Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:411/21.8BELRA
Secção:CT
Data do Acordão:06/26/2025
Relator:ISABEL VAZ FERNANDES
Descritores:RECURSO
CONTRA-ORDENAÇÃO
PRESCRIÇÃO
Sumário:I – Para efeito da análise da prescrição do procedimento contra-ordenacional importa ter presente o preceituado no artigo 33º do RGIT, tomando-se em consideração as causas de interrupção e de suspensão nele previstas, bem como as previstas na lei geral (RGCO).
II –
No entanto, é de aplicar ao procedimento contra-ordenacional tributário o disposto no nº 3 do artigo 28º do RGCO, que estabelece o seguinte: A prescrição do procedimento tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo de prescrição acrescido de metade”.
Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção de Execução Fiscal e Recursos Contraordenacionais
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Subsecção de Execução Fiscal e Recursos Contraordenacionais do Tribunal Central Administrativo Sul
I – RELATÓRIO

.... , Ldª, não concordando com a sentença proferida pelo TAF de Leiria que considerou improcedente o recurso da decisão de aplicação de coima, proferida no Processo de Contra-Ordenação nº 1384-2019/060000002390 contra si instaurado, no Serviço de Finanças de Leiria 1, por infracção aos artigos 27º nº1 e 41º, ambos do CIVA, veio interpor recurso jurisdicional tendo formulado as seguintes conclusões:

“A)
Conforme consta no elenco dos factos provados na douta sentença, nomeadamente, nos pontos A. a C. contra a recorrente foi instaurado, no dia 09/01/2019, o processo de contraordenação n.º 13842019060000002390, por lhe imputar a prática das infracções previstas nos artigos 27º, n.º 1 e 41º ambos do CIVA, com respeito ao
período de 2016/03, 2016/06, 2016/09 e 2016/12.

B)
No dia 19/02/2019 o Chefe do Serviço de Finanças de Leiria – 1 proferiu despacho de decisão de fixação da coima, no âmbito do processo 13842019060000002390, fixando-se a coima em € 12.919,32.

C)
A Recorrente foi acusada de ter entregue as declarações periódicas de IVA dos períodos de 201603T, 201606T, 201609T, e 201612T, com omissões e inexatidões declarativas, com consequência no apuramento do imposto exigível, trimestral, infringindo as normas previstas no artigo 27º, n.º 1 e 41º, n.º 1 alínea b) do CIVA, punível pelo disposto nos artigos 114º, n.º 2 e 5, al. a) do RGIT.

D)
Ora, a Lei n.º 7/2021 de 26 de fevereiro, que entrou em vigor em 1/01/2022, deu nova redação, nomeadamente, aos artigos 29º, 30, 31º, 32º do RGIT e aditou o artigo 28º-A do RGIT.
E)
Trata-se de lei nova em matéria contraordenacional e que altera não só os limites das coimas aplicáveis, como estabelece um novo regime sancionatório, com alterações relevantes no que toca à dispensa, redução e atenuação das coimas aplicáveis.
F)
Lei que é aplicável ao abrigo do princípio constitucional e penal de aplicação do regime legal mais favorável ao arguido em matéria contraordenacional, previsto no n.º 4, parte final, do artigo 29.º da CRP, no n.º 4 do artigo 2.º do Código Penal e no n.º 2 do artigo 3.º do RGCO.

G)
Na determinação da coima aplicável em caso de alteração do regime legal há que verificar qual o regime concretamente mais favorável.

H)
No presente caso, temos que, quer com a aplicação do regime da redução da coima previsto no art.º 30º, n.º 1 al. a), quer com a aplicação do regime de atenuação da coima previsto no art.º 32º, n.º 2, a coima a aplicar é mais favorável à Recorrente.

I)
Deste modo, não restam dúvidas que o novo regime é concretamente mais favorável à Recorrente.

J) Face ao exposto deve a decisão proferida ser anulada e substituída por outra que ordene a baixa dos autos à autoridade administrativa para que esta tenha a oportunidade de rever ou renovar, a decisão de aplicação de coima, em conformidade com o novo quadro legal.
Termos em que, deve o presente recurso ser julgado procedente e em consequência deve ser anulada a decisão sendo esta substituída por outra que ordene a baixa dos autos à autoridade administrativa para que esta tenha a oportunidade de rever ou renovar, a decisão de aplicação de coima, em conformidade com o novo quadro legal.”


