de recorrer (ilegitimidade) da recorrente Federação Portuguesa de Futebol por renúncia tácita ao recurso, decorrente da circunstância de ter procedido previamente à instauração do recurso e sem reserva, ao pagamento da quantia fixada na sentença recorrida, obstativa, no seu entender, à apreciação do mérito do recurso, pugnando pela rejeição do recurso nos termos do artigo 632º do CPC novo, ex vi do artigo 140º do CPTA, que invoca.
Notificada, a recorrente Federação Portuguesa de Futebol pronunciou-se pugnando pela improcedência da questão prévia suscitada, defendendo, em suma, que a sentença recorrida lhe impunha não só o pagamento da referida quantia de 350.000,00 € no prazo de 10 dias, como uma sanção pecuniária compulsória, pelo atraso na entrega de tal quantia, a cargo do presidente da Federação Portuguesa de Futebol; de que norma alguma se extrai que pelo cumprimento da sentença de 1ª instância se extraia a renúncia ao recurso e que apesar de, contra sua vontade, ter dado cumprimento à sentença cautelar sob ameaça de sofrer sanção pecuniária, pretende exercer o seu direto constitucional (cfr. artigo 20º da CRP) a ver revertida a decisão judicial que considera errada, concluindo defendendo nada obstar ao conhecimento do recurso que interpôs, que entende dever merecer provimento.
O Parecer do(a) Digno(a) Magistrado(a) do Ministério Público (fls. 1606 ss.) vai no sentido do não conhecimento do objeto do recurso, pelos fundamentos ali referidos.
Apreciando e decidindo.
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É a seguinte a factualidade relevante para a decisão desta questão, decorrente dos elementos patenteados nos autos (inclusive por consulta no SITAF):
1. A Sentença recorrida, de 14/07/2014 (fls. 1176 ss.), tem o seguinte segmento decisório:

«Nestes termos, e com os fundamentos supra expostos, concede-se parcial provimento à presente providência, e em consequência condena-se a requerida ao pagamento à requerente no prazo de 10 (dez) dias, da quantia de 350.000,00 (trezentos e cinquenta mil) euros.

Para prevenir o incumprimento da sentença, fica o Presidente da FPF sujeito a aplicação de sanção compulsória nos termos e pelo montante máximo fixado no artº.169º/1/CPTA, atento o efeito meramente devolutivo do recurso jurisdicional

2. Aquela sentença foi notificada às partes, incluindo à recorrente Federação Portuguesa de Futebol, por cartas remetidas por correio registado em 15/07/2014 para os respetivos mandatários - (cfr. fls. 1606-1108/SITAF).

3. A recorrente Federação Portuguesa de Futebol procedeu em 30/07/2014 ao depósito bancário da quantia de 350.000,00 €, à ordem do recorrido ......................... – (cfr. Doc. nº 3 junto com as contra-alegações do recorrido – fls. 1149 ss./SITAF).

4. O requerimento de recurso da recorrente Federação Portuguesa de Futebol, acompanhado das respetivas alegações, foi apresentado no Tribunal a quo, via SITAF (site), em 01/08/2014 - (cfr. fls. 111 ss./SITAF).



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É o seguinte o disposto no artigo 632º do CPC novo (aprovado pela Lei nº 41/2013), correspondente ao anterior artigo 681º do CPC antigo:
“Artigo 632º
Perda do direito de recorrer e renúncia ao recurso
1 — É lícito às partes renunciar aos recursos; mas a renúncia antecipada só produz efeito se provier de ambas as partes.
2 — Não pode recorrer quem tiver aceitado a decisão depois de proferida.
3 — A aceitação da decisão pode ser expressa ou tácita; a aceitação tácita é a que deriva da prática de qualquer facto inequivocamente incompatível com a vontade de recorrer.
4 — O disposto nos números anteriores não é aplicável ao Ministério Público.
5 — O recorrente pode, por simples requerimento, desistir do recurso interposto até à prolação da decisão.”

