Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os juízes desembargadores da Subsecção Administrativa Comum, do Tribunal Central Administrativo Sul:
I. Relatório
J....... (doravante Recorrente, Requerente ou A.) instaurou, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, providência cautelar contra a Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro, I.P. (doravante Recorrida, Requerida ou R.), peticionando a suspensão de eficácia do ato pelo qual foi determinada a revogação parcial do Título Único Ambiental.
Por sentença de 16.2.2024 o Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra declarou-se territorialmente incompetente, julgando competente o Juízo Comum do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria.
Em 13.6.2024 o Tribunal Administrativo de Coimbra proferiu despacho pelo qual, considerando inútil, para a descoberta da verdade material e para a boa decisão da causa, a produção de quaisquer diligências instrutórias, nos termos do artigo 118.º, n.º 1 do CPTA, dispensou a inquirição das testemunhas arroladas pelas partes, bem como a realização de outras diligências instrutórias. Simultaneamente, proferiu sentença julgando totalmente improcedente a providência cautelar e absolveu a Entidade Demandada do pedido.
Inconformado, o Requerente interpôs recurso jurisdicional para este Tribunal Central Administrativo, concluindo nos seguintes termos:
“1. Salvo o devido e merecido respeito, a D. sentença recorrida não deveria ter sido proferida sem a realização das diligências probatórias requeridas pelo Recorrente na petição inicial.
2. Como tal, a D. sentença recorrida incorreu em erro ao desconsiderar, em absoluto, a factualidade alegada em termos de consideração dos atrasos não imputáveis ao Recorrente na obtenção da licença urbanística, o que poderia influenciar o conteúdo final do ato.
3. A produção da prova requerida assumia assinalável importância para efeitos de avaliação dos requisitos a que deve obedecer a atribuição da providência cautelar requerida, mormente quanto à verificação do fumus boni iuris e do periculum in mora, pois seria possível comprovar, como adiante se alegará, que não há qualquer intenção do Recorrente em sustar a decisão ad aeternum.
4. Neste âmbito, tem sido entendimento dos tribunais superiores que, as provas têm por função a demonstração da realidade dos factos, sendo que o aqui Recorrente invoca factos na sua providência que são suscetíveis de produção de prova, nos termos do artigo 114.°, n.° 3, al. g) do CPTA.
5. Sem prejuízo do que adiante se dirá, e naturalmente com o devido e merecido respeito, desde já se invoca o erro de julgamento, nos termos do preceituado no artigo 615.°, n.° 1, al. c), do CPC, consubstanciado pela omissão da apreciação da prova requerida pelo Recorrente, ou seja, pela omissão de diligências essenciais e indispensáveis para a boa decisão da causa, devendo V. Exas., Exmos. Juízes Desembargadores, ordenar que o processo baixe para investigação da prova apresentada pelo Recorrente, em harmonia com o disposto no artigo 662.°, n.° 2 e 3 do CPC ex vi do artigo 1.° do CPTA, com a consequente prolação de nova decisão que leve em conta o que vier a apurar-se.
Sem prescindir,
6. Salvo o devido respeito, entende o Recorrente que a decisão recorrida enferma de vício de erro na subsunção dos factos ao direito, o que inquinou a fundamentação da decisão.
7. Na douta sentença recorrida foi considerado como provado que a aqui Recorrida Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro, I.P. tinha conhecimento da circunstância de o licenciamento não se encontrar concluído por falta de resposta desde setembro de 2022 do IMT, I.P., tal como lhe foi comunicado pelo Recorrente (v. facto provado 11), e por seu lado, face à continuação de ausência de resposta do IMT deu como provado que o Requerente apresentou intimação judicial para obter a certidão (v. facto provado 20).
8. A D. sentença recorrida, sempre com o devido respeito, ao subsumir estes factos ao direito - os quais têm suporte nos documentos n.°s 6 e 14 juntos com o requerimento inicial (cfr. artigo 640.°, n.° 1 do CPC ex vi artigo 1.° do CPTA) - incorreu em erro, ao considerar que a omissão de resposta ao exercício do direito à audiência de interessados não acarreta consequências ao nível da validade do ato, por a decisão não poder ser outra.
9. Sempre se dirá que o Tribunal a quo descurou o facto da atuação de uma entidade terceira (IMT, I.P.) estar a impedir o prosseguimento do cumprimento de uma condição, nomeadamente, de se lograr tratar de motivo, pelo menos, atendível como provável em sede de ação principal de originar uma revogação da decisão da Entidade Recorrida.
10. Deste modo, não se pode deixar de atender que estamos perante questão prejudicial, por se tratar de uma situação que é da competência de outro órgão administrativo (neste sentido, vide Acórdão do TCAN, proferido sob o processo n.° 00671/17.9BEPNF).
11. Assim, sempre dirá que o a Entidade Recorrida não teve em consideração uma questão prejudicial e que, por isso, incumprindo o pressuposto previsto no artigo 38.° do CPA.
12. A D. sentença recorrida desconsiderou por completo o processo administrativo de licenciamento da edificação e o seu impacto no TUA parcialmente revogado pela Entidade Requerida, circunstância com a qual o Recorrente não se conforma, além do mais pela situação de injustiça substantiva que ela encerra, razão pela qual o Tribunal a quo, para uma melhor aplicação do direito, ter considerado a prejudicialidade da pretensão pendente no IMT da qual a pretensão deduzida junto da Recorrida dependia.
13. Pelo que, não se pode o Tribunal a quo “refugiar” na fundamentação de que há possibilidade de sustação ad aeternum, quando ficou provado que o Requerente intentou intimação para a passagem de certidão (cfr. documento 14 do requerimento inicial), demonstrando a intenção do Recorrente em ver a situação resolvida.
14. Não pode o aqui Recorrente concordar com a argumentação vertida na sentença recorrida para não consideração do vício de violação de audiência prévia, com o fundamento de que nos autos principais o decisor vir considerar a aplicação do princípio do aproveitamento do ato (cfr. artigo 163.°, n.° 5 do Código do Procedimento Administrativo).
15. O artigo 163.°, n.° 5 do CPA, remete na sua alínea a), de forma inequívoca, para o âmbito da atividade vinculada da Administração; a solução prevista na alínea b), parece ter sido intenção do legislador que a ausência de efeito anulatório se concretizasse também no âmbito dos atos de natureza discricionária; e por fim, a alínea c), parece não subsistirem dúvidas quanto à circunstância de compreenderem os atos de natureza vinculada, mas também os emitidos no uso de poderes discricionários.
16. Assim, o Tribunal a quo não se pode bastar com um juízo de prognose sem considerar o caso concreto, com a justificação de apenas considerar que o desfecho seria o mesmo, até porque não basta a invocação - e comprovação - da probabilidade de que o ato seria praticado com o mesmo conteúdo, uma vez que o CPA exige um conceito mais determinante, recorrendo à indubitabilidade da solução administrativa adotada.
17. Assim, tendo em conta os factos dados com provados e bem assim a própria consideração pelo Tribunal a quo de que «Afigura-se-nos, efetivamente, que esta afirmação apresentada de forma lacónica e conclusiva não deixa transparecer se, de facto, a Entidade Requerida analisou as alegações do Requerente e a prova que apresentou, não vindo descritas, na decisão final (...)», a decisão quanto ao vício de violação de audiência prévia encontra-se erradamente considerada e aplicada.
18. Razões pelas quais, deveria o Tribunal a quo ter verificado o pressuposto do fumus boni iuris.
19. Pelo exposto, deverá ser dado provimento ao presente recurso, devendo a sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que julgue procedente a providência cautelar requerida de suspensão de eficácia. Termos em que deverá o presente recurso proceder,
revogando-se a sentença recorrida, com as legais consequências.
Assim fará esse Tribunal a costumada
JUSTIÇA!”
A Recorrida apresentou contra-alegações, nas quais formulou as seguintes conclusões:
“A) O Recorrente interpôs recurso da Sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, proferida no âmbito do processo cautelar n.° 231/24.8BECBR.
B) O recurso está limitado a questão jurídicas, não estando em causa a matéria de facto.
C) O Recorrente não se conformou com a decisão, interpondo o presente Recurso com fundamento em erro na ponderação da matéria de facto, ao supostamente ter sido desconsiderada factualidade alegada, e em erro de julgamento ao não considerar a violação do direito a audição previa para verificação do pressuposto fumus boni iuris.
D) Quanto ao alegado erro na ponderação de matéria de facto, o Recorrente não alega nenhum facto em concreto que seria objeto da prova testemunhal não admitida e que teria como efeito alterar a decisão recorrida, sendo o único facto que alega - o atraso do IMT - reconhecido pelo Tribunal a quo.
E) Nos processos cautelares, a realização de diligencias probatórias esta na inteira disponibilidade do tribunal, ou seja, apenas terá lugar quando este a considere necessária (cfr. artigo 118.°, n.os 1 e 3, do CPTA).
F) O atraso do IMT, plenamente reconhecido e documentalmente provado, será relevante numa ação contra o IMT, mas totalmente irrelevante para a presente ação.
G) Conforme determinado pelo Regime Jurídico de Urbanização e Edificação, tem de ser emitida uma licença de utilização pelo município e o TUA e claríssimo ao, em conformidade com este regime legal, impor que o Recorrente não iniciasse a sua atividade sem ANTES obter a legalmente obrigatória licença de utilização.
H) Assim sendo, há violação das condições da licença desde o início da exploração, tendo decorrido já há dois anos e meio, e isso não é da responsabilidade do IMT, mas sim do Recorrente; caso contrario, reconhecer-se-ia que os meios legais de resposta aos atrasos da administração são a prática de atos ilegais, ao invés do recurso aos tribunais.
I) Quanto ao alegado erro de julgamento relativo à consideração do princípio do aproveitamento do ato, o facto em causa relevante - a não obtenção de licença de utilização - esta provado e confessado, e é de verificação objetiva, não conferindo a lei qualquer margem de ponderação, sendo por isso o ato suspendendo um ato estritamente vinculado. Ou seja, uma vez verificado o incumprimento da condição, não há qualquer margem de discricionariedade ou ponderação a fazer.
J) Em rigor, o ato suspendendo em nada acrescenta quanto à situação imediata, dado que o Recorrente não deixa na realidade de poder exercer a sua atividade - legalmente já não o podia fazer!
