Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 609/12.0BESNT |
![]() | ![]() |
Secção: | CT |
![]() | ![]() |
![]() | ![]() |
Data do Acordão: | 04/03/2025 |
![]() | ![]() |
Relator: | ISABEL VAZ FERNANDES |
![]() | ![]() |
Descritores: | CGA REPOSIÇÃO PENSÕES PRESCRIÇÃO REGIME |
![]() | ![]() |
Sumário: | I – À devolução de pensões indevidamente pagas pela CGA é aplicável o regime jurídico de administração financeira do Estado, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 155/92, de 28 de Julho; II - O direito da CGA a exigir as quantias indevidamente pagas prescreve no prazo de cinco anos após a data do respectivo recebimento – artigo 40º do Decreto-Lei n.º 155/92, de 28 de Julho. |
![]() | ![]() |
![]() | ![]() |
Votação: | Unanimidade |
![]() | ![]() |
![]() | ![]() |
Indicações Eventuais: | Subsecção de Execução Fiscal e Recursos Contraordenacionais |
![]() | ![]() |
![]() | ![]() |
Aditamento: | ![]() |
1 | ![]() |
Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais do Tribunal Central Administrativo Sul
I – RELATÓRIO J... , nos autos melhor identificado, deduziu oposição ao processo de execução fiscal (PEF) n.º 3140201201008161, instaurado no Serviço de Finanças da Amadora-2, para cobrança coerciva da quantia de € 166.360,39, e acrescido, relativa a quantia indevidamente paga a título de pensões da Caixa Geral de Aposentações (CGA) após a morte do respetivo beneficiário, G... , seu pai. O Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, por decisão de 21 de junho de 2018, julgou parcialmente procedente a oposição à execução fiscal, declarando-se prescrita a dívida objeto de cobrança coerciva, e respetivos juros moratórios, no período temporal que vai de 01 de novembro de 1991 até 08 de abril de 2006. Não se conformando com a decisão, a Caixa Geral de Aposentações, interpôs recurso da mesma tendo, nas suas alegações de recurso, formulado as seguintes conclusões: «1- A CGA apenas tomou conhecimento do óbito do seu pensionista em 2011-01-31, quando o oponente participou à CGA a morte presumida do pensionista G... , seu pai, juntando certidão extraída dos autos de ação declarativa que terá culminado em sentença proferida, pelo Tribunal Judicial do Fundão, em 2007-02-05. 2- Instado a efetuar a devolução da aludida quantia, por ser filho e herdeiro (e eventual cabeça-de-casal da herança) do pensionista, veio aquele logo que notificado para o efeito prontamente contestar a data do óbito e, em consequência, o montante apurado dos levantamentos indevidos a repor. 3- Em termos gerais, o prazo de prescrição começa a correr no momento em que o direito pode ser exercido. Este princípio, contido na primeira parte do n.º 1 do artigo 306.º do Código Civil, tem a sua justificação na própria razão do instituto da prescrição. A prescrição funda-se na inércia injustificada do credor, quando este, podendo exercer o seu direito de reclamar o crédito, opta por o não fazer. Por conseguinte, se a prescrição se funda na inércia injustificada do credor só a partir do momento em que este está em condições de o exercer é que faz sentido começar a contar o prazo que, uma vez preenchido, determinará a prescrição. 4- A prescrição é, pois, uma forma de extinção de direitos, que assenta na necessidade de pôr termo à incerteza sobre o seu exercício e na presunção do seu abandono por parte do respetivo titular. Na base do instituto da prescrição está, portanto, a negligência real ou presumida do titular do direito, que não o exercendo dentro do prazo fixado legitima a presunção de abandono desse exercício. 5- A sentença recorrida, ao declarar prescrita a dívida no período temporal que vai de 1991-11-01 a 2006-05-08, incorreu em violação de lei, designadamente do disposto no artigo n.º 1 do artigo 306 º do Código Civil e também do artigo 40.º do Decreto-Lei n.º 155/92, de 28 de julho. Termos em que, com os mais de direito doutamente supridos por V. Ex.as deve o presente recurso ser julgado procedente, com as legais consequências.» * Não foram apresentadas contra-alegações. * * Com dispensa de vistos, vem o processo submetido à conferência da Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais do Tribunal Central Administrativo Sul para decisão. * - De facto A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos: «Com interesse para a decisão da causa, de acordo com as várias soluções plausíveis de direito, considera-se provada a factualidade que se passa a subordinar por alíneas: A) Em 10.02.2012 foi instaurado no Serviço de Finanças da Amadora-2, contra o ora Oponente, o processo de execução fiscal n.