Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:08452/12
Secção:CA- 2º JUÍZO
Data do Acordão:04/26/2012
Relator:PAULO PEREIRA GOUVEIA
Descritores:MINISTÉRIO PÚBLICO – CONDENAÇÃO À PRÁTICA DE ATO DEVIDO - DOMÍNIO PÚBLICO - DEMOLIÇÃO
Sumário:1.O art. 68º nº 1 alínea c) do CPTA dispensa o prévio requerimento à Adm. P. (v. arts. 66º e 67º CPTA) pelo MP, quando ali se prevê a acção pública para as situações de omissão ilegal em que o dever objetivo de praticar o ato administrativo resulte diretamente da lei e esteja em causa a ofensa de direitos fundamentais, de um interesse público especialmente relevante ou de a saúde pública, o ambiente, o urbanismo, o ordenamento do território, a qualidade de vida, o património cultural e os bens do Estado, das Regiões Autónomas e das autarquias locais

2. Uma obra particular num arruamento público é ilegalizável, já que o domínio público não pode ser apropriado por particulares e não pode ser comerciado ou objeto de tráfego jurídico por qualquer modo, a não ser que ocorra uma desafetação da coisa por motivo de interesse público/bem comum, aspeto aqui fora de questão.

3. Pelo que demolir tal obra é algo imposto por lei e, assim, não viola o princípio da proporcionalidade administrativa.

4. Uma obra de edificação que seja ilegal e ilegalizável deve ser demolida, sendo que, em princípio, a demolição deve ser precedida de ponderação da regularização por parte da Adm. P. e de audição prévia do autor da obra ilegal. No entanto, deve-se ter especial atenção aos ónus dos interessados, sob pena de benefício do infrator e inversão do ónus da prova.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na 1ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul:

I.RELATÓRIO

I.1.
· O MINISTÉRIO PÚBLICO intentou no T.A.C. de Sintra acção administrativa especial contra
· CCDR-LVT COMISSÃO DE COORDENAÇÃO E DESENVOLVIMENTO REGIONAL DE LISBOA E VALE DO TEJO, serviço personalizado do Estado integrado no MINISTÉRIO DO AMBIENTE, ORDENAMENTO DO TERRITÓRIO E DO DESENVOLVIMENTO REGIONAL, com sede na Rua Artilharia Um, 33, em Lisboa,
· MUNICÍPIO DE CASCAIS, com sede na Praça 5 de Outubro, em Cascais,
· HOTEL ……… – ACTIVIDADES ………………., SA, com sede na Rua ……………., n° 100, ………….., como Contra-interessada,

pedindo
a) a condenação das demandadas à prática dos actos administrativos necessários com vista à demolição de todas as obras efectuadas pela Contra-interessada no arruamento público constituído pela Travessa ………………. e pela Travessa ………….., na vila de Cascais, e à reposição de tal arruamento com a composição que antes tinha, impondo-lhes as vinculações a observar para esse efeito;
b) a condenação das demandadas a praticar todos os actos de execução e operações materiais que para tanto se mostrem necessárias;
c) ser fixado um prazo nunca superior a 6 meses para cumprimento de tais imposições e com a aplicação de uma sanção pecuniária compulsória em caso de inobservância do decidido, a fixar em valor diário por cada dia de atraso até efectivo e integral cumprimento.

Por acórdão, o referido tribunal decidiu o seguinte:
a) Condenar ambas as entidades demandadas a praticar todos os actos administrativos que sejam necessários com vista à demolição de todas as obras efectuadas pela Contra-interessada no arruamento público constituído pela Travessa da ……………. e pela Travessa ……………….., podendo, se assim o entenderem, como entidades públicas que são, concatenar esforços para cumprimento da condenação.
b) Nomeadamente, condenar a Demandada Ministério do Ambiente, Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional a intimar a Contra-interessada, ao abrigo do estatuído no art 89° do DL n° 46/94, de 22.2, e do art 30° do DL n° 468/71, de 5.11, na redacção dada pela Lei n° 16/2003, de 4.6, a proceder, num prazo que se considera adequado de 60 dias, ao levantamento dos portões que fecham a Travessa da ……… e a Travessa ……………, na Vila de Cascais, e à remoção do jardim no piso de alcatrão existente.
c) Seguindo, em caso de incumprimento da intimação, o estatuído no art 30°, n° 2 do DL n° 468/71, de 5.11, na redacção dada pela Lei n° 16/2003, de 4.6.
d) Condenar o Demandado Município, no prazo de 60 dias, a observar o disposto no art 106° do DL n° 555/99, de 16.12, na redacção dada pelo DL n° 177/2001, de 4.6, tendo em conta ainda o previsto nos art 13°, n° 1, al a) e 16°, al b) da Lei n° 159/99, de 14.9, de modo a que o arruamento público constituído pela Travessa da …… e pela Travessa ………………., sito na Vila de Cascais, volte a ser usado para trânsito de peões e de viaturas. Se a Contra-interessada não cumprir o que lhe for ordenado, deve o Município lançar mão do mecanismo previsto no art 107° do DL n° 555/99, de 16.12, na redacção dada pelo DL n° 177/2001, de 4.6.
e) Fixar como prazo máximo, para estarem resolvidos os procedimentos administrativos, com vista a obter a desocupação, pela Contra-interessada, do arruamento público constituído pela Travessa da ……….o e pela Travessa ………….., sito na Vila de Cascais, 180 dias (cfr. art 66°, n° 1 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos).
f) Advertir as entidades demandadas que, caso não cumpram a decisão agora proferida, nos termos do art 66°, n° 3 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, será aplicada, a título de sanção acessória a que alude o art 169°, n° 1 do Código do Processo nos Tribunais Administrativos, a quantia correspondente a 5% do salário mínimo nacional, por cada dia de atraso, a partir do dia seguinte ao termo do prazo concedido ao titular do órgão incumbido da execução. Para este efeito, devem ambas as demandadas identificar nos autos os titulares dos órgãos incumbidos da execução.

I.2.

Inconformada, a Contra-interessada HOTEL ……… – ACTIVIDADES ………….. recorre para este Tribunal Central Administrativo Sul contra tal decisão, formulando nas suas alegações as seguintes conclusões:
i. O acórdão recorrido é ilegal e, consequentemente, deve ser revogado.
ii. A fundamentação da decisão é contraditória, por um lado e, por outro, tem um âmbito demasiado vasto para o que a Lei lhe permite e às entidades demandadas.
iii. O Tribunal a quo não teve em consideração matéria de facto que deveria ter sido considerada na decisão, designadamente o teor da als. D), G) e F) do probatório.
iv. A Informação Prévia apresentada pela Contra-Interessada já contemplava a utilização privativa do arruamento em causa, pelo que o acórdão recorrido enferma de erro nos pressupostos.
v. A acção especial de condenação à prática de acto devido não devia ter sido considerada procedente, por ausência dos seus pressupostos.
vi. Além da duvidosa “existência de pedido formulado à Administração que a tenha constituído no dever de decidir”, igualmente não se verifica o outro pressuposto, i.e., que a Administração não tenha decidido dentro do prazo legal, ou que haja recusado a apreciação do requerimento, ou haja recusado a prática do acto devido.
vii. O que a Administração – a CCDR e a CMC -, e bem, veio dizer é que entendia que não tinha que fazer “aquilo” que o A. entende que deve fazer, o que é coisa bem diversa.
viii. O que a CMC veio dizer, no fundo, foi que, no caso vertente, não lhe competia a si, para quem até inexiste inconveniente urbanístico na supressão do arruamento em causa, fazer com que houvesse desocupação do mesmo. E, de facto, não tem que o fazer, mesmo à luz dos normativos invocados pelo A.
ix. E a CCDR, como bem referiu nas suas peças, além de entender que não lhe competia efetivar tal desocupação, teve subjacente a situação de licenciamento da ocupação.
x. Ao contrário do que se parece pressupor-se no acórdão recorrido, a ocupação do arruamento sito em domínio público marítimo, ainda que tenha sido feita sem autorização, é legalmente possível permitir tal ocupação através de licença própria para o efeito. A ocupação do arruamento não é legalmente impossível.
xi. O acórdão recorrido, ao determinar, sem mais, às Demandadas que intimem a Contra-Interessada a praticar os actos referidos na decisão, está a violar as regras legais que permitirão a esta regularizar a situação dominial.
xii. A C.I. tem o direito de pedir licença para a ocupação e a entidade competente tem o poder de permitir a ocupação.
xiii. Acresce a factualidade constante dos autos que mostra que a C.I. sempre pautou a sua conduta pela retidão, tendo procedido à requalificação do local, com o conhecimento e até incentivo das entidades públicas, designadamente das Demandadas.
xiv. Como resulta das plantas juntas com a p.i., o acesso, pedonal e rodoviário, ao Largo Praia da Rainha faz-se pela Rua dos Inocentes e pela Rua Frederico Arouca.
xv. Como resulta das plantas juntas com a p.i., o troço da Travessa da ……… que confina com o Hotel …….. e a Travessa ………….. são absolutamente irrelevantes para o interesse público, o que foi expressamente reconhecido pela CMC e dado a conhecer à CCDRLVT.
xvi. A C.I. não se apossou do referido arruamento pondo em causa o interesse público;
xvii. Não só o terreno onde as obras se encontram implantadas, apesar de se tratar de domínio público, pode ser objecto de licença de utilização do domínio hídrico, por força do disposto, designadamente, nos arts. 50 e ss., e 550 e ss., do DL n0 46/94,
xviii. Como ainda as obras em si são legalizáveis sem qualquer tipo de problema por, em si mesmas, serem simples obras de construção civil, sem qualquer complexidade.
xix. Pelas razões expendidas e também por força do Princípio da Proporcionalidade, constitucionalmente consagrado nos arts. 20, 180 e 2660, n0 2, da CRP, assim como no art. 50 do CPA, não poderá o acórdão recorrido deixar de ser revogada, devido à violação daquele nas suas várias vertentes.
xx. Nunca o Tribunal, em respeito pelo referido princípio, poderia ter dado provimento à acção sem acautelar que, previamente, se tenham esgotadas todas as possibilidades de a C.I. obter junto das RR. os licenciamentos necessários.
xxi. Se a C.I. realizou obras de construção antes de estar munida da competente licença, então está-se perante uma questão de índole contraordenacional, cuja sede não é esta – a CMC e ou a CCDRLVT podem actuar nesse sentido, se entenderem estarem preenchidos os respectivos pressupostos, e a C.I. lá estará para fazer valer as suas razões, desde logo face à anterior actuação das RR.;
xxii. A CMC já actuou ao nível contraordenacional e, até, em sede de processo de demolição, que se encontra suspenso.
xxiii. A actuação das RR., por outro lado, deve passar necessariamente por: a CCDRLVT deverá licenciar a utilização privativa do domínio público hídrico, por ausência de quaisquer impedimentos factuais ou jurídicos para tal; a CMC deverá licenciar as obras de construção efectuadas.
xxiv. Não se encontram reunidas as condições necessárias ao provimento da presente acção, como o fez o acórdão recorrido, pelas simples razão que, ao contrário do alegado pelo A., as RR. atuaram de acordo com as suas competências e atribuições,
xxv. Desde logo porque se encontram pendentes processos administrativos quer na CCDRLVT quer na Câmara Municipal de Cascais -, onde estas questões estão a ser analisadas e apreciadas. As RR., ao contrário do que resulta do acórdão, não ficaram de braços cruzados.
xxvi. Sob pena de, aí sim, estarem a violar as mais básicas regras aplicáveis, não atuaram cegamente sem se encontrarem previamente esgotadas todas as formas de resolução legal.
xxvii. Não se encontram, pois, reunidos os pressupostos necessários ao provimento da acção, uma vez que inexiste a ilegal omissão imputada pelo MP às RR..
xxviii. O acórdão é inaplicável na parte que respeita à CCDRLVT, na medida em que a Demandada não dispõe já de competências que lhe permitam cumprir a determinação judicial.
xxix. O acórdão deve ser revogado, por ilegal.