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O DMMP junto deste Tribunal Central Administrativo emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.
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Com dispensa de vistos, vem o processo submetido à conferência da Sub-Secção do Contencioso Tributário para decisão.

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II – FUNDAMENTAÇÃO

- De facto

Ao abrigo do preceituado no nº6 do artigo 663º do CPC, remete-se para a matéria de facto fixada na sentença.


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- De Direito

Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo recorrente, a partir da respectiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objecto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer.

Cumpre, antes de mais, conhecer da questão da prescrição do procedimento contra-ordenacional, por se tratar de causa extintiva de conhecimento oficioso e que precede o conhecimento do mérito da causa, e que, a verificar-se, torna inútil a apreciação de qualquer outra questão invocada em sede de recurso.

Está em causa nos presentes autos o processo de contra-ordenação que na fase administrativa possuía o n.º1384-2019/060000002390, no âmbito do qual foi a ora Recorrente condenada no pagamento de coima no valor de € 12.919,32, pela prática da infracção ao disposto nos artigos 27º nº1 e 41º do CIVA, punida pelos artigos 114º nº2 e 26º nº4 do RGIT – falta de entrega da prestação tributária.

As infracções aqui em causa respeitam aos períodos de Maio de 2016 a Maio de 2017, pelo que cumpre, antes de mais, averiguar se já se completou o prazo de prescrição do procedimento de contra-ordenação.

No caso dos autos estão em causa infracções reportadas à falta de entrega de prestação tributária dentro do prazo (IVA), sendo que as datas em que foram praticadas as infracções valem para o início da contagem do prazo prescricional.

Resulta do probatório que o PCO foi instaurado em 9 de Janeiro de 2019 (cfr. alínea a) da matéria de facto assente) e que o despacho de fixação da coima foi proferido pelo Chefe do Serviço de Finanças em 19 de Fevereiro de 2019 (cfr. alínea c) do probatório).

Ora, quando a liquidação da coima viva na umbilical dependência da prévia liquidação do tributo, o prazo de prescrição do procedimento por contra-ordenação é reduzido ao prazo de caducidade do direito à liquidação do tributo, o qual, por força do artigo 45.º, n.º da Lei Geral Tributária (LGT), é de quatro anos.

Significa isto que, nestes casos e no limite, a prescrição do procedimento por contra-ordenação terá lugar logo que se mostrem decorrido seis anos e seis meses sobre a prática da infracção, pois, ressalvado o período máximo de suspensão (seis meses), ele terá sempre lugar logo que se mostre decorrido o prazo de prescrição do procedimento por contra-ordenação (quatro anos) acrescido de metade (dois anos).

Seguiremos de perto o Acórdão do STA de 02/02/2022, proferido no âmbito do processo nº 03/16.3BESNT, do qual recuperamos o seguinte:

“(…) Jurídico-conceptualmente a prescrição do procedimento contra-ordenacional é configurada como excepção peremptória (pressuposto processual negativo) de conhecimento oficioso em qualquer momento do processo, até à decisão final (cfr., em conjunto e conjugadamente, os artºs.35º e 193º, al.b), do C.P.Tributário, e 27º, do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, aprovado pelo Dec.Lei nº 433/82, de 27/10 e o artº.33, do R.G.I. Tributárias), que obsta ao julgamento da matéria de fundo e dá origem ao arquivamento dos autos (cfr. Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As consequências jurídicas do crime, Editorial Notícias, 1993, pág.1123 e seg.; Manuel Cavaleiro de Ferreira, Curso de Processo Penal, III, pág.14; M. Leal-Henriques e M. Simas Santos, C.Penal Anotado, Rei dos Livros, 1995, 1º.volume, pág.826 e seg.).

Hodiernamente, o prazo de prescrição do procedimento contra-ordenacional está prognosticado no artº.33º, do R.G.I.T., norma que mantém no seu nº.1 o prazo geral de cinco anos, já consagrado no anterior artº.119º, da L.G. Tributária, tal como no artº.35º, do C.P. Tributário, no que tange às contra-ordenações fiscais não aduaneiras.

