Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1869/19.0BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:03/30/2023
Relator:PATRÍCIA MANUEL PIRES
Descritores:PRESCRIÇÃO DO PROCEDIMENTO CONTRAORDENACIONAL
TAXAS DE PORTAGEM
PRAZO DE CADUCIDADE
Sumário:I-Sendo as infrações respeitantes à falta de pagamento de portagens, punidas pelo artigo 7.º da Lei nº 25/2006, de 30 de junho, e estando as mesmas dependente do apuramento do “preço”, ou seja, da sua liquidação, o prazo de prescrição do procedimento contraordenacional tem de ser igual ao prazo de caducidade do direito à liquidação desse imposto, o qual, de harmonia com o artigo 45.º, nº 4, da LGT, é de quatro anos contados a partir do termo da data da infração.
II-Se os visados procedimentos contraordenacionais foram iniciados numa altura em que já não era legalmente possível a sua instauração, uma vez que tinham decorrido mais de quatro anos, tal determina, per se, a prescrição dos procedimentos contraordenacionais.
III-Apenas deve ser convocado e aplicado o prazo máximo supletivo de prescrição, acrescido de metade caso o prazo ordinário de quatro anos não se complete primeiro.
IV-Estatui o normativo 28.º, n.º 3, do RGCO, que a prescrição do procedimento tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo da prescrição acrescido de metade, ou seja, a letra da lei é perentória no sentido de que nesse prazo não são relevadas quaisquer causas de interrupção apenas e só as causas suspensivas.
V-A ratio legis é precisamente evitar-se a renovação do prazo de prescrição depois de cada interrupção, porquanto tal conduziria a que pudesse eternizar-se a possibilidade de prosseguir processo de contraordenações contra o arguido.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I-RELATÓRIO


O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA (DRFP), veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou prescrito o procedimento contraordenacional proferido no processo 3573201906000002024, pela prática de contraordenações previstas no artigo 5º n.º 2 da Lei n.º 25/06, de 30 de junho, por falta de pagamento de taxas de portagem, nos períodos compreendidos entre 14 de julho de 2014 e 31 de julho de 2014, e punidas pelo artigo 7.º da mesma Lei, com o consequente arquivamento dos autos.


A Recorrente, apresenta as suas alegações de recurso nas quais formula as conclusões que infra se reproduzem:


“A. Foi aplicada à arguida, pelo Serviço de Finanças de Vila Franca de Xira 2, a coima de € 1.617,55, pela prática da infração ao artigo 5.º, n.º 2 da Lei n.º 25/2006 de 30 de junho.

B. De acordo com o artigo 28.º n.º 1 al. d) do RGCO o prazo de prescrição do procedimento contra-ordenacional interrompe-se com a aplicação da coima pela autoridade administrativa.

C. No caso concreto, tendo o Chefe do Serviço de Finanças de Vila Franca de Xira 2, proferido decisão de aplicação de coima, em 19.03.2019, iniciou-se, nessa data, a contagem de um novo prazo de prescrição,

D. Deste modo, contado o prazo prescricional de seis anos e meio, a partir 19.03.2019, verifica-se que o mesmo ainda não se consumou.

E. Pelo que, ao decidir como decidiu, violou o Tribunal a quo, na sentença recorrida o disposto nos arts. 33º do RGIT e 27º-A e 28º do RGCO.

Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada e substituída por acórdão que julgue o recurso de contraordenação totalmente improcedente.

PORÉM V. EX.AS DECIDINDO FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA.”


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A Recorrida, devidamente notificada optou por não apresentar contra-alegações:

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O Digno Magistrado do Ministério Público (DMMP) junto do Tribunal Tributário apresentou resposta tendo concluído da seguinte forma:

1. Os factos em causa nestes autos respeitam a falta de pagamento de taxas de portagem, pelos quais foi aplicada coima, por infrações ao disposto no artigo 5º, nº 2, da Lei nº 25/2006, de 30 de junho, ocorridas entre os dias 14 e 31 de julho de 2014.