Nas contra-alegações, o recorrido conclui assim:

1° - Nos presentes autos e na sequência da acção especial para condenação à prática de acto devido proposta pelo Ministério Publico, através do acórdão recorrido foram as demandadas Câmara Municipal de Cascais e Ministério do Ambiente/CCDRLVT condenadas a praticar todos os actos administrativos que sejam necessários com vista à demolição de todas as obras efectuadas pela contra-interessada Albatroz, no arruamento público constituído pela Travessa da Conceição e pela Travessa Asse dos Três, em Cascais.

2°- A contra-interessada Albatroz, interpôs recurso do douto acórdão proferido nos autos alegando, em síntese, que é ilegal, porquanto a sentença enferma de erro nos pressupostos, não se verificando igualmente os pressupostos exigíveis para a propositura de acção sendo que o licenciamento das obras é legalmente possível pelo que a decisão viola as regras legais que permitem a regularização da situação.

3° -A primeira questão colocada pela recorrente prende-se com o facto de o tribunal concluir pela não inclusão no licenciamento do arruamento público, não obstante o facto dado como provado na alínea G), no entanto verifica-se que o pedido de informação prévia tinha por objecto as obras de ampliação e não a ocupação do arruamento.

4°-Acresce que processando-se as obras de ampliação em domínio público hídrico a intervenção da CCDRLVT, revestia o carácter de autorização e não parecer vinculativo e muito menos de mera consulta, (daí o posterior embargo das obras de ampliação por parte do Município).

5-°Pelo que, tal como entendeu o tribunal e bem, o facto constante da alínea G), não tem como efeito qualquer autorização de obras de e muito menos qualquer autorização de ocupação do arruamento, devendo assim improceder o alegado.

6- O mesmo se passa quanto aos factos constantes da alínea D), dado que o que estava em causa no processo de informação prévia era o licenciamento por parte da Câmara das obras de ampliação sendo que na memória descritiva apresentada a contrainteressada apresentava algumas considerações acerca da possibilidade de uma " utilização exclusiva ou de algum modo condicionada dos arruamentos", sendo certo que o processo prosseguiu sempre e apenas tendo como objecto o licenciamento das obras de ampliação.

7- O tribunal não tinha assim que extrair do facto constante da alínea D), nada mais que não fosse o que dele consta, o que aliás clarifica ainda mais a inexistência de qualquer licenciamento prévio à ocupação do arruamento.

8-Não se verifica assim igualmente qualquer contradição entre os factos constante da alínea F) dado como provado e os restantes factos bem como a conclusão face ao probatório de que a ocupação do arruamento não estava incluída quer no licenciamento quer na informação prévia.

9- Aliás resulta do probatório que a demandada requereu a utilização do arruamento junto da CCDR e que tal lhe foi indeferido, v. alíneas Q) e R) do probatório, e que ainda antes de obter qualquer decisão ocupou o arruamento como se extrai da alínea P), do probatório, devendo improceder o alegado.

10- Sucede que, ao contrário do que pretende a recorrente, a ocupação do arruamento em causa ocorreu de forma ilegal e ilícita, e á margem da prática de qualquer acto administrativo, mesmo que inválido, o que deveria desde logo ter conduzido a que as entidades demandadas agissem com maior rapidez e eficácia, com vista à reposição da situação anterior.

11- Quanto à alegada falta de pressupostos para propositura da acção, Sucede que, tal como aliás vinha alegado na petição inicial, o Ministério Publico não necessita na presente acção de apresentar um requerimento dirigido às entidades demandadas com vista à prática de acto devido, nem de aguardar por uma resposta a esse requerimento para poder propor a presente acção tendo em conta o que dispõe o artigo. 68° n° 1 c) do CPTA, que lhe confere, dentro dos limites nele constantes, que abrangem a presente acção, legitimidade para reagir contra situações objetivas de inércia no cumprimento da lei.

12- Sendo certo que, na situação dos autos face à ocupação do arruamento, efectivação de obras ilegais e demais quadro fáctico dado como provado, bem corno face às normas aplicáveis se verifica situação de vinculação legal, por parte as demandadas, no que toca ao poder de ordenar o embargo e subsequente demolição.

13-Pois que perante a ocupação ocorrida e conhecida da CCDR, competia-lhe proceder à intimação e posterior demolição das obras efectuadas no arruamento, como aliás consta do parecer que emitiu em 27/11/2006, alínea X), no qual se concluía pela necessidade de intimar a contra-interessada.

14- Acresce que e desde logo se encontrava excluída a possibilidade de a contra-interessada Albatroz, poder fazer uso do disposto no artigo. 30° n° 3 DL 468/71, isto é invocar que o terreno ocupado lhe pertence porquanto, por um lado, trata-se de um arruamento público e por outro como ficou provado na alínea C) do probatório já em 1992 tinha sido efectuada a delimitação do domínio público marítimo face ao prédio da contra ­interessada nos termos que constam publicados no DR 3a Série de 3/12/92.

15- Ora no caso dos autos, a ocupação efectuada, porque situada em domínio público sem qualquer licenciamento prévio, constituído também por um arruamento público, configura-se como absolutamente clandestina, ilícita e ilegalizável, pelo que o poder de demolição se apresenta desde logo como vinculado por parte da Administração, ou seja, verificada a situação só restava Ministério do Ambiente/CCDR desencadear os mecanismos previstos no artigo. 30°.

16- Acresce que e quanto à oportunidade de agir, v. Acórdão do STA, 1' Sub, de 6-1 1- 1990 (Rec.28440), Acórdão do STA, 2a Sub., de 3-07-90, onde se considera que «a simples inexistência de um prazo legal para a prática do acto não significa que o órgão tenha a liberdade de escolher a oportunidade de agir», e se admite a presunção de indeferimento tácito do requerimento do vizinho urbanístico lesado para ver ordenada a demolição. Neste sentido, é possível hoje pedir a condenação na prática de ordem de demolição, enquanto acto devido mal se torne liquida a insusceptibilidade de legalização», André Folque, obra citada nota de rodapé pág. 277.

17- Quanto à demandada Câmara Municipal de Cascais, verifica-se que pelo menos que igualmente conhecimento da ocupação e que por despacho de 14/12/ 2006 veio esclarecer que o licenciamento por si concedido não contemplou qualquer intervenção nos arruamentos públicos designados como Travessa da …………..e Travessa ………….

18- No entanto não obstante ter conhecimento da ocupação do domínio publico, compreendido pelo arruamento, bem como da colocação dos portões e ajardinamento da estrada a câmara nada fez, com vista a embargar e demolir as obras em causa, que como refere não estavam compreendidas (nem podiam) no licenciamento quer deferiu.

19-Acresce que a câmara estava duplamente obrigada a agir porquanto;
a) Por um lado a situação configurava a ocupação ilegal de um arruamento público que vinha sendo usado para trânsito de peões e viaturas, v. alínea A) do probatório, cuja gestão lhe era atribuída nos termos do disposto no artigo. 16° - b) da Lei 159/99 de 14/9.
b) Por outro a situação em causa revestia o carácter de edificação sem que tivesse ocorrido qualquer licenciamento prévio, sujeita portanto às medidas de tutela da legalidade urbanística previstas no artigo. 102° e segts. do RJUE.

20-Tratando-se de um arruamento público situado em área do domínio público a obra não era legalizável, facto que era do conhecimento da câmara visto que o processo de licenciamento da ampliação das instalações do Chalé ………. efectuado no local onde ocorriam as obras clandestinas tinha também a intervenção da CCDR que nunca autorizou a ocupação do arruamento em causa.

21-A este propósito v. André Folque Obra citada pág. 280, " Cumpre observar ainda que o facto de certa obra se encontrar licenciada ou autorizada por outro órgão ou serviço, nomeadamente da Administração central ou regional, não impede o presidente da câmara municipal de ordenar o seu embargo e demolição, caso esta não se encontre nem possa vir a ser objecto de licença ou de autorização municipal válidas, pois:

as licenças ou contratos de concessão de uso privativo do domínio hídrico por particulares, relacionados com os fins que à Administração Central, através do Ministério do Ambiente e seus serviços regionais, incumbe prosseguir, não substituem outras licenças exigidas por lei, com referência ao acautelamento de outros fins, cuja prossecução está confiada a pessoa colectiva diferente designadamente o licenciamento municipal de construção. (Acórdão do STA, 3a Sub., de 27/2/2002."