Decorre das disposições conjugadas dos seus nºs 2 e 3 que não pode recorrer quem tiver aceitado a decisão depois de proferida, aceitação esta que pode ser tácita, derivando em tal caso “da prática de qualquer facto inequivocamente incompatível com a vontade de recorrer”.
A aceitação tácita da decisão recorrida (assim aqui acolhida, no plano adjetivo, em paralelo com o que vale no plano substantivo para as declarações tácitas, cfr. artigo 217º do Código Civil), consubstancia a renúncia (tácita) ao direito de recurso – vide, a respeito das declarações negociais tácitas, Pires de Lima e Antunes Varela, in “Código Civil Anotado”, Vol. I, Coimbra Editora, 4ª Edição, 1987, pág. 208.
Pelo que, quem detinha legitimidade para recorrer, (nos termos dos artigos 141º do CPTA e 631º do CPC novo), mas tenha praticado, depois da decisão judicial, facto inequivocamente incompatível com a vontade de recorrer, decorrendo dele, assim, a aceitação tácita da decisão judicial, perde o direito de recorrer, não sendo admissível o recurso (vide a este propósito, entre outros, António Santos Abrantes Geraldes in, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2014, 2ª Edição, págs. 66 e 74 ss.)
Para que se possa concluir estarmos perante aceitação tácita da decisão mister é que o comportamento adotado pela parte seja “inequivocamente incompatível com a vontade de recorrer” (cfr. artigo 632º nº 3 do CPC novo).
Por princípio será de admitir que acatando a parte vencida na ação a sentença judicial, dando-lhe espontâneo cumprimento antes do respetivo trânsito em julgado, se estará perante comportamento que revela aceitação tácita da decisão judicial, com concomitante perda do direito de dela recorrer.
Mas nem sempre será assim.
Importa, para que se possa formar um juízo a tal respeito, i) atentar no dispositivo da sentença, ii) considerar o regime do recurso a que a mesma está sujeita e iii) perceber a natureza do comportamento assumido pela parte.
Se, como é o caso, a sentença recorrida foi proferida em processo cautelar no qual é pretendida a regulação provisória de pagamento de quantias, e nela foi concedido parcial provimento à providência, com condenação da entidade requerida a entregar à requerente uma dada quantia, no prazo de 10 (dez) dias, com concomitante fixação de sanção pecuniária compulsória com vista a assegurar o seu cumprimento, não pode extrair-se do facto de a entidade requerida ter procedido, em cumprimento da sentença, ao depósito de tal quantia à ordem da requerente, antes de esgotado o prazo de recurso, que tal comportamento seja incompatível com a vontade de recorrer.
É que de harmonia com o disposto no nº 2 do artigo 143º do CPTA os recursos de “decisões respeitantes à adoção de providências cautelares têm efeito meramente devolutivo” têm sempre efeito meramente devolutivo, encontrando-se afastada, no âmbito dos recursos de sentenças proferidas em processos cautelares a regra do efeito suspensivo dos recursos estabelecida no artigo 143º nº 1 do CPTA – vide, entre outros, o Acórdão de 18/12/2014, Proc. 11609/14, in, www.dgsi.pt/jtcas, de que fomos relatores, e jurisprudência e doutrina ali referida e citada, nesse sentido. O que significa que a parte não consegue afastar, pela interposição do recurso, o efeito da sentença, devendo-lhe imediata obediência.
E sendo assim, a circunstância de adotar o comportamento que lhe é precisamente ditado pela sentença cautelar, ao qual está adstrito, não preclude nem afasta o direito ao recurso, constitucionalmente garantido (cfr. artigo 20º da CRP).
Tanto mais que o Tribunal a quo, socorrendo-se do disposto no artigo 169º nº 1 do CPTA, fixou desde logo na própria sentença cautelar, sanção pecuniária compulsória com vista a assegurar o seu cumprimento.
Não pode, por conseguinte, concluir-se que o comportamento adotado pela entidade requerida – o depósito à ordem do requerente da quantia fixada na sentença cautelar – seja incompatível com a vontade de recorrer, já que a parte não estava colocada perante a alternativa de aceitar a decisão, acatando-a e cumprindo-a, ou de recusar a decisão, atacando-a por via de recurso.
E assim sendo, nem se impunha que declarasse que procedia à entrega da quantia fixada na sentença cautelar com reserva do direito de recorrer.
Não pode, por conseguinte, extrair-se da circunstância de a entidade requerida ter procedido, em obediência à sentença cautelar, ao depósito à ordem do requerente da quantia nela fixada, a renúncia tácita ao direito de recorrer daquela mesma sentença, a que alude o artigo 632º nº 3 do CPC novo.
Improcedendo, por conseguinte, a suscitada questão prévia.
O que se decide.
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1.2 Do não cumprimento pela recorrente Federação Portuguesa de Futebol dos ónus em matéria de impugnação da decisão relativa à matéria de facto, a que aludem as alíneas a), b) e c) do nº 1 e alínea a) do nº 2 do artigo 640º do CPC novo, aplicável aos tribunais administrativos ex vi dos artigos 1º e 140º do CPTA.
Nas suas contra-alegações o recorrido ......................... pugnou também pela rejeição do recurso por violação do ónus em matéria de impugnação da decisão relativa à matéria de facto, a que alude o artigo 640º nº 1 alíneas a), b) e c) e nº 2 alínea a) do CPC novo, ex vi do artigo 140º do CPTA, que invoca, sustentando, em suma, que a recorrente Federação Portuguesa de Futebol não indicou, nas suas alegações de recurso, os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão diversa; nem qual a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto em causa, nem ainda as passagens da gravação dos depoimentos testemunhais que conduzirão a conclusão diversa com transcrição dos excertos considerados importantes.
Notificada, a recorrente Federação Portuguesa de Futebol pronunciou-se dizendo, no que respeita a esta questão, que não recorreu quanto ào julgamento da matéria de facto feito pelo Tribunal a quo na sentença recorrida, apenas tendo fundado o seu recurso na errada interpretação que o Tribunal fez dos factos que deu como provados, e que por conseguinte o que pretende é a revogação da sentença recorrida em função da interpretação da matéria de facto e não a modificação da decisão da matéria de facto, concluindo defendendo nada obstar ao conhecimento do recurso que interpôs, que entende dever merecer provimento.
O Parecer do(a) Digno(a) Magistrado(a) do Ministério Público (fls. 1606 ss.) vai no sentido do não conhecimento do objeto do recurso, pelos fundamentos que ali verteu.
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Apreciando e decidindo.
O artigo 640º do CPC novo (aprovado pela Lei nº 41/2013), correspondente ao artigo 685º-B do CPC antigo, com algumas alterações, aplicável aos processos dos tribunais administrativos ex vi dos artigos 1º e 140º do CPTA, impõe ao recorrente que impugne a matéria de facto o cumprimento de determinados ónus, sob pena de rejeição do recurso, sem cabimento de prévio despacho de aperfeiçoamento.
Assim, deve o recorrente, em tal caso:
i) especificar os “concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados” (nº 1 alínea a));
ii) especificar “a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas” (nº 1 alínea c));
iii) especificar “os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida” (nº 1 alínea a));
iv) no caso de os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas terem sido gravados, “indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, de poder proceder à respetiva transcrição dos excertos que considere relevantes” (nº 2 alínea a)).
Deste modo, o recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto deve ser de imediato rejeitado, sem cabimento de prévio despacho de aperfeiçoamento, sempre que o recorrente omita nas respetivas conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto aquelas indicações. No que constitui, como refere António Santos Abrantes Geraldes, inRecursos no Novo Código de Processo Civil”, 2014, Almedina, págs. 134 ss., uma maior exigência no que respeita à impugnação da matéria de facto, impondo, sem possibilidade de paliativos, aos recorrentes, regras muito específicas para a sua admissibilidade, e que é compreensível, a um tempo, por a pretensão de modificação do julgamento da matéria de facto, feito na 1ª instância, ser dirigida a tribunal de recurso que não intermediou na produção da prova, e a outro, como contraponto da reivindicação da atribuição aos tribunais de 2ª instância de efetivos poderes de sindicância da decisão sobre a matéria de facto, gerando assim um dever de autorresponsabilidade das partes, impedindo que impugnação genérica, vaga ou imprecisa do julgamento da matéria de facto feito pela 1ª instância (vide, ainda, a este respeito, Ana Luísa Geraldes, in “Impugnação e reapreciação da decisão da matéria de facto”, em Estudos em Homenagem ao Prof. José Lebre de Freitas, Vol. I, págs. 589 ss.).
Deste modo, quando resulte das conclusões de recurso que o recorrente põe em causa a matéria de facto dada como provada na sentença de que recorre, mas se constate que o recorrente não cumpre nas alegações de recurso os indicados ónus de especificação previstos no artigo 640º do CPC novo, deve ser rejeitado o recurso nessa parte (sem cabimento de prévio despacho de aperfeiçoamento). Mas só nessa parte, isto é, isto é, quanto ao recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto (vide, neste sentido, entre outros, o Acórdão deste TCA Sul de 18/12/2014, Proc. 11609/14, in, www.dgsi.pt/jtacs, de que fomos relatores). Permanecendo obviamente o recurso para apreciação dos demais fundamentos, de anulação ou revogação da decisão recorrida, que sejam invocados (se quanto a eles nenhuma outra questão obstar, naturalmente).
Sucede, no entanto, que como decorre dos termos em que o recorrente verteu os fundamentos do recurso nas suas alegações e que reconduziu às respetivas conclusões, este não dirige o recurso ao julgamento da matéria de facto feito pelo Tribunal a quo na sentença recorrida.
Na verdade o recorrente insurge-se é contra a solução jurídica adotada, entendendo que foi feita incorreta subsunção dos factos ao direito, pugnando, entre o demais, terem sido erradas as conclusões tiradas pelo Tribunal a quo a partir dos elementos factuais apurados para justificar a necessidade da entrega (provisória) ao requerente ........................., daquela quantia de 350.000,00 €. O que decorre, designadamente, das seguintes expressões que usa no corpo fundamentador do recurso, que se transcreve: «…o juízo valorativo feito pela Mmª Juíza ainda que pouco claro, ateve-se aos resultados globais de cada exercício por parte do requerente, e não à parte dos resultados de exercício que, em cada ano, poderiam corresponder aos jogos da Taça de Portugal e dos Campeonatos de Juniores A e C…» (vide pág. 8-9 das alegações de recurso); «…estes factos, contudo, assim inseridos na sentença, não nos permitem ajuizar da medida em que determinam a condenação que se segue pois que, como se disse ante, a decisão a proferir teria que, obrigatoriamente, separar os danos emergentes da sanção cuja anulação deu origem à presente execução, de que depende a providência agora em recurso, das demais sanções ainda em discussão judicial…» (vide pág. 11 das alegações de recurso); «….a leitura atenta dos relatórios certificados – referidos pela Mmª Juíza a quo, como consta de páginas 16 e 17 da sentença recorrida – permitiria extrair conclusão diversa da obtida na sentença, ou seja, a de que todos os elementos integradores da carência económica e das dificuldades sentidas pelo Requerente, do ponto de vista financeiro, já existiam em 2004/2005 e 2005/2006, ou seja, antes da suspensão disciplinar de que foi alvo e que agora fundamenta o pedido indemnizatório…» (vide pág. 13 das alegações de recurso); «…uma exaustiva e correta análise permitiria à Senhora Juíza recorrida decidir, fundamentadamente, de forma diametralmente oposta sobre a questão que lhe foi cometida e, seguramente, concluiria por um valor bem diverso daquele que veio a constar da sentença recorrida…» (vide pág. 13 das alegações de recurso); «…dos documentos juntos aos autos – e tão exaustivamente referenciados pela sentença recorrida – emerge absolutamente claro que a situação de carência económica antecede o ato que constitui causa de pedir da execução de sentença…» (vide pág. 13 das alegações de recurso).
E como manifestamente decorre das suas conclusões de recurso – e são estas que, como é sabido, delimitam o seu objeto, nos termos dos artigos 144º nº 2 e 146º nº 4 do CPTA e dos artigos 5º, 608º nº 2, 635º nºs 4 e 5 e 639º do CPC novo ex vi dos artigos 1º e 140º do CPTA – a recorrente Federação Portuguesa de Futebol não se insurgiu quanto ao julgamento da matéria de facto feita pelo Tribunal a quo na sentença recorrida.
Os ónus de especificação previstos no artigo 640º do CPC novo, a cargo do recorrente (de indicação dos “concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados”, da “decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas” e dos “concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida) estão reservados para quando este impugne a decisão relativa à matéria de facto.
Decorrendo das conclusões de recurso – e são estas que, como é sabido, delimitam o seu objeto, nos termos dos artigos 144º nº 2 e 146º nº 4 do CPTA e dos artigos 5º, 608º nº 2, 635º nºs 4 e 5 e 639º do CPC novo ex vi dos artigos 1º e 140º do CPTA – que a recorrente Federação Portuguesa de Futebol não se insurge quanto ao julgamento da matéria de facto feito pelo Tribunal a quo na sentença recorrida, não se lhe impõe, naturalmente, que cumpra tais identificados ónus de especificação previstos no artigo 640º do CPC novo, reservados para quando seja impugnada a decisão relativa à matéria de facto.
Na verdade, não incluindo o recurso interposto a impugnação da matéria de facto, já que o objeto do recurso a não abrange, não se põe sequer a questão da sua rejeição prevista no artigo 640º nº 1 do CPC novo, ex vi dos artigos 1º e 140º do CPTA.
Tendo, pois, que concluir-se pela improcedência da suscitada questão prévia.
O que se decide.
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Em face da improcedência das suscitadas questões prévias, e nada mais obstando ao conhecimento do mérito do presente recurso, importa dele tomar conhecimento.
Com efeito, se bem que o Ministério Público referira no seu Parecer que a recorrente apresenta «conclusões vagas e imprecisas que impedem este Tribunal Superior de apreciar o recurso», tal alusão, em face do contexto em que é feita, circunscreve-se à questão da impugnação da matéria de facto e respetivos ónus (questão, que, como se viu, é só aparente), entendendo designadamente que a recorrente «limita-se a exarar conclusões que não fundamenta, as quais não podem por si só ser objeto de apreciação por este Tribunal Superior, na medida em que implicariam um ficcionamento dos factos que o recorrente pretende sejam apreciados e valorados no julgamento do recurso» e que assim o Tribunal deve «abster-se de conhecer do recurso, nos termos do artigo 640º do CPC» sem prévio convite à reformulação das conclusões prevista no artigo 639º nº 3 do CPC.
Daí fazendo derivar dever abster-se este Tribunal de conhecer o mérito do recurso da Federação Portuguesa de Futebol, requerida no processo cautelar, e bem assim, e consequentemente, do recurso subordinado interposto pelo ........................., requerente da providência.
Mas, como já se disse, a falta de cumprimento dos ónus de especificação previstos no artigo 640º do CPC novo quando no recurso é impugnada a matéria de facto, só conduz à rejeição (sem cabimento de prévio despacho de aperfeiçoamento) nessa parte, isto é, quanto ao recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto, não havendo motivo para a rejeição total do recurso, que permanece, prosseguindo, para apreciação dos demais fundamentos, de anulação ou revogação da decisão recorrida, que sejam invocados (desde que, naturalmente, quanto a eles nenhuma outra questão obstar).
É o que sucede no caso.
Sendo certo que as alegações da recorrente Federação Portuguesa de Futebol dão satisfação, mesmo que mínima, às exigências previstas nos nºs 1 a 3 do artigo 639º do CPC novo. Não havendo, por conseguinte, sequer motivo para proceder ao convite prevista no nº 3 daquele mesmo artigo 639º do CPC.
Posto isto, importa passar ao conhecimento do mérito do recurso da recorrente Federação Portuguesa de Futebol, cabendo então apreciar e decidir se a sentença recorrida é nula, por verificação de alguma das razões enunciadas pelo recorrente, e se assim incorreu na violação dos dispositivos legais que invoca, e se deve ser revogada e substituída por decisão de improcedência da providência, ou se assim não se concluir, por decisão que fixe montante inferior.
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2. Do mérito do recurso da recorrente Federação Portuguesa de Futebol