2. Dispõe o artigo 33º, do RGIT, aplicável ex vi artigo 18º, da Lei nº 25/2006, de 30 de junho, que o procedimento extingue-se, por efeito da prescrição, decorridos que sejam cinco anos desde a prática do facto (nº 1), sendo que esse prazo se interrompe e suspende nos termos estabelecidos na lei geral (nº 3).

3. As causas de suspensão são as que constam do artigo 27º-A, e as de interrupção são as previstas no artigo 28º, ambos do RGCO, aprovado pelo Decreto-Lei nº 433/82, de 27.10.

4. A suspensão, contudo, nos termos do nº 2, do citado artigo 27º-A, não pode ultrapassar seis meses e a prescrição do procedimento contraordenacional tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo de prescrição acrescido de metade (artigo 28º, nº 3, do RGCO).

5. Quando a liquidação da coima esteja, porém, na dependência da prévia liquidação do tributo, como no caso em apreço, o prazo de prescrição do procedimento por contraordenação é reduzido ao prazo de caducidade do direito à liquidação do tributo (artigo 33º, nº 2, do RGIT), que, nos temos do disposto no artigo 45º, nº 1, da LGT, é de quatro anos.

6. Ou seja, no caso concreto a prescrição do procedimento por contraordenação ocorre, sempre, quando se mostrem decorridos seis anos e seis meses sobre a prática da infração.

7. Dos autos não resulta, contudo, que tenha existido suspensão nos termos previstos nos artigos 42º, nº 2, 47º e 74º do RGIT ou que antes da sua instauração tenha sido requerido o pagamento das coimas.

8. Constata-se, ao invés, que já decorreu efetivamente o prazo máximo de prescrição sobre a data da prática dos factos.

9. Pelo exposto, a douta sentença recorrida não violou, deste modo, qualquer disposição legal, motivo pelo qual deverá ser mantida na ordem jurídica.


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O Digno Magistrado do Ministério Público (DMMP) neste Tribunal Central Administrativo Sul apôs o seu visto.

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Colhidos os vistos dos Exmos Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir.

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II-FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Compulsados os autos e analisada a prova produzida, dão-se como provados, com interesse para a decisão, os factos infra indicados:

1-Em 24/06/2019 foi instaurado contra a Arguida, ora Recorrente, no serviço de finanças de Vila Franca de Xira – 2, o processo de contraordenação n.º 3573201906000002024, com base em auto de notícia levantado em 21/02/2019, cujo teor se dá por reproduzido (fl.2 a 5);

2- Os elementos que carateriza a infração no processo referido no ponto anterior, reporta-se à falta de pagamento da taxa de portagem na Autoestrada do Algarve Via do Infante- Soc. Concessionária, A….SA., referente à viatura com a matrícula …-GV-…/YAAMFB/BX/Citroen/2 , nos seguintes períodos, 14/07/2014,uma passagem, 15/07/2014, duas passagens, 16/07/2014, duas passagens, 17/07/2014, duas passagens, 18/07/2014, duas passagens, 21/07/2014, 3 passagens, 23/07/2014, duas passagens, 24/07/2014, duas passagens, 25/07/2014 quatro passagens, 29/07/2014, duas passagens, 30/07/2014 duas passagens, 31/07/2014 duas passagens (cf. auto de notícia a fl.2 s 5);

3- Em 06/02/2019 foi a Arguida notificada para apresentar a sua defesa (fl. 24 e informação do serviço de finanças a fl. 50);

4- No processo referido no ponto 1, foi em 19/03/2019 fixada a coima no valor de 1.617,55€ e custas do processo no valor de 76,50€ (fl. 28 a 30);

5- A decisão referida no ponto anterior foi notificada por caixa postal eletrónica em 30/03/2019 (fl. 33);

6- No processo de execução instaurado para cobrança coerciva a Arguida efetuou o pagamento das taxas de portagem (informação do serviço de finanças (SF) a fl. 50);

7 – Em 15/04/2019 deduziu o presente recurso.