K) Assim sendo, e também logicamente, os pressupostos do artigo 38.° do CPA não estão preenchidos, não havendo aqui qualquer questão prejudicial que obrigasse a suspensão do procedimento, dado que o facto de estar em incumprimento, desde o início, da condição imposta no TUA não depende de atos da competência de terceiras entidades, não havendo qualquer fundamento para suspensão do procedimento.
L) E tal facto não pode ser desconsiderado pelo tribunal num processo cautelar, dado que o CPA não prevê o aproveitamento do ato como uma possibilidade, suscetível de ponderação, mas antes como uma consequência necessária da natureza vinculada do ato, ao determinar, lapidarmente, que não se produz o efeito anulatório, não podendo tal deixar ser considerado para efeitos de determinação da probabilidade procedência da ação principal.
M) Não se concede que tenha havido violação do direito de audiência previa por falta de consideração do alegado pelo Recorrente, reiterando-se que as alegações apresentadas nessa sede foram efetivamente analisadas, constando a analise da informação UACNB-DL 161/2024, que seguiu em anexo ao ofício UACNB-DL 504/2024 (páginas 311 a 295 do processo administrativo).
TERMOS EM QUE:
Deve ser mantida a sentença recorrida e improceder integralmente o recurso interposto e os pedidos formulados pelo Recorrente.”
O recurso foi admitido com subida imediata nos próprios autos e com efeito devolutivo, tendo sido proferido despacho pugnando pela inexistência de qualquer nulidade da sentença.
O Ministério Público junto deste TCA Sul, notificado nos termos e para efeitos do disposto no n.º 1, do artigo 146.º do CPTA, não emitiu parecer.
Com dispensa de visto legais, atenta a natureza urgente do processo, foi o processo submetido à conferência para julgamento.
II. Delimitação do objeto do recurso
Conforme jurisprudência firmada, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do apelante, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (cfr. artigos 144.º, n.º 2 e 146.º, n.º4 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), 608.º, n.º2, 635.º, nºs 4 e 5 e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC ex vi artigos 1.º e 140.º do CPTA).
Sem prejuízo, importa atender que, à luz do art. 5.º, n.º 3 do CPC, o Tribunal não se encontra sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito.
Por um lado, importa considerar que, embora o Recorrente, indique que o recurso é interposto da sentença recorrida, no que respeita à invocação do erro de julgamento quanto à dispensa de prova cita, não a sentença, mas sim o despacho que a precede proferido ao abrigo do artigo 118.º, n.º 5 do CPTA e que, porventura por ter sido prolatado simultaneamente com a sentença, considerou integrante da mesma. Atento o exposto, entende-se que o Recorrente, embora como resulte da conclusão 3 (também) se insurja quanto ao julgamento de facto da sentença, não se limita a esta, antes quanto à alegada necessidade de produção de prova imputa o erro de julgamento à decisão que emana deste despacho.
Por outro lado, o Recorrente convoca a fls. 4 das alegações e no ponto 5 das conclusões de recurso, o disposto no artigo 615.º, n.º 1 al. c) do CPC, sustentando “o erro de julgamento, nos termos do preceituado no artigo 615.º, n.º 1, al. c), do CPC, consubstanciado pela omissão da apreciação da prova requerida pelo Recorrente, ou seja, pela omissão de diligências essenciais e indispensáveis para a boa decisão da causa”.
Sucede que o artigo 615.º, n.º 1 al. c) do CPC se reporta às nulidades da sentença – e não ao erro de julgamento que com aquelas não se confunde -, concretamente à oposição dos fundamentos com a decisão ou ininteligibilidade da decisão. Acresce que a consubstanciação que o Recorrente faz do vício que imputa à decisão não respeita à nulidade da sentença por oposição dos fundamentos com a decisão ou ininteligibilidade da decisão nos termos do referido art.º 615.º, n.º 1 al. c) do CPC, sequer à nulidade por omissão de pronúncia a que se reporta a al. d) do mesmo normativo, mas antes, verdadeiramente, ao erro de julgamento no que respeita à decisão de produzir a prova por este requerida.
Tendo em conta o exposto, as questões que a este Tribunal cumpre apreciar respeitam a saber se,
a. O despacho que dispensou a produção de prova padece de erro de julgamento;
b. A sentença recorrida padece de,
b.1. Erro de julgamento de facto;
b.2. Erro de julgamento de direito.
III. Fundamentação de facto
III.1. Na decisão recorrida foi julgada indiciariamente provada a seguinte factualidade:
“Para a decisão do presente processo cautelar, julgo indiciariamente provada, com base nos documentos constantes dos autos, a seguinte factualidade:
1. O Requerente é empresário em nome individual e dedica-se à gestão de resíduos, exercendo a sua atividade na Rua dos P........, na União de Freguesias de Marrazes e Barosa, no concelho de Leiria (acordo);
2. Em 03.05.2021 o Requerente apresentou, junto do Município de Leiria, pedido de licenciamento tendente à legalização de alteração e ampliação de um edifício de unidade industrial tipo 3, unidade de gestão de resíduos, do edifício de apoio e do muro de vedação, sito na Rua dos P........, União de Freguesias de Marrazes e Barosa, em Leiria (cf. pedido junto como documento n.° 3 do requerimento inicial);
3. Através de ofício datado de 20.08.2021 o Município de Leiria comunicou ao Requerente a proposta de indeferimento do seu pedido de licenciamento referido em 2., nos seguintes termos (cf. ofício junto como documento n.° 7 do requerimento inicial):
“(…)
A proposta poderá vir a merecer a respetiva a aprovação desde que seja retificado o projeto de arquitetura de forma a suprir os motivos da proposta de indeferimento:
1) O processo ON/1986/1314 contem a seguinte informação:
a. construção de pavilhão de armazém com 280m2, com licença de obras n.° 2502, válida até 04/02/87;
b. ampliação do pavilhão para instalações sanitárias com 18m2, com alteração de uso para moagem de vidro, com licença de obras n.° 1786, válida até 26/06/87;
c. ampliação com a construção de edificação com 2 pisos, a norte, junto à via pública, com 108m2 de construção, com licença de obras n.° 2866, válida até 17/10/87;
d. ampliação com a construção de armazém, com 420m2, a norte do pavilhão existente, e garagem a sul do pavilhão existente, indeferido.
e. Pedido de certidão de destaque (de 6370m2) para 2 parcelas, com 3185m2 cada uma, indeferido, por dúvidas de legitimidade.
f. Não foi emitida licença de utilização.
2) O IMT, IP, considerou ainda não estarem reunidas as condições para emitir parecer, uma vez que se encontra em falta documento comprovativo do licenciamento da edificação, “não obstante se fazer referência a um processo de licenciamento de obras com o n.° 1314/86, nada é referido sobre o respetivo desenvolvimento, não sendo por isso possível concluir se a construção existente tem origem legal, ainda que possa não ter sido titulada com licença de utilização”.
3) A operação de gestão de resíduos é um uso dominante em área industrial e de armazenagem. No entanto, não é possível autorizar a utilização sem a comunicação favorável da entidade licenciadora relativa ao projeto, ou se se trata de uma operação com enquadramento no regime simplificado.
4) O requerente deverá esclarecer junto da Entidade licenciadora se se trata de uma operação com enquadramento no regime simplificado ou no regime geral de licenciamento. Tratando-se de uma operação sujeita ao regime geral de licenciamento deverá apresentar a Aprovação Prévia do Projeto, a que se refere o n.° 1 do artigo 29.° do D.L. n.° 73/2011, de 17 de Junho, conforme o disposto no n.° 2 do art.° 41.° -B do referido Diploma Legal.
Para conhecimento e efeitos tidos por convenientes, junto se anexa pareceres do IMT e IP.
Fica, assim, Vossa Exa notificado, para os efeitos do disposto nos artigos 121.° e 122.°, ambos do Código do Procedimento Administrativo (CPA), querendo, no prazo de 30 (trinta) dias úteis e por escrito, dizer o que se lhe oferecer sobre a proposta de indeferimento, a fim de ser tomada uma decisão final.
(…)”
4. Em 04.01.2022 foi emitido, em nome do Requerente, o Título Único Ambiental n.° ……..15, para o exercício da atividade de gestão de resíduos (cf. título junto como documento n.° 2 do requerimento inicial);
5. O Título referido em 4. foi emitido sob a condição prévia ao início da atividade de “A realização de tratamento de resíduos só poderá ser iniciada após obtenção da Licença de Utilização para «Operações de Gestão de Resíduos», a emitir pelo Município”, o que deveria ser implementado no prazo de seis meses (cf. título junto como documento n.° 2 do requerimento inicial);
6. Por ofício de 29.09.2022 o Município de Leiria comunicou ao Requerente que
“para efeitos de cumprimento com o disposto no parecer do IMT, poderão ser solicitadas cópias do processo de obras particulares que evidenciem a legalidade das construções existentes" (cf. ofício junto como documento n.° 7 do requerimento inicial);
7. Em 12.06.2023 o Requerente apresentou, junto do Instituto da Mobilidade e dos Transportes, I. P., declaração de renúncia à indemnização (cf. declaração junta como documento n.° 9 do requerimento inicial);
8. Em 09.08.2023 o Instituto da Mobilidade e dos Transportes, I. P. dirigiu ao Requerente ofício com o assunto Autorização para realização de obras em edifício existente em zona non aedificandi de proteção ao domínio público rodoviário nacional, ao abrigo do disposto no n.° 1 do artigo 58.° do EERRN / Legalização de obras de alteração e ampliação num edifício existente com uso de indústria e com o seguinte teor (cf. ofício junto como documento n.° 10 do requerimento inicial):
“(…)
Sobre o assunto, e na sequência da apresentação por V. Exa., através das correspondências registadas neste instituto com as referências n.° E/23/25975, em 02/02/2023, e E/23/122919, em 15/06/2023, dos elementos corrigidos referentes à declaração da renúncia à indemnização, em caso de eventual expropriação, pelo aumento do valor que resultar para o prédio intervencionado das obras a realizar na edificação já existente no local e na zona de servidão non aedificandi do Nó Rodoviário acima identificados, informa-se o seguinte:
1. A emissão da Certidão da declaração de renúncia à indemnização, para efeitos de ulterior registo predial da mesma, está sujeita ao pagamento de emolumentos no montante de €6,00 (seis euros), por lauda, que constituem receita do Instituto da Mobilidade e dos Transportes, I. P. (IMT, I. P.), nos termos do artigo 11.°, número 2, alínea q), do Decreto-Lei n.° 236/2012, de 31 de outubro, e do ponto XX, n.° 2, da tabela de taxas cobradas de novembro, mantidas em vigor pelo artigo 1°, número 1, da Portaria n° 97-A/2013, de 4 de março, pelo que, sendo a referida certidão composta por dois lauda, o valor dos emolumentos a pagar é de €12,00 (doze euros).
