Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1194/10.2BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:10/10/2024
Relator:JORGE CORTÊS
Descritores:CORRECÇÃO DAS TAXAS DO IVA.
FUNDAMENTAÇÃO FORMAL.
VALES DE DESCONTO.
Sumário:I. A correcção da taxa do IVA de certo produto está suficientemente fundamentada se a mesma individualiza o produto, as suas características, tais como as mesmas constam da contabilidade e substitui a taxa aplicada pela taxa considerada devida, segundo os normativos legais.

II. O uso de vales de desconto, na medida em que implica a redução da base tributável do imposto liquidado, deve ser associado a mecanismos de prova do conhecimento pelo adquirente de que o valor do imposto liquidado é distinto do valor projectado. Ónus que recai sobre o contribuinte.

Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção Tributária Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

I – RELATÓRIO
P...... D………-DISTRIBUIÇÃO ……………, S.A., sociedade que incorporou, por fusão, a sociedade denominada “F……… N……..ova-H……………., S.A.”, veio deduzir impugnação judicial, na sequência do indeferimento parcial da reclamação graciosa que apresentou relativamente aos actos de liquidação adicional de IVA, e respectivos juros compensatórios, do exercício de 2006.
O Tribunal no Tribunal Tributário (TT) de Lisboa, em sentença datada de 28.10.2020, decidiu:
«i. Declara[r] a inutilidade superveniente da lide quanto às correções aplicadas aos seguintes produtos: - Geleia extra morango 345 mg; - Geleia extra marmelo 345 mg;- Doce extra gila;- Citrinada de laranja;- Doce extra de abóbora;- Doce extra de Figo 340;- Doce extra de Framboesa 345;- Doce extra de ginja;- Doce extra de tomate; - Doce extra de pêssego; - Biju 5 un; - Cana de Açúcar; - Molho de espargos e ricota Sacla 190 gr; - Trabalhos manuais; - Broa recheada kg;- Butelo bísaro; - Molho qta avo timorense 150 gr; - Molho quitango qta avo 90 gr;- Molho rosso Savora; - Molho Saka - Saka globo 420 g;
ii. Julga[r] totalmente procedente a impugnação no que respeita às correções efetuadas quanto à taxa de IVA aplicável, por falta de fundamentação formal;
iii. Julga[r] totalmente procedente a impugnação no que respeita às correções efetuadas quanto à taxa de IVA aplicável, salvo no caso dos produtos “Compotas Casa Mateus” em que a ação procede parcialmente;
iv. Julga[r] improcedente a impugnação quanto ao pedido de anulação da regularização de IVA decorrente da ação “Promoção 100%”;
v. Julga[r] improcedentes os pedidos de pagamento de juros indemnizatórios e de reembolso das quantias pagas;
vi. Condena[r] a Fazenda Pública no pagamento de indeminização por prestação de garantia indevida, na exata proporção do vencimento da Impugnante a apurar em sede de execução e incidente de liquidação de sentença;»
Inconformadas com o assim decidido quer a Impugnante, P...... D…-Distribuição ……….., S.A, quer a Fazenda Pública, vieram recorrer da sentença.
A recorrente P...... D……….-Distribuição …………, S.A., apresentou as suas alegações e formulou as seguintes conclusões [numeradas por nossa iniciativa]:
«1) A Sentença proferida pelo Tribunal a quo padece de erro em matéria de julgamento uma vez que desconsidera as provas (anexas à petição inicial de impugnação judicial como documentos n.º 5 e 6 e para os quais se remete para os devidos efeitos legais), que demonstram de forma inequívoca que dos rótulos dos produtos em causa constam as referências a “Produto isento de glúten. Apto para doentes celíacos” e “Sem glúten”, motivo pelo qual deverá a referida decisão ser anulada;
2) Acresce, conforme ficou supra demonstrado, a correcção efectuada pela Autoridade Tributária a propósito das regularizações efectuadas pela Impugnante no âmbito da ação “Promoção 100%” é destituída de qualquer fundamento, não sendo aceitável que o Tribunal a quo desconsidere a realidade dos factos e bem assim a jurisprudência citada, como tal, deve a mesma ser anulada por vício de violação de lei;
3) Finalmente, sendo dado inteiro provimento às pretensões da Recorrente e determinada a anulação das correções em apreço, deverá ora Recorrente não só ser reembolsada dos valores que pagou, como, bem assim, ressarcida quer através de juros indemnizatórios, quer de indemnização pelos custos que suportou com a apresentação e manutenção de garantia bancária identificada sob o n.º ……………….., da C …….. G………. de D ………., S.A., no valor de € 674.085,03, para efeitos da suspensão do processo executivo n.º ……………..421 de que havia sido citada;
Pugna pela procedência do recurso e pela revogação da sentença, na parte impugnada.
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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A Fazenda Pública, Recorrente, apresentou alegações e formulou o seguinte quadro conclusivo:
«I) Visa o presente recurso reagir contra a douta sentença que declarou parcialmente procedente a Impugnação deduzida contra ato de indeferimento parcial da reclamação graciosa deduzida contra as liquidações adicionais de IVA respeitantes ao exercício de 2006, e respetivos juros compensatórios, no montante total de € 522.581,25.
II) Especificamente na parte em que julgou procedente o vício de falta de fundamentação do segmento da correção que incidiu sobre a aplicação das taxas dos produtos comercializados em 2008, no montante de €358.330,82, suportada nas observadas divergências de enquadramento de bens e serviços constantes da Lista - I - Transmissões de bens e prestações de serviços à taxa de 5%, e, da Lista II - Transmissões de bens e prestações de serviços à taxa de 12%, anexas ao CIVA, à luz do nº 1 do artigo 18º CIVA, ou seja, a produtos que foram sujeitos à taxa reduzida de IVA (5%), quando legalmente o que seria correto aplicar era a taxa intermédia de 12% (Anexo 10), ou à taxa normal de 21% (Anexo 11), ou, finalmente, de produtos que foram sujeitos à taxa de 12%, quando legalmente o que se impunha que fosse aplicada era a taxa normal (Anexo 12).
III) Subsidiariamente, a Fazenda Pública imputa erro no apuramento da indemnização por prestação de garantia indevida, a que a Ré foi condenada – à luz da consolidada jurisprudência do Colendo STA pois que olvida o entendimento deste quando a anulação do ato tributário decorre não do vício de lei (só esse subsumível no erro imputável aos serviços) mas de vício formal, como seja, a discordada falta de fundamentação do segmento da correção objeto do presente recurso.
IV) Relativamente ao segmento da correção julgado procedente alvo de recurso decorre do RIT a existência de anexos (10 a 13) que foram (ainda que incorretamente) valorados para efeitos do dever de fundamentação, contendo factos qualitativos e quantitativos que concorreram para o apuramento da matéria tributável constituindo o suporte da correção efetuada e que cumpre aditar ao probatório pois que decorrem da prova produzida nos autos constituindo seu objeto, o que se requer.
V) No que respeita ao dever de fundamentação tal como ele decorre do art.77º da LGT, aderimos integralmente à jurisprudência produzida pelo Colendo STA citada na sentença recorrida, conquanto, por um lado, não se marginalize a matriz dinâmica do dever de fundamentação, e, por outro lado, no equilíbrio formal dos princípios e das finalidades aqui atinentes, não se menospreze a natureza instrumental da fundamentação dos atos tributários – perspetivas também elas jurisprudencialmente aceites pelo Supremo Tribunal Administrativo de forma consolidada e que não podem ser ignoradas pela primeira instância.
VI) Entende o Tribunal a quo, por um lado, que o RIT não permite percorrer o itinerário cognoscitivo do autor do ato alegadamente porque terão faltado elementos que lhe permitiriam cumprir esse desígnio fundamentador no que respeita às razões de facto e de direito que presidiram a este segmento da correção,
VII) Por outro lado, haverá falta de fundamentação do RIT a partir do momento em que, se a título excecional (dizemos nós) foi corrigida a taxa do IVA a que determinado produto deve estar sujeito em função das suas características intrínsecas, semelhante raciocínio teria de ser aplicado à generalidade dos demais, ainda que e na opinião da Ré nessas situações a imputação do produto à taxa decorra de mera hermenêutica jurídica sem que haja propriamente uma característica do próprio produto que o justifique nem tenha sido essa a vontade do legislador.
VIII) Decorre do RIT, nomeadamente, do ponto, III.2.2.1 - Comercialização de bens a uma taxa incorrecta - (artigo 18.º do CIVA) - 358.330,82 euros
O sujeito passivo no âmbito da sua actividade, comercializa bens alimentares e não alimentares.
Com o objectivo de validar o correcto enquadramento desses bens, para efeitos de aplicação das taxas de IVA, foi solicitado à empresa a lista dos bens comercializados no exercício de 2006, a que foram aplicadas as taxas de IVA de 5% e 12%.
A partir da listagem de produtos fornecida pela empresa em suporte informático foram verificadas as taxas de IVA aplicadas a alguns bens, tendo-se verificado divergências ao nível do enquadramento de diversos artigos relativamente aos bens e serviços constantes da Lista I -‗Transmissões de bens e prestações de serviços à taxa de 5%‘ e da Lista II – ‗Transmissões de bens e prestações de serviços à taxa de 12%‘, anexas ao Código do IVA, conforme estabelece o n.º 1 do artigo 18.º do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (CIVA), ou seja, constatou-se a existência de produtos sujeitos à taxa reduzida de IVA (5%), quando a taxa correcta a aplicar era a taxa intermédia de 12% (Anexo 10), ou a taxa normal de 21% (Anexo 11), bem como a existência de produtos sujeitos à taxa de 12%, quando a taxa correcta a aplicar era a taxa normal (Anexo 12). [...] - “ – enunciando-se o modo como se procedeu à correcção identificando-se em concreto as taxas aplicadas pelo sujeito passivo e aquelas que entende deveriam ter sido aplicadas em termos legais.
IX) Só por erro de apreciação da prova se pode afirmar que o enquadramento legal da correção tenha ficado por realizar ou se mostre insuficientemente enunciado ou que tenha ficado por fazer o apelo ao normativo legal.
X) Constitui jurisprudência consolidada que a AT não está obrigada nestas situações a justificar porque não aceita o enquadramento legal do contribuinte (fundamentação em sentido negativo)
XI) Aceitando-se que os fundamentos de direito se mostram cabalmente enunciados no RIT e que este remete a identificação dos produtos para os seus anexos, os quais, é consabido, fazem parte integrante em termos de fundamentação do mesmo, decorre do RIT referências à respectiva designação comercial (onde se mostra identificado o produto e quando apenas aparece o artigo está lá o código deste que sempre permitiria ao sujeito passivo identificar cabalmente o produto em questão); às taxas de IVA corretamente corrigidas e às incorretamente aplicadas pelo sujeito passivo) e à indicação das verbas que o sujeito passivo aplicou e daquelas que foram aplicadas referentes às listas I e II ao CIVA e que em muitos casos inclusivamente não produziram efeitos na aplicação da taxa.
XII) A análise dessas listagens consubstanciadas nesses anexos deve começar pelo próprio título do anexo que permite perceber, por exemplo, relativamente ao anexo 10 reportam-se a listas de produtos que o SP liquidou a 5% (cfr. ainda também o canto superior esquerdo das listas) mas que a AT entende dever ser liquidada à taxa de 12% identificado que foi legalmente na verba respetiva da lista II anexa ao CIVA. Quando não decorre diretamente do elemento literal da norma (verba em causa) os SIT, excecionalmente não deixaram de complementar a informação como se lhes exige.
XIII) Nas próprias listas podemos também observar código do produto e o próprio cálculo do imposto, em função do produto vendido mensalmente. No final de cada listagem mostra-se evidenciado o cálculo do imposto apurado à taxa de 5% pelo SP; o cálculo do imposto que deveria ter sido liquidado a 12% e a diferença destes montantes apurados que constitui evidentemente o quantitativo objeto da correção.
XIV) E, atalhando caminho, é de sublinhar que tudo quanto evidenciámos relativamente, ao título do anexo, aos demais elementos e cálculos que identificámos nos Anexos 10 e 11, simplesmente menosprezados por reiterada falta de observação por parte do tribunal a quo e que evidentemente não nos permite afirmar que estejamos perante meras listagens – vale, mutatis mutandis e com as devidas adaptações – para os Anexos 12 (taxa incorretamente liquidada a 12% corrigida para 20/21%) e 13 (resumo do cálculo mensal até ao apuramento total do imposto a liquidar e da própria correção).
XV) O Tribunal a quo na análise ao RIT não detetou a indicação do o normativo legal o qual se mostra duplicado no conteúdo do mesmo; qualificou os anexos ao RIT que dá por provados limitando-se a qualificá-las como meras tabelas que contêm uma listagem de produtos quando na verdade o seu conteúdo vai muito para além do que foi observado. E só o erro reiterado de apreciação da prova poderá justificar, naturalmente, as inconcebíveis afirmações produzidas relativas a uma alegada tentativa de fundamentação a posteriori.
XVI) Está provado nos autos que a Impugnante logrou discutir os fundamentos da correção, em sede de direito de audição durante a ação inspetiva (FACTO PROVADO 2) e o mesmo ocorreu em sede de Reclamação Graciosa (FACTO 6).
XVII) Constituindo elemento probatório mais do que suficiente da omnicompreensão que a Autora logrou revelar relativamente aos pressupostos de facto e de direito com que os SIT lograram corrigir a matéria tributável neste segmento.
XVIII) Abaladas que se mostram as apontadas insuficiências do RIT que mais não são do que fruto de reiterados erros de apreciação da prova produzida nos autos, não há como qualificar seja como, contraditória ou obscura, a fundamentação da correção.
XIX) O tribunal a quo, no seio da fundamentação dos atos administrativos, não indica um normativo legal que permita demonstrar a intenção do legislador em introduzir como único critério de imputação à verba constante das referidas listas anexas ao CIVA, a característica intrínseca do produto.
XX) O Tribunal a quo, entende fazer recair de forma absolutamente ilegal um dever de uniformização que invariavelmente restringe o direito que esta tem de fundamentar legalmente os atos que pratica sem que isso viole os fins prosseguidos pelo próprio dever de fundamentação, nos termos do art.77º da LGT.
XXI) O dever de fundamentação dos atos tributários, como o próprio tribunal a quo bem sabe, é um dever legal enunciado no art.77º da LGT à luz do qual, em termos jurisprudenciais, os tribunais superiores têm vindo a exigir, em termos ontológicos, um conjunto de características que, uma vez verificadas, permitem chegar à conclusão que o ato tributário se mostra fundamentado.
XXII) O exercício intelectual que tiver de ser feito neste particular decorre da lei, é a partir dela que devemos verificar se o ato está fundamentado ou não, e não de um qualquer poder que o julgador entende ter-lhe sido atribuído para discricionariamente o autorizar a questionar-se sobre o que ele faria…, ou, sobre o que ele próprio gostaria que a fundamentação do ato contivesse.
XXIII) O tribunal não coloca em causa que a AT possa legitimamente recorrer às características intrínsecas dos produtos. Aliás, nos presentes autos, aceitou a correção ao doce Casa de Mateus. O que entende, aparentemente, é que há uma suposta desigualdade no tratamento dado, em termos de fundamentação, de umas verbas face a outras mesmo quando não coloca em causa que isso só é feito nas situações em que excecionalmente se entendeu ser de fazer (e justificadamente como o próprio reconheceu), mantendo-se, nas generalidade das situações a imputação dos demais produtos ao que se mostra enunciado nas respetivas verbas das listas anexas ao CIVA.
XXIV) O Tribunal a quo exige de forma absolutamente insustentada na lei que Inspeção Tributária no âmbito da análise às taxas de IVA aplicáveis a todos os produtos comercializados pelos sujeitos passivos analise a composição de, provavelmente, milhares ou dezenas de milhar de produtos (conforme a taxa de incumprimento dos contribuintes) para, posteriormente, poder fundamentar eventuais correções à aplicação das taxas colocando em causa o controlo realizado em termos fiscais pela inspeção e os fins subjacentes, acabando também por incorrer no paradoxo de tratar de forma igual situações que são diferentes, e, para as quais de uma forma geral o disposto nas verbas constantes das listas anexas ao CIVA respondem cabalmente dada a sua intuitiva enunciação.
XXV) A fundamentação, apesar de divergente em função do produto, não deixou de ser expressa, clara, suficiente e congruente.
XXVI) Os SIT mais não fizeram do que obedecer à sistematização legal introduzida pelo próprio legislador quando criou listas em função das taxas aplicáveis, aceitando-se que para um tipo de correção que tem como objeto analisar a legalidade da aplicação das taxa do IVA ao produto, esta é a forma, porventura, mais simples e mais objetiva de fazer perceber a qualquer contribuinte a fundamentação da própria correção, criando tabelas que, de forma intuitiva, por produto e, em termos quantitativos, de forma mensal, enuncia a verba e a taxa utilizada pelo contribuinte e a verba e a taxa que os SIT entenderam ser a correta – permitindo a qualquer contribuinte (e em particular a este que é uma pessoa coletiva com outro tipo de preparação) para perceber de que modo operou a referida correção neste particular.
XXVII) E, portanto, em termos formais, e contrariamente ao que entende o Tribunal a quo que se limitou a ensaiar, exigindo, um critério de uniformização não previsto na lei e que não afeta a própria fundamentação dos atos à luz do art.77º, LGT, violando o próprio entendimento jurisprudencial consolidado pela jurisprudência do STA nesta matéria (que não exige outra coisa que não seja a produção de uma fundamentação expressa, clara, suficiente e congruente) o que podemos concluir é que, os fundamentos de facto e de direito empreendidos no RIT e nos respectivos anexos em momento algum ofenderam os princípios que norteiam o dever de fundamentação inexistindo motivos para que a Impugnante possa afirmar que não logrou alcançar o iter cognoscitivo que norteou a correção.
XXVIII) Sublinhe-se que, conjugando o RIT e os respetivos anexos cada produto não deixou de ser apreciado de per se, simplesmente, e, como já afirmámos ao longo da exposição, tenha exigido a conjugação de elementos que tanto se encontravam no RIT como nos seus anexos.
XXIX) Não será despiciendo recuperar a fundamentação da sentença produzida no processo 2583/10.8BELRS da 2ª Unidade Orgânica deste Tribunal Tributário de Lisboa proferida em 29 de outubro de 2020, referente ao mesmo Impugnante, tendo por objeto o IVA de 2004, que sobre semelhante questão julgou improcedente a falta de fundamentação de correção realizada nos mesmos termos.
XXX) Se por hipótese académica se entendesse que nada do que aqui foi abordado teria o mérito de fazer soçobrar a parte julgada procedente do recurso no que ao dever de fundamentação diz respeito, verifica-se que no apuramento da indemnização por prestação de garantia indevida o Tribunal também não teve em consideração o facto de, mantendo-se o vício formal – o valor da correção em causa não pode concorrer para a determinação da indemnização por prestação de garantia indevida, luz da jurisprudência do Colendo STA que, nestas situações, entende não ser configurável o erro imputável aos serviços.
XXXI) Estão em causa os seguintes erros de julgamento:
- Insuficiência do probatório - Impondo-se que seja aditado ao probatório, dando por integralmente reproduzido, os factos que resultam dos anexos ao RIT
- Incorreta apreciação da prova dos factos produzidos nos autos, cuja devida apreciação, norteada pela subsunção jurídica que decorre do disposto nos arts. 77º, da LGT no que aos deveres de fundamentação diz respeito impunha ao Tribunal lograsse concluir que inexiste, in casu, falta de fundamentação da correção, e, consequentemente do ato tributário impugnado. Ou, que, existindo, o vício degradou-se em não essencial, por ser manifesto perante a posição e conduta procedimental tomada no âmbito do direito de audição dado em sede inspetiva e no seio da Reclamação Graciosa que a Impugnante nunca suscitou dificuldades em apreender os fundamentos de facto e de direito que presidiram à correção logrando alcançar o iter cognoscitivo desta última.
- violação reiterada do entendimento jurisprudencial sufragado pelos nossos tribunais superiores (sobretudo do STA) citada supra, relativamente: à natureza instrumental da fundamentação dos atos tributários; à matriz dinâmica desse dever que lhe permite variar em função do tipo de ato e das circunstâncias do caso concreto; à existência de o regime jurídico que perfeitamente conhecido ou cognoscível do destinatário normal; à eventual sanação do vício demonstrado que ficou que o seu destinatário se apercebeu corretamente do exato alcance com que a correção foi realizada, e, finalmente, do entendimento consolidado que impondo à AT a fundamentação do sentido da sua decisão não a obriga, para esse efeito, a justificar a alternativa proposta ou defendida pelo contribuinte. Subsidiariamente, a jurisprudência do STA que entende não existir direito a indemnização por prestação de garantia indevida quando em causa estão vícios formais do ato tributário.
- Por último, erro de subsunção jurídica, nos termos do art. 77º LGT o qual não impede que a AT, nas situações especiais em que isso se justifique, esclareça ou reforce o dever de fundamentação da sua correção, nem a obrigue a um dever de fundamentação acrescido absolutamente irrazoável no âmbito da análise às taxas de IVA aplicáveis a todos os produtos comercializados resultante da insustentável análise à composição de milhares de produtos colocando em causa o próprio controlo fiscal para, depois, poder fundamentar eventuais correções à aplicação das taxas determinadas por via do elenco dos produtos previsto nas listas anexas ao CIVA, sem que se vislumbre, não se vislumbre ou mostre suficientemente fundamentado na sentença recorrida de que modo a fundamentação acrescida impede, à luz do art. 77º da LGT, a omnicompreensão que o contribuinte tem sobre aqueles que foram os fundamentos de facto e de direito da correção pois que os SIT quando não sentiram a necessidade de apelar à fundamentação complementar dado o modo como o legislador sistematizou a aplicação das taxas, nem por isso deixaram de enunciar suficientemente a taxa aplicável aos produtos por via da cabal enunciação das verba respectivas presentes nas listas anexas ao CIVA, ou, nos termos da alínea c), do art. 18º, nº 1, do CIVA quando essa imputação não é sequer possível de ser realizada por referência aos produtos elencados nas referidas listas tornando a correção expressa (nunca deixou de o ser), clara, e suficiente. Inexistindo obscuridade ou contradição. Nada se apurou na douta sentença relativamente a estas questões.
XXXII) Requer, pois, seja julgado procedente o presente recurso mantendo-se na ordem jurídica o ato de liquidação impugnado nos termos sobreditos, subtraído daquela que foi a anulação dos segmentos da correção julgados por procedentes pela sentença recorrida, com os quais a Fazenda Pública se conforma, e, com a devida retificação no que à condenação em juros indemnizatórios e indemnização por prestação de garantia indevida, diz respeito. Corrigindo-se o decaimento.
XXXIII) Mostra-se violado o disposto nos arts. 74º, 77º, e 43º, todos da LGT; art. 18º, nº 1, alíneas a), b) e c), do CIVA e respetivas verbas das listas a ele anexas; 607º, nº 5, do CPC e 396º do CC.
Pugna pela procedência do recurso, pela revogação da sentença, na parte impugnada, e pela consequente redução da indemnização pala prestação de garantia indevida.

