Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 08452/12 |
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Secção: | CA- 2º JUÍZO |
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Data do Acordão: | 04/26/2012 |
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Relator: | PAULO PEREIRA GOUVEIA |
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Descritores: | MINISTÉRIO PÚBLICO – CONDENAÇÃO À PRÁTICA DE ATO DEVIDO - DOMÍNIO PÚBLICO - DEMOLIÇÃO |
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Sumário: | 1.O art. 68º nº 1 alínea c) do CPTA dispensa o prévio requerimento à Adm. P. (v. arts. 66º e 67º CPTA) pelo MP, quando ali se prevê a acção pública para as situações de omissão ilegal em que o dever objetivo de praticar o ato administrativo resulte diretamente da lei e esteja em causa a ofensa de direitos fundamentais, de um interesse público especialmente relevante ou de a saúde pública, o ambiente, o urbanismo, o ordenamento do território, a qualidade de vida, o património cultural e os bens do Estado, das Regiões Autónomas e das autarquias locais 2. Uma obra particular num arruamento público é ilegalizável, já que o domínio público não pode ser apropriado por particulares e não pode ser comerciado ou objeto de tráfego jurídico por qualquer modo, a não ser que ocorra uma desafetação da coisa por motivo de interesse público/bem comum, aspeto aqui fora de questão. 3. Pelo que demolir tal obra é algo imposto por lei e, assim, não viola o princípio da proporcionalidade administrativa. 4. Uma obra de edificação que seja ilegal e ilegalizável deve ser demolida, sendo que, em princípio, a demolição deve ser precedida de ponderação da regularização por parte da Adm. P. e de audição prévia do autor da obra ilegal. No entanto, deve-se ter especial atenção aos ónus dos interessados, sob pena de benefício do infrator e inversão do ónus da prova. |
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Aditamento: | ![]() |
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na 1ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul:
I.RELATÓRIO I.1. pedindo Por acórdão, o referido tribunal decidiu o seguinte: I.2. Inconformada, a Contra-interessada HOTEL ……… – ACTIVIDADES ………….. recorre para este Tribunal Central Administrativo Sul contra tal decisão, formulando nas suas alegações as seguintes conclusões: Nas contra-alegações, o recorrido conclui assim: 1° - Nos presentes autos e na sequência da acção especial para condenação à prática de acto devido proposta pelo Ministério Publico, através do acórdão recorrido foram as demandadas Câmara Municipal de Cascais e Ministério do Ambiente/CCDRLVT condenadas a praticar todos os actos administrativos que sejam necessários com vista à demolição de todas as obras efectuadas pela contra-interessada Albatroz, no arruamento público constituído pela Travessa da Conceição e pela Travessa Asse dos Três, em Cascais. 2°- A contra-interessada Albatroz, interpôs recurso do douto acórdão proferido nos autos alegando, em síntese, que é ilegal, porquanto a sentença enferma de erro nos pressupostos, não se verificando igualmente os pressupostos exigíveis para a propositura de acção sendo que o licenciamento das obras é legalmente possível pelo que a decisão viola as regras legais que permitem a regularização da situação. 3° -A primeira questão colocada pela recorrente prende-se com o facto de o tribunal concluir pela não inclusão no licenciamento do arruamento público, não obstante o facto dado como provado na alínea G), no entanto verifica-se que o pedido de informação prévia tinha por objecto as obras de ampliação e não a ocupação do arruamento. 4°-Acresce que processando-se as obras de ampliação em domínio público hídrico a intervenção da CCDRLVT, revestia o carácter de autorização e não parecer vinculativo e muito menos de mera consulta, (daí o posterior embargo das obras de ampliação por parte do Município). 5-°Pelo que, tal como entendeu o tribunal e bem, o facto constante da alínea G), não tem como efeito qualquer autorização de obras de e muito menos qualquer autorização de ocupação do arruamento, devendo assim improceder o alegado. 6- O mesmo se passa quanto aos factos constantes da alínea D), dado que o que estava em causa no processo de informação prévia era o licenciamento por parte da Câmara das obras de ampliação sendo que na memória descritiva apresentada a contrainteressada apresentava algumas considerações acerca da possibilidade de uma " utilização exclusiva ou de algum modo condicionada dos arruamentos", sendo certo que o processo prosseguiu sempre e apenas tendo como objecto o licenciamento das obras de ampliação. 7- O tribunal não tinha assim que extrair do facto constante da alínea D), nada mais que não fosse o que dele consta, o que aliás clarifica ainda mais a inexistência de qualquer licenciamento prévio à ocupação do arruamento. 8-Não se verifica assim igualmente qualquer contradição entre os factos constante da alínea F) dado como provado e os restantes factos bem como a conclusão face ao probatório de que a ocupação do arruamento não estava incluída quer no licenciamento quer na informação prévia. 9- Aliás resulta do probatório que a demandada requereu a utilização do arruamento junto da CCDR e que tal lhe foi indeferido, v. alíneas Q) e R) do probatório, e que ainda antes de obter qualquer decisão ocupou o arruamento como se extrai da alínea P), do probatório, devendo improceder o alegado. 