Contudo, verificando-se que anteriormente V/ Exa. já havia procedido ao pagamento do valor de €6,00, conforme fatura / recibo n.° 0122027056032773, de 08/08/2022, importa deduzir aquele valor já pago ao montante dos emolumentos devidos acima referido, pelo que deverá efetuar o pagamento do restante valor de €6,00.
(...)
3. Recorda-se que, após a confirmação da boa cobrança do valor acima mencionado, a Certidão da declaração em causa, a emitir pelo IMT, I.P., será remetida por correio normal para a V/ morada acima indicada, para que, posteriormente, V. Exa. proceda ao registo do ónus da renúncia à indemnização na Conservatória do Registo Predial (CRP), remetendo seguidamente para este instituto a nova certidão do registo predial atualizada.
Sequentemente, ficando então confirmada a condição prevista na alínea b) do n. ° 3 do artigo 58 ° do Estatuto das Estradas da Rede Rodoviária Nacional (EERRN), este instituto procederá à competente emissão da autorização das obras pretendidas, ao abrigo das disposições legais constantes no n.° 1 do mesmo artigo.
(…)’’
9. Em 28.08.2023 o Requerente pagou ao Instituto da Mobilidade e dos Transportes, I. P. a quantia de € 6,00 prevista na comunicação referida em 8. (cf. fatura-recibo junta como documento n.° 11 do requerimento inicial);
10. Em 22.12.2023 a Entidade Requerida comunicou ao Requerente o início de procedimento de realização de vistoria de conformidade (cf. notificação junta como documento n.° 15 do requerimento inicial);
11. Em 16.01.2024 o Requerente dirigiu à Entidade Requerida mensagem de correio eletrónico com o seguinte teor (cf. mensagem junta como documento n.° 6 do requerimento inicial):
“(…)
Exmos. Senhores,
vimos em nome de J....... pelo presente solicitar que seja cancelado ou prorrogado o prazo para pagamento do DUC emitido, referente à vistoria do estabelecimento.
Em maio de 2021 o operador desencadeou junto da C.M. Leiria a Legalização da Ampliação do edifício, com alteração de utilização para a Operação de Gestão de Resíduos (Processo Camarário ON/1986/1314/0). Após resposta ao pedido para retificação do projeto de arquitetura, em fevereiro de 2022 foi recebido oficio da C.M. Leiria (em anexo) para submeter um processo no IMT. Este foi submetido e em setembro de 2022 o IMT volta a notificar o requerente (ofício em anexo). Após junção de elementos em outubro de 2022, e dada a demora numa resposta, em dezembro de 2022, o requerente envia email ao IMT (em anexo). Só em maio de 2023 é recebida resposta (anexo). A atualização da declaração de renuncia à indemnização foi enviada e foram pagas as taxas correspondentes (recibo de agosto de 2023 em anexo). Até à data não foi recebida mais nenhuma informação.
A demora na análise do processo por parte do IMT tem sido uma constante ao longo destes 2 anos, conforme se tentou descrever acima. Acresce a dificuldade de se chegar à fala com qualquer técnico desta entidade. Telefonicamente, não existe qualquer forma de contacto. Presencialmente, não se disponibilizam para reunir. Mesmo por email, as respostas são tardias ou inexistentes.
Nesta ausência de resposta, após tentativas também junto da C.M. Leiria, foi enviada uma carta registada em novembro de 2023 (em anexo) a solicitar, uma vez mais, celeridade na análise do processo. Novamente sem resposta.
Após receção de V/ notificação a informar de que foi iniciado o processo n.° VP20231222000361 para a realização de uma vistoria de conformidade, com consequente envio de DUC, solicitou-se a intervenção do advogado, através de envio de nova carta ao IMT (em anexo).
Conforme exposto, o operador tem-se visto impossibilitado de legalizar o espaço e obter a licença de utilização, razão pela qual se envia este email e se solicita o adiamento do desencadeamento da vistoria de conformidade e anulação do DUC. Agradecemos a V/ maior compreensão no pedido apresentado, ficando disponíveis para qualquer esclarecimento adicional.
(…)’’
12. Em 23.01.2024 o Instituto da Mobilidade e dos Transportes, I. P. dirigiu ao Requerente mensagem de correio eletrónico pela qual lhe comunicava que “em sede do procedimento da emissão da certidão relativa à declaração de renúncia entregue com o requerimento registado neste instituto em 15/06/2023, sob o n.° E/23/122919, se constatou haver desconformidade entre a data da assinatura daquela declaração e a data do respetivo reconhecimento, pelo que se solicita o envio para este instituto de nova declaração de renúncia com assinatura devidamente reconhecida" (cf. mensagem junta como documento n.° 12 do requerimento inicial);
13. Em 26.01.2024 o Requerente entregou junto do Instituto da Mobilidade e dos Transportes, I. P. declaração de renúncia à indemnização, com reconhecimento da sua assinatura (cf. declaração junta como documento n.° 13 do requerimento inicial);
14. Em data concretamente não determinada a Agência Portuguesa do Ambiente, I. P. emitiu em nome do Requerente licença de utilização de recursos hídricos para rejeição de águas residuais, com validade compreendida entre 01.03.2022 e 28.02.2027 (cf. licença junta como documento n.° 16 do requerimento inicial);
15. Em 02.02.2024 o Requerente solicitou, junto dos Serviços Municipalizados de Água e Saneamento de Leiria, a instalação de contador de água (cf. requisição junta como documento n.° 17 do requerimento inicial);
16. Por ofício de 23.02.2024 a Entidade Requerida comunicou ao Requerente a sua proposta de revogação parcial do Título Único Ambiental referido em 4., nos seguintes termos (cf. ofício junto como documento n.° 18 do requerimento inicial):
Na sequência da vistoria realizada, em 14/02/2024, informamos que se verificaram as desconformidades graves da instalação e/ou equipamento com o pedido formulado e com o Título Único Ambiental n.° TUA20210528000215-EA, de 04/01/2022, identificadas nos Pontos 7.1 a 7.3 do Auto de Vistoria (em anexo). Desse modo, é intenção desta CCDR notificar V. Exa. nos seguintes termos:
A. a revogação parcial TUA, por não estarem cumpridas as condições constantes do Título emitido, nomeadamente as impostas e a cumprir previamente ao início de atividade, verificando-se o enquadramento na situação prevista na alínea d) do n.°4 do art.°81°do RGGR, que se transcreve:
d) O operador realize operações proibidas, nos termos do artigo 4.°; face ao incumprimento do RJUE (DL n.°555/99, de 16de dezembro):
Falta de Alvará de Utilização para a realização de Operações de Gestão de Resíduos emitido pelo Município de Leiria, nos termos do RJUE, que permita a utilização do espaço para atividade que está a ser realizada, sendo que, no atual RGGR, a falta de Alvará de Utilização do edifício é condição impeditiva da emissão da licença de exploração nos termos da alínea b) do n.°3 do art.°83.°do RGGR (Anexo I do Decreto-Lei n.° 102-D/2020, de 20 de dezembro).
Salienta-se, ainda que, que as situações acima identificadas configuram:
- contraordenações ambientais graves (nos termos da Lei Quadro das Contraordenações Ambientais), dado que se consubstanciam no exercício de atividades de tratamento de resíduos em desconformidade com as condições impostas na licença (artigo 117.°, do n.°2, da alínea p) do RGGR), para além de violarem normas legais e regulamentares, em desrespeito pelo Princípio da Regulação de Gestão de Resíduos (artigo 4.° do RGGR).
A infiltração de águas potencialmente contaminadas no solo (Pontos 4.3.1.3.2 e 5.1 deste Auto de Vistoria) é contraordenação ambiental muito grave nos termos da alínea f), do Ponto 3, do art.° 81.° do Decreto-Lei n.° 226-A/2007, de 31 de maio.
A revogação implica que a partir da decisão final não pode rececionar quaisquer resíduos, apenas tratar e encaminhar para destino devidamente autorizado os resíduos produzidos.
B. Notifica-se, ainda V. Exa., a proceder à desativação do estabelecimento, no prazo de 90 dias seguidos, cumprindo as seguintes condições:
B.1. Apresentar um estudo do estado de contaminação do solo. Este estudo deverá ser elaborado, tendo em conta o definido pela APA, IP, na sua qualidade de Autoridade Nacional de Resíduos, nomeadamente nos seguintes documentos.
□ Solos Contaminados - Guia Técnico: PLANO DE AMOSTRAGEM E PLANO DE MONITORIZAÇÃO DO SOLO, disponível na respetiva página (https://sniambgeoviewer.apambiente.pt/GeoDocs/geoportaldocs/AtQualSolos/Gu ia_Tecnico_Plano%20de %20Amostragem_Plano %20de %20Monitorizacao_rev1 _jul2919.pdf);
□ Solos Contaminados - Guia Técnico: VALORES DE REFERÊNCIA PARA O SOLO, disponível na respetiva página:
(https://sniambgeoviewer.apambiente.pt/GeoDocs/geoportaldocs/AtQualSolos/Gu
ia_Tecnico_Valores%20de%20Referencia_2019_01.pdf);
□ Solos Contaminados - Guia Técnico: ANÁLISE DE RISCO E CRITÉRIOS DE ACEITABILIDADE DO RISCO, disponível na respetiva página (https://sniambgeoviewer.apambiente.pt/GeoDocs/geoportaldocs/AtQualSolos/Gu ia_Tecnico_Analise_de_Risco_Criterios_de_Aceitalidade_2019_01.pdf)
□ Solos Contaminados - Guia Técnico: MATRIZES DE REFERÊNCIA PARA APRESENTAÇÃO DOS RESULTADOS ANALÍTICOS, disponível na respetiva página:
(https://sniambgeoviewer.apambiente.pt/GeoDocs/geoportaldocs/AtQualSolos/Gu ia_Matrizes_resultados_analiticos_solo_e_agua_final.pdf); a matriz é disponibilizada em formato excel em:
https://apambiente.pt/sites/default/files/_Avaliacao_Gestao_Ambiental/Solos/Gui a_Matrizes_resultados%20analiticos_solo%20e %20agua_anexo%201.xlsx Os contaminantes deverão ser selecionados tendo em conta a atividade que foi desenvolvida no local, em particular a composição dos resíduos que foram geridos no estabelecimento.