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A sociedade impugnante, P...... D……….-D…………. Alimentar, S.A., agora na qualidade recorrida, apresentou contra-alegações, tendo aí formulado as seguintes conclusões [numeradas por nossa iniciativa]:

«1) ▪ As liquidações adicionais em apreço sofrem do vício de falta de fundamentação, porquanto a mesma só foi apresentada em escassos casos pela AT no RI;

2) ▪ Efetuando meras indicações das verbas das listas anexas ao Código do IVA, a AT inverte, na realidade, o ónus de prova que sobre si impendia de demonstrar (com factos e fundamentos) que as taxas praticadas estavam incorretamente aplicadas;

3)▪ Assim, bem andou o Tribunal a quo em decidir como decidiu, não ocorrendo qualquer omissão de pronúncia deste na sentença proferida, uma vez que todos os factos e prova produzida foram devidamente considerados na mesma;

4) ▪ Não é compreensível nem aceitável a ideia de que pelo facto de ter contestado as ditas correções tal decorreu do facto de a Recorrida ter pleno conhecimento do percurso cognoscitivo seguido pela AT nas mesmas, pois, salvo o devido respeito, tal é tentar tapar o sol com a peneira, tentando fazer crer que tal atuação (contestação) não seria seguido por qualquer contribuinte que, na ânsia de querer demonstrar, que estava correto apenas procurou demonstrar tal.