10- Sucede que, ao contrário do que pretende a recorrente, a ocupação do arruamento em causa ocorreu de forma ilegal e ilícita, e á margem da prática de qualquer acto administrativo, mesmo que inválido, o que deveria desde logo ter conduzido a que as entidades demandadas agissem com maior rapidez e eficácia, com vista à reposição da situação anterior. 11- Quanto à alegada falta de pressupostos para propositura da acção, Sucede que, tal como aliás vinha alegado na petição inicial, o Ministério Publico não necessita na presente acção de apresentar um requerimento dirigido às entidades demandadas com vista à prática de acto devido, nem de aguardar por uma resposta a esse requerimento para poder propor a presente acção tendo em conta o que dispõe o artigo. 68° n° 1 c) do CPTA, que lhe confere, dentro dos limites nele constantes, que abrangem a presente acção, legitimidade para reagir contra situações objetivas de inércia no cumprimento da lei. 12- Sendo certo que, na situação dos autos face à ocupação do arruamento, efectivação de obras ilegais e demais quadro fáctico dado como provado, bem corno face às normas aplicáveis se verifica situação de vinculação legal, por parte as demandadas, no que toca ao poder de ordenar o embargo e subsequente demolição. 13-Pois que perante a ocupação ocorrida e conhecida da CCDR, competia-lhe proceder à intimação e posterior demolição das obras efectuadas no arruamento, como aliás consta do parecer que emitiu em 27/11/2006, alínea X), no qual se concluía pela necessidade de intimar a contra-interessada. 14- Acresce que e desde logo se encontrava excluída a possibilidade de a contra-interessada Albatroz, poder fazer uso do disposto no artigo. 30° n° 3 DL 468/71, isto é invocar que o terreno ocupado lhe pertence porquanto, por um lado, trata-se de um arruamento público e por outro como ficou provado na alínea C) do probatório já em 1992 tinha sido efectuada a delimitação do domínio público marítimo face ao prédio da contra interessada nos termos que constam publicados no DR 3a Série de 3/12/92. 15- Ora no caso dos autos, a ocupação efectuada, porque situada em domínio público sem qualquer licenciamento prévio, constituído também por um arruamento público, configura-se como absolutamente clandestina, ilícita e ilegalizável, pelo que o poder de demolição se apresenta desde logo como vinculado por parte da Administração, ou seja, verificada a situação só restava Ministério do Ambiente/CCDR desencadear os mecanismos previstos no artigo. 30°. 16- Acresce que e quanto à oportunidade de agir, v. Acórdão do STA, 1' Sub, de 6-1 1- 1990 (Rec.28440), Acórdão do STA, 2a Sub., de 3-07-90, onde se considera que «a simples inexistência de um prazo legal para a prática do acto não significa que o órgão tenha a liberdade de escolher a oportunidade de agir», e se admite a presunção de indeferimento tácito do requerimento do vizinho urbanístico lesado para ver ordenada a demolição. Neste sentido, é possível hoje pedir a condenação na prática de ordem de demolição, enquanto acto devido mal se torne liquida a insusceptibilidade de legalização», André Folque, obra citada nota de rodapé pág. 277. 17- Quanto à demandada Câmara Municipal de Cascais, verifica-se que pelo menos que igualmente conhecimento da ocupação e que por despacho de 14/12/ 2006 veio esclarecer que o licenciamento por si concedido não contemplou qualquer intervenção nos arruamentos públicos designados como Travessa da …………..e Travessa …………. 18- No entanto não obstante ter conhecimento da ocupação do domínio publico, compreendido pelo arruamento, bem como da colocação dos portões e ajardinamento da estrada a câmara nada fez, com vista a embargar e demolir as obras em causa, que como refere não estavam compreendidas (nem podiam) no licenciamento quer deferiu. 19-Acresce que a câmara estava duplamente obrigada a agir porquanto; 20-Tratando-se de um arruamento público situado em área do domínio público a obra não era legalizável, facto que era do conhecimento da câmara visto que o processo de licenciamento da ampliação das instalações do Chalé ………. efectuado no local onde ocorriam as obras clandestinas tinha também a intervenção da CCDR que nunca autorizou a ocupação do arruamento em causa. 21-A este propósito v. André Folque Obra citada pág. 280, " Cumpre observar ainda que o facto de certa obra se encontrar licenciada ou autorizada por outro órgão ou serviço, nomeadamente da Administração central ou regional, não impede o presidente da câmara municipal de ordenar o seu embargo e demolição, caso esta não se encontre nem possa vir a ser objecto de licença ou de autorização municipal válidas, pois: as licenças ou contratos de concessão de uso privativo do domínio hídrico por particulares, relacionados com os fins que à Administração Central, através do Ministério do Ambiente e seus serviços regionais, incumbe prosseguir, não substituem outras licenças exigidas por lei, com referência ao acautelamento de outros fins, cuja prossecução está confiada a pessoa colectiva diferente designadamente o licenciamento municipal de construção. (Acórdão do STA, 3a Sub., de 27/2/2002." 22-Nem o facto de a câmara ter procedido ao levantamento de qualquer auto contra-ordenacional (o que nem sequer foi o caso) obstaculizava a que desencadeasse os mecanismos tendentes ao embargo e demolição da obra dado que ...a ordem de demolição não visa a actividade edificatória mas o seu resultado. A actividade quando ilícita essa é sancionada pela aplicação de coima e de eventuais sanções acessórias- André Folque in Curso de Direito da Urbanização e da Edificação pág. 278. 