22-Nem o facto de a câmara ter procedido ao levantamento de qualquer auto contra-ordenacional (o que nem sequer foi o caso) obstaculizava a que desencadeasse os mecanismos tendentes ao embargo e demolição da obra dado que ...a ordem de demolição não visa a actividade edificatória mas o seu resultado. A actividade quando ilícita essa é sancionada pela aplicação de coima e de eventuais sanções acessórias- André Folque in Curso de Direito da Urbanização e da Edificação pág. 278.

23-Pelo que as razões supra aduzidas no que toca ao Ministério do Ambiente/CCDRLVT se aplicam também aqui, designadamente no sentido de que o poder de demolição se apresenta como vinculado, logo que reconhecida a inidoneidade da operação para se conformar com as prescrições legais e regulamentares, sendo que no caso se configurava claramente situação de obra clandestina, surgindo desde logo vinculado o poder do município, André Folque, obra citada, pág. 278. «A consequência imediata é a de que, na situação em causa, o poder administrativamente exercido deve ser tratado como vinculado quanto aos aspectos relevantes, nomeadamente para efeitos de controlo jurisdicional. O artigo. 71° n° 2 do CPTA reconhece expressamente a possibilidade de redução a zero da margem de livre decisão, ao estabelecer que o tribunal deve determinar os termos do seu exercício quando a apreciação do caso concreto «permita identificar apenas urna solução como legalmente possível».

24-Ocorre ainda que e ao contrário do que alega o recorrente, sendo este poder vinculado não faz sentido procurar imputar-lhe vícios próprios deste tipo de actos como pretende ao invocar violação de princípios gerais de direito administrativo como é o caso do principio da proporcionalidade,

Assim sendo, entende-se que deve improceder o alegado pela recorrente, devendo o douto acórdão manter-se nos seus precisos termos.

*

I.3.

Cumpridos os demais trâmites processuais, importa agora apreciar e decidir em conferência.

I.4.

O objecto do recurso jurisdicional assenta na decisão recorrida e seus fundamentos. Pelo que o âmbito do recurso, delimitado pelo recorrente nas conclusões das suas alegações (conclusões necessariamente sintéticas e com a indicação das normas jurídicas violadas), apenas pode incidir sobre as questões (coisa diversa das considerações, argumentos ou juízos de valor (1)) que tenham sido apreciadas ou devessem ser anteriormente apreciadas, não se podendo confrontar o tribunal superior com questões novas (2) ou cobertas por caso julgado (logicamente, sem prejuízo do conhecimento das questões de conhecimento oficioso) – v. arts. 660º-2 e 684º-3-4 do CPC, ex vi art. 140º do CPTA.

Por isso, no caso sub judice e summo rigore, este tribunal ad quem deve sindicar a decisão jurisdicional recorrida, apreciando dum modo sempre concretizante (e numa perspectiva lógico-objectivante, atenta ao sentido social da normação das situações de vida (3), utilizando a argumentação jurídica como a lógica jurídica a se (4)) o seguinte:
a) Não ocorrem aqui os pressupostos da acção previstos no art. 67º CPTA?
b) A fundamentação do acórdão recorrido é contraditória nos factos D, F e G?
c) Há erro nos pressupostos de facto da sentença quanto à utilização privativa de domínio público hídrico, pois esta já constava da Informação Prévia?
d) Esta ocupação do domínio público não é legalmente impossível, é regularizável (v. DL 46/94)? Até porque a recorrente pode obter a licença de utilização privativa de domínio público hídrico, tem agido com retidão e o troço em causa é irrelevante para o interesse público?
e) A sentença violou o princípio da proporcionalidade? Se os RR atuassem como pretendem o MP e o Tribunal, tal princípio seria violado?
f) A CCDR já não tem as competências pressupostas na condenação aqui impugnada?

*

II. FUNDAMENTAÇÃO

II.1. FACTOS CONSIDERADOS PROVADOS
A)

O arruamento constituído pela Travessa ………… e pela Travessa ……, sito na Vila de Cascais trata-se de um arruamento público, com estatuto de dominialidade e que vem sendo usado para trânsito de peões e de viaturas – ver doc n° 1 junto com a petição inicial e por acordo.
B)

Parte da Travessa da …………integra o domínio público marítimo, ao menos no troço compreendido entre a Rua ………… e o alcantil contíguo ao mar oceânico – ver doc n° 2 junto com a petição inicial.
C)

Através de auto de delimitação efectuado pela Comissão do Domínio Público Marítimo foi delimitado o domínio público marítimo do prédio urbano situado na Rua de …………., 100/102, em Cascais, pertença da ora Contra-interessada, nos termos que constam publicados no Diário da República, 3ª série, de 3.12.1992 – ver docs n° 2 e n° 3 juntos com a petição inicial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
D)

A 18.8.2003 a Contra-interessada apresentou na Câmara Municipal de Cascais um pedido de informação prévia, relativo a ampliação das instalações do Hotel …………, para «o quarteirão que é delimitado a norte pela rua dos Inocentes, a nascente pela Travessa da Conceição e a poente e sul pelo Largo da Praia da Rainha. Este quarteirão é constituído por dois prédios (...).

A localização dos dois edifícios em causa reveste-se de um interesse particular para o Hotel, ao permitir a ligação física com o edifício principal, o que vai evitar a duplicação de um determinado número de equipamentos que seriam obrigatórios caso se tratasse de uma unidade hoteleira autónoma.

Esta ligação terá que ser necessariamente feita pela Travessa …………., através de uma passagem suspensa que continuaria sempre a permitir a passagem de veículos pesados pela dita travessa, nomeadamente os de emergência.

É de referir ... que este troço de arruamento é desde há longos anos quase exclusivamente usado para o acesso à Casa ………., sendo muito mais relevantes as duas outras alternativas existentes de acesso ao Largo da Praia da Rainha, seja pelo beco dos Inocentes, seja pela rua …………..

Menciona-se este facto uma vez que do estudo prévio proposto consta a possibilidade de vir a conceder-se ao hotel uma utilização exclusiva ou de algum modo condicionada à parte dos arruamentos que ficarão entre estas três unidades, o que, ..., permitiria o desaparecimento de vários muros existentes e consequentemente um estudo de arranjos exteriores com um âmbito muito mais abrangente» ver processo administrativo apenso n° 9427.
E)

Por ofício de 18.11.2003 a CMC remeteu à CCDRLVT um exemplar do processo para apreciação – ver processo administrativo apenso n° 9427.
F)

Em informação técnica de 13.4.2004 consta o seguinte: ressalva-se que a proposta de utilização privada compreendida pelo troço entre o Hotel ………. e o Chalé …….. da Travessa …………….. é do ponto de vista estritamente urbanístico viável, devendo, no entanto, esta matéria (desafetação do domínio público) ser objecto de tratamento circunstanciado por parte do Património – ver processo administrativo apenso n° 9427.
G)

A CCDRLVT não se pronunciou dentro do prazo legal para o efeito e o pedido de informação prévia prosseguiu os seus trâmites como se a entidade nada tivesse a opor – ver processo administrativo apenso n° 9427.

II)

A 30.4.2004 a Contra-interessada deu início a um procedimento municipal de licenciamento de obras para o prédio designado por «Chalet ……..», com vista à futura utilização do mesmo como unidade hoteleira, com indicação que o projecto tem como antecedente próximo o estudo prévio nº 10752/03, o qual obteve um parecer favorável transmitido na sequência do despacho de 22.4.2004 – ver fls 181 do processo administrativo apenso n° 6283.

I)

Na memória descritiva pode ler-se: a imagem hoteleira do Hotel ………….., fortemente ligada à presença do mar, alia-se contudo à recuperação e valorização da imagem arquitetónica deste edifício, pelo que a sua manutenção assumiu desde logo uma importância fundamental.

Ligado ao edifício principal do Hotel …………… através de uma passagem suspensa, esta será nivelada com o patamar da escada do 2º andar existente no Hotel, vencendo depois o desfasamento existente entre os pisos dos dois edifícios, já dentro da nossa área de intervenção.

As obras dentro do Hotel são diminutas, limitando-se à abertura de duas portas na sua parede exterior, sendo uma para acesso interior através da referida passagem suspensa e outra no R/c, para acesso exterior ao R/c do «Chalet ………» através da Travessa …………..

(...).

Mantém-se a possibilidade de ligação a uma futura ampliação, conforme proposto no estudo prévio, pelo que se preservou o acesso à fachada poente através do corredor dos quartos – ver fls 194 do processo administrativo apenso n° 6283.
J)

A 16.7.2004 a Câmara Municipal de Cascais enviou à CCDRLVT, para emissão de um parecer, o projecto apresentado e que a entidade decorridos mais de três meses não se pronunciou sobre o projecto – ver fls 315 do processo administrativo apenso n° 6283.
K)

No dia 7.10.2004 a Câmara Municipal de Cascais aprovou o projecto de arquitectura apresentado pela contra-interessada, determinou a reformulação do projecto de arranjo do largo Praia da Rainha e que a utilização do espaço público fosse objecto de enquadramento jurídico bem como de deliberação de Câmara – ver fls 181 e 310 do processo administrativo apenso n° 6283.
L)

No dia 10.1.2005 o Presidente da Câmara Municipal aprovou os projectos de especialidades – ver processo administrativo apenso n° 6283.
M)

A 21.1.2005 foi emitido um parecer técnico com o teor seguinte: «propõe-se o deferimento da pretensão com a emissão de uma licença parcial para construção da estrutura (...).