5) ▪ Acresce que não é aceitável como ficou demonstrado que quer a AT quer a Fazenda Pública procurem aduzir fundamentação a posteriori para tentar justificar um procedimento inquinado desde o primeiro momento pelo vício de falta de fundamentação.

Pugna pela improcedência do recurso e consequente manutenção da sentença, na parte contestada.


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Os recursos foram admitidos por despacho datado de 15/02/2021.

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O Exmo. Magistrado do Ministério Público (EMMP) emitiu parecer no sentido de ser negado provimento a ambos os recursos.

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Colhidos os vistos legais, vêm os autos à conferência para decisão.

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II - FUNDAMENTAÇÃO
De facto
É a seguinte a decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida:
«1) Em 01-06-2009, a sociedade “F…….. N……… H…………., S.A.”, foi incorporada por fusão na Impugnante (cf. certidão a págs. 98 e 99 do ficheiro a fls. 1 a 99 do SITAF);
2) Em 17-12-2008, os serviços da AT elaboraram em nome da Impugnante o relatório de inspeção tributária (RIT) relativo à ordem de serviço n.º OI200800254, do qual se extrai, nomeadamente, o seguinte:
«[...] II.1 - Credencial e período em que decorreu a acção
No sentido de se proceder à inspecção externa de âmbito geral, dos elementos contabilístico - fiscais da sociedade F....... N……… - H……….., SA, contribuinte n.º…………, foi emitida a ordem de serviço n.º OI200800254 de 2008-06-20, desta Direcção de Serviços. [...]
II.2 - Motivo, Âmbito e incidência Temporal
A acção de inspecção foi de âmbito geral. O objectivo principal foi o de apurar a situação tributária do sujeito passivo e obter um grau de segurança aceitável sobre se as demonstrações financeiras e as declarações fiscais entregues reflectem o cumprimento das obrigações tributárias inerentes ao exercício da sua actividade.
O exame incidiu sobre o exercício de 2006.
II.3 - Outras Situações
II.3.1 - Caracterização da empresa
O F....... N…. – H…………, SA, tem como actividade o comércio a retalho, em supermercados e hipermercados. [...]
II.3.2 - Enquadramento fiscal [...]
• IVA - Regime normal de periodicidade mensal
III - DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORRECÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS [...]
III.2.2 - Imposto sobre o Valor Acrescentado
A correcção efectuada em sede de Imposto sobre o Valor Acrescentado, ascende a 758.162,73 euros, correspondente a:
III.2.2.1 - Comercialização de bens a uma taxa incorrecta - (artigo 18.º do CIVA) - 358.330,82 euros
O sujeito passivo no âmbito da sua actividade, comercializa bens alimentares e não alimentares. Com o objectivo de validar o correcto enquadramento desses bens, para efeitos de aplicação das taxas de IVA, foi solicitado à empresa a lista dos bens comercializados no exercício de 2006, a que foram aplicadas as taxas de IVA de 5% e 12%.
A partir da listagem de produtos fornecida pela empresa em suporte informático foram verificadas as taxas de IVA aplicadas a alguns bens, tendo-se verificado divergências ao nível do enquadramento de diversos artigos relativamente aos bens e serviços constantes da Lista I - ‗Transmissões de bens e prestações de serviços à taxa de 5%‘ e da Lista II – ‗Transmissões de bens e prestações de serviços à taxa de 12%‘, anexas ao Código do IVA, conforme estabelece o n.º 1 do artigo 18.º do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (CIVA), ou seja, constatou-se a existência de produtos sujeitos à taxa reduzida de IVA (5%), quando a taxa correcta a aplicar era a taxa intermédia de 12% (Anexo 10), ou a taxa normal de 21% (Anexo 11), bem como a existência de produtos sujeitos à taxa de 12%, quando a taxa correcta a aplicar era a taxa normal (Anexo 12). [...]
Esta situação consubstanciou-se no incumprimento do disposto na alíneas a), b) e c) do n.º 1 do artigo 18.º do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (CIVA), e na falta de pagamento do IVA, em observância com o preconizado no n.º 1 do artigo 26.º do mesmo Código, no valor de 358.330,82 euros (Anexo 13), correspondente ao diferencial entre o valor do IVA Liquidado resultante das taxas de IVA aplicadas pelo sujeito passivo e o valor do IVA Liquidado apurado quer de acordo com as taxas de IVA inerentes ao enquadramento dos artigos em questão nos bens e serviços constantes das Listas I e II estabelecidas nas alíneas a) e b) do n.º 1 do citado art.º 18.º, quer decorrente da aplicação da taxa normal; de IVA estabelecida na alínea c) do mesmo normativo legal, relativamente aos artigos não enquadráveis nas mencionadas Listas I e II.
É ainda de realçar que atendendo à especificidade de alguns dos artigos, em que foi constatada divergência na aplicação da taxa do IVA, entende-se por conveniente fundamentar o enquadramento do bem efectuado pela Administração Tributária: [...]
Compotas Casa Mateus [...]
Face às restantes compotas ou geleias, incluindo aquelas que embora assim não se designem comercialmente, mas que possuem efectivamente características de compotas de frutos, bem como os produtos destinados a crianças, constituídos apenas por frutos (baby food frutos), as suas transmissões beneficiam do enquadramento na citada verba 1.3.1. da Tabela II (taxa de 12%).
Chás – Infusões [...]
Assim sendo, considera-se que todos os chás de plantas medicinais que se apresentem no estado natural ou no estado seco, bem como a mistura das mesmas obedecendo aquelas condições, são passíveis de IVA à taxa de 5%, porque enquadráveis na alínea d) da verba 2.4 da Lista I anexa ao Código do IVA.
Assim, conclui-se que os ‗Chás‘ (infusões) de plantas medicinais que se apresentam em estado de moído, em pó ou em grão, na sequência de terem sofrido um processo de transformação que lhes retira a característica de estado natural, são passíveis de IVA à taxa normal, dado não se encontrarem contemplados em nenhuma das Listas I e II anexas ao CIVA.
Quanto aos chás vermelho e verde [...] vulgarmente conhecida como chá, ainda que esta espécie possa ser considerada como medicinal, a obtenção destes chás resulta de diferentes tratamentos a que estão sujeitas as folhas depois de colhidas, designadamente a fermentação e outros processos de transformação que dão origem às diferentes tonalidades.
Assim, estes chás, porque sofreram um processo de transformação que lhes retira a característica de estado natural ou seco, por não poderem ser enquadradas na verba acima referida, nem em nenhuma outra verba das Listas I e II anexas ao CIVA, as suas transmissões são passíveis de IVA à taxa normal.
III.2.2.2 - IVA indevidamente regularizado a favor da empresa pela utilização de talões como meio de pagamento (artigo 71.º do CIVA) - 399.831,96 euros
No exercício de 2006, o F....... N………… adoptou uma política de concessão de vales de desconto aos seus clientes no âmbito da promoção denominada “Promoção 100%‘‘ em contrapartida da compra de determinados artigos devidamente assinalados, vales esses, susceptíveis de serem utilizados em compras futuras.
Desse modo, o cliente que adquiria produtos aderentes à “Promoção 100%”iria beneficiar, em compras futuras, de um crédito correspondente ao valor que constasse no referido vale.
Segundo o sujeito passivo, a referida promoção assumia a natureza de um desconto comercial, uma vez que o seu objectivo era a fidelização de clientes e o aumento de vendas.
A venda (inicial), na origem da emissão do vale de desconto, é tratada normalmente, incidindo o IVA sobre o valor total da venda. No momento da emissão do vale, uma vez que nesta fase o título atribuído ao cliente não tem qualquer tradução financeira, dado que equivale apenas a um mero direito de utilização por parte do cliente, o F....... Nova não procede a qualquer registo contabilístico.
Efectivamente, o sujeito passivo, aquando da venda inicial, na origem da emissão do referido “vale de desconto”, liquida o IVA de acordo com as diferentes taxas aplicáveis à transacção e somente em momento posterior, após a utilização dos talões pelos seus clientes como meio de pagamento, regulariza IVA a seu favor, debitando a conta de IVA Liquidado OG — MN. [...]
Acresce referir que, segundo informação prestada pelo sujeito passivo, na resposta à notificação efectuada pela Administração Fiscal, o IVA a regularizar é apurado de acordo com o seguinte método (às taxas de imposto aplicáveis aos produtos adquiridos na transacção (operação subsequente) em que o talão é rebatido como meio de pagamento):
a) Apura o peso de cada uma das bases de IVA (5%, 12% e 21%) relativamente ao total do talão de venda no qual foi descontado o vale;
b) Multiplica o valor total do vale por cada um dos valores obtidos na alínea anterior, obtendo assim o valor do vale repartido por taxa de IVA;
c) Uma vez que o vale descontado inclui IVA, retira a cada um dos valores obtidos na alínea b), o valor do IVA para obter as respectivas bases tributáveis do vale a que depois aplica a correspondente taxa de IVA, obtendo assim o valor do IVA a regularizar.
Movimento contabilístico efectivo
Para obter o valor do IVA a regularizar contido nos vales resgatados, o sujeito passivo procede efectivamente da seguinte forma:
a) Por cada loja apura o montante total das vendas mensais onde foram resgatados vales, separando contudo o valor das vendas por cada uma das taxas de IVA aplicadas;
b) Posteriormente divide o valor das vendas correspondentes a cada uma das taxas de IVA aplicadas, pela importância total dessas vendas, obtendo um valor que o sujeito passivo designa como “Peso PV porTx”;
c) Para obter o valor dos vales resgatados por taxa de IVA, o sujeito passivo multiplica o valor do “Peso PV porTx” pelo valor total dos vales resgatados;
d) A partir dos valores obtidos, calcula a base tributável por cada uma das taxas de IVA, e apura assim o valor do IVA a regularizar, dos vales resgatados no mês, em cada uma das lojas.
Do ponto de vista fiscal
Pela utilização dos talões de desconto, o sujeito passivo procede à regularização do imposto (IVA), movimentando a débito, como referimos, a conta de IVA Liquidado OG - MN - conta …………………./147000 (consoante a taxa), por crédito da ……………… - Lojas a Regularizar.
Vejamos:
Se os descontos forem concedidos «fora da factura» não é obrigatória a regularização do IVA correspondente, ficando esta exclusivamente dependente da vontade e do interesse do fornecedor.
O artigo 71.º do CIVA contempla os casos de redução do valor tributável de uma operação, designadamente pela concessão de abatimentos ou descontos depois de o fornecedor ter efectuado o registo (a que se refere o artigo 45.º do CIVA) das respectivas transmissões de bens e/ou prestações de serviços. [...]
A regularização favorável ao fornecedor só poderá ser efectuada quando este tiver na sua posse prova de que o adquirente tomou conhecimento da rectificação ou de que foi reembolsado do imposto (conforme o n.º 5 do artigo 71º), dispondo ainda o n.º 14 do referido artigo que o montante da redução do valor tributável deve ser repartido entre contraprestação e imposto aquando da emissão do respectivo documento.
Relativamente ao adquirente do bem ou destinatário do serviço, dispõe o n.º 4 do referido artigo 71º que, caso este tenha já efectuado o registo de uma operação relativamente à qual o seu fornecedor ou prestador de serviço procedeu à anulação, redução do seu valor tributável ou rectificação para menos do valor facturado, deverá corrigir o valor da dedução inicialmente efectuada até ao fim do período de imposto (mês ou trimestre) seguinte ao da recepção do documento rectificativo.
Ou seja, o fornecedor, não sendo obrigado a proceder à regularização do imposto, se o fizer, tem de estar habilitado a provar que o adquirente tomou conhecimento da rectificação ou de que reembolsou o seu cliente do imposto respectivo (n.º 5 do artigo 71.º). Caso o fornecedor não disponha de tal prova, o que acontece no caso em apreço, a respectiva dedução considerar-se-á indevida.
Assim, sendo o talão de desconto uma forma de pagamento, um meio fiduciário de circulação restrita, não se afigura plausível que, mesmo quando a venda é efectuada a um sujeito passivo, o mesmo venha a regularizar o imposto a favor do Estado (de acordo com as várias taxas de IVA, subjacentes ao talão de desconto dado em pagamento), uma vez que o F....... N……… - H……….., S.A”, quando “regulariza IVA a seu favor” (debitando a conta de IVA liquidado), não dá disso conhecimento aos seus clientes, nem mesmo àqueles que são sujeitos passivos do imposto.
E a norma prevista no n.º 5 do artigo 71.º do CIVA tem por objectivo evitar que o sujeito passivo fornecedor regularize a seu favor, imposto (eventualmente deduzido pelo seu cliente, sendo sujeito passivo), sem que este proceda à correcção do correspondente valor a favor do Estado, ou sem que o adquirente, sendo consumidor final, tome conhecimento da rectificação do imposto.
E no caso em apreciação, o adquirente (quer seja ou não consumidor final) não toma conhecimento da rectificação do imposto, dado que os talões de desconto são uma mera forma de pagamento, ou seja, são livremente transmissíveis - título ao portador. [...]
Não obstante, a matéria colectável não inclui:
b) os descontos e abatimentos concedidos ao adquirente ou ao destinatário, no momento em que a operação se realiza.
Atentas ainda as disposições em matéria de IVA em que, para determinação da matéria colectável de IVA, o conceito central é o da “contrapartida”, que consta do artigo 11.º A) 1. a) da Sexta Directiva e vertido no nosso ordenamento jurídico no artigo 16.º do CIVA, há que apreciar qual o valor da contrapartida constituída pelo valor do desconto quando o talão é apresentado como meio de pagamento. [...]
No caso em apreciação, sendo o destinatário das vendas efectuadas pelo sujeito passivo, na esmagadora maioria dos casos, o consumidor final, a rectificação não ocorre na esfera das duas partes intervenientes.
Além do mais, não vislumbramos que, mesmo quando a venda é efectuada a um sujeito passivo de IVA, o mesmo venha a regularizar imposto a favor do Estado, muito menos às mesmas taxas que o vendedor, já que certamente não será acessível fazer a conexão entre o talão de desconto dado em pagamento com o produto ou produtos na sua origem (e o fornecedor não dá conhecimento aos seus clientes da regularização que efectua a seu favor). [...]
IX - DIREITO DE AUDIÇÃO - FUNDAMENTAÇÃO
Direito de audição sobre o Projecto de Relatório da Inspecção Tributária
Para os devidos efeitos notificou-se o sujeito passivo [...] através do ofício n.º 3282 de 2008-12-03, para no prazo de 10 dias exercer o direito de audição, sobre o Projecto de Relatório da Inspecção Tributária, o qual propunha correcções ao lucro tributável em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) e correcções em sede de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA).
O sujeito passivo não exerceu o direito de audição, pelo que se mantêm as correcções constantes do Projecto de Correcções. [...]»
ANEXO 10
IVA
Aplicação incorrecta de taxas a diversos bens
"5% -12%"
« Quadro no original»