23-Pelo que as razões supra aduzidas no que toca ao Ministério do Ambiente/CCDRLVT se aplicam também aqui, designadamente no sentido de que o poder de demolição se apresenta como vinculado, logo que reconhecida a inidoneidade da operação para se conformar com as prescrições legais e regulamentares, sendo que no caso se configurava claramente situação de obra clandestina, surgindo desde logo vinculado o poder do município, André Folque, obra citada, pág. 278. «A consequência imediata é a de que, na situação em causa, o poder administrativamente exercido deve ser tratado como vinculado quanto aos aspectos relevantes, nomeadamente para efeitos de controlo jurisdicional. O artigo. 71° n° 2 do CPTA reconhece expressamente a possibilidade de redução a zero da margem de livre decisão, ao estabelecer que o tribunal deve determinar os termos do seu exercício quando a apreciação do caso concreto «permita identificar apenas urna solução como legalmente possível». 24-Ocorre ainda que e ao contrário do que alega o recorrente, sendo este poder vinculado não faz sentido procurar imputar-lhe vícios próprios deste tipo de actos como pretende ao invocar violação de princípios gerais de direito administrativo como é o caso do principio da proporcionalidade, Assim sendo, entende-se que deve improceder o alegado pela recorrente, devendo o douto acórdão manter-se nos seus precisos termos. * I.3. Cumpridos os demais trâmites processuais, importa agora apreciar e decidir em conferência. I.4. O objecto do recurso jurisdicional assenta na decisão recorrida e seus fundamentos. Pelo que o âmbito do recurso, delimitado pelo recorrente nas conclusões das suas alegações (conclusões necessariamente sintéticas e com a indicação das normas jurídicas violadas), apenas pode incidir sobre as questões (coisa diversa das considerações, argumentos ou juízos de valor (1)) que tenham sido apreciadas ou devessem ser anteriormente apreciadas, não se podendo confrontar o tribunal superior com questões novas (2) ou cobertas por caso julgado (logicamente, sem prejuízo do conhecimento das questões de conhecimento oficioso) – v. arts. 660º-2 e 684º-3-4 do CPC, ex vi art. 140º do CPTA. Por isso, no caso sub judice e summo rigore, este tribunal ad quem deve sindicar a decisão jurisdicional recorrida, apreciando dum modo sempre concretizante (e numa perspectiva lógico-objectivante, atenta ao sentido social da normação das situações de vida (3), utilizando a argumentação jurídica como a lógica jurídica a se (4)) o seguinte: * II. FUNDAMENTAÇÃO II.1. FACTOS CONSIDERADOS PROVADOS O arruamento constituído pela Travessa ………… e pela Travessa ……, sito na Vila de Cascais trata-se de um arruamento público, com estatuto de dominialidade e que vem sendo usado para trânsito de peões e de viaturas – ver doc n° 1 junto com a petição inicial e por acordo. Parte da Travessa da …………integra o domínio público marítimo, ao menos no troço compreendido entre a Rua ………… e o alcantil contíguo ao mar oceânico – ver doc n° 2 junto com a petição inicial. Através de auto de delimitação efectuado pela Comissão do Domínio Público Marítimo foi delimitado o domínio público marítimo do prédio urbano situado na Rua de …………., 100/102, em Cascais, pertença da ora Contra-interessada, nos termos que constam publicados no Diário da República, 3ª série, de 3.12.1992 – ver docs n° 2 e n° 3 juntos com a petição inicial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. A 18.8.2003 a Contra-interessada apresentou na Câmara Municipal de Cascais um pedido de informação prévia, relativo a ampliação das instalações do Hotel …………, para «o quarteirão que é delimitado a norte pela rua dos Inocentes, a nascente pela Travessa da Conceição e a poente e sul pelo Largo da Praia da Rainha. Este quarteirão é constituído por dois prédios (...). A localização dos dois edifícios em causa reveste-se de um interesse particular para o Hotel, ao permitir a ligação física com o edifício principal, o que vai evitar a duplicação de um determinado número de equipamentos que seriam obrigatórios caso se tratasse de uma unidade hoteleira autónoma. Esta ligação terá que ser necessariamente feita pela Travessa …………., através de uma passagem suspensa que continuaria sempre a permitir a passagem de veículos pesados pela dita travessa, nomeadamente os de emergência. É de referir ... que este troço de arruamento é desde há longos anos quase exclusivamente usado para o acesso à Casa ………., sendo muito mais relevantes as duas outras alternativas existentes de acesso ao Largo da Praia da Rainha, seja pelo beco dos Inocentes, seja pela rua ………….. Menciona-se este facto uma vez que do estudo prévio proposto consta a possibilidade de vir a conceder-se ao hotel uma utilização exclusiva ou de algum modo condicionada à parte dos arruamentos que ficarão entre estas três unidades, o que, ..., permitiria o desaparecimento de vários muros existentes e consequentemente um estudo de arranjos exteriores com um âmbito muito mais abrangente» ver processo administrativo apenso n° 9427. Por ofício de 18.11.2003 a CMC remeteu à CCDRLVT um exemplar do processo para apreciação – ver processo administrativo apenso n° 9427. Em informação técnica de 13.4.2004 consta o seguinte: ressalva-se que a proposta de utilização privada compreendida pelo troço entre o Hotel ………. e o Chalé …….. da Travessa …………….. é do ponto de vista estritamente