2.1 Da invocada nulidade da sentença
Sustenta a recorrente Federação Portuguesa de Futebol que a sentença recorrida é nula, pelas seguintes razões:
- por ter condenado em quantidade superior e em objeto diverso do pedido - artigo 615º nº 1 alínea e) do CPC novo, ex vi do artigo 1º do CPTA – (conclusão 4ª);

- por o valor fixado a ser entregue ao Requerente não ter suporte nos factos e fundamentos em que a sentença se baseou, incorrendo assim em contradição com esses mesmos fundamentos – artigo 615º nº 1 alínea c) do CPC novo, ex vi do artigo 1º do CPTA – (conclusão 5ª);

- por o entendimento feito na sentença recorrida de que se encontra verificada situação de grave carência económica do requerente da providência carecer de falta de fundamento legal e factual – artigo 615º nº 1 alínea c) do CPC novo, aplicável, ex vi do artigo 1º do CPTA – (conclusão 6ª);

- por ao não ter sido apreciado o requerimento de prova ínsito na alínea c) do pedido final da sua contestação ter a Mmª Juíza do Tribunal a quo incorrido em omissão de pronúncia, implicando a nulidade da sentença – artigo 615º nº 1 alínea d) do CPC novo, ex vi do artigo 1º do CPTA – (conclusão 7ª).


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Vejamos.
Na sentença recorrida foi o seguinte o decidido pelo Tribunal a quo: «Nestes termos, e com os fundamentos supra expostos, concede-se parcial provimento à presente providência, e em consequência condena-se a requerida ao pagamento à requerente no prazo de 10 (dez) dias, da quantia de 350.000,00 (trezentos e cinquenta mil) euros
Decisão que assentou na seguinte fundamentação, assim vertida na sentença recorrida, que se passa a transcrever:
«- Da fundamentação de direito
A requerente vem mediante o presente processo cautelar peticionar a condenação da requerida a provisoriamente, e por conta da indemnização ou outras quantias que lhes pagará à posteriori, a quantia de 5.000.000,00 ( cinco milhões) de euros, pagos em 10 ( dez) prestações de 500.000,00 ( quinhentos mil) euros.

Pretendem, em suma, os Requerentes o arbitramento de quantia provisória.

A regulação provisória do pagamento de quantias mostra-se disciplinada no artº.133º/CPTA, o qual estipula o seguinte:
“Artº.133º
Regulação provisória do pagamento de quantias
1 – Quando o alegado incumprimento do dever de a Administração realizar prestações pecuniárias provoque uma situação de grave carência económica, pode o interessado requerer ao tribunal, a título de regulação provisória, e sem necessidade da prestação de garantia, a intimação da entidade competente a prestar as quantias indispensáveis a evitar a situação de carência.
2 – A regulação provisória é decretada quando:
a) Esteja adequadamente comprovada a situação de grave carência económica;
b) Seja de prever que o prolongamento da situação possa acarretar consequências graves e dificilmente reparáveis;
c) Seja provável que a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente.
3 – As quantias percebidas não podem exceder as que resultariam do reconhecimento dos direitos invocados pelo requerente, considerando-se o respetivo processamento como feito por conta das prestações alegadamente devidas em função das prestações não realizadas.”

Em face da previsão legal, a regulação provisória do pagamento de quantias, tem por objetivo a tutela de situações subjetivas para a efetivação do cumprimento de obrigações pecuniárias, de molde a evitar a verificação de situações de necessidade premente, e por isso, a presente providência tem a natureza de providência antecipatória, traduzida na regulação provisória da obrigação de pagamento, mediante a antecipação do pagamento de determinadas quantias, as quais visam tão-só obviar à verificação de uma situação de premente carência.

De salientar, que no âmbito de providência de reparação provisória mediante arbitramento de pagamento de uma quantia, in casu, tal como peticionado, sob a forma de pagamento faseado, em 10 prestações no valor individual de 500.000,00 euros, o requerente tem de alegar e fazer prova sumária do fundamento e dos pressuposto específicos, os quais consistem:
- na situação de necessidade;
- e, do nexo de causalidade entre a situação de necessidade;
- e, ainda, da existência indiciada da obrigação de indemnizar a cargo da entidade requerida, este último traduz-se no “ bonus fumus iuris” exigível numa providência antecipatória e à luz do disposto no artº.133º/2/c)/CPTA.

Ora, desde logo, refira-se que a ora requerente, nos autos de execução, em curso, formula um pedido indemnizatório contra a executada, agora requerida, no montante decorrente dos pedidos formulados naquela ação de execução de sentença:
i) Proceder ao pagamento das quantias pecuniárias correspondentes a € 5.493.883,58;
ii) Proceder ao pagamento de todos os juros vencidos e vincendos desde prática do ato ilícito até efetiva e completa liquidação, que nesta data se calculam em € 3.153.818,80;

refira-se, desde já, que o âmbito da tutela cautelar, nos termos e ao abrigo do disposto no artº. 133º/CPTA, permite concluir que o montante decretado é “por conta” do que há-de equivaler à condenação da ora requerida em sede dos autos de execução a título de indemnização, mas na medida do necessário para dirimir as dificuldades da ora requerente, isto é, não equivale a uma antecipação da definição do quantum da indemnização, nem tão pouco a fixar aquela indemnização, ainda que a pagar a título deferido.

Ora, da prova produzida, resulta que, necessariamente, a indemnização que a requerida terá que suportar não se restringe ao irrisório alegado pela requerida, traduzido nos pagamentos de inscrições, e no valor de cerca de 260,00 euros…o que nem sequer merece qualquer comentário… todavia, também se dirá, que o montante peticionado na execução poderá ter que menor, pois não responde a requerida pelo acumular do passivo da requerente, na íntegra, mas só na medida das consequências emergentes do ato anulado, e da prova documental, bem como da prova testemunhal, o que se apura é que a decisão da requerida da requerente ficar afastada da época desportiva 2006/2007 teve consequências nefastas, as quais acabaram por contagiar os exercícios seguintes, pelos prejuízos causados, até considerando o tipo de clube desportivo, em causa, e por conseguinte, e para a persente providência, o que é conclusivo, é que:

1º - A requerida está obrigada a indemnizar a requerente, o que se mostra provado, indiciariamente, face a correr já ação de execução, e está a requerida obrigada a indemnizar a requerente;

2º - O pedido de regulação provisória reporta-se à antecipação, e por conta daquela indemnização, de molde a minorar a situação de carência económico -financeira, da ora requerente, provando-se a existência do exigido nexo de causalidade;

3º - Bem como se provou da necessidade de arbitrar a favor requerida de quantia provisória de molde a fazer face á situação precária económico -financeira, que de imediato afeta a ora requerente tem quês e reportar às obrigações de pagamentos de salários e dividas a fornecedores, acrescida de alguma margem económica de molde a que o clube possa fazer face às suas atividades normais.

Assim, e face ao exposto, apura-se nos presentes autos – mesmo indiciariamente – da obrigação da requerida a indemnizar a requerente, a título de responsabilidade civil extra-contratual por factos ilícito, o que assume relevância nos presentes autos, porquanto por se tratar de providência antecipatória o requisito do “fumus iuris” é de maior exigência, inclusive por força do disposto no artº. 133º/2/c)/CPTA , que acaba por dar acolhimento ao “fumus iuris” do artº. 120º/1/c)/CPTA, isto é, impõe a formulação de juízo quanto à procedibilidade da pretensão a formular no processo principal, o que aqui fica restrito ao quantum da indemnização, porquanto a requerida já foi condenada na ação declarativa, estando a correr a ação de execução, e por isso, é de concluir que a requerentes cumpriu com o especial ónus de alegação de factos e prova sumária do bem fundado da pretensão a deduzir no processo principal.

Além disso, mostra-se provado nos autos que a decisão ilegal da requerida causou danos à requerente, e teve por efeito transmitir-se tais danos às épocas seguintes, e que contribuiu, em grande medida, para a situação económica da ora requerente, e ainda que se sustente tese diversa, o certo é que aquela decisão agravou a situação económica da requerente e colocou-a numa situação de gravado incumprimento perante funcionários e fornecedores, por exemplo, o que é imputável à requerida, e o que se tem agravado até pelo facto da demora no ressarcimento da requerente com o decurso do tempo motivado pelos processos judiciais, e pela falta de cumprimento voluntário da requerida da decisão declarativa, e que levou à necessidade da requerente interpor a devida acção de execução.