[...]»
ANEXO 11
IVA
Aplicação incorrecta de taxas a diversos bens
"5% -21%"

«Quadro no original»

(1) - Artigo não enquadrável nos bens constantes das Listas I e II, anexas ao Código do IVA, estabelecidas nas alíneas a) e b) do n.º1 do artigo 18.º do referido diploma legal, encontrando-se como tal sujeito à taxa normal de IVA, nos termos da alínea c) do mesmo artigo
[...]

ANEXO 12
IVA
Aplicação incorrecta de taxas a diversos
"12% -21%"


«Quadro no original»

(1) - Artigo não enquadrável nos bens constantes das Listas I e II, anexas ao Código do IVA, estabelecidas nas alíneas a) e b) do n.º1 do artigo 18.º do referido diploma legal, encontrando-se como tal sujeito à taxa normal de IVA, nos termos da alínea c) do mesmo artigo [...]

(cf. RIT a págs. 74 a 129 do ficheiro a fls. 200 a 339 do SITAF);
3) Em 31-07-2012, o Diretor de Serviços de Inspeção Tributaria da AT proferiu despacho do qual se extrai concordar com o RIT descrito em 2) (cf. despacho a págs. 74 do ficheiro a fls. 200 a 339 do SITAF);
4) Em relação ao exercício de 2006, foram emitidas as seguintes liquidações de IVA e juros compensatórios em nome da Impugnante:
Período
Nº Liquidação
IVA
Nº Liquidação
Juros
Valor
Jan
……..917
……..918
€ 28.620,79
Fev
……..919
………920
€ 35.917,19
Mar
……..921
………922
€ 40.578,03
Abr
……..923
……….924
€ 35.829,09
Mai
………925
……….926
€ 37.702,65
Jun
………927
……..928
€ 43.794,47
Jul
………929
……..930
€ 109.644,16
Ago
……..931
……..932
€ 64.828,92
Set
……..933
………934
€ 41.937,40
Out
…….935
………936
€ 63.176,69
Nov
………..937
…….…938
€ 192.648,62
Dez
…………939
……..940
€ 129.081,18

(cf. liquidações a págs. 1 a 6 e 8 a 19 do ficheiro a fls. 200 a 339 do SITAF);
5) Em 30-03-2009, foram apostas vinhetas de pagamento junto de documentos de cobrança emitidos em nome da Impugnante no valor de € 296.424,96 (cf. documentos de cobrança a págs. 21 a 45 do ficheiro a fls. 200 a 339 do SITAF);
6) Em 31-03-2009, deu entrada nos serviços da AT um requerimento em nome da Impugnante com assunto “Reclamação graciosa” do qual se extrai versar sobre as liquidações descritas em 4) (cf. requerimento a fls. 4 a 73 do PA da reclamação apensa aos autos);
7) Em 16-06-2009, a sociedade “Caixa ……………….., S.A.” emitiu um documento designado “Termo De Garantia Bancária Nº …………..” do qual se estrai, além do mais, o seguinte:
«A CAIXA ……………, S.A.,[...] constituir-se garante e principal pagadora, com expressa renúncia ao benefício da excussão, nas seguintes condições:
GARANTIDA: P...... D……… - Distribuição ………….., SA
N.I.F: ………….
BENEFICIÁRIA: Direcção Geral dos Impostos-Serviços de finanças de Lisboa 2 [...]
RESPONSABILIDADE: Até 674.085,03€ (Seiscentos e setenta e quatro mil e oitenta e cinco euros e três cêntimos).
FINALIDADE: Suspender o processo executivo nº …………..421, de que foi objecto a sociedade incorporada F....... N……… H…………….., S.A referente a IVA do exercício de 2006.
PRAZO PARA EXIGÊNCIA DO PAGAMENTO: Sem prazo. [...]»
(cf. termo a págs. 165 do ficheiro a fls. 340 a 504 do SITAF);
8) Em 26-03-2010, os serviços da AT elaboraram uma informação em nome da Impugnante da qual se extrai deferir parcialmente a reclamação descrita em 6) (cf. informação a págs. 182 a 195 do PA da reclamação apensa aos autos);
9) Em 31-03-2010, o Diretor de Finanças Adjunto da AT proferiu despacho do qual se extrai concordar com a informação descrita em 8) (cf. despacho a págs. 161 do PA da reclamação apensa aos autos);
10) Dos rótulos das embalagens dos produtos a seguir indicados, consta a menção “Produto isento de Glúten. Apto para doentes celíacos.”:
- DOCE LIGHT PESSEGO CASA MATEUS 320 GR
- DOCE LIGHT FR SILVEST CASA MATEUS 320 GR
- DOCE LIGHT CASA DE MATEUS MACA 320 GR
- DOCE LIGHT MORANGO CASA MATEUS 320 GR
- DOCE MORANGO CASA MATEUS 345 GR
(cf. rótulos a págs. 21 a 40 do ficheiro a fls. 340 a 504 do SITAF);
11) Dos rótulos das embalagens dos produtos a seguir indicados, consta a menção “Sem glúten”:
- SOB FR MACA ANA BAN CER HERO 4X100G
- SOB FRUTOS MACA E BANANA HERO 4X100G
- SOB FRUTOS MACA E PESSEGO HERO 4X100G
(cf. rótulos a págs. 42 a 51 do ficheiro a fls. 340 a 504 do SITAF);
12) Em 27-04-2010, deram entrada os presentes autos nos serviços da AT (cf. comprovativo a págs. 2 do ficheiro a fls. 1 a 99 do SITAF);
13) Em 06-05-2010, deram entrada os presentes autos neste Tribunal (cf. registo do SITAF);
14) Em 30-09-2011, a Diretora de Finanças Adjunta da AT proferiu despacho a revogar parcialmente as liquidações de IVA impugnadas no valor de € 11.114,66 e os correspondentes juros compensatórios quanto às correções respeitantes aos seguintes produtos:
- Geleia extra morango 345 mg;
- Geleia extra marmelo 345 mg;
- Doce extra amora; (em relação a este produto não se encontra qualquer referência no relatório inspectivo).
- Doce extra gila;
- Citrinada de laranja;
- Doce extra de abóbora;
- Doce extra de Figo 340;
- Doce extra de Framboesa 345;
- Doce extra de ginja;
- Doce extra de tomate;
- Doce extra de pêssego;
- Biju 5 un;
- Cana de Açúcar;
- Molho de espargos e ricota Sacla 190 gr;
- Trabalhos manuais;
- Broa recheada kg;
- Butelo bísaro;
- Molho qta avo timorense 150 gr;
- Molho quitango qta avo 90 gr;
- Molho rosso Savora;
- Molho Saka - Saka globo 420 g;
(cf. despacho a págs. 32 do ficheiro a fls. 538 a 569 do SITAF).
*
Consideram-se não provados os seguintes factos:
a) Dos rótulos das embalagens dos produtos a seguir indicados, consta a menção “Produto isento de Glúten. Apto para doentes celíacos.”:
- DOCE LIGHT FR EXOTICOS CASA MATEUS 320G
- DOCE MINI CASA DE MATEUS PESSEGO 500GRS
- DOCE MINI SORTIDOS CASA MATEUS 8X25G
- DOCES MINI MORANGO CASA MATEUS 8X25G
- MARMELADA CASA MATEUS 460GR
b) Dos rótulos das embalagens dos produtos a seguir indicados, consta a menção “Sem glúten”:
SOB FRUTA MACA BAN LAR C MATEUS 4X100G
SOB FRUTA+LEITE MACA ANA BAN 4X100GR
SOB FRUTA+LEITE MACA PERA 4X100GR
SOB FRUTA+LEITE MACA PES BAN 4X100GR
c) No âmbito da ação “Promoção 100%” os adquirentes tomavam conhecimento da retificação ou de que foi reembolsado do imposto.
*
Não existem outros factos, provados ou não, com interesse para a decisão da causa.
A convicção do Tribunal relativamente à matéria de facto dada como provada resulta da análise dos documentos constantes dos autos, que não foram impugnados, assim como nos factos alegados pelas partes, corroborados pelos documentos juntos, conforme discriminado nos vários pontos do probatório, dando-se por integralmente reproduzido o teor dos mesmos bem como o do processo administrativo (PA).
A matéria não provada resulta de não terem sido juntos elementos no sentido pugnado ou de estes serem ilegíveis, como é o caso dos rótulos dos produtos descritos em a) e b).»
*
Ao abrigo do disposto no artigo 662.º/1, do CPC, adita-se a seguinte matéria de facto:

15) Do anexo 10 ao relatório inspectivo consta o seguinte: “IVA – Aplicação incorrecta de taxas a diversos bens “5% - 12%”.

16) Do anexo 11 ao relatório inspectivo consta o seguinte: “IVA – Aplicação incorrecta de taxas a diversos bens “5% - 21%”.