As amostragens e determinações de poluentes deverão ser acreditadas pelo IPAC. B.2. Proceder ao encaminhamento de todos os resíduos existentes no estabelecimento para destino final autorizado;
B.3. Proceder à limpeza de toda a instalação, incluindo toda a rede de drenagem e sistema de tratamento;
B.4. Informar do destino a dar aos equipamentos e máquinas existentes no estabelecimento.
Findo o prazo estabelecido, será agendada a vistoria de conformidade, nos termos da alínea e) do n.° 1 do artigo 64.° do RGGR, para verificação do cumprimento de medidas impostas aquando da desativação definitiva do estabelecimento.
Deste modo, ficam V. Exas notificados, nos termos e para efeitos previstos nos artigos 121.° e 122.° do Código de Procedimento Administrativo (CPA - DL n.° 4/2015, de 7 de janeiro) para, no prazo de 10 dias úteis, contados da data da presente notificação, apresentarem por escrito, o que se lhes oferecer sobre o procedimento em causa, podendo anexar os documentos que entenderem por convenientes.
(…)’’
17. O ofício referido em 16. seguia acompanhado de informação intitulada Análise de alegações ao auto de vistoria relativo às condições de exploração de estabelecimento de tratamento de resíduos (cf. informação junta ao documento n.° 18 do requerimento inicial);
18. Em 08.03.2024 o Requerente pronunciou-se acerca da proposta de revogação parcial referida em 16., nos seguintes termos (cf. exposição junta como documento n.° 19 do requerimento inicial):
“(…)
No que diz respeito à falta de Alvará de Utilização do edifício, apresenta-se uma vez mais o processo desencadeado para a obtenção da mesma, e que se tem vindo a arrastar dada a demora incompreensível por parte da entidade Instituto da Mobilidade e dos Transportes (IMT). Junta-se Certidão da Câmara Municipal de Leiria (CML) (doc. 1) e, abaixo, volta-se a descrever todo o processo que se tem desenrolado e que tem impossibilitado a obtenção da devida licença.
Em maio de 2021 o operador desencadeou junto da CML a Legalização da Ampliação do edifício, com alteração de utilização para a Operação de Gestão de Resíduos (Processo Camarário ON/1986/1314/0). Após resposta ao pedido para retificação do projeto de arquitetura, em fevereiro de 2022 foi recebido ofício da CML para submeter um processo ao IMT. Este foi submetido e em setembro de 2022 o IMT volta a notificar o requerente.
Após junção de elementos em outubro de 2022, e dada a demora numa resposta, em dezembro de 2022, o requerente envia email ao IMT. Só em maio de 2023 é recebida resposta. No seguimento a esta resposta, foi feita e enviada a atualização da declaração de renuncia à indemnização.
A 9 de agosto de 2023, através do ofício S/23/46763, o IMT informa que após boa cobrança dos emolumentos respetivos, a certidão da declaração em causa seria emitida pelo IMT. A 28 de agosto 2023 foram pagos os emolumentos, seguindo-se novo período sem qualquer pronúncia por parte desta entidade.
Nesta ausência de resposta, após tentativas também junto da CML, foi enviada uma carta registada em novembro de 2023 a solicitar, uma vez mais, celeridade na análise do processo. Novamente sem resposta.
No início de janeiro, o IMT continua sem dar qualquer resposta, pelo que foi necessário envio de nova carta a solicitar ponto de situação, desta vez, com intervenção de um advogado.
A 23 de janeiro, note-se cinco meses depois do IMT ter em sua posse os documentos, envia ao advogado informação sobre as desconformidades das datas da declaração e o reconhecimento da assinatura (esta declaração de renúncia tinha a data de 12/07/2023). Foi dada resposta, sendo que até à data (8 de março) o IMT não mais se pronunciou.
Por conseguinte, cumpre informar que não é intenção violar qualquer normal legal e regulamentar, tampouco as condições impostas na licença de exploração, sendo que o que está ao alcance de J....... fazer, é realizado, não podendo ser penalizado pela inércia de outras entidades.
Quanto às desconformidades identificadas nos pontos 7.1 a 7.3 do Auto de Vistoria, atendendo ao tempo disponibilizado, procurou retirar-se o máximo possível do que existia indevidamente nas instalações, bem como corrigir as desconformidades apontadas quanto aos locais de armazenamento de resíduos, conforme evidências fotográficas que se apresentam em anexo (doc. 2). Em determinados locais da instalação, por vezes acumulam-se alguns materiais (principalmente equipamentos desativados) que não correspondem ao layout previsto. No entanto apesar de desarrumado e confuso, considera-se que não se põe em causa a atividade de gestão de resíduos, no que diz respeito ao seu processamento e encaminhamento final.
No que concerne à possibilidade de contaminação do solo, irá reformular-se o sistema de captação de águas pluviais que escorrem dos impermeabilizados onde estão depositados os resíduos. Assim, e de acordo com desenho que se anexa (doc. 3), em volta de todo o impermeabilizado será colocada uma caleira para receção de águas pluviais; estas serão encaminhadas para a rede de drenagem anteriormente executada, conduzindo-as ao decantador seguido de órgão de infiltração. Esta alteração será enviada para a ARH.
Por último, a falta da ligação à rede de abastecimento de água pública e respetivo Contrato de fornecimento de água está a ser tratada junto dos SMAS, aguardando-se indicação da existência do ramal até ao local para fazer a ligação da rede existente ao contador, e consequentemente pedir a vistoria.
Face ao exposto, reitera-se que não é, nem nunca foi, intenção de J....... estar em incumprimento no exercício da sua atividade. Procura apenas, com algumas limitações que lhe estão inerentes, continuar a laborar, e a gerir resíduos junto das empresas e operadores com quem trabalha há largos anos. Como tal, solicita que seja revogada a decisão de desativação do estabelecimento.
(...)”
19. Em 21.03.2024 a Entidade Requerida revogou parcialmente o Título Único Ambiental do Requerente, nos seguintes termos (cf. ofício junto como documento n.° 1 do requerimento inicial):
“(…)
Na sequência da vistoria realizada, em 14/02/2024, informamos após apreciação das alegações apresentadas por V. Exas. em sede de Audiência Prévia, que, por meu despacho, exarado na informação que se anexa ao presente ofício, foi indeferido o pedido de licenciamento, pelas razões de facto e de direito que constam da mesma. Assim, não tendo as alegações apresentadas, em sede de Audiência Prévia, alterado o motivo da decisão, notifica-se V. Exas:
1. Da emissão de decisão desfavorável no âmbito do procedimento de vistoria das condições de exploração e a revogação parcial TUA, por não estarem cumpridas as condições constantes do Título emitido, nomeadamente as impostas e a cumprir previamente ao início de atividade, verificando-se o enquadramento na situação prevista na alínea d) do n.° 4 do art.° 81° do RGGR, que se transcreve: d) O operador realize operações proibidas, nos termos do artigo 4.°;
- face ao incumprimento do RJUE (DL n.° 555/99, de 16 de dezembro):
Falta de Alvará de Utilização para a realização de Operações de Gestão de Resíduos emitido pelo Município de Leiria, nos termos do RJUE, que permita a utilização do espaço para atividade que está a ser realizada, sendo que, no atual RGGR, a falta de Alvará de Utilização do edifício é condição impeditiva da emissão da licença de exploração nos termos da alínea b) do n.°3 do art.°83.°do RGGR
(Anexo I do Decreto-Lei n.° 102-D/2020, de 20 de dezembro).
Salienta-se, ainda que, que as situações acima identificadas configuram:
- contraordenações ambientais graves (nos termos da Lei Quadro das Contraordenações Ambientais), dado que se consubstanciam no exercício de atividades de tratamento de resíduos em desconformidade com as condições impostas na licença (artigo 117.°, do n.°2, da alíneappp) do RGGR), para além de violarem normas legais e regulamentares, em desrespeito pelo Princípio da Regulação de Gestão de Resíduos (artigo 4.° do RGGR).
- A infiltração de águas potencialmente contaminadas no solo (Pontos 4.3.1.3.2 e 5.1 deste Auto de Vistoria) é contraordenação ambiental muito grave nos termos da alínea f), do Ponto 3, do art.° 81.° do Decreto-Lei n.° 226-A/2007, de 31 de maio.
2. A revogação implica que a partir da notificação desta decisão final não pode rececionar quaisquer resíduos, apenas tratar e encaminhar para destino devidamente autorizado os resíduos produzidos.
3. Deverá proceder à desativação do estabelecimento, no prazo de 90 dias seguidos, cumprindo as seguintes condições:
3.2. Proceder ao encaminhamento de todos os resíduos existentes no estabelecimento para destino final autorizado;
3.3. Proceder à limpeza de toda a instalação, incluindo toda a rede de drenagem e sistema de tratamento;
3.4. Informar do destino a dar aos equipamentos e máquinas existentes no estabelecimento.
Findo o prazo estabelecido, será agendada a vistoria de conformidade, nos termos da alínea e) do n.° 1 do artigo 64.° do RGGR, para verificação do cumprimento de medidas impostas aquando da desativação definitiva do estabelecimento.
Mais se informa que, o incumprimento da decisão de revogação parcial configura crime de desobediência simples nos termos definidos na alínea b) do n.° 1 do art.° 348.° do Código Penal, punível com pena de prisão até 1 ano ou pena de multa até 120 dias.