º 3140201201008161 para cobrança coerciva da quantia de € 166.360,39 e acrescido, «correspondente aos valores indevidamente creditados pela CGA no período de 1 de novembro de 1991 a 28 de fevereiro de 2011 na conta sob o NIB 0035.0697.00315568500.97… por perda do direito à pensão de reforma» – cf. fls. 55 e 61 do processo de execução fiscal (PEF) apenso. B) Na sentença proferida em 05.06.2006 no processo n.º 1024/04.4TBFND – Ação Especial de Justificação de Ausência para Declaração de Morte Presumida – foi decida a procedência parcial da ação, decidindo-se o seguinte: Declara-se a morte presumida de Guilherme dos Reis Mateus, a qual para efeitos do disposto no nº 3, do art.114º do Código Civil se reporta a dia indeterminado de mês indeterminado e ano igualmente indeterminado, mas localizado no tempo seguramente há mais de 15 anos. – cf. doc. n.º 2 junto com a p.i. C) A decisão que antecede foi objeto de averbamento ao assento de nascimento de G... em 12.02.2007 – cf. doc. n.º 3 junto com a p.i. D) Em 31.01.2011 o ora Oponente informou a CGA da declaração de morte presumida de seu pai, G... , apresentando certidão da decisão identificada em B), passada em 05.02.2007 – cfr. doc. 2 junto com a contestação. E) Foram efetuados levantamentos da conta bancária identificada em A) no valor de € 167.879,53 – por acordo e cfr. doc. 1 junto com a petição inicial. F) A CGA reembolsou-se da quantia de € 1.519,14 – por acordo. G) Por ofício de 08.04.2011 a CGA notificou o ora Oponente para, “no prazo máximo de 30 dias”, proceder ao pagamento da quantia de € 166.360,39, relativa a “Pagamento indevido de pensões” ao pensionista G... , advertindo “que vence juros de mora” – cf. doc. n.º 1 junto com a p.i. H) O Oponente foi citado em 20.02.2012 para pagar a quantia total de € 175.308,68, sendo € 166.360,39 “correspondente aos valores indevidamente creditados pela CGA no período de 1 de novembro de 1991 a 28 de fevereiro de 2011” e € 8.948,29 correspondentes aos “respetivos juros de mora, à taxa de 0,529% ao mês, entre 1 de abril de 2011 e 31 de janeiro de 2012” – cf. fls. 61/62 do PEF apenso. I) A petição inicial deu entrada no serviço de finanças em 20.03.2012 – cfr. fls. 5 do suporte físico dos autos.». * Factos não provados «Não resultam dos autos outros factos, com relevo para a decisão do mérito da causa, que importe julgar como não provados. ». * Motivação da decisão de facto «A decisão da matéria de facto provada efetuou-se com base no exame dos documentos não impugnados, que constam dos autos, referenciados em cada uma das alíneas do probatório, inexistindo indícios que ponham em causa a sua genuinidade, bem como da posição assumida pelas partes no processo.» * - De Direito Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo recorrente, a partir da respectiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objecto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer. Ora, lidas as conclusões das alegações de recurso, resulta que está em causa saber se a sentença recorrida sofre de erro de julgamento de direito por violação dos artigos 306º, nº1 do Código Civil e 40º do Decreto-lei nº 155/92, de 28 de Julho. Está em causa a cobrança, pela CGA, de quantias indevidamente recebidas a título de pensões a que teria direito G... , pai do Recorrido, relativamente ao qual foi declarada a morte presumida pelo Tribunal Judicial do Fundão, facto que determinou, segundo a CGA, a ordem de reposição ora em execução. A sentença recorrida julgou verificada a prescrição das dívidas referentes ao período de 01/1/1991 a 08/04/2006, nos termos do preceituado no artigo 40º do Decreto-lei nº155/92 de 28 de Julho. É contra este entendimento que a Recorrente se insurge, já que entende que o início da contagem do prazo prescricional deve ser o momento em que o direito pode ser exercido nos termos do estatuído no nº1 do artigo 306º do Código Civil. Vejamos. Comecemos por recuperar o entendimento acolhido na sentença quanto à prescrição da dívida exequenda: “(…) Está em causa a quantia de € 166.360,39 relativa a pensão de reforma de que era beneficiário a pai do ora Oponente, G... , cuja morte presumida ocorreu em 05.06.1991. Importa aferir, antes de mais, qual o regime de prescrição a que está sujeita a dívida em causa, se aquele resulta do Regime de Administração Financeira do Estado (RAFE), vertido no Decreto-Lei n.