urbanístico viável, devendo, no entanto, esta matéria (desafetação do domínio público) ser objecto de tratamento circunstanciado por parte do Património – ver processo administrativo apenso n° 9427. A CCDRLVT não se pronunciou dentro do prazo legal para o efeito e o pedido de informação prévia prosseguiu os seus trâmites como se a entidade nada tivesse a opor – ver processo administrativo apenso n° 9427. II) A 30.4.2004 a Contra-interessada deu início a um procedimento municipal de licenciamento de obras para o prédio designado por «Chalet ……..», com vista à futura utilização do mesmo como unidade hoteleira, com indicação que o projecto tem como antecedente próximo o estudo prévio nº 10752/03, o qual obteve um parecer favorável transmitido na sequência do despacho de 22.4.2004 – ver fls 181 do processo administrativo apenso n° 6283. I) Na memória descritiva pode ler-se: a imagem hoteleira do Hotel ………….., fortemente ligada à presença do mar, alia-se contudo à recuperação e valorização da imagem arquitetónica deste edifício, pelo que a sua manutenção assumiu desde logo uma importância fundamental. Ligado ao edifício principal do Hotel …………… através de uma passagem suspensa, esta será nivelada com o patamar da escada do 2º andar existente no Hotel, vencendo depois o desfasamento existente entre os pisos dos dois edifícios, já dentro da nossa área de intervenção. As obras dentro do Hotel são diminutas, limitando-se à abertura de duas portas na sua parede exterior, sendo uma para acesso interior através da referida passagem suspensa e outra no R/c, para acesso exterior ao R/c do «Chalet ………» através da Travessa ………….. (...). Mantém-se a possibilidade de ligação a uma futura ampliação, conforme proposto no estudo prévio, pelo que se preservou o acesso à fachada poente através do corredor dos quartos – ver fls 194 do processo administrativo apenso n° 6283. A 16.7.2004 a Câmara Municipal de Cascais enviou à CCDRLVT, para emissão de um parecer, o projecto apresentado e que a entidade decorridos mais de três meses não se pronunciou sobre o projecto – ver fls 315 do processo administrativo apenso n° 6283. No dia 7.10.2004 a Câmara Municipal de Cascais aprovou o projecto de arquitectura apresentado pela contra-interessada, determinou a reformulação do projecto de arranjo do largo Praia da Rainha e que a utilização do espaço público fosse objecto de enquadramento jurídico bem como de deliberação de Câmara – ver fls 181 e 310 do processo administrativo apenso n° 6283. No dia 10.1.2005 o Presidente da Câmara Municipal aprovou os projectos de especialidades – ver processo administrativo apenso n° 6283. A 21.1.2005 foi emitido um parecer técnico com o teor seguinte: «propõe-se o deferimento da pretensão com a emissão de uma licença parcial para construção da estrutura (...). O licenciamento parcial será emitido por um período de 7 meses, condicionado a: - a obra na sua globalidade só será licenciada após o estabelecimento das condições de utilização do espaço público e seu enquadramento jurídico, a cedência das parcelas de terreno conforme projecto aprovado e a junção ao processo dos pareceres favoráveis do SNB e do Centro de Saúde – ver doc n° 6 junto com a petição inicial. A 21.1.2005 foi proferido o despacho de licenciamento nas condições estabelecidas na informação que antecede – ver doc n° 6 junto com a petição inicial. A 25.1.2005 foi emitido o alvará de licença parcial de obras n° 95, titulado a favor da Contra-interessada, com os: Condicionamentos que devem ser cumpridos com a emissão da presente licença parcial de estrutura: A obra na sua globalidade só será licenciada após o estabelecimento das condições de utilização do espaço público e seu enquadramento jurídico, a cedência das parcelas de terreno conforme projecto aprovado e a junção ao processo dos pareceres favoráveis do SNB e do Centro de Saúde – ver doc n° 7 junto com a petição inicial. Em data não apurada, mas antes do final do ano de 2005, a Contra-interessada colocou dois portões, ambos de duas folhas e em ferro, apoiados em alvenaria de pedra, a vedar as duas entradas do arruamento público - parte da Travessa ………… e toda a Travessa ……….– e ajardinou a área correspondente ao piso de alcatrão da via – por acordo e ver fls 268 do processo administrativo apenso da CCDRLVT. A 20.7.2005 a Contra-interessada, referente à ampliação das atuais instalações do Hotel ………., apresentou na CCDRLVT um pedido de licença de utilização do domínio hídrico para fins de construção e uso privativo – ver fls 38 do processo administrativo apenso da CCDR. Por ofício da CCDR-LVT, de 7.1.2006, a Contra-interessada foi notificada nos termos que seguem: Na sequência da V solicitação, relativa à emissão de uma licença de utilização do domínio hídrico para fins de construção e uso privativo, requerida nos termos do DL nº 46/94, de 22.2, informa-se V Exa. do seguinte: De acordo com a nossa doutrina e jurisprudência, reconhecendo-se como princípios orientadores do domínio público o da inalienabilidade, da imprescritibilidade e da impenhorabilidade, estão os bens que o integram fora do comércio jurídico privado. Em congruência com estes princípios encontra-se subtraída qualquer possibilidade de alienação a favor de particulares, ou melhor não é possível em termos de direito privado serem constituídos a favor de particulares direitos subjectivos sobre bens do domínio público. A acrescer importará ter presente o teor do despacho do Sr. Ministro