O licenciamento parcial será emitido por um período de 7 meses, condicionado a:

- a obra na sua globalidade só será licenciada após o estabelecimento das condições de utilização do espaço público e seu enquadramento jurídico, a cedência das parcelas de terreno conforme projecto aprovado e a junção ao processo dos pareceres favoráveis do SNB e do Centro de Saúde – ver doc n° 6 junto com a petição inicial.
N)

A 21.1.2005 foi proferido o despacho de licenciamento nas condições estabelecidas na informação que antecede – ver doc n° 6 junto com a petição inicial.
O)

A 25.1.2005 foi emitido o alvará de licença parcial de obras n° 95, titulado a favor da Contra-interessada, com os:

Condicionamentos que devem ser cumpridos com a emissão da presente licença parcial de estrutura:

A obra na sua globalidade só será licenciada após o estabelecimento das condições de utilização do espaço público e seu enquadramento jurídico, a cedência das parcelas de terreno conforme projecto aprovado e a junção ao processo dos pareceres favoráveis do SNB e do Centro de Saúde – ver doc n° 7 junto com a petição inicial.
P)

Em data não apurada, mas antes do final do ano de 2005, a Contra-interessada colocou dois portões, ambos de duas folhas e em ferro, apoiados em alvenaria de pedra, a vedar as duas entradas do arruamento público - parte da Travessa ………… e toda a Travessa ……….– e ajardinou a área correspondente ao piso de alcatrão da via – por acordo e ver fls 268 do processo administrativo apenso da CCDRLVT.
Q)

A 20.7.2005 a Contra-interessada, referente à ampliação das atuais instalações do Hotel ………., apresentou na CCDRLVT um pedido de licença de utilização do domínio hídrico para fins de construção e uso privativo – ver fls 38 do processo administrativo apenso da CCDR.
R)

Por ofício da CCDR-LVT, de 7.1.2006, a Contra-interessada foi notificada nos termos que seguem:

Na sequência da V solicitação, relativa à emissão de uma licença de utilização do domínio hídrico para fins de construção e uso privativo, requerida nos termos do DL nº 46/94, de 22.2, informa-se V Exa. do seguinte:
1. A proposta em apreço diz respeito à ampliação de edifício existente (Hotel ………) e ainda à afectação para uso privativo do hotel do arruamento público denominado por «Travessa da Conceição», anexo ao mesmo hotel.
2. (...).
3. (...).
4. No que diz respeito à questão do arruamento anexo ao hotel e que desemboca no Largo da Praia da Rainha (Travessa da Conceição) como será do conhecimento de V Exa. tratando-se de um arruamento em área do Domínio Público Marítimo, localizado em área de jurisdição do Instituição da Água, a alteração do uso de tal parcela pública encontra-se sujeita a licenciamento por parte desta Comissão, atenta a legislação em curso.

De acordo com a nossa doutrina e jurisprudência, reconhecendo-se como princípios orientadores do domínio público o da inalienabilidade, da imprescritibilidade e da impenhorabilidade, estão os bens que o integram fora do comércio jurídico privado.

Em congruência com estes princípios encontra-se subtraída qualquer possibilidade de alienação a favor de particulares, ou melhor não é possível em termos de direito privado serem constituídos a favor de particulares direitos subjectivos sobre bens do domínio público.

A acrescer importará ter presente o teor do despacho do Sr. Ministro do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional, datado de 24 de Outubro último, onde a temática do acesso ao litoral e dos obstáculos que frequentemente lhe são levantados, sendo determinante a imposição de procedimentos por parte da Administração tendentes à sua remoção.

Assim, à luz dos princípios que se apresentaram e ao abrigo do determinado pelo despacho ministerial, considera-se que o arruamento público existente entre o hotel ………… e a sua ampliação que, ainda que pedonal, servia a Casa de Hóspedes …………. e permitia o acesso a uma praça, deverá manter esse estatuto de arruamento público, pelo que se indefere o pedido de licenciamento para uso privativo do mesmo» – ver doc n° 8 junto com a petição inicial.
S)

A 10.4.2006 o fiscal municipal participou que ALBATROZ – Actividades Hoteleiras, SA, ... levou a efeito, sem que para tal possuísse a respectiva licença ou autorização administrativa a ampliação das atuais instalações do Hotel ………., mediante a intervenção no edifício implantado a poente, designado «Chalet ……», cujas áreas dos diversos pisos totalizam 423,55m2, sita em Largo da Praia da Rainha, em Cascais – ver docs n° 2 e 3 juntos com a contestação do Município.
T)

A participação deu origem ao processo de demolição n° 75/2006, em nome da ora Contra-interessada – ver doc n° 3 junto com a contestação do Município.
U)

O processo de demolição culminou, no dia 15.11.2006, com a notificação à ora Contra-interessada do projecto de despacho a ordenar a demolição dos trabalhos executados ilegalmente – ver doc n° 5 junto com a contestação do Município.
V)

Pronunciando-se em sede de audiência prévia, a Contra-interessada alegou que se encontrava pendente na CCDR-LVT o processo de legalização das obras. Nesses termos solicitou a Contra-interessada que o processo de demolição fosse suspenso – ver doc n° 6 junto com a contestação do Município.
W)

Por despacho de 21.11.2006, do Vereador da Câmara Municipal de Cascais, o processo de demolição foi suspenso até que a CCDR-LVT decidisse quanto a susceptibilidade de legalização da obra – ver doc n° 7 junto com a contestação do Município.

X)

A 27.11.2006 foi emitido um parecer, inserto a fls 255 e 256 do processo administrativo apenso pela CCDR, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, de que se transcreve o seguinte:

«Esta pronúncia favorável mostra-se de carácter urgente, porquanto conforme nos foi demonstrado pelo representante do ……….., praticou a Câmara Municipal de Cascais um acto administrativo ainda que sob a forma de projecto de decisão, que aponta para a demolição da obra de ampliação, uma vez que não exibiu ainda a ……, junto daquela edilidade, o título de ocupação do domínio público marítimo, a saber a licença prevista no DL n° 46/94, de 22.2.

Aliás a ……………. veio já, em dois momentos distintos, a saber em 22.6 e em 6.7.2006, suscitar a questão da emissão da licença de domínio público marítimo razão pelo que devem os serviços da DSLI de imediato proceder à emissão do título em causa sob pena de se poder vir a criar uma situação de ausência de resposta, o que nos termos do procedimento administrativo implica uma inobservância dos princípios que o enfermam.

Associada a esta questão mas, que deverá, na nossa óptica ser tratada de modo autónomo, existe a questão do arruamento da Travessa …………… e da sua afectação a uso exclusivo do hotel.

Este troço de arruamento, tal como decorre do despacho transcrito e tendo por base os argumentos da informação n° 683/GJ, de 23.12.2005, não pode continuar encerrado ao público, devendo consequentemente retomar o fim público que se lhe reconhecia.

Esta posição da CCDR está suficientemente tratada em pareceres internos e foi dada a conhecer ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, instância na qual correm termos conducentes a uma eventual instauração de acção pública administrativa tendente à regularização da situação.

(...).

Quanto ao arruamento importa, pois, que, ao abrigo do estatuído no art 89° do DL n° 46/94, de 22.2, se intime a ……………. a proceder num prazo adequado ao levantamento do portão que nesta data fecha a referida travessa desta posição deve ser dado de imediato conhecimento ao Tribunal» – ver processo administrativo apenso.
Y)

Em 29.11.2006 a CCDRLVT emitiu à Contra-interessada a licença n° 01Cas/06/DPM, de que consta: «é conferida a presente licença de ocupação do domínio público marítimo relativa à ampliação das atuais instalações do Hotel Albatroz, sito na freguesia e conselho de Cascais. Esta licença reporta-se às obras de construção que no âmbito da ampliação do hotel Albatroz incidiram sobre o Chalé …………., também conhecido por Casa …….. e que foram objecto de licenciamento municipal por parte da Câmara Municipal de Cascais» – ver fls 275 do processo administrativo apenso junto pela CCDRLVT e ver doc n° 1 junto aos autos em 7.10.2008.
Z)

Em 14.12.2006 o Presidente da Câmara Municipal de Cascais deferiu o pedido de licenciamento para obras de ampliação e alteração, «condicionado à regularização do espaço público envolvente ao edifício a recuperar» – ver fls 176 a 179 do processo administrativo apenso n° 6283/2004.

AA)

A presente acção entrou em juízo no dia 9.2.2007 – ver petição inicial.

BB)

Em informação de 3.4.2007, sobre o assunto: despacho de 14.12.2006 – clarificação, consta o seguinte:

«5. (...).
a) as peças desenhadas (...).
b) Das mesmas se retira que a área de implantação da operação urbanística objecto de licenciamento incide apenas e tão só sobre o prédio denominado Chalé ………….. e sobre o espaço aéreo afecto ao domínio público marítimo, cuja ocupação foi licenciada pela CCDRLVT.
c) O licenciamento em causa não contemplou qualquer intervenção nos arruamentos públicos designados como Travessa da ……. e Travessa …….., cuja ocupação dependia das disposições legais e regulamentares aplicáveis.

d) Por conseguinte, o deferimento da autorização de utilização incidirá apenas sobre a obra objecto de licenciamento» – ver fls 179 do processo administrativo apenso.

CC)

Em 27.4.2007 foi emitido o alvará de obras de alterações n° 471, com validade até 17.4.2009, dele constando que o alvará de utilização dos edifícios só será emitido após, nomeadamente regularização do Espaço Público envolvente ao edifício a recuperar B – ver fls não numeradas do processo administrativo apenso n° 6283/2004.

II.2. APRECIAÇÃO DO RECURSO (5)

O - DOMÍNIO PUBLICO

O tribunal recorrido condenou o Ministério e a CM cits. a concretizarem a eliminação e a demolição daquilo que a C-I construiu no arruamento público cit. (v. art 89° do DL n° 46/94 (6) e art 30° do DL n° 468/71(7) ; e arts. 106º e 107º do RJUE).

O arruamento constituído pela Travessa da ………. e pela Travessa …., sito na Vila de Cascais, é um arruamento público com estatuto de dominialidade. Parte da Travessa ………. integra o domínio público marítimo, ao menos no troço compreendido entre a Rua …………. e o alcantil contíguo ao mar oceânico, por se situar na margem de 50 metros a contar do alcantil da arriba e nos termos definidos pelas disposições dos arts. 3°, n° 1, n° 2 e n° 6 e art 5° do DL 468/71, de 5.11, com a redacção dada pela Lei n° 16/2003, de 4.6 (diploma que estatui o regime jurídico dos terrenos do domínio público hídrico), e dos arts 3°, al e), 4° e 11°, n° 1, 2 e 6 da Lei n° 54/2005, de 15.11 (que estabelece a titularidade dos recursos hídricos).