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Consta na decisão recorrida enquanto factualidade não provada o seguinte:


“Não existem factos não provados, em face das possíveis soluções de direito, com interesse para a decisão da causa.”



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A motivação da matéria de facto constante no despacho decisório é a seguinte:


“A fixação da matéria de facto sustentou-se resultou do exame dos documentos, não impugnados, do processo de contraordenação e das informações oficiais constantes dos autos, conforme referido no probatório nos documentos constantes nos autos e não impugnados.”


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De harmonia com o disposto no artigo 662.º do CPC, conjugado com o disposto artigo 249.º do Código Civil, ex vi artigo 4.º do CPP, procede-se à retificação de dois erros de escrita, constantes dos pontos 1) e 3) relativos à data da instauração do processo de contraordenação, e notificação para apresentação de defesa, passando os mesmos a contemplar a seguinte redação:

1-Em 24 de fevereiro de 2019 foi instaurado contra a Arguida, ora Recorrente, no Serviço de Finanças de Vila Franca de Xira–2, o processo de contraordenação n.º 3573201906000002024, com base em auto de notícia levantado em 21.02.2019, cujo teor se dá por reproduzido (cfr. fls.2 a 5; cfr. documento com a referência 004734495 na plataforma SITAF);

3- Em 26 de fevereiro de 2019 foi a Arguida notificada para apresentar a sua defesa (cfr. fls. 24 e informação do serviço de finanças a fl. 50; cfr. documento com a referência 004734497 na plataforma SITAF);


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III) FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

In casu, a Recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou extinto por prescrição o procedimento contraordenacional nº 3573201906000002024, instaurado pela prática de contraordenações previstas no artigo 5.º, n.º 2, da Lei n.º 25/06, de 30 de junho, por falta de pagamento de taxas de portagem, nos períodos compreendidos entre 14 de julho de 2014 a 31 de julho de 2014, e punidas pelo artigo 7.º da mesma Lei, com o consequente arquivamento dos autos.


Em ordem ao consignado no artigo 411.º, do CPP ex vi artigo 41.º, n.º 1, do RGCO, ex vi artigo 3.º, al. b), do RGIT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.

Atento o exposto e as conclusões das alegações do recurso interposto, importa, assim, aferir se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento ao ter julgado prescrito o respetivo procedimento contraordenacional.

A Recorrente convoca erro de julgamento porquanto a decisão recorrida violou os normativos 33.º do RGIT e 27.º-A e 28.º do RGCO, na medida em que tendo a decisão administrativa de aplicação de coima, sido prolatada a 19 de março de 2019, nessa data iniciou-se nova contagem do prazo de prescrição, donde contado o prazo prescricional de seis anos e meio, a partir dessa data, ter-se-á de concluir que o mesmo ainda não se consumou.

O Tribunal a quo, assim o não entendeu e declarou a prescrição do procedimento contraordenacional convocando o prazo máximo supletivo de prescrição que computou em seis anos, acrescido do prazo de suspensão de seis meses, referindo, assim, que quanto à última infração a prescrição do procedimento contraordenacional teria ocorrido a 31 de junho de 2021, logo, por maioria de razão, quanto às infrações antecedentes ter-se-ia de concluir em conformidade.

Vejamos, então, se já se completou o prazo de prescrição do procedimento contraordenacional.

Comecemos por convocar o quadro jurídico que releva para o caso dos autos.

Conforme resulta do probatório as decisões administrativas de aplicação de coima consubstanciam-se nas infrações ao artigo 5.º, nº2, da Lei nº 25/2006, de 30 de junho, punidas pelo normativo 7.º do mesmo diploma legal, sendo que, à data, a citada norma punitiva dispunha o seguinte:

“1 - As contraordenações previstas na presente lei são punidas com coima de valor mínimo correspondente a 10 vezes o valor da respetiva taxa de portagem, mas nunca inferior a (euro) 25, e de valor máximo correspondente ao quíntuplo do valor mínimo da coima, com respeito pelos limites máximos previstos no Regime Geral das Infrações Tributárias.