do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional, datado de 24 de Outubro último, onde a temática do acesso ao litoral e dos obstáculos que frequentemente lhe são levantados, sendo determinante a imposição de procedimentos por parte da Administração tendentes à sua remoção. Assim, à luz dos princípios que se apresentaram e ao abrigo do determinado pelo despacho ministerial, considera-se que o arruamento público existente entre o hotel ………… e a sua ampliação que, ainda que pedonal, servia a Casa de Hóspedes …………. e permitia o acesso a uma praça, deverá manter esse estatuto de arruamento público, pelo que se indefere o pedido de licenciamento para uso privativo do mesmo» – ver doc n° 8 junto com a petição inicial. A 10.4.2006 o fiscal municipal participou que ALBATROZ – Actividades Hoteleiras, SA, ... levou a efeito, sem que para tal possuísse a respectiva licença ou autorização administrativa a ampliação das atuais instalações do Hotel ………., mediante a intervenção no edifício implantado a poente, designado «Chalet ……», cujas áreas dos diversos pisos totalizam 423,55m2, sita em Largo da Praia da Rainha, em Cascais – ver docs n° 2 e 3 juntos com a contestação do Município. A participação deu origem ao processo de demolição n° 75/2006, em nome da ora Contra-interessada – ver doc n° 3 junto com a contestação do Município. O processo de demolição culminou, no dia 15.11.2006, com a notificação à ora Contra-interessada do projecto de despacho a ordenar a demolição dos trabalhos executados ilegalmente – ver doc n° 5 junto com a contestação do Município. Pronunciando-se em sede de audiência prévia, a Contra-interessada alegou que se encontrava pendente na CCDR-LVT o processo de legalização das obras. Nesses termos solicitou a Contra-interessada que o processo de demolição fosse suspenso – ver doc n° 6 junto com a contestação do Município. Por despacho de 21.11.2006, do Vereador da Câmara Municipal de Cascais, o processo de demolição foi suspenso até que a CCDR-LVT decidisse quanto a susceptibilidade de legalização da obra – ver doc n° 7 junto com a contestação do Município. X) A 27.11.2006 foi emitido um parecer, inserto a fls 255 e 256 do processo administrativo apenso pela CCDR, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, de que se transcreve o seguinte: «Esta pronúncia favorável mostra-se de carácter urgente, porquanto conforme nos foi demonstrado pelo representante do ……….., praticou a Câmara Municipal de Cascais um acto administrativo ainda que sob a forma de projecto de decisão, que aponta para a demolição da obra de ampliação, uma vez que não exibiu ainda a ……, junto daquela edilidade, o título de ocupação do domínio público marítimo, a saber a licença prevista no DL n° 46/94, de 22.2. Aliás a ……………. veio já, em dois momentos distintos, a saber em 22.6 e em 6.7.2006, suscitar a questão da emissão da licença de domínio público marítimo razão pelo que devem os serviços da DSLI de imediato proceder à emissão do título em causa sob pena de se poder vir a criar uma situação de ausência de resposta, o que nos termos do procedimento administrativo implica uma inobservância dos princípios que o enfermam. Associada a esta questão mas, que deverá, na nossa óptica ser tratada de modo autónomo, existe a questão do arruamento da Travessa …………… e da sua afectação a uso exclusivo do hotel. Este troço de arruamento, tal como decorre do despacho transcrito e tendo por base os argumentos da informação n° 683/GJ, de 23.12.2005, não pode continuar encerrado ao público, devendo consequentemente retomar o fim público que se lhe reconhecia. Esta posição da CCDR está suficientemente tratada em pareceres internos e foi dada a conhecer ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, instância na qual correm termos conducentes a uma eventual instauração de acção pública administrativa tendente à regularização da situação. (...). Quanto ao arruamento importa, pois, que, ao abrigo do estatuído no art 89° do DL n° 46/94, de 22.2, se intime a ……………. a proceder num prazo adequado ao levantamento do portão que nesta data fecha a referida travessa desta posição deve ser dado de imediato conhecimento ao Tribunal» – ver processo administrativo apenso. Em 29.11.2006 a CCDRLVT emitiu à Contra-interessada a licença n° 01Cas/06/DPM, de que consta: «é conferida a presente licença de ocupação do domínio público marítimo relativa à ampliação das atuais instalações do Hotel Albatroz, sito na freguesia e conselho de Cascais. Esta licença reporta-se às obras de construção que no âmbito da ampliação do hotel Albatroz incidiram sobre o Chalé …………., também conhecido por Casa …….. e que foram objecto de licenciamento municipal por parte da Câmara Municipal de Cascais» – ver fls 275 do processo administrativo apenso junto pela CCDRLVT e ver doc n° 1 junto aos autos em 7.10.2008. Em 14.12.2006 o Presidente da Câmara Municipal de Cascais deferiu o pedido de licenciamento para obras de ampliação e alteração, «condicionado à regularização do espaço público envolvente ao edifício a recuperar» – ver fls 176 a 179 do processo administrativo apenso n° 6283/2004. AA) A presente acção entrou em juízo no dia 9.2.2007 – ver petição inicial. BB) Em informação de 3.4.2007, sobre o assunto: despacho de 14.12.2006 – clarificação, consta o seguinte: «5. (...). d) Por conseguinte, o deferimento da autorização de utilização incidirá apenas sobre a obra objecto de licenciamento» – ver fls 179 do processo administrativo apenso. CC) Em 27.4.2007 