Impõe-se, neste âmbito, da persente providência cautelar, apenas fixar quantum de molde a atenuar os efeitos económicos, sofridos pela requerente, na sequência da aludida decisão ilegal, neste âmbito, o juízo a formular para os efeitos do disposto no artº. 133º/2/c)/CPTA resulta como positivo, isto é, da probabilidade da requerente vir a obter uma indemnização compensatória pela decisão ilegal tomada pela requerida, de interdição da requerente na época desportiva 2006/2007. E, por se destinar a fazer face de necessidade, e não a “adiantar” o pagamento da indemnização a fixar e devida pela requerida, atentos os montantes em divida da requerente, a título de remunerações e de fornecedores, e tendo em conta os diferencias das contas certificadas dos anos de 2005 a 2013, julga-se como adequado fixar a título de regulação provisória o pagamento pela requerida à requerente do montante de 350.000,00 (trezentos e cinquenta mil) euros, sendo que tal quantia ainda permite que a requerente fique numa situação de debilidade económica, mas o certo é que em face da prova produzida e do disposto no artº.133º/2/c)/CPTA, não pode o tribunal arbitrar outras quantias a título provisório, estando, ainda em aberto o patamar máximo da indemnização a arbitrar na ação de execução.”

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As situações de nulidade da sentença encontram-se legalmente tipificadas no artigo 615º nº 1 do CPC novo (aprovado pela Lei nº 41/2013), correspondente ao artigo 668º nº 1 do CPC anterior, cuja enumeração é taxativa, comportando causas de nulidade de dois tipos, as de carácter formal (alínea a)) e as respeitantes ao conteúdo da decisão (alíneas b) a e)).
Dispõe, assim, o nº 1 daquele artigo 615º do CPC novo, o seguinte: “É nula a sentença quando:
a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar -se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.”
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2.1.1 – Da invocada nulidade da sentença por ter condenado em quantidade superior e em objeto diverso do pedido - artigo 615º nº 1 alínea e) do CPC novo, ex vi do artigo 1º do CPTA – (conclusão 4ª)
A recorrente Federação Portuguesa de Futebol começa por invocar que a sentença é nula nos termos da alínea e) do nº 1 do artigo 615º do CPC novo, aplicável ex vi do artigo 1º do CPTA, por ter condenado em quantidade superior e em objeto diverso do pedido (vide conclusão 4ª). Sustenta, em suma, a este respeito, que ao deferir parcialmente o pedido cautelar, condeno-a a pagar ao ......................... a quantia de 350.000,00 €, a sentença recorrida valorou mais do que a matéria que constitui causa de pedir, ou seja, que a quantia atribuída ao requerente cautelar teve por base todas as sanções sofridas pelo mesmo e não apenas, como competia, as sanções que são a única e exclusiva causa de pedir nos presentes autos: a sanção disciplinar de suspensão de participação na Taça de Portugal e nos Campeonatos Nacionais de Juniores A e C, durante uma época desportiva 2006/2007 e que, assim decidindo, a sentença recorrida condenou em quantidade superior e em objeto diverso do pedido, com violação do disposto no artigo 615º nº 1 alínea e) do CPC novo, aplicável ex vi do artigo 1º do CPTA.
A nulidade da sentença por excesso de pronúncia está diretamente relacionada com os comandos insertos no artigo 608º nº 2, segunda parte e artigo 609º nº 1 do CPC novo (correspondes aos artigos 660º e 661º do CPC antigo) de acordo com os quais, respetivamente, o juiz “deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada para a solução dada a outras”, não podendo a sentença “condenar em quantidade superior ou em objeto diverso do que se pedir”.
O limite à condenação na sentença, assim previsto no CPC, surge como corolário do princípio do dispositivo (cfr. artigos 5º nº 1 do CPC novo, correspondente ao artigo 264º nº 1 e 664º, 2ª parte, do CPC antigo) e visa impedir que o Tribunal se pronuncie para além daquilo que lhe foi pedido pelas partes quer em termos quantitativos quer qualitativos. De modo que limitado pelos pedidos das partes, seja em termos de ação, seja em termos de defesa, o juiz não pode, na sentença, deles extravasar, não podendo pronunciar-se sobre mais do que o que foi pedido ou sobre coisa diversas daquela que foi pedida. De modo que o objeto da sentença deve coincidir com o objeto do processo, não podendo o juiz ficar aquém nem ir além do que lhe foi pedido – vide a este respeito, Miguel Teixeira de Sousa, in “Estudos sobre o Novo Processo Civil”, Lex, Lisboa, 1997, pág. 222 ss., José Lebre de Freitas, in “Código de Processo Civil Anotado”, 2º Vol. Coimbra Editora, pág. 648 ss..
Princípio que, ainda assim, sofre em sede cautelar uma compressão por força do disposto no nº 3 do artigo 120º do CPTA, de acordo com o qual pode o tribunal, ouvidas as partes, “adotar outra ou outras providências, em cumulação ou em substituição daquela ou daquelas que tenham sido concretamente requeridas, quando tal se revele adequado”.
O requerente ........................., instaurou o presente processo cautelar contra a recorrente Federação Portuguesa de Futebol na pendência de processo de execução de sentença anulatória proferida em ação administrativa especial (Proc. nº 2904/06.8BELSB-A) em que um e outro são, respetivamente, exequente e executada.
Na Petição Inicial do presente processo cautelar foi formulado o seguinte pedido nos seguintes termos:
«Requer-se a V. Exa. Que considere procedente, por provada, a presente Providência Cautelar de Regulação Provisória do Pagamento de Quantias e, em consequência, seja decretada a intimação da Entidade Requerida a prestar ao Requerente a quantia de 5.000.000,00 (cinco milhões de euros) sob a forma de renda mensal no montante de € 500.000,00 (quinhentos mil euros) a pagar em 10 (dez) prestações mensais e sucessivas, indispensável a evitar a situação de grave carência económica do Requerente».