2 - Para efeitos do disposto no número anterior, sempre que for variável a determinação da taxa de portagem em função do percurso percorrido e não for possível, no caso concreto, a sua determinação, é considerado o valor máximo cobrável na respetiva barreira de portagem ou, no caso de infraestruturas rodoviárias, designadamente em autoestradas e pontes, onde seja devido o pagamento de portagens e que apenas disponham de um sistema de cobrança eletrónica das mesmas, no sublanço ou conjunto de sublanços abrangido pelo respetivo local de deteção de veículos para efeitos de cobrança eletrónica de portagens.

3 - As infrações previstas nos artigos 5.º e 6.º são puníveis a título de negligência.”

Mais dispondo o normativo 18.º, do citado Diploma Legal, com a redação conferida pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro, relativamente ao direito subsidiário que: “Às contraordenações previstas na presente lei, e em tudo o que nela não se encontre expressamente regulado, é aplicável o Regime Geral das Infrações Tributárias.”

Daí dimanando que, a partir das alterações introduzidas pela aludida Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro, para conhecer a prescrição do procedimento contraordenacional, em matéria de infraestruturas rodoviárias onde seja devido o pagamento de taxas de portagem, ter-se-á de convocar o RGIT.

Assumindo, por isso, relevo, nesse concreto particular, o estatuído no artigo 33.º, n.º 1, do RGIT, o qual relativamente ao prazo de prescrição do procedimento contraordenacional preceitua que:

“[o] procedimento por contraordenação extingue-se, por efeito da prescrição, logo que sobre a prática do facto sejam decorridos cinco anos”,

Mais dispondo o seu n.º 2 que:

“[o] prazo de prescrição do procedimento por contraordenação é reduzido ao prazo de caducidade do direito à liquidação da prestação tributária quando a infração depender daquela liquidação.(destaques e sublinhados nossos).

Sendo que nos termos do disposto no artigo 119.º do CP, aplicável por força do artigo 32.º do RGCOC, o prazo de prescrição corre desde o dia em que o facto se tiver consumado.

Significa, então, que regra geral o prazo de prescrição do procedimento contraordenacional é de cinco anos, podendo ser encurtado para o prazo de caducidade do direito à liquidação da prestação tributária quando a infração dependa daquela liquidação.

Conforme doutrinam jorge lopes de sousa e manuel simas santos:

“A infração depende da liquidação da prestação tributária sempre que a determinação do tipo de infração ou da sanção aplicável depende do valor daquela prestação, pois é a liquidação o meio de determinar o seu valor (1) in Regime Geral das Infrações Tributárias Anotado, 2.ª edição. 2003, pág. 283.”.

Sendo que, neste âmbito, tem entendido a Jurisprudência, na esteira dos citados autores que, “[p]ara efeitos de aplicação do disposto no n.º 2 do artigo 33.º do RGIT, deve entender-se que a infracção depende da liquidação sempre que a determinação do tipo de infracção ou da sanção que lhe é aplicável depende da prévia determinação do valor da prestação tributária devida (cfr., por todos o Acórdão deste STA de 28 Abril de 2010, rec. 0777/09) e que, sendo aplicável o prazo especial previsto no n.º 2 do artigo 33.º do RGIT, o procedimento extingue-se logo que decorrido o prazo de caducidade do direito à liquidação da respectiva prestação tributária, pois que, de outro modo, não se asseguraria a coincidência de prazos que o legislador terá pretendido)” (2) In Acórdão do STA, proferido no processo nº 0679/11.8 BEALM, de 30.04.2019..

Ajuizando-se, neste particular, que entre os casos em que a existência da contraordenação depende da liquidação da prestação tributária encontra-se precisamente o ilícito contraordenacional constante no artigo normativo em contenda.