foi emitido o alvará de obras de alterações n° 471, com validade até 17.4.2009, dele constando que o alvará de utilização dos edifícios só será emitido após, nomeadamente regularização do Espaço Público envolvente ao edifício a recuperar B – ver fls não numeradas do processo administrativo apenso n° 6283/2004. II.2. APRECIAÇÃO DO RECURSO (5) O - DOMÍNIO PUBLICO O tribunal recorrido condenou o Ministério e a CM cits. a concretizarem a eliminação e a demolição daquilo que a C-I construiu no arruamento público cit. (v. art 89° do DL n° 46/94 (6) e art 30° do DL n° 468/71(7) ; e arts. 106º e 107º do RJUE). O arruamento constituído pela Travessa da ………. e pela Travessa …., sito na Vila de Cascais, é um arruamento público com estatuto de dominialidade. Parte da Travessa ………. integra o domínio público marítimo, ao menos no troço compreendido entre a Rua …………. e o alcantil contíguo ao mar oceânico, por se situar na margem de 50 metros a contar do alcantil da arriba e nos termos definidos pelas disposições dos arts. 3°, n° 1, n° 2 e n° 6 e art 5° do DL 468/71, de 5.11, com a redacção dada pela Lei n° 16/2003, de 4.6 (diploma que estatui o regime jurídico dos terrenos do domínio público hídrico), e dos arts 3°, al e), 4° e 11°, n° 1, 2 e 6 da Lei n° 54/2005, de 15.11 (que estabelece a titularidade dos recursos hídricos). O arruamento em causa é, portanto, do domínio público. Sucede que a Contra-interessada, no ano de 2005, colocou dois portões, ambos de duas folhas e em ferro, apoiados em alvenaria de pedra, a vedar as duas entradas do arruamento público – parte da Travessa ……… e toda a Travessa …………. – e ajardinou a área correspondente ao piso de alcatrão da via. Mas, nem os projectos aprovados no âmbito do procedimento de licenciamento de obras para o prédio designado por «Chalet ………», com vista à ampliação da unidade hoteleira do Hotel ……….., nem o pedido de informação prévia, contemplam qualquer intervenção no arruamento público constituído pela Travessa da ………. e Travessa ………... Os factos provados nas als F), M), N), O), R), X), Y), Z), BB), CC) do probatório deixam bem vincada a não inclusão pela CCDRLVT e pela Câmara Municipal de Cascais dos dois portões, ambos de duas folhas e em ferro, apoiados em alvenaria de pedra, a vedar as duas entradas do arruamento público – parte da Travessa ………. e toda a Travessa …………… – e o ajardinamento da área correspondente ao piso de alcatrão da via. Aliás, após a instauração dos presentes autos, em 3.4.2007, o Município viu-se na necessidade de clarificar que: - por um lado, a área de implantação da operação urbanística objecto de licenciamento incide apenas e tão só sobre o prédio denominado Chalé ……….. e sobre o espaço aéreo afecto ao domínio público marítimo, cuja ocupação foi licenciada pela CCDRLVT. - por outro lado, o licenciamento em causa não contemplou qualquer intervenção nos arruamentos públicos designados como Travessa da ……… e Travessa …………….., cuja ocupação dependia das disposições legais e regulamentares aplicáveis. Por conseguinte, o deferimento da autorização de utilização incidirá apenas sobre a obra objecto de licenciamento. Também a CCDRLVT, em 27.11.2006, assumiu claramente que a questão do arruamento da Travessa da Conceição e da sua afectação a uso exclusivo do hotel tinha de ser tratada autonomamente. A CCDR escreveu, então, que «este troço de arruamento, tal como decorre do despacho transcrito e tendo por base os argumentos da informação n° 683/GJ, de 23.12.2005, não pode continuar encerrado ao público, devendo consequentemente retomar o fim público que se lhe reconhecia. Esta posição da CCDR está suficientemente tratada em pareceres internos e foi dada a conhecer ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, instância na qual correm termos conducentes a uma eventual instauração de acção pública administrativa tendente à regularização da situação. (...)». Não há, enfim, qualquer documento nos processos administrativos que comprove que as demandadas tenham desencadeado qualquer mecanismo procedimental com vista à desocupação do arruamento cit. pela contra-interessada, não obstante terem obrigação legal de o fazer, tanto mais que a ocupação ocorreu no ano de 2005, no decurso da operação urbanística licenciada em 29.11.2006 pela CCDRLVT e em 14.12.2006, pela Câmara Municipal de Cascais. Está aqui em causa a ocupação (não titulada) pela C-I de um arruamento público. Nem mais, nem menos. Quanto ao domínio público, o legislador constitucional seguiu o critério da reserva de lei e, por isso, saber se um determinado bem pertence ao domínio público ou ao domínio privado há-de resultar da consulta da CRP e de legislação específica (v. assim DIOGO FREITAS DO AMARAL, D.P., 1967, in Estudos de Direito Público…, 2004, I, p. 561 ss; ANTÓNIO PEREIRA DA COSTA, O Novo Regime do Domínio Público Ferroviário …, in Scientia Ivridica, nº 297, p. 476; ANA RAQUEL MONIZ, O Domínio Público…, 2005, pp. 119-123). Pertencem ao domínio público, segundo o art. 84º da CRP: a) As águas territoriais com os seus leitos e os fundos marinhos contíguos, bem como os lagos, lagoas e cursos de água navegáveis ou flutuáveis, com os respectivos leitos; b) As camadas aéreas superiores ao território acima do limite reconhecido ao proprietário ou superficiário; c) Os jazigos minerais, as nascentes de águas mineromedicinais, as cavidades naturais subterrâneas existentes no subsolo, com excepção das rochas, terras comuns e outros materiais habitualmente usados na