17) Do anexo 12 ao relatório inspectivo consta o seguinte: “IVA – Aplicação incorrecta de taxas a diversos bens “12% - 21%”.
18) Do ponto “III.2.2.1 - Comercialização de bens a uma taxa incorrecta - (artigo 18.º do CIVA) - 358.330,82 euros do relatório inspetivo consta o seguinte:
«No sentido de proceder à aplicação das taxas correctas aos produtos seleccionados, foi solicitado à empresa o montante das vendas mensais para cada um dos artigos seleccionados, tendo o sujeito passivo fornecido a informação solicitada em suporte informático. Informou ainda que os valores indicados não incluem IVA.
Esta situação consubstanciou-se no incumprimento do disposto na alíneas a), b) e c) do n.º 1 do artigo 18.º do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (CIVA), e na falta de pagamento do IVA, em observância com o preconizado no n.º 1 do artigo 26.º do mesmo Código, no valor de 358.330,82 euros (Anexo 13), correspondente ao diferencial entre o valor do IVA Liquidado resultante das taxas de IVA aplicadas pelo sujeito passivo e o valor do IV Liquidado apurado quer de acordo com as taxas de IVA inerentes ao enquadramento dos artigos em questão nos bens e serviços constantes das Listas I e II estabelecidas nas alíneas a) e b) do n.º 1 do citado art.º 18.º, quer decorrente da aplicação da taxa normal de IVA estabelecida na alínea c) do mesmo normativo legal, relativamente aos artigos não enquadráveis nas mencionadas Listas I e II.
É ainda de realçar que atendendo à especificidade de alguns dos artigos, em que foi constatada divergência na aplicação da taxa do IVA, entende-se por conveniente fundamentar o enquadramento do bem efectuado pela Administração Tributária:
Compotas Casa Mateus
De harmonia com a verba 1.13 da Lista I, anexa ao CIVA, são passíveis de IVA à taxa de 50/ as transmissões de “produtos dietéticos destinados à nutrição entérica e produtos sem glúten para doentes celíacos”. // Os bens abrangidos pela verba 1.13 da Lista I, anexa ao Código do IVA, são produtos de âmbito muito específico, designadamente pelo facto de serem desprovidos de glúten, proteína não tolerada pelos doentes celíacos, ou destinados a um tipo especial de nutrição - a nutrição entérica. // O Decreto - Lei n.º 227/99 de 22 de Junho, com as alterações introduzidas pelo Decreto - Lei n.º 285/2000, de 10 de Novembro, determina as regras a aplicar na comercialização destes produtos, designadamente, no que diz respeito à indicação dos seus ingredientes, características e objectivo nutricional dos mesmos. // De conformidade com o citado diploma, torna-se obrigatória a indicação das substâncias ou ingredientes no rótulo das embalagens destes géneros alimentícios, devendo ainda ter a indicação de produtos destinados à nutrição entérica ou a doentes celíacos. Tal obrigatoriedade inclui também a sua declaração às instâncias competentes no sentido de obter a necessária autorização da menção na rotulagem e na apresentação dos produtos adequados a alimentação especial. // Assim, e conforme entendimento expresso pela Direcção de Serviços de Administração do IVA, se os produtos reunirem os requisitos que permitam a sua inclusão na referida verba 1.13 da Lista I anexa ao CIVA, as suas transmissões são passíveis de IVA à taxa de 5%, caso contrário serão tributados de acordo com as taxas que lhes forem aplicáveis, nos termos das verbas da Lista II anexa ao CIVA, ou à taxa normal se dela não constar.
Deste modo, considerando que os produtos - Compota Casa Mateus arandos e framboesas Die. 280grs., Doce de ameixa Diet. Casa Mateus 280grs., Compota Casa Mateus framboesa Diet. 280 grs., Compota Casa Mateus Pêssego Diet. 280 grs., Compota Casa Mateus Morango Diet. 280 grs., Compota Casa Mateus alperce Diet. 280 grs. e Doce de laranja Diet. Casa Mateus 280 grs., foram já autorizados pela Direcção Geral de Saúde como sendo géneros alimentícios destinados a alimentação especial, as suas transmissões são enquadráveis na citada verba 1.13 da Lista I anexa ao CIVA, sendo consequentemente, passíveis de IVA à taxa de 5 %. // Face às restantes compotas ou geleias, incluindo aquelas que embora assim não se designem comercialmente, mas que possuem efectivamente características de compotas de frutos, bem como os produtos destinados a crianças, constituídos apenas por frutos (baby food frutos), as suas transmissões beneficiam do enquadramento na citada verba 1.3.1. da Tabela II (taxa de 12%).
Chás - Infusões
Relativamente a estes produtos foi a Administração Fiscal questionada sobre a taxa de IVA a aplicar na sua transmissão, mais concretamente nos processos T120 2004141, com despacho concordante do Subdirector-Geral dos Impostos, em substituição do Director-Geral, em 16/03/2005 e T120 2006132, com despacho do Subdirector-Geral dos Impostos, em substituição do Director-Geral, em 17-05-07, entenderam os Serviços que, de harmonia com a verba 2.4 da Lista I, anexa ao CIVA, são passíveis de IVA à taxa de 5%, as transmissões de “produtos farmacêuticos e similares e respectivas substâncias activas a seguir indicados: // d) plantas, raízes e tubérculos medicinais, no estado natural”. // São classificadas como tal, as plantas que administradas por qualquer forma, ou via, ao homem ou animal, exercem sobre eles uma acção farmacológica ou terapêutica, resultantes de uma qualquer substância activa existente nessa planta. // Por outro lado considera-se que tais plantas, raízes ou tubérculos se apresentam no seu estado natural, depois de efectuadas as operações de colheita, secagem e conservação/acondicionamento. // Assim sendo, considera-se que todos os chás de plantas medicinais que se apresentem no estado natural ou no estado seco, bem como a mistura das mesmas obedecendo aquelas condições, são passíveis de IVA à taxa de 5%, porque enquadráveis na alínea d) da verba 2.4 da Lista I anexa ao Código do IVA.
Assim, conclui-se que os ‘Chás’ (infusões) de plantas medicinais que se apresentam no estado de moído, em pó ou em grão, na sequência de terem sofrido um processo de transformação que lhes retira a característica de estado natural, são passíveis de IVA à taxa normal, dado não se encontrarem contemplados em nenhuma das Listas I e II anexas ao CIVA. // Quanto aos chás vermelho e verde, feitos com folhas da “Camélia sinensis”, espécie da família Theaceae, vulgarmente conhecida como chá, ainda que esta espécie possa ser considerada como medicinal, a obtenção destes chás resulta de diferentes tratamentos a que estão sujeitas as folhas depois de colhidas, designadamente a fermentação e outros processos de transformação que dão origem às diferentes tonalidades. // Assim, estes chás, porque sofreram um processo de transformação que lhes retira a característica de estado natural ou seco, por não poderem ser enquadradas na verba acima referida, nem em nenhuma outra verba das Listas I e II anexas ao CIVA, as suas transmissões são passíveis de IVA à taxa normal».


*
Na conclusão IV), a recorrente, Fazenda Pública, pretende o aditamento ao probatório de elementos relativos aos anexos do relatório inspectivo.
Apreciação. O requerimento em apreço é redundante em relação aos elementos que constam do acervo probatório. Pelo que a presente pretensão é de rejeitar.
Termos em que se julga improcedente a presente alegação.

*
2.2. De direito
2.2.1. Nos presentes autos, são interpostos dois recursos. A Fazenda Pública recorre contra a sentença recorrida, na parte em que a mesma lhe é desfavorável. A impugnante recorre contra a sentença recorrida, na parte em que a mesma lhe é desfavorável.
A sentença encerra o segmento decisório seguinte:
i) «Declara-se a inutilidade superveniente da lide quanto às correções aplicadas aos seguintes produtos: // - Geleia extra morango 345 mg; // - Geleia extra marmelo 345 mg; // - Doce extra gila; // - Citrinada de laranja; // - Doce extra de abóbora; // - Doce extra de Figo 340; // - Doce extra de Framboesa 345; // - Doce extra de ginja; // - Doce extra de tomate; // - Doce extra de pêssego; // - Biju 5 un; // - Cana de Açúcar; // - Molho de espargos e ricota Sacla 190 gr; // - Trabalhos manuais; // - Broa recheada kg; // - Butelo bísaro; // - Molho qta avo timorense 150 gr; // - Molho quitango qta avo 90 gr; // - Molho rosso Savora; // - Molho Saka - Saka globo 420 g;».
ii) [No que se reporta aos produtos constantes das listas anexas ao relatório inspectivo, objecto de correcçâo das taxas de IVA, à excepção dos produtos individualmente analisados], «[j]ulga-se totalmente procedente a impugnação no que respeita às correções efetuadas quanto à taxa de IVA aplicável, por falta de fundamentação formal»
iii) [No que se reporta aos produtos objecto de análise individual e cuja correcção não padece do vício de falta de fundamentação formal, tendo por base o regime constante do Decreto-Lei n.º 227/99, de 22 de Junho, relativo às regras de comercialização dos produtos dietéticos e sem glúten], «[j]ulga-se totalmente procedente a impugnação no que respeita às correções efetuadas quanto à taxa de IVA aplicável, salvo no caso dos produtos “Compotas Casa Mateus‖ em que a ação procede parcialmente».
iv) «Julga-se improcedente a impugnação quanto ao pedido de anulação da regularização de IVA decorrente da ação “Promoção 100%”».
v) «Julgam-se improcedentes os pedidos de pagamento de juros indemnizatórios e de reembolso das quantias pagas»;
vi) «Condena-se a Fazenda Pública no pagamento de indeminização por prestação de garantia indevida, na exata proporção do vencimento da Impugnante, a apurar em sede de execução e incidente de liquidação de sentença».

2.2.2. Do recurso da impugnante.
2.2.2.1. A recorrente assaca à sentença sob recurso os vícios seguintes:
i) Erro de julgamento quanto à apreciação da matéria de facto, por referência à correcção relativas aos produtos sem glúten destinados a doentes celíacos, elencados nas alíneas a) e b), dos factos considerados não provados.
ii) Erro de julgamento quanto ao enquadramento jurídico da causa, por referência à correcção relativa a “III.2.2.2 - IVA indevidamente regularizado a favor da empresa pela utilização de talões como meio de pagamento (artigo 71.º do CIVA) - 399.831,96 euros
2.2.2.2. N que respeita ao fundamento do recurso referido em i), a recorrente invoca que «[a] Sentença proferida pelo Tribunal a quo padece de erro em matéria de julgamento uma vez que desconsidera as provas (anexas à petição inicial de impugnação judicial como documentos n.º 5 e 6 e para os quais se remete para os devidos efeitos legais), que demonstram de forma inequívoca que dos rótulos dos produtos em causa constam as referências a “Produto isento de glúten. Apto para doentes celíacos” e “Sem glúten”, motivo pelo qual deverá a referida decisão ser anulada».
A este propósito, escreveu-se na sentença recorrida o seguinte:

«A correção efetuada quanto aos produtos “Compotas Casa Mateus” baseia-se, essencialmente, no facto de o Decreto-Lei n.º 227/99, de 22 de junho, determinar regras na comercialização dos produtos dietéticos e sem glúten, impondo, designadamente, declaração às instâncias competentes no sentido de obter autorização da menção na rotulagem e apresentação do produto adequados a alimentação especial. // Apenas os produtos que reúnam tais requisitos poderão ser passíveis da taxa reduzida de IVA, por aplicação conjunta da alínea a) do n.º 1 do artigo 18.º do CIVA com a verba 1.13 da Lista I anexa ao mesmo onde se dispunha que às transmissões de “Produtos dietéticos destinados à nutrição entérica e produtos sem glúten para doentes celíacos” era aplicável a taxa de IVA reduzida de 5%. // Por outro lado, as geleias e compotas que não obtiveram tal autorização serão tributadas a 12% por enquadramento na verba 1.3.1 da Lista II anexa ao CIVA. // Aplicando o exposto aos autos, e face à justaposição dos factos assentes em 10), 11) e 14) com os factos não provados em a) e b), temos então que apenas quanto a estes últimos produtos não se mostra provado que obedecem às regras de comercialização e colocação no mercado previstas no Decreto-Lei n.º 227/99, de 22 de junho, nomeadamente quanto à indicação de serem produtos dietéticos destinados à nutrição entérica ou produtos sem glúten para doentes celíacos. // Assim sendo, por preencherem as condições conjuntas da alínea a) do n.º 1 do artigo 18.º do CIVA com a verba 1.13 da Lista I anexa ao mesmo, são de anular as correções efetuadas quanto aos produtos descritos em 10) e 11), (…)».