O arruamento em causa é, portanto, do domínio público.

Sucede que a Contra-interessada, no ano de 2005, colocou dois portões, ambos de duas folhas e em ferro, apoiados em alvenaria de pedra, a vedar as duas entradas do arruamento público – parte da Travessa ……… e toda a Travessa …………. – e ajardinou a área correspondente ao piso de alcatrão da via.

Mas, nem os projectos aprovados no âmbito do procedimento de licenciamento de obras para o prédio designado por «Chalet ………», com vista à ampliação da unidade hoteleira do Hotel ……….., nem o pedido de informação prévia, contemplam qualquer intervenção no arruamento público constituído pela Travessa da ………. e Travessa ………...

Os factos provados nas als F), M), N), O), R), X), Y), Z), BB), CC) do probatório deixam bem vincada a não inclusão pela CCDRLVT e pela Câmara Municipal de Cascais dos dois portões, ambos de duas folhas e em ferro, apoiados em alvenaria de pedra, a vedar as duas entradas do arruamento público – parte da Travessa ………. e toda a Travessa …………… – e o ajardinamento da área correspondente ao piso de alcatrão da via.

Aliás, após a instauração dos presentes autos, em 3.4.2007, o Município viu-se na necessidade de clarificar que:

- por um lado, a área de implantação da operação urbanística objecto de licenciamento incide apenas e tão só sobre o prédio denominado Chalé ……….. e sobre o espaço aéreo afecto ao domínio público marítimo, cuja ocupação foi licenciada pela CCDRLVT.

- por outro lado, o licenciamento em causa não contemplou qualquer intervenção nos arruamentos públicos designados como Travessa da ……… e Travessa …………….., cuja ocupação dependia das disposições legais e regulamentares aplicáveis. Por conseguinte, o deferimento da autorização de utilização incidirá apenas sobre a obra objecto de licenciamento.

Também a CCDRLVT, em 27.11.2006, assumiu claramente que a questão do arruamento da Travessa da Conceição e da sua afectação a uso exclusivo do hotel tinha de ser tratada autonomamente. A CCDR escreveu, então, que «este troço de arruamento, tal como decorre do despacho transcrito e tendo por base os argumentos da informação n° 683/GJ, de 23.12.2005, não pode continuar encerrado ao público, devendo consequentemente retomar o fim público que se lhe reconhecia. Esta posição da CCDR está suficientemente tratada em pareceres internos e foi dada a conhecer ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, instância na qual correm termos conducentes a uma eventual instauração de acção pública administrativa tendente à regularização da situação. (...)».

Não há, enfim, qualquer documento nos processos administrativos que comprove que as demandadas tenham desencadeado qualquer mecanismo procedimental com vista à desocupação do arruamento cit. pela contra-interessada, não obstante terem obrigação legal de o fazer, tanto mais que a ocupação ocorreu no ano de 2005, no decurso da operação urbanística licenciada em 29.11.2006 pela CCDRLVT e em 14.12.2006, pela Câmara Municipal de Cascais.

Está aqui em causa a ocupação (não titulada) pela C-I de um arruamento público. Nem mais, nem menos.

Quanto ao domínio público, o legislador constitucional seguiu o critério da reserva de lei e, por isso, saber se um determinado bem pertence ao domínio público ou ao domínio privado há-de resultar da consulta da CRP e de legislação específica (v. assim DIOGO FREITAS DO AMARAL, D.P., 1967, in Estudos de Direito Público…, 2004, I, p. 561 ss; ANTÓNIO PEREIRA DA COSTA, O Novo Regime do Domínio Público Ferroviário …, in Scientia Ivridica, nº 297, p. 476; ANA RAQUEL MONIZ, O Domínio Público…, 2005, pp. 119-123).

Pertencem ao domínio público, segundo o art. 84º da CRP:

a) As águas territoriais com os seus leitos e os fundos marinhos contíguos, bem como os lagos, lagoas e cursos de água navegáveis ou flutuáveis, com os respectivos leitos;

b) As camadas aéreas superiores ao território acima do limite reconhecido ao proprietário ou superficiário;

c) Os jazigos minerais, as nascentes de águas mineromedicinais, as cavidades naturais subterrâneas existentes no subsolo, com excepção das rochas, terras comuns e outros materiais habitualmente usados na construção;

d) As estradas;

e) As linhas férreas nacionais;

f) Outros bens como tal classificados por lei.

O domínio público (hídrico, aéreo, mineiro, da circulação, monumental, cultural, artístico e militar) é o conjunto de coisas que, pertencendo a uma pessoa colectiva de direito público e território, são submetidas por lei, dado o fim de utilidade pública a que se encontram afetadas (por acto administrativo ou por mero facto), a um regime jurídico especial caracterizado fundamentalmente pela sua incomerciabilidade absoluta, em ordem a preservar a produção dessa utilidade pública. (8)

Já antes da democracia era assim (cf. MARCELLO CAETANO, Manual…, II, p. 899 ss).

A atribuição do carácter dominial depende de um ou vários dos seguintes requisitos:

- Existência de preceito legal que inclua toda uma classe de coisas na categoria do domínio público,

- Declaração de que certa e determinada coisa pertence a essa classe,

- Afectação dessa coisa à utilidade pública (esta pode ocorrer por usucapião (9)).

Relevam no caso presente os cits. arts. 3°-1-2-6 e art 5° do DL 468/71, e os cits. arts. 3°-al e), 4° e 11°-1-2-6 da Lei n° 54/2005.

Quanto à extinção do domínio público, notemos que a mesma só pode logicamente ocorrer nas seguintes situações:

- Desaparecimento da utilidade pública,

- Aparecimento de um fim de interesse geral que seja mais convenientemente preenchido noutro regime; ou desafetação por acto legislativo ou administrativo ou ainda por passagem ao domínio privado da Ad. Pública (MARCELLO CAETANO, Manual…, II, 10ª ed., p. 956 ss),

- Talvez a posse particular desde tempo imemoriais de coisa antes pública (assim, v. ANA RAQUEL MONIZ, O Domínio Público…, p. 428 ss, maxime p. 434 ss).

1 - PRESSUPOSTOS DA ACÇÃO PREVISTOS NO ART. 67º CPTA

O art. 68º-1-c do CPTA (10) dispensa o prévio requerimento à Adm. P. (v. arts. 66º e 67º CPTA) pelo MP quando ali se prevê a acção pública para as situações de omissão ilegal em que o dever objetivo de praticar o ato administrativo resulte diretamente da lei e esteja em causa a ofensa de direitos fundamentais, de um interesse público especialmente relevante ou de a saúde pública, o ambiente, o urbanismo, o ordenamento do território, a qualidade de vida, o património cultural e os bens do Estado, das Regiões Autónomas e das autarquias locais (assim MÁRIO AROSO…, Manual…, p. 246-247 e 319).

Ora, no caso presente está em causa um bem do Estado, uma coisa do domínio público, uma rua.

Em tais situações, portanto, não há necessidade de prévio requerimento pelo MP à Adm. P., pressuposto no art. 67º CPTA.

Improcede, portanto, este ponto das conclusões do recurso.

Além disso, espelhando algum atrevimento processual da C-I, esta parece esquecer que os factos provados demonstram que ambos os RR expressaram clara discordância quanto à ocupação do arruamento e que, na vertente marítima (que não inutiliza a dominialidade decorrente de se tratar de um arruamento público), até já ocorrera há muito a delimitação do domínio público marítimo quanto ao seu prédio, sendo pois tudo muito claro. Veja-se que a C-I não invoca, logicamente, que é dona do arruamento (v. neste caso o art. 30º-3 cit.: “Se, porém, o interessado sustentar que o terreno ocupado lhe pertence, deverá requerer a respectiva delimitação, podendo a entidade competente autorizar provisoriamente a continuidade da utilização privativa, nos termos do n.º 3 do artigo 24.º”).

Mas, quanto a saber se os RR tinham e têm o dever objetivo, legal, de praticar o ato administrativo de mandar demolir ou de demolir a obra ilegal, veremos melhor à frente, onde analisaremos se a objetiva inércia ou passividade dos RR violou ou não um dever legal de agir (situação pressuposta no art. 67º CPTA).

2 – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA

A fundamentação do acórdão recorrido é contraditória nos factos D (11), F (12) e G (13)?

Não. Não tem razão a recorrente. De todo.

De tal factualidade resulta um conjunto claro e coerente, no sentido de que a recorrente pretendeu ampliar o seu hotel, nunca referindo à CM a ocupação terrestre do arruamento público e apenas fazendo uma menção subtil de que “do estudo prévio proposto consta a possibilidade de vir a conceder-se ao hotel uma utilização exclusiva ou de algum modo condicionada à parte dos arruamentos que ficarão entre estas três unidades, o que, ..., permitiria o desaparecimento de vários muros existentes e consequentemente um estudo de arranjos exteriores com um âmbito muito mais abrangente”.

Além disso, a CM falou logo em “desafetação do domínio público”.

A CCDR nada disse. Nada autorizou.

Além disso, os factos sob Q (14), P (15) e R (16) são esclarecedores de que a recorrente não tem a mínima razão neste ponto.

A CCDR até expressamente indeferiu um pedido da C-I de licenciamento para uso privativo do arruamento.

Improcede, portanto, este ponto das conclusões do recurso.

3 - ERRO NOS PRESSUPOSTOS DE FACTO DA SENTENÇA

Há erro nos pressupostos de facto da sentença quanto à utilização privativa de domínio público hídrico, pois esta já constava da Informação Prévia?

Do factos D e G supra resulta que a Informação Prévia nada tinha a ver com a ocupação terrestre do arruamento público. A C-I apenas falou numa ligação suspensa, e não nos portões e jardim.

Improcede, portanto, este ponto das conclusões do recurso.

4 – OBRA ILEGAL LEGALIZÁVEL. PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE

Esta ocupação do domínio público não é legalmente impossível, é regularizável (v. DL 46/94)? Até porque a recorrente pode obter a licença de utilização privativa de domínio público hídrico (arts. 50 e ss. (17), e 550 e ss., do DL n0 46/94 (18)), tem agido com retidão e o troço em causa é irrelevante para o interesse público? A sentença violou o princípio da proporcionalidade? Se os RR atuassem como pretendem o MP e o Tribunal, tal princípio seria violado?