Sendo que no Processo de Execução (Proc. nº 2904/06.8BELSB-A) o aqui requerente ......................... reclama, a título de indemnização pelo prejuízo causado pela sanção disciplinar que lhe foi aplicada pela Federação Portuguesa de Futebol – de suspensão de participação na Taça de Portugal e nos Campeonatos Nacionais de Juniores A e C na época desportiva de 2006/2007, sanção disciplinar que foi judicialmente anulada (no Proc. nº 2904/06.8BELSB), mas que entretanto já havia sido integralmente cumprida – a quantia de 5.493.888,58 €, acrescida de juros de mora.
Temos assim que o pedido formulado no presente processo cautelar foi o decretação de providência cautelar de regulação provisória de pagamento de quantias, consistente na entrega, por conta da quantia indemnizatória que peticiona no processo de execução, do montante total de 5.000.000,00 €, a efetuar em 10 entregas mensais sucessivas de 500.000,00 € cada.
Assim balizado pelo requerente na sua petição inicial, o pedido cautelar formulado, tem inelutavelmente que concluir-se que tendo a Mmª Juiz do Tribunal a quo condenado a Federação Portuguesa de Futebol a pagar ao requerente ........................., numa entrega única, a quantia de 350.000,00 €, não condenou nem em quantidade superior nem em objeto diverso do pedido, já que observa tanto a natureza (objeto) do pedido cautelar («entrega provisória de quantias»), como o quantum solicitado. Sendo que quanto a este o valor fixado na sentença cautelar recorrida encontra-se situado dentro dos dois valores limite, balizados pelo requerente no seu pedido cautelar (lembre-se, de 5.000.000,00 €/ valor global, e de 500.000,00 €/tranches mensais).
Assim, se a sentença cautelar não condenou nem em quantidade superior nem em objeto diverso do pedido, por observar tanto a natureza (objeto) do pedido cautelar («entrega provisória de quantias»), como o quantum solicitado, não incorre na nulidade prevista na alínea e) do nº 1 do artigo 615º do CPC novo, ex vi do artigo 1º do CPTA.
Tem, pois, que concluir-se que a sentença recorrida não incorre na nulidade prevista na alínea e) do nº 1 do artigo 615º do CPC novo, ex vi do artigo 1º do CPTA, improcedendo nesta parte o recurso.
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Distinta é a questão se saber se a sentença recorrida, ao fixar aquela quantia, atendeu (erradamente, no entender da recorrente) ao efeito causado pela aplicação (simultânea) de outras sanções disciplinares ao requerente ........................., e não apenas (como entende que devia ter sido feito) às sanções disciplinares que foram anuladas pela sentença judicial (a suspensão de participação na Taça de Portugal e nos Campeonatos Nacionais de Juniores A e C, na época desportiva de 2006/2007). Tal questão, a proceder, não é causa de nulidade da sentença, antes consubstanciando erro de julgamento, por errada consideração de factos e circunstâncias que, no entender da recorrente, não deveriam ter sido atendidas, por não constituírem causa da situação de “grave carência económica” a que alude o artigo 133º nºs 1 e 2 do CPTA, alegada pelo requerente e dada como verificada pelo Tribunal a quo, não podendo ser atendidas, no seu entender, para o estabelecimento da relação de nexo causal que considera necessário. Questão que, a ser procedente o que poderá eventualmente conduzir é à revogação da sentença recorrida. O que se verá em momento próprio.
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2.1.2 – Da invocada nulidade da sentença por contradição entre os fundamentos e a decisão - artigo 615º nº 1 alínea c) do CPC novo, ex vi do artigo 1º do CPTA – (conclusão 5ª)
Invoca também a recorrente Federação Portuguesa de Futebol que a sentença é nula nos termos da alínea c) do nº 1 do artigo 615º do CPC novo, aplicável ex vi do artigo 1º do CPTA, por contradição entre os fundamentos e a decisão por o valor fixado na sentença recorrida, a ser entregue ao Requerente, não ter suporte nos factos e fundamentos em que a sentença se baseou (vide conclusão 5ª das alegações de recurso).
Em sintonia com o comando constitucional inserto no artigo 205º nº 1 da CRP dispõe o artigo 154º do CPC novo sob a epígrafe “dever de fundamentar a decisão” (correspondente ao artigo 158º do CPC antigo), que “as decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas” (nº 1), não podendo a justificação consistir “na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição, salvo quando, tratando-se de despacho interlocutório, a contraparte não tenha apresentado oposição ao pedido e o caso seja de manifesta simplicidade” (nº 2).
A fundamentação das decisões jurisdicionais, para além de visar persuadir os interessados sobre a correção da solução legal encontrada pelo Estado, através do seu órgão jurisdicional, tem como finalidade elucidar as partes sobre as razões por que não obtiveram ganho de causa, para as poderem impugnar perante o tribunal superior, desde que a sentença admita recurso, e também para este tribunal poder apreciar essas razoes no momento do julgamento.
Nessa decorrência a nulidade da sentença por contradição entre a decisão e os fundamentos prevista na alínea c) do nº 1 do artigo 615º do CPC novo (correspondente ao artigo 668º do CPC antigo) tem como premissa a violação do necessário silogismo judiciário que deve existir em qualquer decisão judicial. Com efeito entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica. De modo que se o julgador seguir determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão e, em vez de a tirar, decidir noutro sentido, oposto ou divergente, tal oposição será causa de nulidade da sentença – vide a este respeito Alberto dos Reis, in “Código de Processo Civil Anotado”, Coimbra Editora; Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, in “Manual de Processo Civil”, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, págs. 689 ss; José Lebre de Freitas, in “Código de Processo civil Anotado”, 2º Vol., Coimbra Editora, 2001, pág. 670, e Luís Filipe Brites Lameiras, in, “Notas Práticas ao Regime dos Recursos em Processo Civil”, Almedina, 2009, pág. 36 ss..
Para que ocorra nulidade da sentença por contradição entre a decisão e os fundamentos prevista na alínea c) do nº 1 do artigo 615º tem que se estar perante um paradoxo ou incoerência de raciocínio, de modo que as premissas consideradas (fundamentos) não poderiam conduzir, de forma lógica, à conclusão (decisão) a que se chegou, mas a outra, oposta ou divergente.
Como é bom de ver, da contraposição entre o decidido na sentença recorrida e os respetivos fundamentos nela externados (que já se reproduziu supra) é manifesto não se verificar qualquer contradição entre a providência cautelar decretada, consistente na condenação da requerida Federação Portuguesa de Futebol a pagar ao requerente ......................... a quantia de 350.000,00 €, por conta do valor indemnizatório por este reclamado no Processo de Execução (Proc. nº 2904/06.8BELSB-A), e os respetivos fundamentos, se estes passam, precisamente, pela conclusão, tirada pelo juiz cautelar, de que se encontram verificados os requisitos para a decretação da providência, mormente o da “grave carência económica” a que alude o artigo 133º nºs 1 e 2 do CPTA, de verificação necessária para que possa ser decretada uma providência cautelar de regulação provisória de pagamento de quantias.
E não incorre na nulidade prevista na alínea c) do nº 1 do artigo 615º do CPC novo a sentença cautelar na qual é decretada providência cautelar de regulação provisória de pagamento de quantias, consistente na condenação da entidade requerida a entregar ao requerente a quantia fixada, por conta do valor indemnizatório reclamado no processo principal, se os fundamentos da decisão passam pela conclusão, tirada pelo juiz cautelar, de que se encontram verificados os requisitos para a decretação da providência, mormente o da “grave carência económica” a que alude o artigo 133º nºs 1 e 2 do CPTA, de verificação necessária para que possa ser decretada a pretendida providência.
Quando muito o que poderá ocorrer é erro de julgamento por errada subsunção dos factos ao direito, se, como alega o recorrente, os factos dados como provados na sentença recorrida não serem de molde a fixar-se o montante a entregar no valor que foi declarado na sentença recorrida.
Tem, pois, que concluir-se que a sentença recorrida não incorre na nulidade prevista na alínea c) do nº 1 do artigo 615º do CPC novo, ex vi do artigo 1º do CPTA, improcedendo nesta parte o recurso.
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2.1.3 – Da invocada nulidade da sentença por falta de fundamento legal e factual - artigo 615º nº 1 alínea c) do CPC novo, ex vi do artigo 1º do CPTA – (conclusão 6ª)
Invoca ainda a recorrente Federação Portuguesa de Futebol que a sentença recorrida é nula nos termos do artigo 615º nº 1 alínea c) do CPC novo, ex vi do artigo 1º do CPTA, por carecer de fundamento legal e factual o entendimento nela feito de que se encontra verificada “situação de grave carência económica” do requerente da providência cautelar (vide conclusão 6ª das alegações de recurso), defendendo que a situação económica do requerente ......................... é praticamente a mesma desde 2004/2004 a 2012/2013, e que assim não se podia considerar verificado o requisito de “situação de grave carência económica” previsto no artigo 133º do CPTA.
Importa relembrar novamente que as situações de nulidade da sentença são as legalmente tipificadas no artigo 615º nº 1 do CPC novo, cuja enumeração é taxativa.
Sendo certo que as situações de falta de fundamentação, de facto e de direito, da decisão, motivadoras da sua nulidade, se encontram enunciadas na alínea b) do nº 1 daquele artigo 615º. Reportando-se a alínea c) daquele mesmo nº 1 às situações em que “os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível”.
Ora a invocação feita pela recorrente não se subsume nem numa nem noutra causa de nulidade da sentença. Sendo certo que para que se esteja perante falta de fundamentação da sentença, geradora da sua nulidade ao abrigo da alínea e) do nº 1 do artigo 615º, é mister que o juiz omita totalmente a especificação dos factos que hão-de suportar a decisão que profere ou as razões de direito, já que só a falta absoluta de fundamentos é causa de nulidade da sentença (vide, entre outros, os Acórdãos do STA de 14/07/2008, Proc. n.º 510/08; de 03/12/2008, Proc. n.º 540/08; de 01/09/2010, Proc. n.º 653/10; de 07/12/2010, Proc. n.º 1075/09; de 02/03/2011, Proc. n.º 881/10; de 07/11/2012, Proc. n.º 1109/12; de 29/01/2014, Proc. n.º 1182/12; de 12/03/2014, Proc. n.º 1404/13, in, www.dgsi.pt/jsta). E que para que ocorra nulidade da sentença por contradição entre a decisão e os fundamentos prevista na alínea c) do nº 1 do artigo 615º tem que se estar perante um paradoxo ou incoerência de raciocínio, de modo que as premissas consideradas (fundamentos) não poderiam conduzir, de forma lógica, à conclusão (decisão) a que se chegou, mas a outra, oposta ou divergente.
Quando muito, mais uma vez, o que poderá ocorrer, a concluir-se no sentido propugnado pelo recorrente, de que não se podia considerar verificado o requisito de “situação de grave carência económica” previsto no artigo 133º do CPTA por a situação económica do requerente ......................... ser praticamente a mesma desde 2004/2004 a 2012/2013, é erro de julgamento, por errada subsunção dos factos à norma jurídica.
Tem assim que concluir-se que a sentença recorrida não incorre, com este fundamento, na nulidade prevista na alínea c) do nº 1 do artigo 615º do CPC novo, ex vi do artigo 1º do CPTA, improcedendo igualmente nesta parte o recurso.
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2.1.4 – Da invocada nulidade da sentença por omissão de pronúncia - artigo 615º nº 1 alínea d) do CPC novo, ex vi do artigo 1º do CPTA – (conclusão 7ª)
Invoca por último a recorrente Federação Portuguesa de Futebol que a sentença recorrida é nula, por omissão de pronúncia, nos termos da alínea d) do nº 1 do artigo 615º do CPC novo, por não ter sido apreciado o requerimento de prova ínsito na alínea c) do pedido final da contestação da recorrente Federação Portuguesa de Futebol (vide conclusão 7ª das suas alegações de recurso).
A nulidade da sentença por omissão de pronúncia está diretamente relacionada com o comando inserto na primeira parte do nº 2 do artigo 608º do CPC novo (correspondente ao artigo 660º do CPC antigo), de acordo com o qual o juiz “deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada para a solução dada a outras”.
Tal nulidade serve assim de cominação ao desrespeito de tal dever e só ocorre quando o juiz não conheça de questões essenciais para dirimir a lide que as partes tenham submetido à sua apreciação, traduzidas no binómio pedido/causa de pedir e cujo conhecimento não esteja prejudicado pela decisão dada a outras (vide a este respeito, entre outros, os Acórdãos deste TCA de 18/12/2014, Proc. 11481/14; de 11/02/2010, Proc. 05531/09 e de 09/07/2009, Proc. 03804/08, in, www.dgsi.pt/jtcas e o Acórdão do STA de 11/02/2009, Proc. 0217/08, in, www.dgsi.pt/jsta).
Trata-se, como diz Miguel Teixeira de Sousa, in “Estudos sobre o novo Processo Civil”, Lex, Lx 1997, págs. 220 e 221, do “corolário do princípio da disponibilidade objetiva (art. 264.º, n.º 1 e 664.º, 2.ª parte)” que “significa que o tribunal deve examinar toda a matéria de facto alegada pelas partes e analisar todos os pedidos formulados por elas, com exceção apenas das matérias ou pedidos que forem juridicamente irrelevantes ou cuja apreciação se tornar inútil pelo enquadramento jurídico escolhido ou pela resposta fornecida a outras questões.” Acrescentando este autor que “o tribunal não tem de se pronunciar sobre todas as considerações, razões ou argumentos apresentados pelas partes, desde que não deixe de apreciar os problemas fundamentais e necessários à decisão da causa”.
Sucede que na situação dos autos a invocada omissão de pronunciar, a ter ocorrido, há-de ser assacada não à sentença recorrida, que atenha-se, foi proferida após a realização da diligência de inquirição de testemunhas que foi determinada pela Mmª Juiz do Tribunal a quo no seu despacho de 23/04/2014 (fls. 455/SITAF), de que as partes foram oportunamente notificadas (cfr. fls. 458-460/SITAF), a qual teve lugar em 27/05/2014, com inquirição de testemunhas arroladas quer pelo requerente quer pela requerida, ali identificadas (cfr. ata de fls. 528 ss./SITAF), no termo da qual foi ainda determinado por despacho proferido pela Mmª Juiz do Tribunal a quo a junção aos autos dos documentos ali identificados. Não tendo em qualquer daqueles momentos a Mmª Juiz tomado posição quanto à produção de prova pericial que a requerida Federação Portuguesa de Futebol havia requerido a final da sua contestação nos seguintes termos:
«c) prova pericial, através de auditoria à contabilidade do exequente, a realizar por peritos auditores, que determinem quais os danos prováveis que o exequente possa ter sofrido em consequência do ato ora anulado».
Ora de harmonia com o disposto no artigo 118º nº 3 do CPTA “o juiz pode ordenar as diligências de prova que considere necessárias”. Do que resulta que tal normativo não obriga o juiz cautelar a realizar diligências que considere desnecessárias, antes lhe conferindo o poder de recusar diligências quando as considere dispensáveis. Porém, requerida como foi pela entidade requerida na sua contestação a produção de prova pericial, impunha-se à Mmª Juiz do Tribunal a quo, sob pena de nulidade por omissão de pronúncia (a que alude a alínea d) do nº 1 do artigo 615º do CPC novo, ex vi do artigo 1º do CPTA) do próprio despacho que apreciou os requerimentos de prova juntos com os articulados, que tivesse tomado posição quanto à requerida prova pericial, como decorre do disposto no artigo 613º nº 3 do CPC novo, de acordo com o qual é de aplicar aos próprios despachos (“até onde seja possível”) as causas de nulidade da sentença ali previstas.
A invocada omissão de pronúncia, consistente na falta de tomada de posição do Tribunal a quo quanto à requerida prova pericial, não é assacável à sentença objeto do presente recurso. A verificar-se ela ocorrerá em momento anterior.
Tem assim que concluir-se que a sentença recorrida não padece da invocada nulidade por omissão de pronúncia prevista na alínea d) do nº 1 do artigo 615º do CPC novo, ex vi do artigo 1º do CPTA. Já que não era nela que a Mmª Juiz do Tribunal tinha que tomar posição quanto à requerida prova pericial, mas no despacho anterior no qual tomou posição quanto aos demais meios probatórios requeridos, incluindo a produção de prova testemunhal, que admitiu e veio a realizar.
Sendo certo que o recurso interposto não vem dirigido contra qualquer dos despachos (interlocutórios) que se pronunciaram quanto à prova requerida, e podia tê-lo sido em conformidade com o disposto no artigo 142º nº 5 do CPTA. Sendo certo que de todo o modo à luz do artigo 660º do CPC novo só seria de dar provimento a tal eventual recurso se infração cometida pudesse modificar aquela decisão ou se, independentemente dela, o provimento tivesse interesse para o recorrente.
Acrescendo dizer que ainda que a recorrente tivesse configurado a situação que invoca como nulidade processual, consistente na omissão de ato com influência no exame e decisão da causa (cfr. artigo 195º nº1 do CPC novo), uma vez que não se está, no caso, perante uma nulidade coberta ou assumida pela própria sentença recorrida (vide a respeito da admissibilidade da arguição e conhecimento em sede de recurso das nulidades processuais cobertas ou assumidas por decisões judiciais, na doutrina, Alberto dos Reis, in, “Comentário ao Código de Processo Civil”, 2.º, págs. 507 e ss., Manuel de Andrade, in, “Noções Elementares de Processo Civil”, pág. 182, e na jurisprudência, entre outros, os Acórdãos do STA de 28/03/2012, Proc. 01178/11, de 28/03/2012, Proc. 0934/11 e de 15/09/2011 (do Pleno), Rec. 505/10-20; deste TCA Sul de 03/11/2011, Proc. 07960/11 e do TCA Norte de 27/10/2011, Proc. 00647/10, todos in www.dgsi.pt), deveria ter sido oportunamente arguida, perante a Mmª Juiz do Tribunal a quo (cfr. artigos 196º e 197º do novo CPC). E era a decisão que viesse a ser proferida pelo Tribunal a quo, quanto a tal arguição, que poderia ser impugnada pela via recursória, segundo o princípio que permanece válido no atual direito processual, de acordo com o qual «das nulidades reclama-se das decisões recorre-se», agora com a limitação constante do artigo 630º nº 2 do CPC novo, nos termos do qual “não é admissível recurso das decisões… proferidas sobre as nulidades previstas no nº 1 do artigo 195º … salvo se contenderem com os princípios da igualdade ou do contraditório, com a aquisição processual de factos ou com a admissibilidade de meios probatórios” – vide a este respeito António Santos Abrantes Geraldes, in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 2014, 2ª Edição, pág. 24.
Aqui chegados, tem que concluir-se não se encontra a sentença recorrida ferida da invocada nulidade por omissão de pronúncia prevista na alínea d) do nº 1 do artigo 615º do CPC novo, ex vi do artigo 1º do CPTA, improcedendo igualmente nesta parte o recurso.