Apreciação. A correcção em exame tem a sua fundamentação no ponto “III.2.2.1 - Comercialização de bens a uma taxa incorrecta - (artigo 18.º do CIVA) - 358.330,82 euros do relatório inspetivo.
No que respeita aos produtos elevados às alíneas a) e b), da matéria de facto não provada, cumpre referir que a recorrente não observa ónus de impugnação especificada da matéria de facto assente (artigo 640.º do CPC), dado que não indica os termos concretos em que pretende reverter as asserções de facto em causa.
Mais se refere que o regime dos produtos alimentares destinados a uma alimentação especial consta do Decreto-lei n.º 227/99, de 22 de Junho. Este diploma estabelece o regime jurídico aplicável aos géneros alimentícios destinados a uma alimentação especial. «[E]ntendem-se por géneros alimentícios destinados a uma alimentação especial os produtos alimentares que, devido à sua composição ou a processos especiais de fabrico, se distinguem claramente dos géneros alimentícios de consumo corrente, são adequados ao objectivo nutricional pretendido e são comercializados com a indicação de que correspondem a esse objectivo» (1). Considera-se alimentação especial a que corresponde às necessidades nutricionais de um universo discriminado de pessoas» (2). Compete à Direcção-Geral de Saúde [DGS] o exercício das competências no domínio da fiscalização, controlo, suspensão da comercialização dos produtos em causa e de autorização da sua rotulagem (3). No caso em exame, em relação aos produtos em causa, resulta do relatório inspectivo que o regime referido não foi observado. Dos elementos coligidos no probatório não resulta a indicação de produtos alimentares destinados a alimentação especial, nem as necessárias autorizações da DGS. Pelo que a taxa do IVA reduzida, aplicável no caso de tal regime ter sido observado, não foi aceite pela Administração Tributária. Opção que, como se verifica, não enferma do erro nos pressupostos que lhe é apontado. O segmento decisório em apreço não enferma do erro de julgamento invocado, devendo ser confirmado na ordem jurídica.
Termos em que se julgam improcedentes as presentes conclusões de recurso.
2.2.2.3. No que concerne ao fundamento do recurso referido em ii), a recorrente invoca que «conforme ficou supra demonstrado a correcção efectuada pela Autoridade Tributária a propósito das regularizações efectuadas pela Impugnante no âmbito da ação “Promoção 100%” é destituída de qualquer fundamento, não sendo aceitável que o Tribunal a quo desconsidere a realidade dos factos e bem assim a jurisprudência citada, como tal, deve a mesma ser anulada por vício de violação de lei».
A este propósito, escreveu-se na sentença sob recurso o seguinte:
«Segundo a Fazenda Pública, a Impugnante, no ano de 2006, regularizou indevidamente IVA a seu favor no montante de € 399.831,96 decorrente da ação promocional “Promoção 100%”, processando-se esta nos termos seguintes. // O cliente adquiria produtos aderentes à “Promoção 100%‖ pelo qual lhe eram concedidos vales de desconto e beneficiava, em compras futuras, de um crédito correspondente ao valor que constasse desses mesmos vales. // O desconto assim atribuído não era concretizado de imediato na primeira compra, porquanto o valor contido no vale só poderia ser utilizado numa segunda compra, dentro de um determinado período de tempo. Ficava, portanto, na disponibilidade do cliente, usar ou não o vale de desconto. Se esta segunda compra não ocorresse, tal crédito desaparecia da esfera do cliente e na esfera da Impugnante, tudo se passaria a nível financeiro e contabilístico como se o mesmo não tivesse sido atribuído. // No caso de ocorrer a utilização do vale, relativamente à primeira venda (no âmbito da qual era atribuído o vale promocional), a Impugnante liquidava IVA sobre o valor total, fazendo constar da correspondente fatura/recibo o valor de desconto associado a essa venda. No momento da primeira compra não havia qualquer impacto ou tradução financeira, não procedendo a Impugnante a qualquer registo contabilístico. // A contabilização dos talões de desconto só se iniciava no momento da utilização, na segunda compra, que funcionava como meio de pagamento. Nesta segunda compra, o desconto era deduzido ao preço a pagar pelo cliente. Não obstante, a Impugnante liquidava IVA pelo valor integral da segunda compra, e não pelo preço abatido do valor do desconto. // No documento que titulava a operação, não era feita qualquer referência a IVA decorrente da utilização do cartão. // Aquando da emissão dos talões de desconto (venda inicial), o sujeito passivo não procedia a qualquer movimento contabilístico. No momento da sua utilização como meio de pagamento (venda subsequente), debitava a conta 2681195250 - Lojas a Regularizar e creditava a conta 2111200000 – Grupo. // Mensalmente, para apurar o valor dos vales rebatidos, debitava o valor dos vales na conta de proveitos 7181118150 - Des. Ab. Vendas - Acção 100% e respetiva conta 2433121000/131000/147000 - IVA Liquidado OG - WIN (consoante a taxa aplicada) e credita a conta 2681195250 - Lojas a Regularizar. // Considera a Impugnante que o seu procedimento não é em nada lesivo à receita tributária, uma vez que, alega, o talão onde é concretizado o desconto contém indicação expressa desse mesmo desconto, pelo que não será aceitável afirmar que o cliente final não tem conhecimento da situação, e que apenas nas situações em que foram emitidos talões, e não faturas, é que procedeu à regularização do IVA. // Atenta a descrição do funcionamento da “Promoção 100%” e respetivo tratamento contabilístico, conclui-se, desde logo, que embora seja no momento da primeira compra que o desconto é atribuído ao cliente, mediante a emissão do vale promocional, o mesmo só é concretizado através do pagamento numa putativa segunda compra. // Na medida em que o valor do vale de desconto continha IVA liquidado na primeira compra, no momento da utilização do mesmo (segunda compra), era o valor do imposto da primeira compra que estava a sofrer uma retificação, no caso, para menos, pois do montante de imposto liquidado na primeira compra, a respetiva parte do mesmo, compreendida no talão promocional estava, de certo modo, a ser devolvida ao cliente, para que o utilizasse no pagamento da segunda compra. // A regularização efetuada pela Impugnante, em 2006, ocorreu, assim, na primeira compra e não na segunda compra. // Nesta segunda compra, tendo a Impugnante liquidado IVA pela totalidade da contraprestação, não obstante a mesma ser parcialmente satisfeita (por referência ao preço), através do talão promocional, configurou-o como um meio de pagamento. // O mesmo é dizer que a utilização do vale promocional pelo cliente, nos moldes em que foi contabilizada pela Impugnante – atendendo a que liquidou IVA pelo preço integral nas duas compras – deve ser configurado como um desconto intrínseco à compra inicial, diferido no tempo, ao qual a própria Impugnante aplicou regime das regularizações, previsto no artigo 71.º do CIVA, quer contabilisticamente quer nas respetivas declarações periódicas de imposto. // (…) // Resulta da aludida norma que a regularização de IVA, não sendo obrigatória mas optando o fornecedor por fazê-la, está sujeita a requisitos formais. // É o caso da prova pelo sujeito passivo que o adquirente tomou conhecimento da rectificação ou que foi reembolsado o imposto, sendo certo que a norma não distingue a qualidade do adquirente, isto é, se é ou não sujeito passivo de IVA. // A ausência de prova determina o carácter indevido da dedução».