Vejamos.

Uma obra de edificação que seja ilegal e ilegalizável deve ser demolida, sendo que, em princípio, a demolição deve ser precedida de ponderação da regularização por parte da Adm. P. e de audição prévia do autor da obra ilegal (v. art. 106ºss RJUE). Entroncam nesta afirmação parâmetros de legalidade e de proporcionalidade impostos pela CRP (como se afirma nos AcSTA de 29-11-2006/p. nº 633/04 (19), de 2-2-05/p. nº 633/04 (20), de 19-5-1998/p. nº 43433 (21), e de 24-10-1991, p. nº 26750 (22)), bem como uma especial atenção aos ónus dos interessados sob pena de benefício do infrator e inversão do ónus da prova (assim, v. o AcTC nº 457/2001 no p. nº 189/97) – v. ainda CARLA AMADO GOMES, anotação in CJA nº 19, p. 39ss; DULCE LOPES, anotação in CJA nº 65, p. 27ss; FERNANDA P. OLIV. et al., RJUE Comentado, 3ª ed., p. 663ss.

No caso presente, a obra que a C-I fez no arruamento público cit. não teve licença e tanto o Ministério cit. (CCDR) como a câmara municipal expressaram antecipada e claramente a sua oposição à ocupação do domínio público cit., que não é só hídrico.

A C-I, no entanto, ignorou até hoje tais entendimentos das entidades competentes para aprovar em abstrato ampliações de hotel e edificações.

Ora, a verdade é que esta obra, num arruamento público, é ilegalizável, já que o domínio público não pode ser apropriado por particulares e não pode ser comerciado ou objeto de tráfego jurídico por qualquer modo, a não ser que ocorra uma desafetação da coisa por motivo de interesse público/bem comum, aspeto aqui fora de questão.

E era e é suscetível de demolição por isso mesmo e ainda porque o interessado viu ambos os RR rejeitarem expressamente a cit. ocupação por várias vezes, antes e depois dela ocorrer.

Pelo que demolir tal obra nestas circunstâncias concretas é algo imposto por lei (DL 46/94, DL 468/71 e RJUE) e, assim, não viola o princípio da proporcionalidade administrativa (segundo o qual as condutas administrativas devem ser as adequadas ao fim prosseguido e as menos lesivas no concreto para os interesses envolvidos, devendo ainda evitar que os custos da atuação administrativa escolhida sejam manifestamente superiores aos benefícios a esperar: adequação, necessidade e razoabilidade – v. MARCELO REBELO DE SOUSA et al., D. Adm. Geral, I, p. 207ss).

Ora, neste quadro, ante a inércia da C-I durante quase 3 anos (de 2005, 2006 e 2007) quanto à remoção da ilegalidade cit. (de obra ilegalizável), ilegalidade absoluta essa perfeitamente conhecida dos RR e da C-I desde 2005, o art. 106º RJUE e o princípio da legalidade administrativa imponham à Adm. P. competente que atuasse num prazo razoável de acordo com o seu lícito entendimento da impossibilidade de legalização, sob pena de violação dos seus deveres de reporem a legalidade. Tais deveres estão consignados nos cits. arts.
· 89º-1 do DL 46/94 (regime de licenciamento da utilização do domínio hídrico, sob jurisdição do Instituto da Água) (23), 30º-1-2 do DL 468/71 (regime jurídico dos terrenos do domínio público hídrico) (24),
· 16º-b da Lei 159/99 (atribuições e competências das autarquias locais) e 106º do RJUE.

O prazo razoável indicativo, a nosso ver, não pode ser superior a 3 meses (prazo para invocar em juízo a anulabilidade) desde que a situação de ilegalidade foi conhecida do interessado e da Adm. P.

Aqui o prazo decorrido foi de mais de 2 anos. Tendo, assim, a Adm. P. violado o seu dever de repor a legalidade, durante quase 3 anos, sujeita-se à condenação prevista nos arts. 66ºss CPTA.

Improcede, portanto, este ponto das conclusões do recurso.

5 – COMPETÊNCIAS DA CCDR (E DA CÂMARA MUNICIPAL)

A CCDR já não tem as competências pressupostas na condenação aqui impugnada?

Trata-se de uma questão irrelevante, porque tinha aquando do ac. recorrido e sempre há entidade pública que sucede nas respetivas atribuições e competências, sendo ainda certo que o tribunal recorrido condenou o Ministério.

Além disso, quanto à CMC, essa, tem o dever de agir quanto a uma obra ilegalizável, como resulta do antes explanado e do facto provado sob A e dos arts. 16º-b da Lei 159/99 (25), 102ºss do RJUE (26) e 71º-2 do CPTA (27).

Improcede, portanto, este ponto das conclusões do recurso.

*

III- DECISÃO

Pelo exposto, acordam os Juizes da Secção do Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul em julgar o recurso improcedente.

Custas a cargo da recorrente.