(…)’’
20. Em 08.04.2024 o Requerente apresentou junto do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa processo de intimação para a prestação de informações, consulta de processo ou passagem de certidões contra o Instituto da Mobilidade e dos Transportes, I. P. no qual pedia, a final, a intimação do Instituto a emitir certidão da declaração de renúncia à indemnização (cf. comprovativo junto como documento n.° 14 do requerimento inicial);
21. O Requerente recebe uma pensão paga pelo Instituto da Segurança Social, I. P. - Centro Nacional de Pensões no valor mensal de €352,79 (cf. declaração junta como documento n.° 20 do requerimento inicial);
22. Além da pensão referida em 21. o Requerente recebe ainda rendimentos profissionais, comerciais e industriais, que no ano de 2023 ascenderam a €26.121,00 e no ano de 2022 ascenderam a €48.077,35 (cf. declarações juntas a fls. 694 e seguintes do suporte informático dos autos).
III.2. Consignou-se na sentença recorrida quanto a factos não provados:
“Não se provaram outros factos com interesse para a decisão da causa.”
III.3. Foi a seguinte a motivação quanto à matéria de facto:
“De acordo com o disposto no n.° 4 do artigo 607.° do Código de Processo Civil (CPC), que aqui tem aplicação por força do disposto no artigo 1.° do CPTA, na fundamentação da sentença “o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência ”.
No que concerne aos factos considerados indiciariamente provados, acima elencados sob os números 1. a 21., foi determinante a análise da prova documental junta aos autos pelo Requerente no seu articulado inicial e ainda em requerimento apresentado na pendência do processo cautelar, que foi tida por bastante para a boa decisão da causa e a descoberta da verdade material, tudo conforme se encontra devidamente especificado em frente a cada um dos pontos do probatório - cf. artigos 374.° e 376.° do Código Civil.”
IV. Fundamentação de direito
1. Do erro de julgamento quanto ao despacho de dispensa de produção de prova
Sustenta o Recorrente que o Tribunal a quo incorre em erro quanto à dispensa da prova testemunhal porquanto invocou factos suscetíveis de prova e relevantes à apreciação do preenchimento dos pressupostos de adoção da tutela cautelar, respeitantes a atrasos na obtenção da licença urbanística que não lhe são imputáveis e que teriam permitido apurar a relevância da questão prejudicial suscitada.
É inegável que o direito à prova é parte essencial do direito fundamental de acesso ao direito (artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa), na vertente do direito a um processo equitativo, constituindo-se como peça fundamental para a realização efetiva do direito de ação judicial. Assim, “o direito fundamental à prova implica que as partes tenham liberdade para demonstrar quaisquer factos, mesmo que não possuam o respetivo ónus da prova, desde que entendam que a sua comprovação diminuirá os seus riscos processuais” (Ac. do Tribunal da Relação de Guimarães de 23.5.2019, proferido no proc. 1345/18.9T8CHV-A.G1).
No entanto, como qualquer direito, o direito à prova não é um direito absoluto na sua essência, isto é, não é um direito ilimitado. De tal forma que pode comportar restrições, designadamente colocadas em função de interesses atinentes à lógica e à finalidade do processo.
Em conformidade, refira-se que, no âmbito das providências cautelares, dispõe-se nos n.ºs 1, 3 e 5 do art.º 118.º do CPTA que,
1 - Juntas as oposições ou decorrido o respetivo prazo, o processo é concluso ao juiz, podendo haver lugar a produção de prova, quando este a considere necessária.
3 - O juiz pode ordenar as diligências de prova que considere necessárias, não sendo admissível a prova pericial.
5 - Mediante despacho fundamentado, o juiz pode recusar a utilização de meios de prova quando considere assentes ou irrelevantes os factos sobre os quais eles recaem ou quando entenda que os mesmos são manifestamente dilatórios.
Como resulta deste normativo, atenta a celeridade e eficiência que devem pautar o processo cautelar, a produção de prova – e, portanto, o direito a esta - só tem lugar quando o juiz a considere necessária, devendo ler-se o n.º 1 do art.º 118.º do CPTA em conjugação com os seus n.ºs 3 e 5.
O n.º 3 deste normativo concretiza o princípio do inquisitório “na dimensão de que o juiz não tem de satisfazer-se com as provas carreadas pelas partes, podendo ordenar oficiosamente a produção de outros meios de prova (cfr. artigo 367.º, n.º 1 do CPC) e promover diligências que não lhe tenham sido requeridas, mas que considere necessárias. (…) [C]abendo ao juiz determinar, em função do caso concreto, quais devem ser utlizadas para se obter o adequado esclarecimento das questões colocadas. Cumpre, em todo o caso, ter presente que este esclarecimento deve ser o estritamente necessário, atendendo ao caráter sumário da apreciação que, em sede cautelar, cumpre realizar, atenta a celeridade exigida na resolução do processo, devendo ser evitada a promoção oficiosa da produção de prova inútil ou, em todo o caso, excessiva.” (Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 4.ª edição, Almedina, pp. 1009-1010).
Por sua vez, o n.º 5 do art.º 118.º do CPTA “explicita, entretanto, que, tal como em processo civil, o juiz não está limitado à possibilidade de ordenar a produção dos meios de prova requeridos pelas partes, mas pode, pelo contrário, recusar diligências que lhe tenham sido requeridas, quando “considere assentes ou irrelevantes os factos sobre os quais eles recaem ou quando entenda que os mesmos são manifestamente dilatórios” (Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 4.ª edição, Almedina, pp. 1009-1010).
Cumprindo ao julgador, no âmbito das providências cautelares, ponderar se a produção de prova é ou não necessária para o apuramento da matéria de facto pertinente, há que ter em conta que, por um lado, a prova é sumária [art.º 114.º, n.º 2 al. g) do CPTA], feita com base perfunctória e indiciária, e, por outro, que incidindo a prova sobre factos concretos que permitam dar como verificados os requisitos de que depende o decretamento da providência, ela excluirá conceitos, proposições normativas ou juízos jurídico-conclusivos.
Por outro lado, refira-se que o juiz está sempre limitado pela proibição de prática de atos inúteis prevista no art.º 130.º do CPC.
Isto posto, atente-se que o Recorrente se limita a, de forma não concretizada, sustentar o seu direito à prova (testemunhal) indicada no requerimento inicial. Contudo, em momento algum, concretiza quais os factos alegados relativamente aos quais, porque controvertidos ou necessitados de prova, objeto de prova testemunhal e relevantes à apreciação do preenchimento dos pressupostos de adoção da medida cautelar requerida, se mostrava necessário produzir a referida prova.
Com efeito, o Recorrente aduz que terá invocado factos, reportados ao procedimento de emissão da certidão, que determinaram atrasos na obtenção da licença urbanística que não lhe são imputáveis, mas, não indica, em parte alguma das alegações e conclusões do recurso, designadamente por referência aos pontos do requerimento inicial, que factualidade é essa, por forma a que este Tribunal ad quem pudesse apreciar se, efetivamente, estávamos perante factos, controvertidos e necessitados de prova, objeto de prova testemunhal, relevantes à decisão da causa à luz das soluções plausíveis de direito e relativamente aos quais, considerando a sumariedade e perfunctoriedade, se mostrava, opostamente ao entendimento do Tribunal a quo, necessário realizar a instrução nos termos do n.º 1 do artigo 118.º do CPTA
Isto é, este Tribunal desconhece, porque o Recorrente não o indicou, relativamente a que factos – reitera-se, alegados, concretos, controvertidos, objeto e carecidos de prova testemunhal e essenciais à decisão da causa à luz das soluções plausíveis de direito - as diligências de prova que requereu eram necessárias para a boa decisão da causa.
Atenta a ausência de concretização da parte do Recorrente, este Tribunal não pode concluir que a produção de prova por si requerida era, efetivamente, necessária, e, como tal, não há como infirmar o juízo do Tribunal a quo quanto à sua desnecessidade.
Sem prejuízo, dir-se-á que, analisado o requerimento inicial, verifica-se que os factos concretos alegados, que não conceitos, proposições normativas ou juízos jurídico-conclusivos, que respeitam ao fumus boni iuris – que correspondem aos vertidos nos pontos 6.º a 8.º, 10.º a 15.º, 18.º a 28.º, 2.ª parte do 29.º, 33.º a 37.º do requerimento inicial - são objeto de prova documental que, ademais, o Recorrente juntou aos autos.
Quanto ao periculum in mora, a matéria alegada em 38.º a 44.º e 46.º, 89.º a 91.º e 93.º, não consubstancia factos concretos, antes corresponde a juízos jurídico-conclusivos quanto às consequências que o Recorrente aduz que irão resultar da execução do ato, sem que lhes subjaza a alegação de factualidade concreta que pudesse ser alvo de prova testemunhal e a partir da qual o Tribunal realizaria o juízo de prognose inerente ao pressuposto. Na realidade, essa matéria mais não é que a formulação, em termos conclusivos, desse juízo de prognose que só em sede de subsunção jurídico-normativa cumpriria realizar.
Donde há que concluir que o despacho que dispensou a realização da prova requerida pelo Recorrente não padece do erro de julgamento que lhe é imputado.
2. Do erro de julgamento de facto
Aduz o Recorrente que a sentença incorreu em erro ao desconsiderar, em absoluto, a factualidade alegada em termos de consideração dos atrasos não imputáveis ao Recorrente na obtenção da licença urbanística aptos a comprovar que não há qualquer intenção do Recorrente em sustar a decisão ad aeternum.
Coloca-se a questão de saber se o recurso da matéria de facto deve ser rejeitado por incumprimento dos ónus previstos no art.º 640.º, n.º 1 do CPC, designadamente o contido na al. b) desse dispositivo, questão que é de conhecimento oficioso deste Tribunal ad quem, na medida em que o incumprimento pelo Recorrente dos ónus impugnatórios, previstos no art.º 640º, n.ºs 1 e 2, al. a) do CPC, impede que a 2.ª Instância possa conhecer da impugnação do julgamento da matéria de facto operada, determinando a imediata rejeição do recurso quanto a essa impugnação (n.º 1, do art.º 640º do CPC).
Atento o disposto no art.º 640.º do CPC ex vi art.º 1.º do CPTA, a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto carateriza-se pela existência de um ónus de alegação a cargo do Recorrente, que não se confunde com a mera manifestação de inconformismo com tal decisão.