construção; d) As estradas; e) As linhas férreas nacionais; f) Outros bens como tal classificados por lei. O domínio público (hídrico, aéreo, mineiro, da circulação, monumental, cultural, artístico e militar) é o conjunto de coisas que, pertencendo a uma pessoa colectiva de direito público e território, são submetidas por lei, dado o fim de utilidade pública a que se encontram afetadas (por acto administrativo ou por mero facto), a um regime jurídico especial caracterizado fundamentalmente pela sua incomerciabilidade absoluta, em ordem a preservar a produção dessa utilidade pública. (8) Já antes da democracia era assim (cf. MARCELLO CAETANO, Manual…, II, p. 899 ss). A atribuição do carácter dominial depende de um ou vários dos seguintes requisitos: - Existência de preceito legal que inclua toda uma classe de coisas na categoria do domínio público, - Declaração de que certa e determinada coisa pertence a essa classe, - Afectação dessa coisa à utilidade pública (esta pode ocorrer por usucapião (9)). Relevam no caso presente os cits. arts. 3°-1-2-6 e art 5° do DL 468/71, e os cits. arts. 3°-al e), 4° e 11°-1-2-6 da Lei n° 54/2005. Quanto à extinção do domínio público, notemos que a mesma só pode logicamente ocorrer nas seguintes situações: - Desaparecimento da utilidade pública, - Aparecimento de um fim de interesse geral que seja mais convenientemente preenchido noutro regime; ou desafetação por acto legislativo ou administrativo ou ainda por passagem ao domínio privado da Ad. Pública (MARCELLO CAETANO, Manual…, II, 10ª ed., p. 956 ss), - Talvez a posse particular desde tempo imemoriais de coisa antes pública (assim, v. ANA RAQUEL MONIZ, O Domínio Público…, p. 428 ss, maxime p. 434 ss). 1 - PRESSUPOSTOS DA ACÇÃO PREVISTOS NO ART. 67º CPTA O art. 68º-1-c do CPTA (10) dispensa o prévio requerimento à Adm. P. (v. arts. 66º e 67º CPTA) pelo MP quando ali se prevê a acção pública para as situações de omissão ilegal em que o dever objetivo de praticar o ato administrativo resulte diretamente da lei e esteja em causa a ofensa de direitos fundamentais, de um interesse público especialmente relevante ou de a saúde pública, o ambiente, o urbanismo, o ordenamento do território, a qualidade de vida, o património cultural e os bens do Estado, das Regiões Autónomas e das autarquias locais (assim MÁRIO AROSO…, Manual…, p. 246-247 e 319). Ora, no caso presente está em causa um bem do Estado, uma coisa do domínio público, uma rua. Em tais situações, portanto, não há necessidade de prévio requerimento pelo MP à Adm. P., pressuposto no art. 67º CPTA. Improcede, portanto, este ponto das conclusões do recurso. Além disso, espelhando algum atrevimento processual da C-I, esta parece esquecer que os factos provados demonstram que ambos os RR expressaram clara discordância quanto à ocupação do arruamento e que, na vertente marítima (que não inutiliza a dominialidade decorrente de se tratar de um arruamento público), até já ocorrera há muito a delimitação do domínio público marítimo quanto ao seu prédio, sendo pois tudo muito claro. Veja-se que a C-I não invoca, logicamente, que é dona do arruamento (v. neste caso o art. 30º-3 cit.: “Se, porém, o interessado sustentar que o terreno ocupado lhe pertence, deverá requerer a respectiva delimitação, podendo a entidade competente autorizar provisoriamente a continuidade da utilização privativa, nos termos do n.º 3 do artigo 24.º”). Mas, quanto a saber se os RR tinham e têm o dever objetivo, legal, de praticar o ato administrativo de mandar demolir ou de demolir a obra ilegal, veremos melhor à frente, onde analisaremos se a objetiva inércia ou passividade dos RR violou ou não um dever legal de agir (situação pressuposta no art. 67º CPTA). 2 – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA A fundamentação do acórdão recorrido é contraditória nos factos D (11), F (12) e G (13)? Não. Não tem razão a recorrente. De todo. De tal factualidade resulta um conjunto claro e coerente, no sentido de que a recorrente pretendeu ampliar o seu hotel, nunca referindo à CM a ocupação terrestre do arruamento público e apenas fazendo uma menção subtil de que “do estudo prévio proposto consta a possibilidade de vir a conceder-se ao hotel uma utilização exclusiva ou de algum modo condicionada à parte dos arruamentos que ficarão entre estas três unidades, o que, ..., permitiria o desaparecimento de vários muros existentes e consequentemente um estudo de arranjos exteriores com um âmbito muito mais abrangente”. Além disso, a CM falou logo em “desafetação do domínio público”. A CCDR nada disse. Nada autorizou. Além disso, os factos sob Q (14), P (15) e R (16) são esclarecedores de que a recorrente não tem a mínima razão neste ponto. A CCDR até expressamente indeferiu um pedido da C-I de licenciamento para uso privativo do arruamento. Improcede, portanto, este ponto das conclusões do recurso. 3 - ERRO NOS PRESSUPOSTOS DE FACTO DA SENTENÇA Há erro nos pressupostos de facto da sentença quanto à utilização privativa de domínio público hídrico, pois esta já constava da Informação Prévia? Do factos D e G supra resulta que a Informação Prévia nada tinha a ver com a ocupação terrestre do arruamento público. A C-I apenas falou numa ligação suspensa, e não nos portões e jardim. Improcede, portanto, este ponto das conclusões do recurso. 