Lisboa, 26-4-2012

(Paulo Pereira Gouveia - relator) ________________________________________

(António C. da Cunha) _________________________________________________

(J. Fonseca da Paz) ___________________________________________________
(1) Até porque “de minimis non curat praetor”, pois o juiz moderno, em democracias massificadas, tem de aliar a preocupação moderada com a quantidade à preocupação com a qualidade técnico-jurídica.
Qualidade e quantidade exigem sentenças com relatórios sintéticos esclarecedores e com uma fundamentação jurídica (breve e simples ou profunda e complexa) conforme à simplicidade ou à complexidade do caso a resolver.
(2) Daqui ser essencial que se tenha presente o analisado na decisão recorrida e o invocado nos articulados.
(3) Assim: BAPTISTA MACHADO, Prefácio, in HANS KELSEN, A Justiça e o Direito Natural, Almedina, 2001, p. 14ss.
(4) Portanto, uma lógica informal – assim: CHAIM PERELMAN, Ética e Direito, Ed. Martins Fontes (S. Paulo, Brasil), 1996, p. 490ss.
A lógica em sentido estrito, a formal, essa, diferentemente, pode ser definida como a análise de relações entre proposições com vista a uma definição exacta do conceito de demonstração, utilizando uma linguagem formal. É o caso da Matemática. Não é o caso do Direito (ou da Economia). Mas o raciocínio, seja na Matemática ou no Direito, é sempre composto por uma ou mais premissas, terminando com uma conclusão.
Sobre a estrutura lógica da sentença, citando BETTI, cfr. MANUEL DE ANDRADE, N.E.P.C., 1979, p. 295ss.
Entendemos o quadro filosófico judiciário como um lugar científico-social em que o juiz não se contenta com a forma lógica, antes exige argumentos não falaciosos e não prescinde de referências ao conteúdo material das proposições e ao contexto material da argumentação. Por isso também, o juiz, quando julga, não age como um académico ou como um matemático.
E por isso é muito delicado e frequentemente impossível para o juiz a utilização da “lógica da estrutura dos princípios legais” de jusfilósofos como ROBERT ALEXY (talvez espelhando isto, v. a nota prévia nº (ii) de PEDRO MONIZ LOPES, in Princípio da Boa Fé e Decisão Administrativa, ed. Almedina, 2011, p.12 – tese de mestrado na FDL).
(5) Sobre os tribunais administrativos recai o sagrado dever de fazer cumprir a lei e o Direito em toda a extensão em que a conduta da Administração se deva pautar por regras e princípios jurídicos, assim se proporcionando a adequada tutela jurisdicional. Esta é especialmente necessária numa sociedade com pouca efetividade das leis.
(6) Artigo 89.º Reposição da situação anterior à infracção
1 - A DRARN pode ordenar que se proceda à reposição da situação anterior à infracção, fixando concretamente os trabalhos ou acções a realizar e o prazo para a sua execução.
2 - A ordem de reposição é antecedida de audição do infrator, que dispõe de 15 dias a contar da data da sua notificação para se pronunciar sobre o conteúdo da mesma.
3 - Decorrido o prazo referido no n.º 1 sem que a ordem de reposição seja cumprida, a DRARN procede aos trabalhos e acções necessários, por conta do infrator.
4 - Os documentos que titulam as despesas realizadas por força do número anterior, quando não forem pagas voluntariamente pelo infrator no prazo de 20 dias a contar da sua notificação, servem de título executivo.
(7) Artigo 30.º Utilização abusiva
1 - Se for abusivamente ocupada qualquer parcela dominial, ou nela se executarem indevidamente quaisquer obras, a entidade competente intimará o contraventor a desocupar o domínio ou a demolir as obras feitas no prazo que lhe for marcado.
2 - Decorrido o prazo fixado sem que a intimação se mostre cumprida, e sem prejuízo da aplicação das penas que no caso couberem ou da efectivação da responsabilidade civil do contraventor pelos danos que causar, a entidade competente assegurará o destino normal da parcela ocupada, designadamente pelo recurso à força pública, ou mandará demolir as obras por conta do contraventor, sendo as despesas cobradas pelo processo de execução fiscal, servindo de título executivo certidão passada pela entidade competente para ordenar a demolição, extraída de livros ou documentos donde conste a importância da despesa e com os demais requisitos exigidos no artigo 156.º do Código de Processo das Contribuições e Impostos.
3 - Se, porém, o interessado sustentar que o terreno ocupado lhe pertence, deverá requerer a respectiva delimitação, podendo a entidade competente autorizar provisoriamente a continuidade da utilização privativa, nos termos do n.º 3 do artigo 24.º
(8) JOSÉ PEDRO FERNANDES, DJAP, IV, 1991, p. 166; ANA RAQUEL MONIZ, O Domínio Público…, 2005, p. 112 ss.
(9) V. assim MARCELLO CAETANO, Manual…, II, 10ª ed., p. 924.
(10) Artigo 68.º Legitimidade
1 - Tem legitimidade para pedir a condenação à prática de um acto administrativo legalmente devido:
a) Quem alegue ser titular de um direito ou interesse legalmente protegido, dirigido à emissão desse acto;
b) Pessoas colectivas, públicas ou privadas, em relação aos direitos e interesses que lhes cumpra defender;
c) O Ministério Público, quando o dever de praticar o acto resulte directamente da lei e esteja em causa a ofensa de direitos fundamentais, de um interesse público especialmente relevante ou de qualquer dos valores e bens referidos no n.º 2 do artigo 9.º;
d) As demais pessoas e entidades mencionadas no n.º 2 do artigo 9.º
2 - Para além da entidade responsável pela situação de omissão ilegal, são obrigatoriamente demandados no processo os contra-interessados a quem a prática do acto omitido possa directamente prejudicar ou que tenham legítimo interesse em que ele não seja praticado e que possam ser identificados em função da relação material em causa ou dos documentos contidos no processo administrativo.
(11) D)
A 18.8.2003 a Contra-interessada apresentou na Câmara Municipal de Cascais um pedido de informação prévia, relativo a ampliação das instalações do Hotel Albatroz, para «o quarteirão que é delimitado a norte pela rua dos Inocentes, a nascente pela Travessa da Conceição e a poente e sul pelo Largo da Praia da Rainha. Este quarteirão é constituído por dois prédios (...).
A localização dos dois edifícios em causa reveste-se de um interesse particular para o Hotel, ao permitir a ligação física com o edifício principal, o que vai evitar a duplicação de um determinado número de equipamentos que seriam obrigatórios caso se tratasse de uma unidade hoteleira autónoma.
Esta ligação terá que ser necessariamente feita pela Travessa da Conceição, através de uma passagem suspensa que continuaria sempre a permitir a passagem de veículos pesados pela dita travessa, nomeadamente os de emergência.
É de referir ... que este troço de arruamento é desde há longos anos quase exclusivamente usado para o acesso à Casa D Nuno, sendo muito mais relevantes as duas outras alternativas existentes de acesso ao Largo da Praia da Rainha, seja pelo beco dos Inocentes, seja pela rua Frederico Arouca.
Menciona-se este facto uma vez que do estudo prévio proposto consta a possibilidade de vir a conceder-se ao hotel uma utilização exclusiva ou de algum modo condicionada à parte dos arruamentos que ficarão entre estas três unidades, o que, ..., permitiria o desaparecimento de vários muros existentes e consequentemente um estudo de arranjos exteriores com um âmbito muito mais abrangente» ver processo administrativo apenso n° 9427.
(12) F)
Em informação técnica de 13.4.2004 consta o seguinte: ressalva-se que a proposta de utilização privada compreendida pelo troço entre o Hotel Albatroz e o Chalé Mary da Travessa da Conceição é do ponto de vista estritamente urbanístico viável, devendo, no entanto, esta matéria (desafetação do domínio público) ser objecto de tratamento circunstanciado por parte do Património – ver processo administrativo apenso n° 9427.
(13) G)
A CCDRLVT não se pronunciou dentro do prazo legal para o efeito e o pedido de informação prévia prosseguiu os seus trâmites como se a entidade nada tivesse a opor – ver processo administrativo apenso n° 9427.
(14) Q)
A 20.7.2005 a Contra-interessada, referente à ampliação das atuais instalações do Hotel Albatroz, apresentou na CCDRLVT um pedido de licença de utilização do domínio hídrico para fins de construção e uso privativo – ver fls 38 do processo administrativo apenso da CCDR.
(15) P)
Em data não apurada, mas antes do final do ano de 2005, a Contra-interessada colocou dois portões, ambos de duas folhas e em ferro, apoiados em alvenaria de pedra, a vedar as duas entradas do arruamento público - parte da Travessa da Conceição e toda a Travessa Asse Três – e ajardinou a área correspondente ao piso de alcatrão da via – por acordo e ver fls 268 do processo administrativo apenso da CCDRLVT.
(16) R)
Por ofício da CCDR-LVT, de 7.1.2006, a Contra-interessada foi notificada nos termos que seguem:
Na sequência da V solicitação, relativa à emissão de uma licença de utilização do domínio hídrico para fins de construção e uso privativo, requerida nos termos do DL nº 46/94, de 22.2, informa-se V Exa. do seguinte:
1. A proposta em apreço diz respeito à ampliação de edifício existente (Hotel Albatroz) e ainda à afectação para uso privativo do hotel do arruamento público denominado por «Travessa da Conceição», anexo ao mesmo hotel
2. (...).
3. (...).
4. No que diz respeito à questão do arruamento anexo ao hotel e que desemboca no Largo da Praia da Rainha (Travessa da Conceição) como será do conhecimento de V Exa. tratando-se de um arruamento em área do Domínio Público Marítimo, localizado em área de jurisdição do Instituição da Água, a alteração do uso de tal parcela pública encontra-se sujeita a licenciamento por parte desta Comissão, atenta a legislação em curso.
De acordo com a nossa doutrina e jurisprudência, reconhecendo-se como princípios orientadores do domínio público o da inalienabilidade, da imprescritibilidade e da impenhorabilidade, estão os bens que o integram fora do comércio jurídico privado.
Em congruência com estes princípios encontra-se subtraída qualquer possibilidade de alienação a favor de particulares, ou melhor não é possível em termos de direito privado serem constituídos a favor de particulares direitos subjectivos sobre bens do domínio público.
A acrescer importará ter presente o teor do despacho do Sr. Ministro do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional, datado de 24 de Outubro último, onde a temática do acesso ao litoral e dos obstáculos que frequentemente lhe são levantados, sendo determinante a imposição de procedimentos por parte da Administração tendentes à sua remoção.
Assim, à luz dos princípios que se apresentaram e ao abrigo do determinado pelo despacho ministerial, considera-se que o arruamento público existente entre o hotel Albatroz e a sua ampliação que, ainda que pedonal, servia a Casa de Hóspedes D Nuno e permitia o acesso a uma praça, deverá manter esse estatuto de arruamento público, pelo que se indefere o pedido de licenciamento para uso privativo do mesmo»
(17) Artigo 5.º Formas de utilização
1 - A utilização privativa do domínio hídrico a que se refere o presente diploma é titulada por licença ou por contrato de concessão.
2 - A licença é atribuída pela respectiva direcção regional do ambiente e recursos naturais (DRARN) e o contrato de concessão é autorizado pelo Ministro do Ambiente e Recursos Naturais.
3 - Os titulares de licenças ou concessões de utilização do domínio público hídrico, no âmbito do presente diploma, estão sujeitos ao pagamento de taxas, nos termos fixados em legislação própria.
4 - A atribuição de qualquer título de utilização é precedida da emissão de parecer por parte das entidades competentes, nos termos da legislação em vigor, cabendo à DRARN remeter-lhes a documentação necessária para o efeito.
Artigo 6.º Licença de utilização do domínio hídrico
A licença de utilização do domínio hídrico é conferida a título precário, podendo ser outorgada pelos prazos máximos de 10 ou 35 anos, consoante os usos licenciados, estando sujeita a inquérito público a licença atribuída por prazo superior a 10 anos.
Artigo 9.º Concessão de utilização do domínio hídrico
1 - A utilização do domínio hídrico pode ser atribuída mediante contrato de concessão a celebrar entre a Administração e o interessado, pelo prazo máximo de 75 anos.
2 - A competência atribuída ao Ministro do Ambiente e Recursos Naturais para autorizar a celebração dos contratos de concessão é susceptível de delegação no presidente do INAG.
3 - A iniciativa para a atribuição da concessão pode ser privada ou pública.
4 - São os seguintes os elementos essenciais a incluir no programa do concurso público, quando a ele houver lugar:
a) A identificação da entidade concedente;
b) A composição da comissão de avaliação das propostas;
c) Os prazos de prestação de esclarecimentos adicionais e de recepção das propostas;
d) A forma jurídica a adoptar pelos concorrentes;
e) Os requisitos de admissibilidade respeitantes às exigências técnicas, económicas e financeiras mínimas;