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Não se mostrando a sentença recorrida ferida de nulidade, por qualquer dos fundamentos invocados, nos termos supre decididos, vejamos agora se deve a mesma ser revogada e substituída por decisão de improcedência da providência, ou, se assim não se concluir, por decisão que fixe montante inferior ao que nela foi determinado, pelos invocados erros de julgamento.

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2.2 Dos invocados erros de julgamento
Sustenta a recorrente Federação Portuguesa de Futebol que ao deferir parcialmente o pedido cautelar, condeno-a a pagar ao requerente ......................... a quantia de 350.000,00 €, a sentença recorrida valorou mais do que a matéria que constitui causa de pedir, ou seja, que a quantia atribuída ao requerente cautelar teve por base todas as sanções sofridas pelo mesmo e não apenas, como competia, as sanções que são a única e exclusiva causa de pedir nos presentes autos: a sanção disciplinar de suspensão de participação na Taça de Portugal e nos Campeonatos Nacionais de Juniores A e C, durante uma época desportiva 2006/2007 (vide conclusão 4ª das suas alegações de recurso). Importa, assim, aferir se a sentença recorrida, ao fixar aquela quantia, atendeu erradamente, como propugna a recorrente Federação Portuguesa de Futebol, ao efeito causado pela aplicação (simultânea) de outras sanções disciplinares ao requerente ........................., e não apenas, como entende que devia ter sido feito, às sanções disciplinares que foram anuladas pela sentença judicial cuja execução é objeto do processo principal a que respeita o presente processo cautelar (Proc. nº 2904/06.8BELSB-A): a suspensão de participação na Taça de Portugal e nos Campeonatos Nacionais de Juniores A e C, na época desportiva de 2006/2007. Questão que, a proceder, consubstancia erro de julgamento, por errada consideração de factos e circunstâncias que (no entender da recorrente) não deveriam ter sido atendidas, por não constituírem causa da situação de “grave carência económica” a que alude o artigo 133º nºs 1 e 2 do CPTA, alegada pelo requerente e dada como verificada pelo Tribunal a quo, não podendo ser atendidas, no seu entender, para o estabelecimento da relação de nexo causal que considera necessário.
Invoca também a recorrente Federação Portuguesa de Futebol que o valor fixado na sentença recorrida não tem suporte nos factos e fundamentos em que a sentença se baseou (vide conclusão 5ª das alegações de recurso). Importa, assim, aferir se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento, por errada subsunção dos factos ao direito, por os factos dados como provados na sentença recorrida não serem de molde a fixar-se o montante a entregar no valor que foi declarado na sentença recorrida.
Invoca ainda a recorrente Federação Portuguesa de Futebol que carece de fundamento legal e factual o entendimento feito na sentença recorrida de que se encontra verificada “situação de grave carência económica” do ........................., requerente da providência cautelar, defendendo que a sua situação económica é praticamente a mesma desde 2004/2004 a 2012/2013, e que assim não se podia considerar verificado o requisito de “situação de grave carência económica” previsto no artigo 133º do CPTA (vide conclusão 6ª das alegações de recurso). Pelo que importa aferir se a sentença recorrida incorre em erro de julgamento, por errada subsunção dos factos à norma jurídica ínsita no artigo 133º do CPTA, por não se poder ter por verificado o requisito de “situação de grave carência económica” ali previsto.
Vejamos.
Nos termos das disposições conjugadas das alíneas a), b) e c) do nº 1 e do nº 2 do artigo 120º do CPTA as providências cautelares são adotadas quando seja evidente a procedência da pretensão formulada ou a formular no processo principal” (alínea a)) ou quando estando em causa a adoção de uma providência conservatória, haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal e não seja manifesta a falta de fundamento da pretensão formulada ou a formular nesse processo ou a existência de circunstâncias que obstem ao seu conhecimento de mérito” (alínea b)), ou “quando, estando em causa a adoção de uma providência antecipatória, haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente pretende ver reconhecidos no processo principal e seja provável que a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente” (alínea c)) e desde que, nestes dois últimos casos, devidamente ponderados os interesses públicos e privados em presença, os danos que resultariam da sua concessão não se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua recusa, sem que possam ser evitados ou atenuados pela adoção de outras providências (nº 2).
Na situação dos autos o requerente ......................... instaurou o presente processo cautelar contra a recorrente Federação Portuguesa de Futebol na pendência de processo de execução (Proc. nº 2904/06.8BELSB-A) de sentença anulatória proferida em ação administrativa especial, em que um e outro são, respetivamente, exequente e executada.
Na Petição Inicial do presente processo cautelar foi formulado o seguinte pedido nos seguintes termos:
«Requer-se a V. Exa. Que considere procedente, por provada, a presente Providência Cautelar de Regulação Provisória do Pagamento de Quantias e, em consequência, seja decretada a intimação da Entidade Requerida a prestar ao Requerente a quantia de 5.000.000,00 (cinco milhões de euros) sob a forma de renda mensal no montante de € 500.000,00 (quinhentos mil euros) a pagar em 10 (dez) prestações mensais e sucessivas, indispensável a evitar a situação de grave carência económica do Requerente».