Neste particular, convoque-se o doutrinado no Acórdão do TCAN, proferido no processo nº 00096/18.9BECBR, datado de 04 de abril de 2019, do qual se extrata na parte que para os autos releva, designadamente, o seguinte:

“[a] situação em apreço tem, manifestamente, paralelismo com os casos indicados, dado que a decisão da fixação da coima alude à cominação prevista no artigo 7.º da Lei n.º 25/2006, de 30 /06, na redacção dada pela Lei n.º 51/2015, de 8 de Junho:“1 - As contra-ordenações previstas na presente lei são punidas com coima de valor mínimo correspondente a 7,5 vezes o valor da respectiva taxa de portagem, mas nunca inferior a (euro) 25, e de valor máximo correspondente ao quadruplo do valor mínimo da coima, com respeito pelos limites máximos previstos no Regime Geral das Infracções Tributárias. (…)”

Portanto, verifica-se que a coima a fixar depende em absoluto do valor da taxa de portagem correspondente ao percurso efectivamente realizado pelo infractor ou, nos casos em que não é possível verificar tal percurso, sempre dependerá do valor máximo da taxa de portagem “cobrável na respectiva barreira de portagem ou, no caso de infra-estruturas rodoviárias, designadamente em auto-estradas e pontes, onde seja devido o pagamento de portagens e que apenas disponham de um sistema de cobrança electrónica das mesmas, no sublanço ou conjunto de sublanços abrangido pelo respectivo local de detecção de veículos para efeitos de cobrança electrónica de portagens” (cfr. artigo 7.º, n.º 1 e n.º 2 da Lei n.º 25/2006).
Nesta conformidade, é inequívoco que a sanção aplicável depende do valor da respectiva taxa de portagem. Por isso, bem andou a sentença recorrida ao considerar aplicável o disposto no artigo 33.º, n.º 2 do RGIT à situação, que estabelece um prazo especial idêntico ao prazo de caducidade do direito à liquidação da prestação tributária quando a infracção depender daquela liquidação, como é o caso.

Entendemos ser irrelevante que esteja em causa um preço resultante do uso de uma via sujeita a pagamento pelos utentes, pois a norma, de aplicação subsidiária em matéria de infra-estruturas rodoviárias onde seja devido o pagamento de taxas de portagem, deverá ser lida com as necessárias adaptações:
Reiteramos que
a sanção aplicável depende do valor daquela prestação, pois é a liquidação da taxa de portagem o meio de determinar este valor.
Em face de todo o contexto descrito supra, compreende-se que não estejamos perante uma liquidação em termos fiscais, como afirma o Recorrente. Contudo, não deixa de se verificar uma
liquidação de um preço pelo uso da auto-estrada, que varia com o percurso efectivamente realizado pelo infractor, sendo tal variação que determinará o valor da coima aplicável ao mesmo. A interpretação que fazemos permite um perfeito paralelismo do disposto no artigo 33.º, n.º 2 do RGIT com as situações previstas no artigo 7.º da Lei n.º 25/2006, de 30/06.” (destaques e sublinhados nossos).

No mesmo sentido, se decidiu no Acórdão deste TCAS, proferido no processo nº 1000/16, datado de 25 de novembro de 2021, no qual se sumariou:

“O prazo de prescrição do procedimento de contraordenação por falta de pagamento da taxa de portagem é reduzido ao prazo de caducidade do direito à liquidação da prestação na medida em que a determinação da infracção (falta de pagamento da taxa de portagem) depende da liquidação da mesma.”

Em face do que vem sendo dito, sendo as infrações que fundamentaram a aplicação de coimas à Recorrida punidas pelo artigo 7.º da Lei nº 25/2006, de 30 de junho, e estando as mesmas, conforme expendido anteriormente, dependente do apuramento do aludido “preço”, ou seja, da sua liquidação, o prazo de prescrição do procedimento contraordenacional tem de ser igual ao prazo de caducidade do direito à liquidação desse imposto, o qual, de harmonia com o artigo 45.º, nº 4, da LGT, é de quatro anos contados a partir do termo da data da infração (3) Vide, designadamente, Aresto do STA, proferido no processo nº 0777/09, de 28.04.2010..

Aplicando os aludidos conceitos ao caso dos autos, e tendo presente que as infrações respeitam ao período de julho de 2014, compreendido entre 14 a 31 do referido mês, temos que o dies a quo, na mais antiga das infrações se coadunou no dia 14 de julho de 2014, e na mais recente no dia 31 de julho de 2014.