4 – OBRA ILEGAL LEGALIZÁVEL. PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE Esta ocupação do domínio público não é legalmente impossível, é regularizável (v. DL 46/94)? Até porque a recorrente pode obter a licença de utilização privativa de domínio público hídrico (arts. 50 e ss. (17), e 550 e ss., do DL n0 46/94 (18)), tem agido com retidão e o troço em causa é irrelevante para o interesse público? A sentença violou o princípio da proporcionalidade? Se os RR atuassem como pretendem o MP e o Tribunal, tal princípio seria violado? Vejamos. Uma obra de edificação que seja ilegal e ilegalizável deve ser demolida, sendo que, em princípio, a demolição deve ser precedida de ponderação da regularização por parte da Adm. P. e de audição prévia do autor da obra ilegal (v. art. 106ºss RJUE). Entroncam nesta afirmação parâmetros de legalidade e de proporcionalidade impostos pela CRP (como se afirma nos AcSTA de 29-11-2006/p. nº 633/04 (19), de 2-2-05/p. nº 633/04 (20), de 19-5-1998/p. nº 43433 (21), e de 24-10-1991, p. nº 26750 (22)), bem como uma especial atenção aos ónus dos interessados sob pena de benefício do infrator e inversão do ónus da prova (assim, v. o AcTC nº 457/2001 no p. nº 189/97) – v. ainda CARLA AMADO GOMES, anotação in CJA nº 19, p. 39ss; DULCE LOPES, anotação in CJA nº 65, p. 27ss; FERNANDA P. OLIV. et al., RJUE Comentado, 3ª ed., p. 663ss. No caso presente, a obra que a C-I fez no arruamento público cit. não teve licença e tanto o Ministério cit. (CCDR) como a câmara municipal expressaram antecipada e claramente a sua oposição à ocupação do domínio público cit., que não é só hídrico. A C-I, no entanto, ignorou até hoje tais entendimentos das entidades competentes para aprovar em abstrato ampliações de hotel e edificações. Ora, a verdade é que esta obra, num arruamento público, é ilegalizável, já que o domínio público não pode ser apropriado por particulares e não pode ser comerciado ou objeto de tráfego jurídico por qualquer modo, a não ser que ocorra uma desafetação da coisa por motivo de interesse público/bem comum, aspeto aqui fora de questão. E era e é suscetível de demolição por isso mesmo e ainda porque o interessado viu ambos os RR rejeitarem expressamente a cit. ocupação por várias vezes, antes e depois dela ocorrer. Pelo que demolir tal obra nestas circunstâncias concretas é algo imposto por lei (DL 46/94, DL 468/71 e RJUE) e, assim, não viola o princípio da proporcionalidade administrativa (segundo o qual as condutas administrativas devem ser as adequadas ao fim prosseguido e as menos lesivas no concreto para os interesses envolvidos, devendo ainda evitar que os custos da atuação administrativa escolhida sejam manifestamente superiores aos benefícios a esperar: adequação, necessidade e razoabilidade – v. MARCELO REBELO DE SOUSA et al., D. Adm. Geral, I, p. 207ss). Ora, neste quadro, ante a inércia da C-I durante quase 3 anos (de 2005, 2006 e 2007) quanto à remoção da ilegalidade cit. (de obra ilegalizável), ilegalidade absoluta essa perfeitamente conhecida dos RR e da C-I desde 2005, o art. 106º RJUE e o princípio da legalidade administrativa imponham à Adm. P. competente que atuasse num prazo razoável de acordo com o seu lícito entendimento da impossibilidade de legalização, sob pena de violação dos seus deveres de reporem a legalidade. Tais deveres estão consignados nos cits. arts. O prazo razoável indicativo, a nosso ver, não pode ser superior a 3 meses (prazo para invocar em juízo a anulabilidade) desde que a situação de ilegalidade foi conhecida do interessado e da Adm. P. Aqui o prazo decorrido foi de mais de 2 anos. Tendo, assim, a Adm. P. violado o seu dever de repor a legalidade, durante quase 3 anos, sujeita-se à condenação prevista nos arts. 66ºss CPTA. Improcede, portanto, este ponto das conclusões do recurso. 5 – COMPETÊNCIAS DA CCDR (E DA CÂMARA MUNICIPAL) A CCDR já não tem as competências pressupostas na condenação aqui impugnada? Trata-se de uma questão irrelevante, porque tinha aquando do ac. recorrido e sempre há entidade pública que sucede nas respetivas atribuições e competências, sendo ainda certo que o tribunal recorrido condenou o Ministério. Além disso, quanto à CMC, essa, tem o dever de agir quanto a uma obra ilegalizável, como resulta do antes explanado e do facto provado sob A e dos arts. 16º-b da Lei 159/99 (25), 102ºss do RJUE (26) e 71º-2 do CPTA (27). Improcede, portanto, este ponto das conclusões do recurso. * III- DECISÃO Pelo exposto, acordam os Juizes da Secção do Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul em julgar o recurso improcedente. Custas a cargo da recorrente. Lisboa, 26-4-2012
(Paulo Pereira Gouveia - relator) ________________________________________
(António C. da Cunha) _________________________________________________
(J. Fonseca da Paz) ___________________________________________________
(27) Artigo 71.º Poderes de pronúncia do tribunal 1 - Ainda que o requerimento apresentado não tenha obtido resposta ou a sua apreciação tenha sido recusada, o tribunal não se limita a devolver a questão ao órgão administrativo competente, anulando ou declarando nulo ou inexistente o eventual acto de indeferimento, mas pronuncia-se sobre a pretensão material do interessado, impondo a prática do acto devido. 2 - Quando a emissão do acto pretendido envolva a formulação de valorações próprias do exercício da função administrativa e a apreciação do caso concreto não permita identificar apenas uma solução como legalmente possível, o tribunal não pode determinar o conteúdo do acto a praticar, mas deve explicitar as vinculações a observar pela Administração na emissão do acto devido. |