Sendo que no Processo de Execução (Proc. nº 2904/06.8BELSB-A) o aqui requerente ......................... reclama, a título de indemnização pelo prejuízo causado pela sanção disciplinar que lhe foi aplicada pela Federação Portuguesa de Futebol – de suspensão de participação na Taça de Portugal e nos Campeonatos Nacionais de Juniores A e C na época desportiva de 2006/2007, sanção disciplinar que foi judicialmente anulada (no Proc. nº 2904/06.8BELSB), mas que entretanto já havia sido integralmente cumprida – a quantia de 5.493.888,58 €, acrescida de juros de mora.
Temos assim que o pedido formulado no presente processo cautelar foi o de decretação de providência cautelar de regulação provisória de pagamento de quantias, consistente na entrega, do montante total de 5.000.000,00 €, a efetuar em 10 entregas mensais sucessivas de 500.000,00 € cada, por conta da quantia indemnizatória que o requerente peticiona no processo de execução.
Como corretamente se entendeu na sentença recorrida trata-se de providência cautelar de natureza antecipatória, a qual se mostra disciplinada pelo artigo 133º do CPTA, que dispõe o seguinte:
“Artº.133º
Regulação provisória do pagamento de quantias
1 – Quando o alegado incumprimento do dever de a Administração realizar prestações pecuniárias provoque uma situação de grave carência económica, pode o interessado requerer ao tribunal, a título de regulação provisória, e sem necessidade da prestação de garantia, a intimação da entidade competente a prestar as quantias indispensáveis a evitar a situação de carência.
2 – A regulação provisória é decretada quando:
a) Esteja adequadamente comprovada a situação de grave carência económica;
b) Seja de prever que o prolongamento da situação possa acarretar consequências graves e dificilmente reparáveis;
c) Seja provável que a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente.
3 – As quantias percebidas não podem exceder as que resultariam do reconhecimento dos direitos invocados pelo requerente, considerando-se o respetivo processamento como feito por conta das prestações alegadamente devidas em função das prestações não realizadas.”


A regulação provisória de pagamento de quantias, a que se refere este artigo, pode consistir no pagamento uma quantia “por conta de prestações alegadamente devidas” ou “a título de reparação provisória” (cfr. alínea e) do nº 2 do artigo 122º do CPTA), visando a tutela de situações subjetivas que se dirijam obtenção do cumprimento de obrigações pecuniária, por forma a obviar a situações prementes de carência. Trata-se, assim, de uma providência cautelar antecipatória que consiste na imposição à entidade requerida do dever de pagar, a título provisório, uma quantia, por conta da alegada dívida para com ele, destinada a afastar a situação de carência económica do requerente. O direito definitivo às prestações ou à quantia indemnizatória só se efetivará com o vencimento da causa principal. De modo que, se o dever de pagar a quantia vier, mais tarde, a ser imposto por decisão proferida no processo principal, o montante antecipadamente pago será deduzido ao valor a pagar, se este for superior, e se este for superior a entidade requerida terá direito à restituição da diferença, cabendo-lhe ainda direito à restituição integral do que tiver pago a título provisório se a providência decretada vier a caducar, mormente por improcedência da ação principal (cfr. artigos 123º nº 1 e 133º nº 3 do CPTA) – vide a este respeito Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, in “Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, Almedina, 2005, pág. 673 ss..
Com base na matéria de facto que deu como provada na sentença, decorrente da prova documental e testemunhal produzida no processo cautelar, a Mmª Juiz do Tribunal a quo concedeu parcial provimento à providência requerida, condenando a Federação Portuguesa de Futebol a pagar ao requerente a quantia de 350.000,00 €, “por conta do que há-de equivaler à condenação da ora requerida em sede dos autos de execução a título de indemnização”, como ali expressamente referiu.
E fê-lo por considerar resultar nos autos cautelares que a indemnização que a entidade requerida terá que suportar não se restringirá ao montante “irrisório” por ela sustentado na sua contestação (traduzido nos pagamentos de inscrições, e no valor de cerca de 260,00 €), mas em montante muito superior (ainda que eventualmente menor do que o alegado pelo requerente na sua petição inicial) correspondente à medida das consequências emergentes do ato anulado. E entendendo que tendo resultado da decisão judicialmente anulada o afastamento do requerente das identificadas competições na época desportiva de 2006/2007 tal teve “consequências nefastas” para ele, “as quais acabaram por contagiar os exercícios seguintes, pelos prejuízos causados”.
Tendo então concluído:
- que a entidade requerida “está obrigada a indemnizar a requerente, o que se mostra provado, indiciariamente, face a correr já ação de execução, e está a requerida obrigada a indemnizar a requerente”;
- que “o pedido de regulação provisória reporta-se à antecipação, e por conta daquela indemnização, de molde a minorar a situação de carência económico -financeira, da ora requerente, provando-se a existência do exigido nexo de causalidade;
- e que também se “provou da necessidade de arbitrar a favor requerida de quantia provisória de molde a fazer face à situação precária económico -financeira, que de imediato afeta a ora requerente tem quês e reportar às obrigações de pagamentos de salários e dividas a fornecedores, acrescida de alguma margem económica de molde a que o clube possa fazer face às suas atividades normais.”
O que relevará para efeitos da decretação da providência, consistente na regulação provisória do pagamento de quantias ao abrigo do disposto no artigo 133º do CPTA é que a sanção disciplinar aplicada ao requerente ........................., que veio a ser anulada por decisão judicial proferida na ação administrativa especial por ele intentada (Proc. nº 2904/06.8BELSB), lhe tenha causado danos cujo ressarcimento é peticionado no identificado processo executivo (execução de sentença anulatória) que constitui o processo principal relativamente ao presente processo cautelar, e que tenha concomitantemente conduzido e contribuído para a situação de grave carência económica do clube requerente manifestada pelo clube desportivo.
Não há dúvida, o que efetivamente se constata, decorrente da factualidade dada como provada na sentença, que é vivida pelo clube uma situação de grave carência económica, devendo este (à data de 30/06/2013) de remunerações de pessoal a quantia de 124.137,50 € e a fornecedores a quantia de 702.072,40 €, apresentando um resultado líquido negativo de 317.285,29 €, sendo os fundos patrimoniais negativos, no valor de 2.025.085,74 € e o fundo de maneio negativo, no valor de 1.887.518,80 € - (cfr. 6. a 9. do probatório).
Defende a recorrente Federação Portuguesa de Futebol que não é de concluir em face da factualidade dada como provada na sentença, que tal situação de carência económica se deva à sanção disciplinar que lhe foi aplicada e que veio a ser judicialmente anulada, mas ao conjunto de outras sanções, mormente aquela de que resultou o afastamento da participação nas competições da Iª Liga de futebol. Alegação que resultará da circunstância de ser mencionado na certificação das contas do clube, datada de 10/10/2006, vertida em 5. do probatório, que a perda de receitas estimada para a época desportiva 2006/2007, na ordem dos 1.800.000,00 € decorria da falta de participação do clube na competição da designada «Iª Liga», designadamente da perda dos respetivos direitos televisivos.
Não há dúvida que a sanção disciplinar judicialmente anulada foi a de suspensão do clube na participação de todas as competições organizadas pela Federação Portuguesa de Futebol na época desportiva 2006/2007, a saber, na Taça de Portugal e nos Campeonatos Nacionais de Juniores A e C, conforme decorre do teor da deliberação punitiva em causa, vertido e contante da sentença de 0/06/2010 do TAC de Lisboa, que a anulou (vide 1. e 2. do probatório). E não a participação na Iª Liga. Sendo certo que, como é sabido, não é a «Federação Portuguesa de Futebol» que organiza a competição desportiva ali identificada como «Iª Liga», cabendo tal à «Liga Portuguesa de Futebol Profissional», entidade distinta e autónoma daquela.
O que explica que a recorrente Federação Portuguesa de Futebol invoque no presente recurso que a sentença recorrida valorou mais do que a matéria que constitui causa de pedir ao ter por base «…todas as sanções sofridas…» pelo clube requerente «…e não apenas, como competia, as sanções que são a única e exclusiva causa de pedir nos presentes autos…», a sanção disciplinar de suspensão de participação na Taça de Portugal e nos Campeonatos Nacionais de Juniores A e C, durante uma época desportiva 2006/2007.
Porém, a comparação dos dados fornecidos pelos elementos elencados no probatório a respeito da situação económica do requerente ......................... (vide 5. a 9. do probatório) permite concluir que a mesma se agravou crescentemente a partir do ano desportivo de 2006/2007 (como resulta, designadamente do quadro de demonstração de resultados contendo os anos de 2004 a 2007 – vide 5. do probatório).
E é plausível que a decisão de suspensão da participação do clube na competição da Taça de Portugal (e nos Campeonatos Nacionais de Juniores A e C) na época 2006/2007, que foi judicialmente anulada, mas que entretanto havia sido já integralmente cumprida, lhe causou prejuízos patrimoniais, cujo ressarcimento é reclamado e discutido no processo principal. Sendo que compulsada a petição inicial do processo de execução constata-se que nela o requerente ......................... peticiona os valores correspondentes à perda de receitas de merchandising decorrentes na não participação na Taça de Portugal, que contabiliza em 28.447,17 € (vide artigos 52º ss. daquele articulado); s perdas da publicidade (patrocinadores), nas camisolas e no estádio, decorrentes na não participação na Taça de Portugal e nas competições juniores A e C, que contabiliza em 669.998,33 € (vide artigos 55º ss. daquele articulado); às perdas por depreciação dos plantéis, quer quanto à não participação na Taça de Portugal quer quanto à não participação nas competições juniores A e C (vide artigos 59º ss. daquele articulado); aos custos com a inscrição dos jogadores das equipas A e C, em cuja competição não chegaram a participar, no montante de 6.275,50 € (vide artigos 67º ss. daquele articulado); às despesas com o “staff” das equipas juniores A e C, que teve de suportar, mas cuja competição não vieram a integrar, no montante de 96.000,00 € (vide artigos 72º ss. daquele articulado); os correspondentes às perdas de receitas de bilheteira, publicidade e marketing originadas com a suspensão da participação da sua equipa de futebol na Taça de Portugal na época de 2006/2007 (vide artigos 76º ss. daquele articulado). É certo que para que seja procedente o pedido formulado naquele processo desde logo têm que ser nele apurados tais valores, com respetiva prova.
Mas tal apuramento não tem que ser integralmente feito em sede cautelar, atenta a natureza e função, provisória e instrumental, da providência.
Como também não se exige que tenha sido única e exclusivamente a decisão sancionatória anulada a causadora da situação de grave carência económica em que se encontra o clube requerente, de modo que o facto de outras circunstâncias, com ela contemporâneas, poderem ter também contribuído para tal situação, não conduz à negação da providência de regulação provisória de pagamento de quantias, à luz do disposto no artigo 133º nºs 1 e 2 do CPTA. E como resulta do expressamente disposto no nº 1 do artigo 133º do CPTA, e sempre decorrerá também da natureza instrumental própria das providências cautelares, a regulação provisória do pagamento de quantias depende da verificação de uma situação de grave carência económica do requerente seja provocada pelo alegado incumprimento do dever de realizar as prestações pecuniárias reclamadas. É o que manifestamente resulta do ali disposto: “quando o alegado incumprimento do dever de a Administração realizar prestações pecuniárias provoque uma situação de grave carência económica…”.
Ora no caso é de concluir, tal como o fez a sentença recorrida, que a suspensão do clube requerente na competição da Taça de Portugal e nos Campeonatos Nacionais de Juniores A e C contribuiu (ainda que eventualmente fruto da coincidência com outras circunstâncias) para a situação de grave carência económica em que se encontra. E isso basta, à luz do disposto no artigo 133º do CPTA, para que seja decretada providência cautelar de regulação provisória de pagamento de quantias.
Não assiste, por conseguinte, razão à Federação Portuguesa de Futebol quando sustenta que a sentença recorrida fez incorreta subsunção dos factos ao direito ao dar como verificados os requisitos previstos no artigo 133º nºs 1 e 2 do CPTA para a decretação da providência.
Como também não lhe assiste razão quanto subsidiariamente propugna que em fez dos 350.000,00 € em que foi fixada a quantia a pagar (provisoriamente) pela Federação Portuguesa de Futebol ao ........................., devia a mesma ter sido fixada em montante inferior (que ademais não indica). É que, em face da natureza e função desta concreta providência de regulação provisória de pagamento de quantias e dos valores em causa, tem-se tal verba por adequada, mormente em face do respetivo contexto factual, tal como foi apurado nos autos, não havendo razões que justifiquem fixação de montante diferente, para menos.
Assim, improcede também nesta parte o recurso da recorrente Federação Portuguesa de Futebol, devendo manter-se o decidido na sentença recorrida.
O que se decide.