(…) reportando-se o caso sub judice ao prazo de prescrição de contra-ordenação, por falta de pagamento do IVA dentro do prazo, é entendimento jurisprudencial uniforme que os prazos de prescrição do procedimento por contra-ordenação tributário previstos no artigo 33.º do RGIT, acrescidos de metade, nos termos do n.º 3 do artigo 28.º do DL n.º 433/82, aplicável ex vi do n.º 3, do mesmo artigo 33.º, constituem os prazos máximos de prescrição do procedimento contraordenacional, que, por isso, são sempre aplicáveis a todos os procedimentos, ainda que tenha havido interrupção desse prazo.

Pontificam, a esse propósito, entre muitos, os Acórdãos do STA de 12/12/2018, Proc. nº 0367/14.3BELRA, de 20/12/2017, Proc. nº 084/17, de 20/12/2017, Proc. nº 0224/17, de 19/09/2007, Proc. nº 0453/07, de 30/04/2019, Proc. nº 0679/11.8BEALM e de 20.05.2020, Proc. nº 1901/15.7BELRA.

Por outro lado e no tangente à contra-ordenação fiscal prevista e punida pelo artigo 114.º, n.ºs 2 e 5, alínea a), do RGIT, o prazo prescricional geral de cinco anos é reduzido para o prazo de caducidade do direito à liquidação do IVA, ou seja, quatro anos (cf. artigo 45.º, n.ºs 1 e 4, na redacção que foi conferida a este último pela Lei n.º 32-B/2002, de 31 de Dezembro, ex vi artigo 94.º, n.º 1, do Código do IVA e do artigo 33.º, n.º 2, do RGIT).
Em vista do caso concreto, há, pois, que atentar no que se determina no nº.2, do artº.33, do R.G.I.T., ao instituir um prazo especial idêntico ao prazo de caducidade do direito à liquidação da prestação tributária quando a infracção depender daquela liquidação.
No entanto, a fórmula utilizada no nº.2 do referido artigo, ao indicar a dependência da infracção relativamente à liquidação da prestação tributária, não traduz esta ideia pois a infracção depende da liquidação da prestação tributária sempre que a determinação do tipo de infracção ou da sanção aplicável deriva do valor daquela prestação, pois é a liquidação o meio de determinar este valor. Neste sentido, casos em que a existência da contra-ordenação depende da liquidação da prestação tributária são os previstos nos artºs.108, nº.1, 109, nº.1, 114, 118 e 119, nº.1, todos do R.G.I.T. (cfr. Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos, Regime Geral das Infracções Tributárias anotado, 4ª. edição, 2010, Áreas Editora, pág.323 a 325).

Em todo o caso, é enquadrável no prazo de prescrição previsto no artº.33, nº.2, do R.G.I.T., a infracção tributária que deriva da violação do regime de autoliquidação e pagamento do I.V.A., enquadrável em termos de responsabilidade contra-ordenacional no artº.114, do R.G.I.T.
E a fixação do prazo de prescrição reduzido implica que se determine qual é o prazo de caducidade do direito à liquidação, para tanto devendo levar-se em consideração o regime previsto no artº.45, da L.G.Tributária, reiterando-se que é aplicável também ao prazo previsto no artº.33, nº.2, do R.G.I.T., a regra consagrada no artº.28, nº.3, do R.G.C.O.C. (“ex vi” do artº.3, al.b), do R.G.I.T.), na qual se estabelece que a prescrição do procedimento tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido a totalidade do mesmo prazo acrescido de metade (cfr.artº.121, nº.3, do C.Penal).