Assim, o regime vigente atinente à impugnação da decisão relativa à matéria de facto impõe ao Recorrente o ónus de especificar, sob pena de rejeição total ou parcial do recurso:
a) Os concretos pontos de facto que considere incorretamente julgados [cfr. art. 640.º, n.º 1, al. a), do CPC];
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impõem, em seu entender, decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida [cfr. art. 640.º, n.º 1, al. b), do CPC], sendo de atentar nas exigências constantes do n.º 2 do mesmo art.º 640.º do CPC. Ou seja, “ b) especificar, na motivação, os meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados que, no seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos; c) relativamente a pontos de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre-lhe indicar, com exatidão, na motivação, as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos; (…)” (cf. Ac. do TCAN de 17.11.2023, proc. n.º 00464/10.4BECBR);
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas [cfr. art. 640.º, n.º 1, al. c), do CPC], entendendo-se que o recorrente deve expressar “a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência que vem na linha do reforço do ónus da alegação, por forma a obviar à interposição de recurso de pendor genérico ou inconsequente.” (cf. Ac. do TCAN de 17.11.2023, proc. n.º 00464/10.4BECBR).
Ora, como é patente, o Recorrente não cumpre com os ónus impugnatórios vertidos nas alíneas a) a c) do n.º 1 do art.º 640.º do CPC.
Com efeito, desconhece-se quais são os concretos pontos de facto que, sendo relativos a atrasos não imputáveis ao Recorrente na obtenção da licença urbanística, foram omitidos ou desconsiderados pela sentença recorrida, tão pouco se sabendo quais os meios probatórios que os demonstram, não se percebendo afinal qual a decisão que sobre os mesmos deveria ser proferida.
A este respeito a alegação é meramente conclusiva, nada revelando que permitisse considerar cumpridos os ónus que sobre o Recorrente, que imputa à decisão o erro de julgamento de facto, recaem nos termos do art.º 640.º, n.º 1 do CPC.
Impõe-se, pois, rejeitar o recurso quanto ao erro de julgamento de facto.
3. Do erro de julgamento de direito
Sustenta o Recorrente que a decisão enferma de erro de julgamento quanto à não verificação do requisito do fumus boni iuris.
O art.º 120.º do CPTA enuncia os critérios de que a lei faz depender a possibilidade de concessão de providências cautelares, nos seguintes termos,
“1 - Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, as providências cautelares são adotadas quando haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal e seja provável que a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente.
2 - Nas situações previstas no número anterior, a adoção da providência ou das providências é recusada quando, devidamente ponderados os interesses públicos e privados em presença, os danos que resultariam da sua concessão se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua recusa, sem que possam ser evitados ou atenuados pela adoção de outras providências.”
Como resulta deste normativo são pressupostos, de preenchimento cumulativo, para a adoção de medida cautelar (i) a verificação de fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal (periculum in mora), (ii) a probabilidade de que a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente (fumus boni iuris) e (iii) caso se verifiquem estes dois requisitos, o tribunal terá ainda de proceder ao juízo relativo à ponderação dos interesses públicos e privados em presença, que poderá determinar a recusa da providência quando, num juízo de proporcionalidade, os danos que resultariam da sua concessão se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua recusa, sem que possam ser evitados ou atenuados pela adoção de outras providências.
Quanto ao requisito do fumus boni iuris, aquele que in casu foi objeto de apreciação pelo Tribunal a quo, a lei exige que “seja provável que a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente”, isto é, sobre o requerente da medida cautelar impende o encargo de fazer prova sumária do bem fundado da pretensão deduzida no processo principal. O juiz tem, assim, que verificar em sede cautelar o grau de probabilidade de êxito do requerente na ação principal.
De notar que o juízo sobre a aparência do direito deve ser positivo, mas não deixa de ser apenas perfunctório. Isto é, ao julgar a providência o juiz não antecipa o julgamento da ação, não formulando um juízo de certeza da procedência, mas cumpre-lhe adiantar se é plausível e provável o seu êxito e só em caso afirmativo pode decretar a providência.
Em sede de requerimento inicial, com vista à demonstração da probabilidade de procedência da ação visando a impugnação da decisão de 21.3.2024 da Entidade Requerida/Recorrida de revogação parcial do Título Único Ambiental nos termos da alínea d) do n.° 4 do art.º 81.º do RGGR, ou seja, por realização de operações proibidas nos termos do art.º 4.º daquele diploma, concretamente por falta de alvará de utilização para a realização de operações de gestão de resíduos emitido pelo Município de Leiria, o Recorrente invocou, em suma, que o ato suspendendo não poderia ser tomado sem aguardar pela decisão final no âmbito do procedimento para alteração da licença de utilização apresentado junto do Município de Leiria, o qual se encontrava pendente por causa imputável ao IMT, violando-se o disposto no art.º 38.º do CPA, e, bem assim, por violação do direito de audiência prévia atenta a falta de ponderação das questões por si suscitadas na pronúncia à proposta de ato.
A este respeito entendeu-se na decisão recorrida a improbabilidade de procedência da ação principal dado que,
- Não havia que suspender a tomada de decisão de revogação parcial do TUA nos termos do art.º 38.º do CPA porquanto, sob pena de subversão do imperativo legal do licenciamento e do interesse público subjacente ao mesmo, a pendência de procedimento de licenciamento urbanístico não serve de fundamento para manter o exercício da atividade de gestão de resíduos, suspendendo ad aeternum a decisão de revogação de Título, quando nem sequer se alega ou demonstra que, com toda a certeza, resolvidos os atrasos entretanto verificados, o processo de licenciamento urbanístico será concluído com sucesso e terá uma decisão final positiva;
- Quanto à violação do direito de audiência prévia embora a decisão tomada não deixe “transparecer se, de facto, a Entidade Requerida analisou as alegações do Requerente e a prova que apresentou, não vindo descritas, na decisão final, as razões pelas quais a Requerida entendeu que, afinal de contas, as alegações do Requerente não serviram para alterar o sentido da decisão”, considerando o princípio do aproveitamento do ato administrativo, consagrado no n.º 5 do artigo 163.º do Código do Procedimento, a decisão da Entidade Requerida não podia ser outra pelo que se afigura que não se produzirá o efeito invalidante desta ilegalidade.
Contra tal entendimento insurge-se o Recorrente aduzindo que o Tribunal a quo,
- Não considerou o facto da atuação de uma entidade terceira (IMT, I.P.) estar a impedir o cumprimento de uma condição para a obtenção/manutenção do Título Único Ambiental, a qual representa questão prejudicial nos termos do art.º 38.º do CPA e de cuja resolução dependia a prática do ato suspendendo, não podendo o Tribunal refugiar-se na alegada impossibilidade de sustação ad aeternum, quando ficou provado que o Requerente intentou intimação para a passagem de certidão;
- Ao entender que a omissão de resposta ao exercício do direito à audiência de interessados não acarreta consequências ao nível da validade do ato, por a decisão não poder ser outra nos termos do artigo 163.º, n.º 5 do CPA, desconsiderou que não basta a probabilidade de que o ato seria praticado com o mesmo conteúdo, antes se exigindo que a solução administrativa adotada seja indubitável.
Desde já adiantamos que o que foi julgado pelo Tribunal a quo, é para manter, na sua integralidade, pois que não é merecedor da censura jurídica que lhe vem apontada pelo Recorrente.
Como resulta dos factos provados em 4.1.2022 foi emitido, em nome do Recorrente, o Título Único Ambiental (TUA) para o exercício da atividade de gestão de resíduos em unidade sita na Rua dos P........, sob a condição prévia ao início da atividade de “A realização de tratamento de resíduos só poderá ser iniciada após obtenção da Licença de Utilização para «Operações de Gestão de Resíduos», a emitir pelo Município”, o que deveria ser implementado no prazo de seis meses (factos 4. e 5.).
Constata-se, ainda, que, previamente à emissão do TUA, o Recorrente havia dado início, junto do Município de Leiria, a procedimento de licenciamento da edificação sita na referida Rua de P........ com vista à legalização da sua utilização como unidade de gestão de resíduos (factos 2. e 3.), relativamente ao qual havia sido proposto o indeferimento, além do mais, por o IMT ter considerado “ainda não estarem reunidas as condições para emitir parecer, uma vez que se encontra em falta documento comprovativo do licenciamento da edificação”.
Mais resulta da factualidade provada que, na sequência de comunicação do Município de Leiria de setembro de 2022, o Recorrente em 12.6.2023 apresentou junto do IMT declaração de renúncia a indemnização, por forma a que este, por sua vez, emitisse certidão da mesma para que, subsequentemente, houvesse lugar ao registo do ónus da renúncia à indemnização na Conservatória do Registo Predial e, nesse sentido, o IMT emitisse a autorização de autorização para realização de obras em edifício existente em zona non aedificandi de proteção ao domínio público rodoviário nacional, ao abrigo do disposto no n.° 1 do artigo 58.° do Estatuto das Estradas da Rede Rodoviária Nacional (EERRN, aprovado pela Lei n.º 34/2015), que, nos termos da proposta de indeferimento do Município de Leiria, se mostrava necessária à aprovação do pedido de licenciamento.
Mas, tendo o Recorrente em 28.8.2023, na sequência da notificação do IMT de 9.8.2023, procedido ao pagamento dos emolumentos devidos pela emissão de certidão, em 23.1.2024 veio esta entidade, por existirem desconformidades, solicitar-lhe nova declaração de renúncia a indemnização, o que este fez em 26.1.2024. Verificando-se que, porque o IMT não emitiu a certidão, em 8.4.2024 o Recorrente instaurou junto do TAC de Lisboa ação com vista à intimação do IMT a emitir certidão da declaração de renúncia à indemnização.
Do exposto resulta que, efetivamente, o pedido de licenciamento da edificação sita na referida Rua de P........ com vista à legalização da sua utilização como unidade de gestão de resíduos, se encontrava, à data da prolação do ato suspendendo, pendente no Município de Leiria, em virtude, além do mais, da tramitação do pedido de emissão de autorização pelo IMT.
Isto posto, na sequência de vistoria realizada às instalações do Recorrente, o ato suspendendo determina a revogação parcial do Título Único Ambiental nos termos da alínea d) do n.° 4 do art.º 81.º do Regime Geral da Gestão de Resíduos, ou seja, revoga a licença de exploração da atividade de tratamento de resíduos por realização de operações de gestão de resíduos em incumprimento do disposto no artigo 83.º, n.º 3 al. b) desse RGGR, concretamente a falta de alvará de utilização do edifício para a realização de atividade de gestão de resíduos que constituição condição impeditiva da emissão da licença de exploração. Com efeito, prevê aquele artigo 83.º, n.º 3 al. b) do RGGR que, tratando-se de estabelecimento cuja instalação ou alteração envolva a realização de operação urbanística de urbanização ou de edificação sujeita a controlo prévio nos termos do RJUE, a emissão de licença de exploração não pode ocorrer sem que seja apresentada a autorização de utilização do edificado ou certidão de deferimento tácito.