Apreciação. A correcção tem a sua fundamentação no ponto “III.2.2.2 - IVA indevidamente regularizado a favor da empresa pela utilização de talões como meio de pagamento (artigo 71.º do CIVA) - 399.831,96 euros” do Relatório Inspectivo. Estão em causa regularizações para menos do valor da base tributável, operação regulada pelo preceito do artigo 71.º (actual 78.º) do CIVA.
«As disposições dos artigos 35.º e seguintes devem ser observadas sempre que, emitida a factura ou documento equivalente, o valor tributável de uma operação ou o respectivo imposto venham a sofrer rectificação por qualquer motivo» (4). // «Se, depois de efectuado o registo referido no artigo 45.º, for anulada a operação ou reduzido o seu valor tributável em consequência de invalidade, resolução, rescisão ou redução do contrato, pela devolução de mercadorias ou pela concessão de abatimentos ou descontos, o fornecedor do bem ou prestador do serviço pode efectuar a dedução do correspondente imposto até ao final do período de imposto seguinte àquele em que se verificarem as circunstâncias que determinaram a anulação da liquidação ou a redução do seu valor tributável» (5). // «O adquirente do bem ou destinatário do serviço que seja um sujeito passivo do imposto, se tiver efectuado já o registo de uma operação relativamente à qual o seu fornecedor ou prestador de serviço procedeu a anulação, redução do seu valor tributável ou rectificação para menos do valor facturado, corrige, até ao fim do período de imposto seguinte ao da recepção do documento rectificativo, a dedução efectuada»(6). // «Quando o valor tributável de uma operação ou o respectivo imposto sofrerem rectificação para menos, a regularização a favor do sujeito passivo só pode ser efectuada quando este tiver na sua posse prova de que o adquirente tomou conhecimento da rectificação ou de que foi reembolsado do imposto, sem o que se considera indevida a respectiva dedução»(7). É, precisamente, a observância do requisito referido neste último inciso que divide as partes nos autos.
A este propósito, constitui jurisprudência assente a seguinte:
«A redução do valor tributável de uma operação ou do imposto que resulte da concessão de abatimentos ou descontos que não foram como tal relevados no documento do suporte antes do registo da operação pressupõe que sejam observadas as regras previstas no artigo 78.º do Código do IVA para a correção desses documentos» (8).
No aresto citado, tendo por base a análise de situação semelhante à que é objecto dos presentes autos, refere-se o seguinte:
«Analisemos primeiro a lei aplicável (que, no caso, é anterior às alterações introduzidas pela Diretiva (EU) 2016/1065, do Conselho, de 27 de junho de 2016, à Diretiva 2006/112/CE no que respeita ao tratamento dos vales). // Podemos adiantar que o princípio geral em matéria de descontos e abatimentos ao preço de bens e serviços é o da sua relevância, independentemente da forma porque são atribuídos. // É uma decorrência do princípio base do sistema do IVA, segundo o qual a matéria coletável não pode ser superior à contrapartida efetivamente paga pelo consumidor final (cfr. acórdão do TJUE de 27 de março de 1990, no processo C-126/88, já citado pelas partes). // Isto não significa, porém, que seja indiferente a forma como são atribuídos e o momento em que são concedidos. // Porque, se forem atribuídos até a operação ser realizada, o seu valor deve ser excluído do preço – artigos 79.º, alínea b), da Diretiva IVA e 16.º, n.º 6, alínea b) do Código do IVA. // Se forem atribuídos posteriormente mas incidirem sobre o valor tributável, o valor mencionado no documento que titula a operação deve ser retificado, de forma a refletir o desconto no preço – artigos 90.º da Diretiva IVA e 78.º do Código do IVA. // À situação em que os descontos são atribuídos posteriormente deve ser equiparada – a nosso ver – a situação em que os descontos anteriormente concedidos são posteriormente registados. // Na essência, porque estamos perante uma situação em que a fatura é inexata (no sentido em que não reflete a substância da operação). Situação que cabe sem esforço no âmbito do n.º 4 do artigo 78.º do Código do IVA. // No caso dos autos, discutiu-se se o desconto incidiu sobre a operação em que foi concedido (primeira operação, em que o cartão de desconto é emitido ou é creditado o seu valor) ou sobre a operação em que foi utilizado (segunda operação ou em que é debitado o valor do cartão), tendo em conta a forma como eram contabilizadas ambas as operações na Recorrente. // A nosso ver, porém, essa questão não tem relevo para o caso. Porque é assumido por todos intervenientes e é consignado na sentença (pág. 58) que o desconto não era inserido nem no primeiro documento nem no segundo. No sentido de que não era deduzido ao valor tributável de nenhuma das operações. // Ou seja, não é controvertido nos autos que a Recorrente não dava cumprimento ao artigo 16.º, n.º 6, alínea b), do Código do IVA. Qualquer que fosse a operação a considerar para o efeito. // É certo que, ao longo das alegações e da respectivas conclusões, a Recorrente assume uma posição equívoca e que até parece dar a entender o contrário (em parte, porque segue muito de perto a argumentação trilhada no referido parecer, que parece partir do pressuposto inverso, isto é de que o valor do desconto era imediatamente excluído do valor tributável da operação económica em que o desconto é utilizado – pág. 10 do parecer). // Mas estas alegações não podem desligar-se da posição assumida pela Recorrente ao longo de todo o processo. O seu verdadeiro alcance deve ser aferido levando em conta, designadamente, o que já tinha alegado na petição inicial (ver os artigos 158.º e seguintes do seu douto articulado). // Assim, o que a Recorrente quer dizer é que não interessa a forma como a operação é registada na fatura ou escriturada, porque o IVA não incide sobre uma fatura ou um registo contabilístico. O que importa, no seu entendimento, é a substância económica da operação (ver o artigo 164.º daquele articulado). Desde que o consumidor não seja chamado a pagar mais do que lhe é devido, o Estado também não pode impedir a regularização. // Este modo de ver as coisas não pode ser acolhido. O apelo à substância económica da operação não pode servir para dispensar o operador do cumprimento das formalidades legais, que é essencial ao bom funcionamento do IVA. Dele depende o controlo eficaz da operação em todo o circuito económico do produto. // Designadamente, é a observância das regras da regularização do imposto que permite evitar que a retificação efetuada pelo sujeito passivo não resulta numa dupla dedução do mesmo imposto, isto é, que não se sobreponha à dedução já efetuada pelo adquirente dos mesmos bens, caso este seja também um sujeito passivo. // Assim sendo, o desconto só poderia relevar, no caso, recorrendo ao mecanismo da regularização previsto no artigo 78.º do Código do IVA. // Este entendimento não é contrariado pelo decidido no acórdão deste Supremo Tribunal de 22 de abril de 2015 [tirado no processo n.º 0879/14 e citado pela Recorrente na conclusão “36)”]. Porque a situação ali analisada foi completamente diferente da que aqui tratamos. Estava ali em causa a legalidade da tributação baseada numa fatura em que ambos os intervenientes tinham reconhecido judicialmente não ter subjacente nenhuma transação e se tinham comprometido à emissão de uma nota de crédito, com IVA incluído e com a declaração de não ter sido deduzido nem compensado o valor do IVA mencionado na fatura. // No ponto “2.7.” das doutas alegações de recurso e nas alíneas “34)” e “35)” das respectivas conclusões, a Recorrente levanta a questão de saber se, numa situação como a dos autos – em que o desconto, embora não sendo inserido no documento (isto é, subtraído ao valor do bem transacionado), é processado imediatamente a seguir, no momento do pagamento – se devem ter por cumpridos os requisitos da regularização previstos no artigo 78.º, n.º 5, do Código do IVA. // Também nesta parte, a alegação da Recorrente reclama algum esforço interpretativo: se bem vemos, a questão é colocada em abstrato, tomando por referência a situação típica e não a situação concreta. Não está, assim, em causa saber se o cliente tomou conhecimento da regularização, mas se faz sentido exigir a prova respetiva. Na prática, saber se é aplicável a segunda parte do n.º 5 do artigo 78.º do Código do IVA. // O argumento principal da Recorrente prende-se com o facto de, nestas situações, o desconto ser solicitado pelo próprio cliente no momento da compra. Que, assim, toma (necessariamente) conhecimento do abatimento ao preço. // Na interpretação que fazemos do dispositivo em causa, a exigência de que o adquirente tomou conhecimento da retificação para menos do valor faturado implica que lhe seja dado conhecimento do modo como foi operada a redução. // Este entendimento tem suporte no n.º 13 do artigo 78.º citado, onde se refere que «[q]uando o valor tributável for objeto de redução, o montante deste deve ser repartido entre contraprestação e imposto, aquando da emissão do respetivo documento, se se pretender igualmente a retificação do imposto». // Assim, quando a lei exige que seja dado conhecimento da retificação ao adquirente, tem em vista que ele seja informado da emissão de um documento de retificação que identifique o documento retificado e discrimine o montante que foi reduzido na parcela da contraprestação e na parcela do imposto. // Analisado o ato impugnado verifica-se que a administração também refere que o sujeito passivo não deu cumprimento a esta exigência legal. E, tanto quanto nos foi possível aferir, este facto nunca foi posto em causa nos autos. Assim sendo, a pretensão da Recorrente também não pode ser acolhida por aqui».
Em síntese, a recorrente não logrou fazer a prova de que o adquirente tomou conhecimento da redução da base tributável do IVA, pelo que não demonstrou ter observado o disposto no artigo 71.º/5, do CIVA. Obrigação cujo cumprimento não se vê que não lhe pudesse ser exigível, à luz do regime do IVA, enquanto imposto incidente sobre o valor acrescentado em cada elo da cadeia de criação de valor, operando através do crédito do imposto. O facto de estarem em causa transacções massificadas não se vê que ponha em causa os deveres de registo e de facturação que recaem sobre o sujeito passivo, ora recorrente, aquando da liquidação do IVA em cada operação de venda por si realizada ou aquando da redução da base tributável por si efectuada. Seja na primeira venda, seja na segunda venda, a regularização do IVA para menos não pode ser efectuada pelo sujeito passivo, sem que antes comprove que da redução do imposto liquidado deu conhecimento ao adquirente, com vista a garantir que a eventual sobreposição de deduções (ou a dedução indevida) do imposto por parte do aquirente não venha a ocorrer em virtude da referida regularização não comunicada. A exigência da prova da comunicação em causa (qualquer prova admissível em Direito) não se vê que constitua uma imposição excessiva ao sujeito passivo, nem que para tal prova seja suficiente a mera indicação do desconto na segunda venda. O que está em causa é a comunicação do valor exacto do IVA liquidado, nas transações em apreço, valor que consta da contabilidade do sujeito passivo e que deve ser inscrito nas facturas emitidas pelo sujeito passivo e apresentadas ao adquirente (artigo 35.º/5 do CIVA). Comunicação que pode ser levada a cabo das mais diversas formas e vias, tantas quanto os meios de prova que lhe servem de suporte.
Como se refere no Acórdão do TCAN, de 19/05/2022, P. 00358/10.3BEPRT, o qual analisou situação semelhante à que está em causa nos presentes autos,
«A “perplexidade” consistente em se ver o sujeito passivo impedido de regularizar o IVA liquidado a mais por via da redução de uma venda inicial em consequência da emissão e da utilização posterior de um talão de desconto, por não ser possível cumprir com o requisito enunciado no nº 5 do artigo 71º (actual 78º do (CIVA) não releva de essa norma não ser aplicável a semelhante caso de regularização de IVA a mais, mas sim do tratamento contabilístico “artificial” dado pelo sujeito passivo aos “descontos em talão” concedidos pelo sujeito passivo aos seus clientes, na medida em que os imputou, ainda que a título condicional e diferido, às vendas iniciais, quando na realidade económica os descontos ocorriam incondicional e imediatamente apenas na venda sucessiva, sendo certo que nada haveria a regularizar se a contabilidade se ativesse a esta realidade».
Pelo que a correcção em exame, bem como a sentença que a confirmou, não enfermam dos erros que lhe são assacados.
Motivo porque se impõe negar provimento às presentes conclusões de recurso.
2.2.3. Do recurso da Fazenda Pública.
2.2.3.1. A recorrente assaca à sentença sob recurso os vícios seguintes:
i) Erro de julgamento quanto à determinação da matéria de facto [apreciado supra]
ii) Erro de julgamento quanto ao enquadramento jurídico da causa, no que respeita à correcção relativa a “III.2.2.1 - Comercialização de bens a uma taxa incorrecta - (artigo 18.º do CIVA) - 358.330,82 euros.
2.2.3.2. No que respeita ao fundamento do recurso referido em ii), a recorrente invoca que a sentença incorreu em erro de julgamento quanto à apreciação da matéria de facto. Refere que o dever de fundamentação das correcções em exame foi observado, dado que importa ter presente o relatório inspetivo e os seus anexos.
A este propósito, escreveu-se na sentença recorrida, em síntese, o seguinte:

«[C]onforme resulta do ponto 2) do probatório, a fundamentação constante do RIT que subjaz às liquidações adicionais de IVA impugnadas – à exceção dos produtos “Compotas Casa Mateus” e “Chás/Infusões”, individualmente analisados pela AT – limita-se a extensas tabelas que contêm uma listagem de produtos e respetiva designação comercial, bem como a taxa de IVA que a AT computa de correta com indicação da verba aplicável das listas anexas ao Código do IVA (CIVA). // Porém, os produtos ou categorias de bens não são individualizados, não são identificados pelas suas características intrínsecas, não sendo fornecido ao destinatário qualquer razão pela qual aquele bem deve ser enquadrado numa determina taxa de IVA, em detrimento de outra. // É manifesto que o discurso fundamentador, no caso, a sua falta, não fornece à Impugnante os motivos de facto ou de direito que justifiquem a correção das taxas de IVA e o motivo pelo qual os produtos são merecedores de outro enquadramento legal. // De sublinhar que mesmo quanto à fundamentação de direito, esta é praticamente inexistente, porquanto nos anexos do RIT apenas se designa as verbas das Listas I e II do CIVA, o que é manifestamente exíguo para suportar a correção efetuada. // Trata-se, pois, de uma fundamentação manifestamente insuficiente, ficando por definir, caso a caso, o itinerário cognoscitivo do autor do ato, não dando a conhecer, minimamente, as razões que presidiram às correções».

Apreciação. A fundamentação da correcção em exame consta do ponto III.2.2.1 - Comercialização de bens a uma taxa incorrecta - (artigo 18.º do CIVA) - 358.330,82 euros, bem como das listagens constantes dos anexos X), XI e XII (9).
A correcção em apreço esteou-se na observação de que os produtos discriminados no relatório inspectivo não foram objecto de liquidação de IVA à taxa devida, pelo que se impõe aplicar a taxa considerada correta.
Do Relatório Inspectivo consta, designadamente, o seguinte:
O sujeito passivo no âmbito da sua actividade, comercializa bens alimentares e não alimentares. Com o objectivo de validar o correcto enquadramento desses bens, para efeitos de aplicação das taxas de IVA, foi solicitado à empresa a lista dos bens comercializados no exercício de 2006, a que foram aplicadas as taxas de IVA de 5% e 12%. // A partir da listagem de produtos fornecida pela empresa em suporte informático foram verificadas as taxas de IVA aplicadas a alguns bens, tendo-se verificado divergências ao nível do enquadramento de diversos artigos relativamente aos bens e serviços constantes da Lista I - Transmissões de bens e prestações de serviços à taxa de 5%‘ e da Lista II –Transmissões de bens e prestações de serviços à taxa de 12%‘, anexas ao Código do IVA, conforme estabelece o n.º 1 do artigo 18.º do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (CIVA), ou seja, constatou-se a existência de produtos sujeitos à taxa reduzida de IVA (5%), quando a taxa correcta a aplicar era a taxa intermédia de 12% (Anexo 10), ou a taxa normal de 21% (Anexo 11), bem como a existência de produtos sujeitos à taxa de 12%, quando a taxa correcta a aplicar era a taxa normal (Anexo 12). [...] // Esta situação consubstanciou-se no incumprimento do disposto na alíneas a), b) e c) do n.º 1 do artigo 18.º do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (CIVA), e na falta de pagamento do IVA, em observância com o preconizado no n.º 1 do artigo 26.º do mesmo Código, no valor de 358.330,82 euros (Anexo 13), correspondente ao diferencial entre o valor do IVA Liquidado resultante das taxas de IVA aplicadas pelo sujeito passivo e o valor do IVA Liquidado apurado quer de acordo com as taxas de IVA inerentes ao enquadramento dos artigos em questão nos bens e serviços constantes das Listas I e II estabelecidas nas alíneas a) e b) do n.º 1 do citado art.º 18.º, quer decorrente da aplicação da taxa normal; de IVA estabelecida na alínea c) do mesmo normativo legal, relativamente aos artigos não enquadráveis nas mencionadas Listas I e II. // É ainda de realçar que atendendo à especificidade de alguns dos artigos, em que foi constatada divergência na aplicação da taxa do IVA, entende-se por conveniente fundamentar o enquadramento do bem efectuado pela Administração Tributária: [...]
Compotas Casa Mateus [...] // Face às restantes compotas ou geleias, incluindo aquelas que embora assim não se designem comercialmente, mas que possuem efectivamente características de compotas de frutos, bem como os produtos destinados a crianças, constituídos apenas por frutos (baby food frutos), as suas transmissões beneficiam do enquadramento na citada verba 1.3.1. da Tabela II (taxa de 12%).
Chás – Infusões [...] // Assim sendo, considera-se que todos os chás de plantas medicinais que se apresentem no estado natural ou no estado seco, bem como a mistura das mesmas obedecendo aquelas condições, são passíveis de IVA à taxa de 5%, porque enquadráveis na alínea d) da verba 2.4 da Lista I anexa ao Código do IVA.
Assim, conclui-se que os ‗Chás‘ (infusões) de plantas medicinais que se apresentam em estado de moído, em pó ou em grão, na sequência de terem sofrido um processo de transformação que lhes retira a característica de estado natural, são passíveis de IVA à taxa normal, dado não se encontrarem contemplados em nenhuma das Listas I e II anexas ao CIVA. // Quanto aos chás vermelho e verde [...] vulgarmente conhecida como chá, ainda que esta espécie possa ser considerada como medicinal, a obtenção destes chás resulta de diferentes tratamentos a que estão sujeitas as folhas depois de colhidas, designadamente a fermentação e outros processos de transformação que dão origem às diferentes tonalidades. // Assim, estes chás, porque sofreram um processo de transformação que lhes retira a característica de estado natural ou seco, por não poderem ser enquadradas na verba acima referida, nem em nenhuma outra verba das Listas I e II anexas ao CIVA, as suas transmissões são passíveis de IVA à taxa normal.