É que no artº.33º, nº.3, do R.G.I.T., remete-se para a aplicação das normas sobre suspensão e interrupção da prescrição do processo contra-ordenacional previstas no R.G.C.O.C. O curso da prescrição pode ser suspenso e interrompido. Há suspensão quando o tempo decorrido antes da verificação da causa de suspensão conta para a prescrição, juntando-se, portanto, ao tempo decorrido após essa causa ter desaparecido (cfr.artº.120, nº.3, do C. Penal). A suspensão impede que o prazo da prescrição decorra enquanto se mantiver a causa que a determinou. Inversamente, verifica-se a interrupção quando o tempo decorrido antes da causa de interrupção fica sem efeito, devendo, portanto, reiniciar-se a contagem de um novo período logo que desapareça a mesma causa (cfr.artº.121º, nº.2, do C. Penal). Quer dizer, a interrupção anula o prazo prescricional entretanto decorrido (cfr. Ac.S.T.A.-2ª.Secção, de 19/9/2007, Proc.453/07; Ac. S.T.A.-2ª.Secção, de 26/9/2007, Proc.518/07; Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos, Regime Geral das Infracções Tributárias anotado, 4ª. edição, 2010, Áreas Editora, pág.327; Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos, Contra-Ordenações, Anotações ao Regime Geral, 6ª. edição, 2011, Áreas Editora, pág.261).
Volvendo ao caso dos autos, porque o IVA de Outubro de 2013 deveria ter sido entregue até 10 de Dezembro de 2013, é nesta data que a questionada infracção se considera praticada por omissão e que tem início a contagem do prazo prescricional de quatro anos (cf. artigos 5.º, n.º 2, e 33.º, n.ºs 1 e 2, do RGIT e artigos 27.º, n.º 1, e 41.º, n.º 1, alínea a), do Código do IVA, na redacção então em vigor).

Extrai-se do acabado de expor, que o prazo de prescrição capitula dentro do nº 2 do art. 33º do RGIT, ou seja o prazo consagrado no nº 1 do art. 45º da LGT – 4 anos, sendo de realçar que a prescrição do procedimento contraordenacional tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo da prescrição acrescido de metade, ou seja, conquanto a respectiva suspensão pudesse ter lugar, esta não poderia ultrapassar os seis meses (cf. artigo 27.º-A, n.º 2, do RGCO, ex vi artigo 3.º, alínea b), do RGIT).

Nessa óptica, é inelutável que o procedimento contraordenacional fiscal prescreveu em 10 de Junho de 2020, em rigor, seis anos e seis meses após o seu início (10 de Dezembro de 2013), (…) e independentemente da verificação de factos interruptivos e suspensivos, o procedimento contraordenacional é forçosamente extinto por prescrição. (…)”


Vejamos, agora, se já ocorreu a prescrição do procedimento no caso dos autos.

A nossa apreciação iniciar-se-á pela infracção mais recente (06/05/2017), uma vez que, a ocorrer a prescrição do procedimento quanto a esta, por maioria de razão, se verificará relativamente às demais.

Atendendo à data da prática da infracção – 06/05/2017 - e aplicando-se o prazo máximo supletivo de prescrição, acrescido de metade, ou seja, na presente situação, de seis anos (4+2), acrescidos dos 6 meses de suspensão, o prazo prescricional consumou-se em 6 de Novembro de 2023.

O que significa, por maioria de razão, que as anteriores infracções (14/11/216, 15/08216 e 14/05/2016) se encontram, igualmente, prescritas.

Conclui-se, pois, à luz dos citados preceitos legais, que o procedimento contra-ordenacional se encontra integralmente prescrito.

Encontrando-se prescrito o procedimento contra-ordenacional relativo às infracções objecto dos presentes autos, verifica-se excepção peremptória que determina a extinção do procedimento contra-ordenacional e obsta à apreciação da matéria de fundo, ficando, assim, prejudicado o conhecimento das demais questões invocadas.

Relativamente às custas, declarado extinto o procedimento de contra-ordenação por prescrição, inexiste condenação da Arguida, não sendo, por isso, devidas custas processuais por esta.

Por outro lado, não estando previsto que o Ministério Público suporte as custas, por ser entidade isenta do seu pagamento, e inexistindo norma no regime legal de custas aplicável em processo de contra-ordenação tributária que preceitue a condenação da Autoridade Tributária, na presente lide não haverá condenação em custas.


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IV. DECISÃO

Face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da subsecção de Execução Fiscal e Recursos Contra-ordenacionais deste Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida, e, em consequência, julgar extinto o processo de contra-ordenação nº 1384-2019/060000002390, por prescrição.

Sem custas.

Registe.

Notifique.

Lisboa, 26 de Junho de 2025

Isabel Vaz Fernandes

Luísa Soares