Resulta do artigo 38.º do CPA, epigrafado “Questões prejudiciais” que,
“1 - Se a decisão final depender da decisão de uma questão que tenha de constituir objeto de procedimento próprio ou específico ou que seja da competência de outro órgão administrativo ou dos tribunais, deve o órgão competente para a decisão final suspender o procedimento administrativo, com explicitação dos fundamentos, até que tenha havido pronúncia sobre a questão prejudicial, salvo se da não resolução imediata do assunto resultarem graves prejuízos para interesses públicos ou privados.
2 - A suspensão cessa:
a) Quando a decisão da questão prejudicial depender da apresentação de pedido pelo interessado e este não o apresentar perante o órgão administrativo ou o tribunal competente nos 30 dias seguintes à notificação da suspensão;
b) Quando o procedimento ou o processo instaurado para conhecimento da questão prejudicial estiver parado, por culpa do interessado, por mais de 30 dias;
c) Quando, por circunstâncias supervenientes, a falta de resolução imediata do assunto causar graves prejuízos para interesses públicos ou privados.
3 - Se não for declarada a suspensão ou esta cessar, o órgão administrativo conhece das questões prejudiciais, mas a respetiva decisão não produz quaisquer efeitos fora do procedimento em que for proferida.”
A respeito do artigo 31.º do CPA, que regulava na anterior redação do CPA as questões prejudiciais, escrevem Mário Esteves de Oliveira et alia (in Código de Procedimento Administrativo Comentado, 2.ª edição, Almedina, p. 198 e 199) que «[q]uestões prejudiciais num procedimento administrativo são aquelas que, sendo das atribuições, competência ou jurisdição de outro órgão administrativo ou dum tribunal, condicionam, contudo, em termos de facto ou de direito, a decisão desse procedimento e, portanto, para que esta possa ser tomada, em função de todos os factos existentes e de todo o direito aplicável, é necessário primeiro responder às referidas questões prejudiciais.
Falamos “em termos de facto ou de direito” para tornar claro que, por exemplo, a comprovação autêntica ou judicial de factos pode ser uma questão prejudicial num procedimento administrativo. Em princípio não será assim, obviamente: a autoridade procedimental dever formar (sobre os factos nele aduzidos ou envolvidos) a sua própria e intima convicção e considerar a prova feita como adequada, ou não, aos fins do procedimento administrativo – o qual, aliás, se pode bastar com um juízo ou uma evidência menor do que a que seria necessária para uma sua comprovação judicial – tirando daí as respetivas consequências. Há, na verdade, no procedimento administrativo, muitas “questões prejudiciais”, de facto e de direito, que nem sequer ressaltam como tal, porque são resolvidas e decididas de acordo com os princípios da eficiência e da informalidade […]. Em certas circunstâncias, porém, uma questão que estava destinada a ser resolvida informalmente, pode extravasar do âmbito da capacidade procedimental do órgão respectivo e tornar-se uma questão prejudicial, a resolver autonomamente: assim, por exemplo, a invocação da qualidade de proprietário num procedimento administrativo pode tornar-se numa questão prejudicial, se tal invocação for contestada por outros interessados. […]».
Assim, “questão prejudicial” para efeito de suspensão do procedimento administrativo será entendida “como toda e qualquer questão que se suscita no procedimento e cuja resolução é da competência de outro órgão administrativo ou dos tribunais e que, sem estar decidida, prejudica ou impede seja proferida a decisão final no procedimento. A resolução final da questão colocada à apreciação do órgão administrativo, tem que depender da solução a dar à questão prejudicial” (Ac. do STA de 4.2.2009, proferido no processo 0403/08). E como se escreveu no Ac. do TCA Norte de 30.4.2020, proferido no processo 671/ 17.9BEPNF “os pressupostos da questão prejudicial são, como decorre do exposto, que a decisão final dependa da decisão de um outro órgão administrativo ou dos tribunais”.
Como dá nota Vitalino Canas (A questão prejudicial no procedimento administrativo, Revista de Direito Administrativo n.º # 1, Maio – Agosto 2021, p. 24), o artigo 38.º do CPA constitui uma regra excecional face ao disposto no art.º 94, n.º 1 do CPA, pelo que quando o conteúdo de uma decisão administrativa “depende lógica e necessariamente de outros conteúdos, a cargo de outros órgãos competentes ou definidos em procedimentos próprios ou específicos, justifica-se que o órgão competente para a decisão final seja em princípio obrigado a esperar que a questão prévia seja resolvida noutra sede, como manda o artigo 38.º do CPA, com vista a assegurar a melhor decisão final possível”.
Aceitando-se que a pendência do procedimento de licenciamento da operação urbanística constitui questão prejudicial à decisão do procedimento de licenciamento da exploração da atividade de tratamento de resíduos, no sentido de que a emissão da licença de exploração não pode ocorrer sem que o edifício onde irá ser realizada a atividade disponha de autorização de utilização para o efeito [nos termos do referido art.º 83.º, n.º 3 al. b) do RGGR] e, portanto, demonstrando o requerente da licença exploração a pendência do procedimento de licenciamento da operação urbanística a tomada de decisão deverá aguardar o termo do procedimento urbanístico, já assim não sucede quando o que está em causa é a revogação da licença de exploração por se verificar que, tendo esta sido emitida sem que previamente estivessem reunidos os pressupostos para a sua concessão e sob condição da atividade apenas se iniciar após a obtenção da autorização de utilização o que deveria ocorrer no prazo máximo de 6 meses, o titular realiza operações sem que se mostrem preenchidos os pressupostos que determinaram a concessão da licença e de que dependia a sua emissão.
Com efeito, é que in casu o conteúdo da decisão no âmbito do procedimento de revogação da licença de exploração da atividade de tratamento de resíduos (Título Único Ambiental) apenas está dependente de saber se o operador se encontra a realizar operações em incumprimento do regime geral da gestão de resíduos [artigo 81.º, n.º 4 al. d) do RGGR], ou seja, se a atividade se encontra a ser desenvolvida em estabelecimento que não dispõe de autorização de utilização e, nesse sentido, sem que se cumpram as condições que, como dissemos, determinaram e de que depende a concessão daquela licença de exploração.
Na realidade, como dá conta a sentença recorrida, recorrendo à situação abordada no Ac. do TCA Norte de 19.12.2014, proferido no processo n.º 0555/10.1BECBR, que, embora respeitasse a hipótese com contornos distintos, se mostra transmutável para a presente, a pretensão do Recorrente, no sentido de reclamar que a decisão de revogação da licença não pode ser proferida enquanto se aguarda que o titular, que incumpriu as condições que presidiram à sua emissão e de que dependia a sua manutenção, as venha a cumprir, designadamente por pender procedimento administrativo em que se aprecia um requisito para a obtenção daquela licença, representa a subversão dos interesses públicos que subjazem à imposição legal de condições para a obtenção de licenciamento e, consequentemente, aos próprios imperativos legais subjacentes quer ao licenciamento da exploração atividade de gestão de resíduos, quer ao licenciamento urbanístico.
Efetivamente, é que no âmbito do procedimento tendente à obtenção da licença de exploração do que se trata é de aguardar o cumprimento de um pressuposto para a sua emissão, de tal forma que, no período da pendência do procedimento urbanístico, o requerente – porque não cumpre (ainda) os requisitos – não dispõe do titulo necessário e, portanto, a atividade não é exercida enquanto não se reunirem as condições que o legislador considerou, ao abrigo dos interesses públicos que lhe cumpre prosseguir, essenciais a esse mesmo exercício. Nesses termos, porque a atividade não pode ser (ainda) realizada, salvaguardam-se os interesses que subjazem ao licenciamento.
Na situação dos autos está em causa manter na titularidade do requerente um título que lhe permitirá realizar a atividade de exploração de resíduos, enquanto pende o procedimento urbanístico no qual se aprecia se a atividade pode ser exercida naquele prédio, sem que, todavia, se cumpra o pressuposto que o legislador entendeu como indispensável e que é, efetivamente, a edificação estar autorizada para aquela concreta utilização (e, consequentemente, reunidos os pressupostos legais necessários a essa utilização).
É certo que a demora na obtenção da autorização de utilização poderá não ser imputável ao Recorrente, mas ainda que assim seja daí não decorre o direito a manter o título de exploração da atividade de gestão de resíduos – e ao seu abrigo desenvolver a correspondente atividade - sem para tal cumprir a integralidade dos requisitos legais, enquanto pende a operação urbanística, por via da aplicação do disposto no art.º 38.º, n.º 1 do CPA.
Na realidade inexiste uma relação de verdadeira prejudicialidade entre a decisão de revogação da licença de exploração da atividade de tratamento de resíduos e a decisão da operação urbanística a realizar para a instalação do estabelecimento de tratamento de resíduo, em termos tais que não se pode aceitar que recaísse sobre a Recorrida, nos termos do artigo 38.º, n.º 1 do CPA, o dever de suspender o procedimento administrativo que conduziu à prática do ato suspendendo enquanto pende o procedimento urbanístico.
E, como tal, como se decidiu na sentença recorrida à luz da apreciação sumária desenvolvida, não se afigura provável que a ação principal venha a proceder com base neste vicio de violação da lei.
De igual modo é de confirmar a decisão recorrida quanto à asserção de não probabilidade de procedência da ação principal no que respeita à invalidade do ato suspendendo com fundamento no vício de violação do direito de audição prévia.
Cumpre recordar que são caraterísticas próprias do processo cautelar a sua instrumentalidade – dependência em face de um processo principal -, a provisoriedade – por não visarem a resolução do litígio, estando vedado ao tribunal conceder, através de uma providência cautelar, aquilo que só a sentença final pode proporcionar -, e a sumariedade - cognição necessariamente sumária e perfunctória da situação de facto e de direito -, visto que a sua finalidade própria do processo cautelar é assegurar que a demora na tomada da decisão final não acarrete a criação de uma situação de facto consumado com ela incompatível, ou a produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses de quem dela deveria beneficiar.