Significa isto que, aplicando o aludido prazo de prescrição (4 anos) e na hipótese de não ter ocorrido qualquer causa de interrupção ou suspensão, o procedimento contraordenacional prescreveria, entre 14 de julho de 2018 e 31 de julho de 2018.

Porém, na contagem do referido prazo de prescrição tem de ser ressalvado o tempo de interrupção e suspensão da prescrição.

De relevar, neste particular, que existindo causa de interrupção do prazo de prescrição o tempo decorrido antes da causa de interrupção fica sem efeito, uma vez que depois de cada interrupção começa a correr novo prazo de prescrição (cfr. n.º 2 do artigo 121.º do CP ex vi artigo 32.º do RCGO, ex vi artigo 33.º, n.º 3 do RGIT).

Por seu turno, a suspensão do prazo de prescrição impede que o prazo da prescrição decorra enquanto se mantiver a causa que a determinou, ou seja o prazo de prescrição só volta a correr a partir do dia em que cessar a causa da suspensão (cfr. n .° 6 do artigo 120.° do CP, ex vi artigo 32.º do RCGO, ex vi artigo 33.º, n.º 3 do RGIT).

Atentemos, ora, nas causas de interrupção e suspensão do prazo de prescrição do procedimento contraordenacional.

No concernente às causas de interrupção dispõe o artigo 28.º do RGCO que o prazo de prescrição do procedimento por contraordenação interrompe-se nos termos estabelecidos na lei geral, consignando de forma expressa que:
“1 - A prescrição do procedimento por contraordenação interrompe-se:
a) Com a comunicação ao arguido dos despachos, decisões ou medidas contra ele tomados ou com qualquer notificação;
b) Com a realização de quaisquer diligências de prova, designadamente exames e buscas, ou com o pedido de auxílio às autoridades policiais ou a qualquer autoridade administrativa;
c) Com a notificação ao arguido para exercício do direito de audição ou com as declarações por ele prestadas no exercício desse direito;
d) Com a decisão da autoridade administrativa que procede à aplicação da coima.
2 - Nos casos de concurso de infrações, a interrupção da prescrição do procedimento criminal determina a interrupção da prescrição do procedimento por contraordenação.
3 - A prescrição do procedimento tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo da prescrição acrescido de metade.”

Em matéria de suspensão da prescrição do procedimento por contraordenação, o normativo contido no artigo 27º-A do RGCO, aplicável ex vi artigo 33.º nº 3 do RGIT, estabelece o seguinte:

“1. A prescrição do procedimento por contraordenação suspende-se, para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que o procedimento:

a) Não puder legalmente iniciar-se ou continuar por falta de autorização legal;

b) Estiver pendente a partir do envio do processo ao Ministério Público até à sua devolução à autoridade administrativa nos termos do artigo 40º;

c) Estiver pendente a partir da notificação do despacho que procede ao exame preliminar do recurso da decisão da autoridade administrativa que aplica a coima, até à decisão final do recurso.

2. Nos casos previstos nas alíneas b) e c) do número anterior, a suspensão não pode ultrapassar seis meses.”

Por sua vez, a norma do artigo 33.º nº 3 do RGIT prevê causas específicas de suspensão do procedimento contraordenacional tributário consignando-se aí que a suspensão da prescrição se verifica também:

- Por efeito da suspensão do processo, nos termos previstos no n.º 2 do artigo 42.º, no artigo 47.º e no artigo 74.º;

- No caso de pedido de pagamento da coima antes de instaurado o processo de contraordenação desde a apresentação do pedido até à notificação para o pagamento.