º 155/92, de 28/07, se o regime geral previsto no Código Civil. Sobre questão com enquadramento factual em tudo idêntico à que ora cumpre apreciar pronunciou-se recentemente o Supremo Tribunal Administrativo no Acórdão proferido no proc. n.º 06942/13, datado de 03.10.2013, em cuja fundamentação nos revemos sem qualquer reserva e que, com a devida vénia, por facilidade de exposição, passamos a transcrever, na parte que releva: «O Dec.-Lei n.º 155/92, que aprovou o regime de administração financeira do Estado estabelecendo as regras relativas aos fluxos financeiros e de tesouraria, a contabilidade das receitas e despesas, etc., ou seja, que regula todos os movimentos financeiros do Estado e é aplicável a todos os serviços e organismos da Administração Pública, estabelece um prazo de prescrição de cinco anos para as importâncias de quaisquer receitas que tenham dado entrada nos cofres do Estado sem direito a essa arrecadação, salvo se for legalmente aplicável outro prazo mais curto (art.º 35.º, n.º 3). No que se refere à reposição de dinheiros públicos que devam reentrar nos cofres do Estado (art.º 36.º, n.º 1), o art.º 40.º do referido diploma estabelece igualmente um prazo de prescrição de cinco anos (n.º 1), prazo esse que não é prejudicado pelo estatuído pelo artigo 141.º do diploma aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442/91, de 15 de Novembro, aditado com “natureza interpretativa”, pelo artigo 77.º da Lei n.º 55-B/2004, de 30 de Dezembro (n.º 3). Esta última disposição, como lei “interpretativa”, integra-se na lei interpretada nos termos do art.º 13.º n.º 1 do Cód. Civil, retroagindo por isso os seus efeitos à data da entrada em vigor da lei interpretada, ou seja, à data da entrada em vigor do Dec.-Lei n.º 155/92. Resulta assim deste regime, à saciedade, que o mesmo se aplica a qualquer montante de dinheiro público que deva reentrar nos cofres do Estado e não apenas a montantes percebidos por funcionários ou agentes do Estado […]. Por outro lado, a existência de um prazo especial de prescrição aplicável a todas as quantias que devam reentrar nos cofres do Estado afasta o prazo ordinário de prescrição (20 anos) previsto no artigo 309.º do Código Civil ou qualquer outro, pois de acordo com o princípio lex specialis derrogat lex generalis, qualquer outro prazo apenas poderá ser aplicado supletivamente “se o caso concreto não for abrangido por um dos prazos especiais, consagrados pelo legislador. (Cfr. ANA FILIPA MORAIS ANTUNES, Prescrição e Caducidade: Anotação aos artigos 296.º a 333.º do Código Civil sobre a influência do tempo nas relações jurídicas. Reimp. Coimbra, Coimbra Ed.ª, 2008, p. p. 73 – nota 1 ao artigo 309.º do Código Civil.). Daí que, o prazo prescricional de 5 anos seja aplicável à reposição em questão nos autos, independentemente de estarmos em presença de actos de processamento de pensões de reforma cujo montante foi percebido por outrem que não é funcionário nem é o respectivo destinatário. Doutro passo, à contagem deste prazo não é aplicável outra disposição legal que não o art.º 40.º, n.º 1, do Dec.-Lei citado, pois este expressamente refere que “a obrigatoriedade de reposição das quantias recebidas prescreve decorridos cinco anos após o seu recebimento”. Trata-se de um claro propósito do legislador, com intuitos de segurança e certeza jurídicas, de uniformizar o prazo de prescrição, quer para as quantias que o Estado tem que devolver, quer para aquelas que tem de reembolsar. Aliás, não faria sentido que no primeiro caso o prazo fosse de cinco anos e no segundo fosse o prazo ordinário ou qualquer outro. Contudo, o prazo de prescrição interrompe-se nos mesmos termos da prescrição civil, ou seja, interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence […]. Nesta ordem de ideias é evidente que o recorrente tem razão ao dizer que não lhe podem ser exigidos os montantes correspondentes às mensalidades da pensão cujo depósito em conta ocorreu para lá dos cinco anos. Porém, esta conclusão, que prima facie, choca com o sentido de justiça dominante, que repugna comportamentos como o do recorrente, que fez suas as quantias que eram depositadas em conta de depósito e que se destinavam a pagar uma pensão de reforma