Como se escreveu no Acórdão deste TCA Sul de 12.11.2025, proferido no processo 12598/15, “na exacta medida em que têm uma função preventiva contra a demora inerente aos processos principais, as providências cautelares assumem características típicas: elas são instrumentais da acção principal cuja utilidade visam assegurar, ou seja, dependem funcionalmente e não apenas estruturalmente desta; são provisórias, na medida em que não se destinam a regular definitivamente o litígio; e são sumárias, porquanto esse é o grau de cognição do tribunal, quer no plano de facto quer no plano do direito.
Ora, o carácter provisório e sumário da tutela cautelar não se coaduna com uma apreciação exaustiva dos vícios assacados ao acto suspendendo, nomeadamente para concluir sem margem para dúvidas pela ilegalidade da actuação administrativa, actividade que deve ser deixada para o juiz que vier a apreciar a acção principal”.
O que o Recorrente reclama, a respeito do apontado erro de julgamento quanto à decisão do Tribunal a quo considerar que, nos termos do artigo 163.º, n.º 5 do CPA, não se produziu o efeito anulatório do vício de preterição do direito de audiência prévia é que a apreciação desta questão se realize de forma exaustiva, em termos que permitam considerar, indubitavelmente, que a decisão contida no ato suspendendo seria aquela.
Sucede que, como se disse, a apreciação, em sede cautelar, da probabilidade de procedência da ação principal é realizada de forma sumária. Donde o que cabia ao Tribunal a quo aferir é se, não obstante considerar ter ocorrido a violação do direito de audiência prévia - porquanto não obstante as apreciações feitas pelo Recorrente na pronúncia à proposta, no ato apenas se diz que “após apreciação das alegações do Requerente, não lograram as mesmas alterar o sentido da decisão, tendo-se procedido à revogação parcial do Título” de tal forma que “afirmação apresentada de forma lacónica e conclusiva não deixa transparecer se, de facto, a Entidade Requerida analisou as alegações do Requerente e a prova que apresentou, não vindo descritas, na decisão final, as razões pelas quais a Requerida entendeu que, afinal de contas, as alegações do Requerente não serviram para alterar o sentido da decisão” -, não era provável, por haver lugar ao afastamento do efeito anulatório do vício por aplicação do disposto no n.º 5 do artigo 163.º do CPA, a procedência da ação.
Adianta-se que no juízo realizado não se deteta qualquer erro de julgamento.
Com efeito, estatui-se no art.º 121.º do CPA, sob a epígrafe "direito de audiência prévia", que “sem prejuízo do disposto no artigo 124.º, os interessados têm o direito de ser ouvidos no procedimento antes de ser tomada a decisão final, devendo ser informados, nomeadamente, sobre o sentido provável desta.” (n.º 1).
O princípio da audiência prescrito nomeadamente nos arts. 121.º e segs. do CPA, mas também noutros diplomas, assume-se como uma dimensão qualificada do princípio da participação a que se alude no art. 12.º do mesmo Código e surge em observância e transposição do comando constitucional inserto no art. 267.º, n.ºs. 1 e 5 da CRP. Constitui uma manifestação, em sede do ordenamento procedimental administrativo, do princípio do contraditório mediante a consagração da possibilidade não só do confronto dos critérios da Administração com os dos administrados de modo a poderem ser obtidas plataformas de entendimento, mas, também, da possibilidade de estes apontarem razões e fundamentos, quer de facto quer de direito, que invalidem o caminho que a Administração intenta percorrer e levem a que outro seja o sentido decisório.
Refira-se que o direito que assiste ao interessado, em determinado procedimento, de ser ouvido antes de ser proferida decisão que lhe seja desfavorável, deve consistir na efetiva possibilidade que lhe será conferida de ter uma participação útil no âmbito daquele procedimento, não devendo reconduzir-se ou traduzir-se num mero ato de rotina, impendendo sobre a Administração uma "obrigação de meios" no sentido de criar as condições necessárias e bastantes de molde a que ao interessado seja assegurada uma participação substancial no âmbito do procedimento em questão.
O direito a ser ouvido pressupõe, entre o mais, a oportunidade de o interessado exprimir as suas razões antes de ser praticado o ato final, a consideração por parte da Administração de tais razões e a obrigação de decidir e fundamentar as decisões analisando os pontos propostos pelos interessados. Acrescente-se que para que o exercício do direito de audição não se esgote com o cumprimento da sua observância formal mas antes revista um conteúdo real, a decisão final deve revelar que a argumentação aduzida foi ponderada e apreciada pela Administração, ainda que se acabe por concluir em sentido diverso.
À luz do exposto, é patente que que a decisão final não demonstra terem sido ponderadas as razões que, em sede de pronúncia, foram aduzidas pelo Recorrente, limitando-se a, de forma não concretizada, concluir que as mesmas não alteraram o sentido da decisão, sem qualquer esclarecimento quanto aos fundamentos que conduziram a tal asserção.
Isto representa, como assim deu conta o Tribunal a quo, a violação do direito de audiência prévia.
Contudo, importava considerar que “o n.º 5 do artigo 163.º do Código do Procedimento Administrativo consagra uma obrigação legal de não anulação do ato viciado quando o caso concreto seja subsumível à previsão normativa de qualquer das suas alíneas” (Ac. do TCA Norte de 7.7.2017, proferido no processo 01292/16.9BEPNF), havendo que concluir pela inoperância do vício de violação do direito de audição, não se produzindo o correspondente efeito anulatório, quando,
a) O conteúdo do ato anulável não possa ser outro, por o ato ser de conteúdo vinculado ou a apreciação do caso concreto permita identificar apenas uma solução como legalmente possível;
b) O fim visado pela exigência procedimental ou formal preterida tenha sido alcançado por outra via;
c) Se comprove, sem margem para dúvidas, que, mesmo sem o vício, o ato teria sido praticado com o mesmo conteúdo.
“No caso da alínea a), estão em causa as situações em que “mesmo que a ilegalidade cometida não tivesse ocorrido, o conteúdo do ato não poderia ser diferente daquele que foi, pelo que a sua eventual anulação teria necessariamente de conduzir à prática de um novo ato com o mesmo conteúdo”, como refere Mário Aroso de Almeida, Teoria Geral do Direito Administrativo, Almedina, 2015, p. 277.
Na situação prevista na alínea b), o que se exige é que “os valores protegidos pela norma procedimental ou formal violada tenham sido assegurados por outra via, de modo a poder afirmar-se que a ilegalidade cometida não teve qualquer efeito sobre a substância da decisão, pelo que não se justifica que tenha relevância invalidante em relação a ela”, como verte ainda Mário Aroso de Almeida, op. cit., p. 278.
Por fim, a alínea c) do nº 5 do artigo 163º do CPA consagra o afastamento do efeito anulatório para os actos discricionários, desde que se comprove, sem margem para dúvidas, que o acto teria sido praticado com o mesmo conteúdo, mesmo que a ilegalidade não tivesse ocorrido.” (Ac. do TCA Norte de 7.7.2017, proferido no processo 01292/16.9BEPNF).
Ora, a hipótese dos autos subsume-se, efetivamente, à alínea a) do artigo 163.º, n.º 5 do CPA.
Com efeito, no artigo 81.º, n.º 4 al. d) do RGGR impõe-se o dever – que não a mera possibilidade como nos casos previstos no n.º 2 - de revogar a licença de exploração de atividade de gestão de resíduos quando o operador realize operações proibidas, nos termos do artigo 4.º, ou seja, quando o operador realize operações de gestão de resíduos em incumprimento do disposto no regime geral da gestão de resíduos.
Prevendo-se no artigo 83.º, n.º 3 al. b) desse RGGR que “[t]ratando-se de estabelecimento cuja instalação ou alteração envolva a realização de operação urbanística de urbanização ou de edificação sujeita a controlo prévio nos termos do RJUE:
(…)
b) A emissão de licença de exploração não pode ocorrer sem que seja apresentada a autorização de utilização do edificado ou certidão de deferimento tácito.”
Assim, resultando do probatório que, na sequência de vistoria, se detetou que, previamente ao início de atividade pelo Requerente, este não cumprira a obrigação de dispor de alvará de utilização para a realização de operações de gestão de resíduos nos termos do RJUE, que permitiria a utilização do espaço para a atividade que está a ser realizada, e que, como vimos, inexiste qualquer dever de suspender o procedimento que conduz à decisão de revogação da licença na pendência do procedimento de licenciamento, encontram-se reunidos os pressupostos para a prática do ato de revogação. Ato esse que, face à obrigação de revogação que emerge do artigo 81.º, n.º 4 al. d) do RGGR e tendo subjacentes os interesses públicos, designadamente de proteção ambiental, inerentes à imposição do regime de licenciamento da atividade de exploração de gestão de resíduos, corresponde a um ato vinculado.
Isto significa que, independentemente de ser garantido o direito de audiência prévia, o ato suspendendo, porque de conteúdo vinculado, não poderia ter outro sentido que não o de revogar a licença de exploração concedida ao Recorrente.
Em face do exposto, a situação é subsumível à previsão normativa da alínea a) do n.º 5 do artigo 163.º do CPA, devendo aplicar-se a respetiva estatuição, ou seja, não se produz o efeito anulatório decorrente da verificação de falta de audiência de interessado nas circunstâncias sedimentadas na sentença sob recurso.
Em conclusão, a sentença recorrida não padece do erro de julgamento que lhe é apontado.
Da condenação em custas
Vencido, é o Recorrente condenado em custas (art.ºs 527.º n.ºs 1 e 2 do CPC, 7.º, n.º 2 e 12.º, n.º 2 do RCP e 189.º, n.º 2, do CPTA).
V. Decisão
Nestes termos, acordam os juízes desembargadores da Subsecção Administrativa Comum, do Tribunal Central Administrativo Sul, em,
a. Negar provimento ao recurso quanto ao despacho de dispensa de instrução e, em consequência, confirmar a decisão contida nesse despacho;
b. Rejeitar o recurso da sentença quanto ao erro de julgamento de facto;
c. Negar provimento ao recurso da sentença e, em consequência, confirmar a sentença recorrida;
d. Custas pelo Recorrente.
Mara de Magalhães Silveira
Carlos Evêncio Figueiredo Rodrigues de Almada Araújo
Ricardo Ferreira Leite |