Visto o direito aplicável ao caso sub judice, e fazendo a competente transposição para a situação fáctica dos autos, constata-se, desde já, que a primeira causa de interrupção do prazo prescricional ocorreu em data ulterior à consumação do mesmo, carecendo, por isso, de convocar o prazo máximo supletivo de prescrição, acrescido de metade, ou seja, na presente situação de seis anos (4+2) [Vide Acórdão do STA, proferido no processo nº 0456/12, de 10.10.2012 e Arestos do TCA Sul proferidos nos processos nºs 08986/15, 280/11 e 2707/06 de 14.03.2016, 14.11.2019, e 24.01.2020, respetivamente]-conforme realizado pelo Tribunal a quo, sendo certo que tal em nada altera o sentido decisório-uma vez que o prazo ordinário de quatro anos se completa primeiro.

No caso vertente, o visado procedimento contraordenacional foi instaurado numa altura em que já não era legalmente possível a sua instauração, uma vez que tinham decorrido mais de quatro anos. Com efeito, dimana do probatório que o auto de notícia e a subsequente instauração do processo contraordenacional apenas ocorreram em 21 de fevereiro de 2019 e 24 de fevereiro de 2019, respetivamente, sendo que a notificação para apresentação de defesa e bem assim a prolação da decisão administrativa de aplicação de coima datam de 26 de fevereiro de 2019, e 19 de março de 2019.

Conforme já referido anteriormente não é necessário aplicar o aludido prazo de seis anos e meio sendo certo que, na presente data, e mesmo tendo por base a suspensão da contagem de prazos introduzida pelas medidas excecionais e temporárias de resposta à situação epidemiológica provocada pelo Coronavírus SARS-CoV-2, introduzida pela Lei nº 1-A/2020, de 19 de março, e bem assim pelas Leis nº 4-A/2020, de 06 de abril, Lei n.º 16/2020, de 29 de maio, Lei 4-B/2021, 01 de fevereiro e Lei n.º 13-B/2021, de 05 de abril, que implicam uma suspensão por um período máximo de 160 dias, o mesmo já se encontraria consumado (4) Computando o prazo de seis anos acrescido de seis meses, da infração mais recente, concretamente, 31 de julho de 2014, o mesmo consumou-se em 10.07.2021..

E por assim ser, não assiste razão à Recorrente, quando advoga a violação dos normativos 33.º do RGIT e 27.º-A e 28.º ambos do RGCO. Ademais, a sua esteira de entendimento encerra uma errónea interpretação do normativo 28.º, n.º 3, do RGCO, porquanto o mesmo estatui que a prescrição do procedimento tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo da prescrição acrescido de metade, ou seja, a letra da lei é perentória no sentido de que nesse prazo não são relevadas quaisquer causas de interrupção apenas e só as causas suspensivas.

Aliás, a ratio legis é precisamente evitar-se a renovação do prazo de prescrição depois de cada interrupção, porquanto tal “conduziria a que pudesse eternizar-se a possibilidade de prosseguir processo de contra-ordenações contra o arguido (5) In Contra Ordenações, Anotações ao Regime Geral, de Manuel Simas Santos e Jorge Lopes de Sousa, Vislis, 2ª edição, 2002, página 233..”

Conclui-se, pois, à luz dos citados preceitos legais, que o procedimento contraordenacional se encontra integralmente prescrito, havendo, assim, que confirmar a decisão recorrida, com a presente fundamentação.

No concernente a custas, declarado extinto o procedimento de contraordenação por prescrição, inexiste condenação da Arguida, não sendo, por isso, devidas custas processuais por esta. De relevar, outrossim, que não estando prevista, em situação alguma que o Ministério Público suporte as custas, dado ser entidade isenta do seu pagamento, e inexistindo norma no regime legal de custas aplicável em processo de contraordenação tributária que preceitue a condenação da AT, a presente lide será sem custas, como se determinará no dispositivo (6) Vide, designadamente, Acórdãos do STA proferidos nos processos 01408/15, 01106/16 e 01355/17, datados de 24.02.2016, 23.11.2016 e 14.03.2018, respetivamente..


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IV. DECISÃO

Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SEGUNDA SUBSECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em:

Negar provimento ao recurso, e manter a decisão recorrida.

Sem Custas.

Registe. Notifique.


Lisboa, 30 de março de 2023

(Patrícia Manuel Pires)

(Jorge Cortês)

(Luísa Soares)