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3. Do recurso (subordinado) do recorrente .........................

Nas suas contra-alegações o requerente ......................... deduziu recurso subordinado, ao abrigo do artigo 633º nº 1 do CPC novo, que invocou, requerendo a revogação da sentença recorrida na parte que determinou a condenação da Federação Portuguesa de Futebol a pagar a quantia de 350.000,00 € substituindo-se a decisão por outra que a condene a pagar ao ......................... a quantia de 1.000.000,00 € a título de regulação provisória do pagamento de quantias.
O que levou, nos seguintes termos, às seguintes conclusões de recurso, que se passam a transcrever:
“(…)

W. Por último, e como se referiu em Capítulo autónomo de "Recurso Subordinado”, a Sentença proferida deixou por adiantar ao ......................... a quantia de € 4.650.000,00 (quatro milhões, seiscentos e cinquenta mil euros), correspondente ao diferencial entre o valor peticionado na providência cautelar e o valor atribuído, reconhecendo, porém, o Tribunal a quo que: "( ... ) tendo em conta os diferenciais das contas certificadas dos anos de 2005 a 2013/ julga-se como adequado fixar a titulo de regulação provisória o pagamento pela requerida à requerente do montante de 350.000,00 (trezentos e cinquenta mil euros), sendo que tal quantia ainda permite que a requerente fique numa situação de debilidade económica ( ... ) ".

X. Demonstrou-se que, ainda que o recebimento do referido montante permita, de alguma forma, a possibilidade de o ......................... fazer face a algumas das suas obrigações, o certo é que, face à factualidade dada como provada e ao facto de se reconhecer que nem toda a situação de fragilidade económica é atendida com o valor arbitrado em providência cautelar, o montante provisoriamente arbitrado deveria ser outro, superior, de modo a afastar a situação de debilidade económica. Isto porque, atendendo às dívidas de curto prazo do ........................., o montante de E 350.000,00 (trezentos e cinquenta mil euros), provisoriamente arbitrado, não lhe permite ultrapassar a situação de "grave carência económica" em que se encontra, o que significa que o desiderato da presente Providência Cautelar não foi alcançado, não obstante o provimento da mesma.

Y. Assim como resultou testemunhalmente provado que o ......................... não dispõe de condições para se financiar junto da banca, com o que será pessoalmente executado, caso não satisfaça, a muito curto prazo, as suas obrigações junto dos fornecedores, no montante de € 476.209,90 (quatrocentos e setenta e seis mil, duzentos e nove euros e noventa cêntimos). Em suma: o montante arbitrado pelo Tribunal a título de regulação provisória do pagamento de quantias é o único de que o ......................... dispõe para fazer face aos seus compromissos assumidos e já vencidos, já que não dispõe de capitais próprios nem se consegue financiar junto da banca.

Z. Como se demonstrou, atenta a prova documental e testemunhal junta aos autos e ai produzida, afigura-se correto, a título de regulação provisória do pagamento de quantias, a condenação da Federação Portuguesa de Futebol no pagamento ao ........................., no prazo de 10 (dez) dias, da quantia de € 1.000.000,00 (um milhão de euros), a qual não corresponde ao montante em divida a apurar no processo principal, mas sim ao montante indispensável a - neste momento - o ......................... deixar de estar na situação de "grave carência económica” em que se encontra, conforme resultante da prova produzida e perante o reconhecimento em sentença que a verta de € 350.000,00 é insuficiente para afastar a situação de carência económica.”


Vejamos.
Como já se disse supra a providência cautelar de regulação provisória de pagamento de quantias a que se refere o artigo 133º do CPTA, visa a tutela de situações subjetivas que se dirijam obtenção do cumprimento de obrigações pecuniária, por forma a obviar a situações prementes de carência, e consiste na imposição à entidade requerida do dever de pagar, a título provisório, uma dada quantia, por conta da alegada dívida para com o requerente da providência, destinada a afastar a situação de carência económica, como decorre do ínsito na parte final do nº 1 daquele artigo 133º do CPTA: “… intimação da entidade competente a prestar as quantias indispensáveis a evitar a situação de carência”.
Ora muito embora o recorrente ......................... invoque agora, em sede do presente recurso, que será pessoalmente executado, caso não satisfaça, a muito curto prazo, as suas obrigações junto dos fornecedores, no montante de 476.209,90 €, tal alegação é nova, não decorrendo do apurado nos autos que assim seja.
Por outro lado, a quantia fixada na sentença recorrida, a entregar provisoriamente, no montante de 350.000,00 €, suplanta o valor do resultado líquido (negativo), no montante de 317.285,29 €, apresentado pelo requerente ......................... (cfr. 8. do probatório). Pelo que tem que entender-se que tal quantia é a indispensável, à luz do disposto no nº 1 do artigo 133º do CPTA, sendo por conseguinte, também, a adequada a assegurar a utilidade da sentença a proferir no processo principal, à luz do disposto no artigo 112º nº 1 do CPTA.
Não se encontrando demostrada a verificação de justificação que motive que em fez dos 350.000,00 € fixados na sentença recorrida, a quantia a entregar a título provisório pela Federação Portuguesa de Futebol ao clube requerente deva ser de 1.000.000,00 €. Nem ademais ela foi explicitada pelo recorrente ......................... no seu recurso.
Resta, pois, concluir, pela improcedência do recurso (subordinado) do recorrente ..........................
Devendo, por conseguinte, manter-se o decidido na sentença recorrida.
O que se decide.


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IV. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal em negar provimento aos recursos, confirmando-se a sentença recorrida.
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Custas a cargo de requerente e requerido em razão do respetivo decaimento.
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Notifique.
D.N.
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Lisboa, 16 de Abril de 2015

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Maria Helena Barbosa Ferreira Canelas (relatora)


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António Paulo Esteves Aguiar de Vasconcelos



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Pedro José Marchão Marques