de pessoa que entretanto faleceu, obriga-nos a tecer dois comentários. Em primeiro lugar para dizer que não obstante ser moral e eticamente condenável a conduta do recorrente, a CGA também não fica isenta de responsabilidades por ter confiado cegamente durante vários anos num sistema de prova de vida que se revelou desadequado e imprestável. Em segundo lugar que mesmo sendo a conduta do recorrente fortemente censurável no plano ético e moral, como já se salientou, isso não significa que se possam postergar as normas e os princípios legais que disciplinam a situação em apreço, tanto mais que a ordem jurídica também fornece a censura adequada para esse tipo de comportamentos, eventualmente até com consequências mais penalizadoras do que aquelas que a simples reposição dos dinheiros públicos pode gerar.» (fim de transcrição). No mesmo sentido cf. o recente Acórdão de 06.06.2018, também do STA, tirado no proc. n.º 01614/15, disponível, tal como o aqui transcrito, em www.dgsi.pt. Em face do regime especial de prescrição exposto, considerando que o prazo de prescrição se interrompe nos mesmos termos da prescrição civil, ou seja, pela citação ou notificação judicial de qualquer ato que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o ato pertence (art.º 323.º, n.º 1, do CC), no caso em apreço tendo o ora Oponente sido notificado pela CGA, em 08.04.2011 [cf. al. G) do probatório], antes da instauração do processo de execução, para efectuar a reposição do valor indevidamente depositado na conta de seu pai, do qual se apropriou, tal notificação interrompeu a prescrição. Assim sendo, é concluir que se mostrará prescrita a dívida exequenda na parte que contende com o período temporal que vai de 01.11.1991 até 08.04.2006.(…)” Adiante-se que a posição assumida na sentença não nos merece qualquer censura. Como ressalta do segmento da sentença transcrito, ali se acolheu o entendimento jurisprudencial de que o regime de prescrição aplicável às situações de reposição de pensões e abonos pagos pela CGA é o estabelecido no Decreto-Lei nº 155/92, de 28 de Julho. A própria Recorrente refere, nas alegações de recurso, que nunca questionou que ao caso fosse aplicável o prazo de 5 anos previsto no nº1 do artigo 40º do Decreto-Lei nº 155/92, de 28 de Julho. Nos termos do preceituado no artigo 40º do mencionado diploma: “1 - A obrigatoriedade de reposição das quantias recebidas prescreve decorridos cinco anos após o seu recebimento. 2 - O decurso do prazo a que se refere o número anterior interrompe-se ou suspende-se por acção das causas gerais de interrupção ou suspensão da prescrição.” Foi este o regime aplicado, e bem, pela sentença recorrida, tendo considerado as causas de interrupção e de suspensão relevantes. Não nos oferece dúvidas que o regime a aplicar é o do artigo 40º do Decreto-Lei nº 155/92, de 28 de Julho, como tem vindo o STA, reiteradamente, a entender – veja-se, a título de exemplo, o Acórdão de 16/05/2024 proferido no âmbito do processo nº 368/17. Ora, da leitura das alegações de recurso resulta que a Recorrente pretende a aplicação, em simultâneo, dos dois regimes da prescrição. Se bem compreendemos, refere que o prazo aplicável é o de cinco anos previsto no artigo 40º do Decreto-Lei nº 155/92, de 28 de Julho, já quanto ao início da contagem, faz tábua rasa do preceituado no nº1 do artigo 40º e pugna para que seja considerado o momento em que o direito pode ser exercido, nos termos do nº1 do artigo 306º do Código Civil. Não tem razão. Independentemente das razões que justificam a ordem de reposição no caso concreto, a verdade é que o regime legal constante no artigo 40º do mencionado diploma legal não deixa margem para dúvidas ao referir cinco anos após o seu recebimento. Como se escreveu no Acórdão do STA que referimos supra: “ O regime previsto no artigo 40.º do D.L. n.º 155/92, de 28/08 não faz depender o início da prescrição de qualquer outro requisito para a prescrição, senão o decurso do prazo de cinco anos a contar do recebimento das quantias.” Assim sendo, o recurso está votado ao insucesso, pelo que será de confirmar a sentença recorrida, que bem decidiu. * III- Decisão Face ao exposto, acordam, em conferência, os Juízes da Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso. Custas pela Recorrente. Registe e Notifique. Lisboa, 3 de Abril de 2025 (Isabel Vaz Fernandes) (Lurdes Toscano) (Susana Barreto) |