As taxas do imposto são as seguintes: // «a) Para as importações, transmissões de bens e prestações de serviços constantes da lista i anexa a este diploma, a taxa de 5 %; // b) Para as importações, transmissões de bens e prestações de serviços constantes da lista ii anexa a este diploma, a taxa de 12 %; // c) Para as restantes importações, transmissões de bens e prestações de serviços, a taxa de 21 %» (10).
O dissídio entre as partes reside na questão de saber se as liquidações em apreço encerram as razões que sustentam a decisão nelas contida, de forma a que as mesmas sejam acessíveis a um destinatário médio, colocado na posição da impugnante.
O preceito do artigo 77.º da LGT enuncia os requisitos da fundamentação do acto tributário. De acordo com o n.º 1, a fundamentação deve incluir a «sucinta exposição das razões de facto e de direito, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integram o relatório da fiscalização tributária» (n.º 1). Concretiza o n.º 2 que, podendo «[a] fundamentação dos actos tributários pode ser efectuada de forma sumária, deve[…] sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações da matéria tributável e do tributo» (n.º 2). Trata-se de uma formulação específica do dever geral de fundamentação (artigo 268.º, n.º 3, da CRP) (11). Noutra formulação, «[a] fundamentação do acto tributário tem de expressar-se em um discurso contextual, formal, acessível, congruente e suficiente para dar a conhecer ao contribuinte, pressuposto como um contribuinte normal colocado nas circunstâncias concretas do recorrente, as razões de facto e de direito que levaram a administração a praticá-lo, variando a exigência de densificação daquele discurso em função do tipo de acto e da participação ou não participação do contribuinte no procedimento da sua formação»(12). «[E]xige-se que o sujeito passivo da relação jurídica de imposto (destinatário normal), perante o itinerário valorativo e cognoscitivo em que se baseou o acto decisório, esteja razoavelmente habilitado a conhecer integralmente os fundamentos que levaram o decisor tributário a firmar o entendimento num sentido e não noutro qualquer. Pelo que a decisão procedimental considera-se fundamentada, independentemente da sua concordância, caso exista congruência e clareza, susceptível de ser perceptível para qualquer destinatário normalmente diligente que com a mesma se confronte». Os critérios de aferição do preenchimento do dever de fundamentação são, pois, os da suficiência, clareza e congruência (13). A fundamentação deve, pois, ser explícita, incisiva e precisa, deve ser congruente (e não ambígua ou contraditória) e deve ser suficiente, no sentido que deve dar conta da análise factual e do quadro legal em que se baseou[aram] o[s] critério[s] de decisão ínsito[s] ao acto tributário (14).
A recorrente afirma que «[a]ceitando-se que os fundamentos de direito se mostram cabalmente enunciados no RIT e que este remete a identificação dos produtos para os seus anexos, os quais fazem parte integrante em termos de fundamentação do mesmo, decorre do RIT referências à respectiva designação comercial (onde se mostra identificado o produto e quando apenas aparece o artigo está lá o código deste que sempre permitiria ao sujeito passivo identificar cabalmente o produto em questão); às taxas de IVA corretamente corrigidas e às incorretamente aplicadas pelo sujeito passivo) e à indicação das verbas que o sujeito passivo aplicou e daquelas que foram aplicadas referentes às listas I e II ao CIVA»; e que «[a] análise dessas listagens consubstanciadas nesses anexos deve começar pelo próprio título do anexo que permite perceber, por exemplo, relativamente ao anexo 10 reportam-se a listas de produtos que o SP liquidou a 5% (cfr. ainda também o canto superior esquerdo das listas) mas que a AT entende dever ser liquidada à taxa de 12% identificado que foi legalmente na verba respetiva da lista II anexa ao CIVA. Quando não decorre diretamente do elemento literal da norma (verba em causa) o SIT, excecionalmente não deixaram de complementar a informação como se lhes exige» (15). Tais asserções são confirmadas pelos elementos constantes do probatório (16).
Como se refere no Parecer do Ministério Público (17), junto deste TCAS,
«O Decreto-Lei nº 227/99, de 22 de junho (Dec. Lei n.º 285/2000, de 10 de Novembro), veio a regular o regime jurídico aplicável aos géneros alimentícios destinados a uma alimentação especial, transpondo para a ordem jurídica nacional a Diretiva nº 96/84/CE, contemplando ainda aquele Decreto-Lei, bem como o Decreto-Lei nº 230/92, de 21 de outubro. Resulta do seu preâmbulo que: // «Assim, por razões de proteção da saúde dos consumidores, procede-se ao aperfeiçoamento do regime jurídico aplicável aos géneros alimentícios destinados a uma alimentação especial, introduzindo novas regras de comercialização e colocação no mercado que permitam um melhor controlo, avaliação e comprovação da qualidade dos produtos, e à redefinição das entidades com competência para velar pela observância do disposto no presente diploma de acordo com as alterações de leis orgânicas entretanto ocorridas». // Tal obrigatoriedade inclui também a sua declaração às instâncias competentes no sentido de obter a necessária autorização da menção na rotulagem e na apresentação dos produtos adequados a alimentação especial. // Estas regras de comercialização e colocação no mercado visam apenas permitir às entidades competentes um melhor controlo, avaliação e comprovação da qualidade dos produtos. // Mesmo que o produto tenha as características, não é a AT que vai analisar o produto para verificar se é adequado ou não para “doentes celíacos”, se o produto carece de supervisão e autorização da DGS, sem esta autorização não se verificam pressupostos para poderem beneficiar da taxa mais baixa de IVA. // Conforme entendimento expresso pela Direção de Serviços de Administração do IVA, se os produtos reunirem os requisitos que permitam a sua inclusão na referida verba 1.13 da Lista I anexa ao CIVA, as suas transmissões são passíveis de IVA à taxa de 5%, caso contrário serão tributados de acordo com as taxas que lhes forem aplicáveis, nos termos das verbas da Lista II anexa ao CIVA, ou à taxa normal se dela não constar».
Como se sabe, a taxa normal do imposto é aplicável por defeito, na falta de discriminação das características e regimes dos bens transmitidos. No caso em exame, no relatório inspetivo foram identificados um conjunto de bens que não se subsumiam ao regime de comercialização dos géneros alimentícios destinado a uma alimentação especial (Decreto-Lei n.º 227/99, de 27 de Junho), e que por isso não beneficiavam da taxa reduzida, sendo-lhes aplicável a taxa normal. O que foi explicitado no relatório inspectivo, incluindo as listas anexas, das quais constam os bens, o regime aplicável e a taxa do IVA devida (18). Nesta medida, as correcções em exame não enfermam do alegado vício da falta de fundamentação, dado que a sua motivação se mostra acessível a um destinatário médio, colocado na posição da contribuinte.
Por outras palavras,
«(…) não era exigível à Inspeção Tributária que procedesse à análise da composição de cada um dos produtos corrigidos se a própria natureza e descrição dos mesmos na contabilidade da Impugnante permitiu àquela concluir pelo seu incorreto enquadramento, de tal modo que quanto aos produtos constantes do Anexo 12 a Inspeção acabou mesmo a indicar expressamente a verba da Lista II em que os mesmos deveriam ter sido enquadrados pela Impugnante. // Aliás pareceria absurdo que se exigisse à Inspeção Tributária que no âmbito da análise às taxas de IVA aplicáveis a todos os produtos comercializados pela Impugnante esta tivesse que analisar a composição de, provavelmente, milhares de produtos para, depois, poder fundamentar eventuais correções à aplicação das taxas. Tal exigência traduzir-se-ia numa tarefa incomportável, herculiana, e desproporcionada que, na realidade, acabaria por se traduzir numa impossibilidade de controle da atuação da Impugnante, como de outros sujeitos passivos. // Importa ainda realçar dois pontos, sendo que o primeiro é o de que não podem restar dúvidas de que os anexos ao RIT fazem dele parte integrante e complementam-no, pelo que a remissão expressa daquele para estes equivale a que o seu conteúdo fundamentador seja o conteúdo fundamentador do próprio RIT. // Em segundo, tal como depreendemos de uma análise mais atenta do RIT, a evidenciação e individualização de três concretos tipos de produtos apenas se deveu à consideração de que os mesmos se tratavam duma situação específica carecedora de explicações adicionais, (…)»(19).
Ou seja, as correcções em exame encerram através dos elementos de suporte que carreiam as razões que as sustentam, dado que as listagens anexas ao relatório inspectivo integram o mesmo, permitindo a um destinatário médio, colocado na posição da impugnante, aceder aos parâmetros seguidos pela impugnada na determinação da taxa do imposto considerada devida em relação a cada produto.
Em face do exposto, impõe-se prover ao recurso, revogar a sentença recorrida, nesta parte, e ordenar a baixa dos autos para aferição do bem fundado dos demais fundamentos da impugnação (vício de violação de lei/ erro nos pressupostos de facto), em relação às correcções das taxas do IVA por referência aos produtos em causa.
Fica prejudicado o conhecimento das demais conclusões de recurso. Tal inclui também a aferição dos termos e pressupostos da condenação no pagamento da indemnização pela prestação de garantia indevida.


*
III – DECISÃO
Termos em que, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do TCA Sul no seguinte:
i) Negar provimento ao recurso interposto pela impugnante.
ii) Conceder parcial provimento a recurso interposto pela Fazenda Púbica, revogar a sentença recorrida, nos termos referidos em 2.2.3.2. e ordenar a baixa dos autos para que se conheça dos demais fundamentos da impugnação, nesta parte.

Registe e Notifique.

Lisboa, 10/10/2024


(Jorge Cortês - Relator)

(1º. Adjunto – Rui A. S. Ferreira)

(2 ª. Adjunta – Ângela Cerdeira)
(1) Artigo 2.º/1, do Decreto-Lei n.º 227/99, citado.
(2) Artigo 2.º/2, do Decreto-Lei n.º 227/99, citado.
(3) Artigo 3.º, do Decreto-Lei n.º 227/99, citado.
(4) Artigo 71.º /1, do CIVA, na versão vigente.
(5) Artigo 71.º /2, do CIVA, na versão vigente.
(6) Artigo 71.º /4, do CIVA, na versão vigente.
(7) Artigo 71.º /5, do CIVA, na versão vigente.
(8) Acórdão do STA, de 11-01-2023, P. 02520/11.2BELRS
(9) N.º 2 e 15 a 17, do probatório.
(10) Artigo 18.º do CIVA,
(11) E artigo 125.º do CPA vigente à data dos factos.
(12) Acórdão do STA, de 15.12.1999, P. 024143.
(13) Acórdão do TCAS, de 13.10.2016, P. 08848/15.
(14) Neste sentido, V. Paulo Marques e Carlos Costa, A liquidação de imposto e a sua fundamentação, Coimbra Editora, Coimbra, 2013, pp. 70/74. V. também Acórdão do TCAS, de 14.04.2015, P. 06984/13.
(15) Pontos 2) e 15) a 17), do probatório.
(16) V. Relatório Inspectivo, pontos “III.2.2.1” e “IX- Direito de audição – fundamentação” e n.ºs 15 a 18, do probatório.
(17) P. 1952/09.0BELRS, em que estava em causa correcção idêntica à apreciada nos autos, sendo o exercício o de 2005.
(18) V. Relatório Inspectivo, pontos “III.2.2.1” e “IX- Direito de audição – fundamentação” e anexos 10 a 12 do relatório inspectivo e n.ºs 15 a 18, do probatório.
(19) Sentença proferida no P.2583/10.8BELRS, do Tribunal Tributário de Lisboa