f) A obrigatoriedade da redacção das propostas em língua portuguesa;
g) O montante da caução a prestar, quando exigida;
h) O prazo de validade das propostas;
i) A data, o local, a hora e as pessoas autorizadas a assistir à abertura das propostas;
j) As entidades cujo parecer deve ser obtido pela comissão de avaliação, se for caso disso;
l) O prazo de avaliação;
m) O critério de adjudicação;
n) O prazo de adjudicação.
(18) Artigo 55.º Definição
1 - Entende-se por construções todo o tipo de obras, qualquer que seja a sua natureza, designadamente edificações, muros e vedações e aterros ou escavações, bem como as respectivas alterações e demolições.
2 - Excetuam-se do disposto no número anterior as infra-estruturas hidráulicas.
3 - O licenciamento de construções em terrenos do domínio hídrico depende da obtenção de licença, que pode ser outorgada pelo prazo máximo de 10 anos, nos termos do artigo 6.º, e a concessão, nos termos do artigo 9.º, com as especificidades previstas na presente secção, quando se destinem à instalação de serviços de apoio à navegação, de postos de venda para combustíveis ou de estações de serviços para apoio à circulação rodoviária e a edificação de estabelecimentos hoteleiros ou similares, bem como de conjuntos turísticos declarados de interesse para o turismo.
Artigo 56.º Requisitos gerais
O licenciamento e a concessão previstos no artigo anterior só são permitidos desde que não afectem:
a) As condições de funcionalidade da corrente, o escoamento e o espraiamento das cheias;
b) Os ecossistemas em presença, nomeadamente zonas húmidas e sistemas dunares;
c) A integridade biofísica e paisagística do meio, dos leitos e das margens;
d) Os lençóis subterrâneos;
e) Os terrenos agrícolas envolventes;
f) A captação, represamento, derivação e bombagem de água;
g) O respeito por plano existente nos termos da lei;
h) A segurança de obras marginais ou de transposição dos leitos;
i) A flora e a fauna.
Artigo 57.º Pedido de licenciamento
1 - O pedido de licença referido no artigo 55.º, para além dos referidos no artigo 16.º, é instruído com os seguintes elementos:
a) Memória descritiva com as áreas de construção e com a apresentação das características gerais da área, nomeadamente vegetação e configuração topográfica;
b) Projecto da obra e da rede exterior de águas e esgotos, quando aplicável;
c) Cota da máxima cheia conhecida para um período de retorno de 100 anos ou linha máxima de preia-mar de águas vivas equinociais;
d) Distância ao nível de pleno armazenamento, quando em terrenos marginais a albufeiras.
2 - Na ausência de planos nos termos da lei, o pedido de licença deve ainda ser acompanhado de um estudo ou plano específico.
Artigo 58.º Requisitos da licença e da concessão
1 - A emissão da licença e da concessão pressupõe termo de responsabilidade dos autores do projecto.
2 - O titular deve apresentar na DRARN, no prazo de 30 dias, apólice de seguro por danos provocados por cheias, nos termos a definir na licença ou no contrato de concessão.
(19) “ I - O regime jurídico fixado nos arts. 165º e 167º do RGEU está informado pelo princípio da proporcionalidade, numa lógica do menor sacrifício exigível ao particular. II - Assim, se as obras, apesar de ilegalmente efectuadas, satisfazem os requisitos legais e regulamentares de urbanização, de estética, de segurança e de salubridade, ou são susceptíveis de os virem a satisfazer, não é permitida a demolição (art. 167.º do R.G.E.U.). III - Essa apreciação da satisfação ou possibilidade de satisfação dos requisitos legais e regulamentares tem de anteceder a ordem de demolição prevista no art. 165.º do mesmo diploma, independentemente de existir ou não pedido de legalização apresentado pelo interessado.”
(20) “I – A proibição de demolir obras clandestinas que possam ser legalizadas é corolário do princípio constitucional da necessidade, que obsta a que sejam impostas aos particulares restrições desnecessárias. II – Assim, se as obras, apesar de ilegalmente efectuadas, satisfazem os requisitos legais e regulamentares de urbanização, de estética, de segurança e de salubridade, ou são susceptíveis de os virem a satisfazer, não é permitida a demolição (art. 167.º do R.G.E.U.). III – Essa apreciação da satisfação ou possibilidade de satisfação dos requisitos legais e regulamentares tem de anteceder a ordem de demolição prevista no art. 165.º do mesmo diploma, independentemente de existir ou não pedido de legalização apresentado pelo interessado.”
(21) “I - O poder de escolha entre a demolição e a legalização de obras levadas a cabo sem o necessário licenciamento prévio, por parte da câmara municipal ou do seu presidente, ao abrigo das disposições conjugadas dos arts. 165 e 167 do RGEU (aprovado pelo DL n. 38382, de 7/8/51), é discricionário quanto ao tempo da decisão, pois que a mesma pode em tal matéria ser tomada a todo o tempo. II - O apontado poder de escolha funciona porém na base de um pressuposto vinculado, já que a demolição só pode ter lugar se a autoridade houver previamente concluído pela inviabilidade da legalização das obras, por estas não poderem satisfazer aos requisitos legais e regulamentares de urbanização, de estética, de segurança e de salubridade. III - Nesta última hipótese a decisão no sentido da demolição surge como vinculada. IV - No pressuposto descrito na 1 conclusão, sobre a câmara municipal ou seu presidente não recai o dever de decidir pedido de certo administrado no sentido de certas obras construídas sem licença serem demolidas, pelo que em tal situação ao silêncio daquelas autoridades se não liga a formação de acto tácito de indeferimento sobre aquela pretensão.
(22) “VII - Não padece do vicio de violação de lei por falta de pressuposto de facto relativo ao objecto, o despacho recorrido do S.E.A.L.O.T. que manda embargar e demolir a obra em desconformidade com o P.U.C.S. por nele se esclarecer que isso teve lugar por as alterações nela introduzidas posteriormente ao referido parecer o foram abusivamente, sem que sobre as mesmas se tivesse pronunciado o M.P.A.T. nos termos do n. 5 do art. 3 do D.L. 560/71 e 1 e 5 do D.L. n. 37 251. VIII- Tal despacho também não viola os princípios da justiça e da proporcionalidade, nas vertentes da indispensabilidade e do equilíbrio ou razoabilidade, consignados no art. 266 n. 2 da Constituição, pois alem dos interesses particulares há que atentar na salvaguarda dos valores estéticos e arquitetónicos que interessam a toda a comunidade, estando ainda em causa a confiança das populações na política governamental de não pactuar com a passiva violação do plano de urbanização aprovado para a zona.”
(23)Artigo 89.º Reposição da situação anterior à infracção
1 - A DRARN pode ordenar que se proceda à reposição da situação anterior à infracção, fixando concretamente os trabalhos ou acções a realizar e o prazo para a sua execução.
2 - A ordem de reposição é antecedida de audição do infrator, que dispõe de 15 dias a contar da data da sua notificação para se pronunciar sobre o conteúdo da mesma.
3 - Decorrido o prazo referido no n.º 1 sem que a ordem de reposição seja cumprida, a DRARN procede aos trabalhos e acções necessários, por conta do infrator.
4 - Os documentos que titulam as despesas realizadas por força do número anterior, quando não forem pagas voluntariamente pelo infrator no prazo de 20 dias a contar da sua notificação, servem de título executivo.
(24) Artigo 30.º Utilização abusiva
1 - Se for abusivamente ocupada qualquer parcela dominial, ou nela se executarem indevidamente quaisquer obras, a entidade competente intimará o contraventor a desocupar o domínio ou a demolir as obras feitas no prazo que lhe for marcado.
2 - Decorrido o prazo fixado sem que a intimação se mostre cumprida, e sem prejuízo da aplicação das penas que no caso couberem ou da efectivação da responsabilidade civil do contraventor pelos danos que causar, a entidade competente assegurará o destino normal da parcela ocupada, designadamente pelo recurso à força pública, ou mandará demolir as obras por conta do contraventor, sendo as despesas cobradas pelo processo de execução fiscal, servindo de título executivo certidão passada pela entidade competente para ordenar a demolição, extraída de livros ou documentos donde conste a importância da despesa e com os demais requisitos exigidos no artigo 156.º do Código de Processo das Contribuições e Impostos.
3 - Se, porém, o interessado sustentar que o terreno ocupado lhe pertence, deverá requerer a respectiva delimitação, podendo a entidade competente autorizar provisoriamente a continuidade da utilização privativa, nos termos do n.º 3 do artigo 24.º
(25) Artigo 16.º Equipamento rural e urbano
É da competência dos órgãos municipais o planeamento, a gestão e a realização de investimentos nos seguintes domínios:
a) Espaços verdes;
b) Ruas e arruamentos;
c) Cemitérios municipais;
d) Instalações dos serviços públicos dos municípios;
e) Mercados e feiras municipais.
(26)Artigo 102.º Embargo
1 - Sem prejuízo das competências atribuídas por lei a outras entidades, o presidente da câmara municipal é competente para embargar obras de urbanização, de edificação ou de demolição, bem como quaisquer trabalhos de remodelação de terrenos, quando estejam a ser executadas:
a) Sem a necessária licença ou autorização; ou
b) Em desconformidade com o respectivo projecto ou com as condições do licenciamento ou autorização, salvo o disposto no artigo 83.º; ou
c) Em violação das normas legais e regulamentares aplicáveis.
2 - A notificação é feita ao responsável pela direcção técnica da obra, bem como ao titular do alvará de licença ou autorização, sendo suficiente qualquer dessas notificações para obrigar à suspensão dos trabalhos, devendo ainda, quando possível, ser notificado o proprietário do imóvel no qual estejam a ser executadas as obras, ou seu representante.
3 - Após o embargo, é de imediato lavrado o respectivo auto, que contém, obrigatória e expressamente, a identificação do funcionário municipal responsável pela fiscalização de obras, das testemunhas e do notificado, a data, hora e local da diligência e as razões de facto e de direito que a justificam, o estado da obra e a indicação da ordem de suspensão e proibição de prosseguir a obra e do respectivo prazo, bem como as cominações legais do seu incumprimento.
4 - O auto é redigido em duplicado e assinado pelo funcionário e pelo notificado, ficando o duplicado na posse deste.
5 - No caso de a ordem de embargo incidir apenas sobre parte da obra, o respectivo auto fará expressa menção de que o embargo é parcial e identificará claramente qual é a parte da obra que se encontra embargada.
6 - O embargo e respectivo auto são notificados ao requerente ou titular da licença ou autorização ou, quando estas não tenham sido requeridas, ao proprietário do imóvel no qual estejam a ser executadas as obras.
7 - No caso de as obras estarem a ser executadas por pessoa colectiva, o embargo e o respectivo auto são ainda comunicados para a respectiva sede social ou representação em território nacional.
8 - O embargo é objecto de registo na conservatória do registo predial, mediante comunicação do despacho que o determinou, procedendo-se aos necessários averbamentos.
Artigo 106.º Demolição da obra e reposição do terreno
1 - O presidente da câmara municipal pode igualmente, quando for caso disso, ordenar a demolição total ou parcial da obra ou a reposição do terreno nas condições em que se encontrava antes da data de início das obras ou trabalhos, fixando um prazo para o efeito.
2 - A demolição pode ser evitada se a obra for susceptível de ser licenciada ou autorizada ou se for possível assegurar a sua conformidade com as disposições legais e regulamentares que lhe são aplicáveis mediante a realização de trabalhos de correcção ou de alteração.
3 - A ordem de demolição ou de reposição a que se refere o n.º 1 é antecedida de audição do interessado, que dispõe de 15 dias a contar da data da sua notificação para se pronunciar sobre o conteúdo da mesma.
4 - Decorrido o prazo referido no n.º 1 sem que a ordem de demolição da obra ou de reposição do terreno se mostre cumprida, o presidente da câmara municipal determina a demolição da obra ou a reposição do terreno por conta do infrator.

(27) Artigo 71.º Poderes de pronúncia do tribunal
1 - Ainda que o requerimento apresentado não tenha obtido resposta ou a sua apreciação tenha sido recusada, o tribunal não se limita a devolver a questão ao órgão administrativo competente, anulando ou declarando nulo ou inexistente o eventual acto de indeferimento, mas pronuncia-se sobre a pretensão material do interessado, impondo a prática do acto devido.
2 - Quando a emissão do acto pretendido envolva a formulação de valorações próprias do exercício da função administrativa e a apreciação do caso concreto não permita identificar apenas uma solução como legalmente possível, o tribunal não pode determinar o conteúdo do acto a praticar, mas deve explicitar as vinculações a observar pela Administração na emissão do acto devido.