Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:139/25.0BCLSB
Secção:CA
Data do Acordão:09/25/2025
Relator:LUÍS BORGES FREITAS
Descritores:NULIDADE POR OMISSÃO DE PRONÚNCIA
TREINADOR PRINCIPAL E TREINADOR-ADJUNTO
FACTOS NOTÓRIOS
MATÉRIA DE FACTO VERSUS MATÉRIA DE DIREITO
Sumário:I - São do conhecimento geral os nomes dos treinadores principais do F..., do S... e do S....
II - São, por isso, factos notórios.
III - A identificação dos treinadores-adjuntos dos referidos clubes não consubstancia, em abstrato, facto notório.
IV - No entanto, os Recorrentes J... e T... estão nos autos em posição relacional; um é treinador principal, outro o adjunto.
V - Se é facto notório que o Recorrente J... era o treinador principal do S..., terá de assumir a mesma natureza - no contexto dos presentes autos – a qualidade de treinador-adjunto por parte do Recorrente T....
VI - Saber se a conduta dos Recorrentes determina «grave lesão dos princípios da ética desportiva e, bem assim, grave prejuízo para a imagem e bom nome das competições de futebol» é matéria jurídico-conclusiva.
VII - Se a Recorrente S..., SAD, inscreve treinadores atribuindo-lhes formalmente funções que sabe não serem as correspondentes às reais, de modo a contornar as regras da competição, é manifesto que – e utilizando as palavras do artigo 19.º/1 do Regulamento Disciplinar – não manteve «conduta conforme aos princípios desportivos de lealdade, probidade, verdade e retidão em tudo o que diga respeito às relações de natureza desportiva».
VIII - É essa a vertente da conduta que foi punida, por violação de princípios básicos da competição, não a violação da Lei dos Treinadores, independentemente das conexões com ela estabelecidas na deliberação punitiva.
IX - O treinador principal, independentemente de saber quais serão os seus concretos direitos e deveres legais e regulamentares, será o líder técnico da equipa, o rosto do corpo técnico, a figura máxima do comando da equipa, quem decide e que por isso mesmo é responsável pelos resultados obtidos.
X - O treinador-adjunto é o n.º 2 do corpo técnico, o braço direito do treinador principal, quem o apoia nas principais decisões, nomeadamente de ordem tática e técnica, quem executa diversas das decisões daquele, entre outras funções, sempre subordinadas à direção máxima do treinador principal.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção Administrativa Social
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Subsecção Social do Tribunal Central Administrativo Sul:


I
S........., SAD, T........ e J........ demandaram, no Tribunal Arbitral do Desporto, a FEDERAÇÃO PORTUGUESA DE FUTEBOL, pedindo a revogação do acórdão proferido pela Secção Profissional do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol em 11.2.2025 que, no âmbito do processo n.° 24-2024/2025, decidiu pela aplicação das seguintes sanções:

«i) Condenar o Arguido J........, pela prática de uma infração disciplinar p. e p. pelo artigo 141.º, ex vi 168.º n.º 1, por violação dos deveres e dos princípios previstos no artigo 19.º, n.º 1, todos do RD, com referência ao disposto nos artigos 3.º, 5.º, n.º 1, 12.º, 14.º, 18.º, n.º 1, 19.º, n.º 1, al. a), 25.º, n.º 1, da Lei n.º 40/2012, de 28.08, na redação conferida pela Lei n.º 106/2019, de 06.09, na sanção de multa no valor de 1.224,00€ (mil duzentos e vinte e quatro euros);
ii) Condenar o Arguido T........, pela prática de uma infração disciplinar p. e p. pelo artigo 141.º, ex vi 168.º n.º 1, por violação dos deveres e dos princípios previstos no artigo 19.º, n.º 1, todos do RD, com referência ao disposto nos artigos 3.º, 5.º, n.º 1, 12.º, 14.º, 18.º, n.º 1, 19.º, n.º 1, al. a), 25.º, n.º 1, da Lei n.º 40/2012, de 28.08, na redação conferida pela Lei n.º 106/2019, de 06.09, na sanção de multa no valor de 1.224,00€ (mil duzentos e vinte e quatro euros); e
iii) Condenar a Arguida S........., SAD, pela prática de uma infracção disciplinar p. e p. nos termos do disposto no artigo 118.º, al. b), do RDLPFP, por violação dos deveres e princípios constantes do artigo 19.º, n.º 1, do RDLPFP, com referência aos artigos 3.º, 5.º, n.º 1, 12.º,14.º,18.º, n.º 1, 19.º, n.º 1, al. a), 25.º, n.º 1, da Lei n.º 40/2012, de 28.08, na redacção conferida pela Lei 116/2019, de 06.09, na sanção de multa de 12.750,00€ (doze mil setecentos e cinquenta euros)».
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Por acórdão de 30.4.2025 o Tribunal Arbitral do Desporto julgou os recursos improcedentes.
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Inconformados, os Autores interpuseram recurso dessa decisão para este Tribunal Central Administrativo, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões, que se transcrevem:

A. O presente recurso tem por objecto o acórdão proferido pelo Tribunal Arbitral do Desporto no âmbito do processo arbitral n.° 12/2025, o qual, julgando a acção arbitral improcedente, confirmou a decisão do Conselho de Disciplina da FPF de 11 /02/2025 que havia sancionado os Recorrentes pela prática das infracções disciplinares previstas nos artigos 118.° e 141.° do RDLPFP.
B. Os ilícitos disciplinares em questão visam sancionar a violação de deveres estabelecidos na lei ou nos regulamentos emanados pela LPFP cuja tipificação não é especificamente prevista no RDLPFP, tendo a decisão recorrida imputado aos Recorrentes a violação dos artigos 3º, 5° n.° 1, 12.°, 14.° 18.° n.° 1, 19.° n.° 1 al. a) e 25.° da Lei dos Treinadores.
C. Acontece que o RDLPFP não se encontra legalmente credenciado para tipificar e sancionar violações aos artigos 3.°, 5.° n.° 1,12.°, 14.° 18.° n.° 1,19.° n.° 1 al. a) e 25.° da Lei dos Treinadores, pois que as transgressões a estes preceitos não são reconduzíveis a normas da competição — que nem foram sequer identificadas na decisão recorrida — nem são susceptíveis de integrar o conceito de ética desportiva: bem pelo contrário, trata-se de normas reguladoras do exercício de uma actividade profissional.
D. Por outro lado, além de o RDLPFP não identificar a Lei dos Treinadores como lei habilitante, ressalta com evidência que os artigos 25.° e 26.° da Lei dos Treinadores veda, pela negativa, a possibilidade de qualquer federação desportiva sancionar os comportamentos assacados aos Recorrentes.
E. Nessa medida, uma vez que o RDLPFP actualmente em vigor não se encontra legalmente habilitado para tipificar e sancionar as condutas imputadas aos Recorrentes, a decisão recorrida deve revogada, sob pena de violação grosseira do artigo 112.° n.os 5 e 7 da CRP.
F. Sem prescindir, o facto de o Conselho de Disciplina da FPF, ainda antes de ter sido deduzida a acusação, ter identificado nos documentos que compõem os autos do procedimento administrativo (cfr. documento n.° 2 junto com o pedido de arbitragem) o Recorrente T........ como treinador-adjunto encerra uma clara violação do princípio da presunção de inocência dos Recorrentes, pelo que a decisão recorrida, também por este motivo, deve ser revogada, sob pena de se incorrer em violação dos artigos 20.° n.° 4, 32.° n.os 2 e 10, 269.° n.° 3 da CRP, bem como do artigo 6.° da CEDH.
G. Sem prescindir, por não fundamentar devidamente a sua decisão de facto, a decisão recorrida revela-se contrária aos artigos 205.° n.° 1 da CRP, 607.° n.° 4 do CPC, 94.° n.° 3 do CPTA e 127.° do CPP, devendo ser anulada, sob pena de violação do artigo 20.° da CRP.
H. Sem prescindir, a leitura perfunctória da matéria de facto elencada nos pontos 7, 8, 9, 10, 11, 12 e 13 da decisão recorrida permite constatar que a mesma se reveste de natureza jurídico-conclusiva, devendo ser completamente excisada da decisão de facto, o que, a final, deverá determinar a revogação da decisão recorrida.
I. Sem prescindir, tanto a decisão recorrida como os elementos de prova constantes dos autos não revelam um qualquer comportamento dos Recorrentes susceptível de constituir violação dos artigos 3.°, 5.° n.° 1, 12.°, 14° 18.° n.° 1,19.° n.° 1 al. a) e 25.° da Lei dos Treinadores nem sequer de qualquer outra norma regulamentar.
J. O exercício da actividade profissional de treinador de desporto, tal qual definida na Lei dos Treinadores, nada tem que ver com as figuras regulamentares de “treinador principal” e “treinador-adjunto”, as quais, de resto, não são sequer definidas na regulamentação desportiva.
K. Desse modo, a decisão recorrida incorre em erro grosseiro de julgamento ao punir os Recorrentes por violação de normas consagradas na Lei dos Treinadores com base nos conceitos regulamentares de “treinador principal” e “treinador-adjunto” ou ainda em momentos comerciais extra-regulamentares.
L. Seja como for, os autos do processo demonstram cabalmente que os Recorrentes não violaram qualquer dever legal ou regulamentar, não se encontrando, de todo, preenchidos os pressupostos punitivos estabelecidos nos artigos 17.°, 118.° e 141.° do RDLPFP, pelo que a decisão recorrida deve ser revogada.
M. Sem prescindir, a decisão recorrida padece do vício de nulidade por omissão de pronúncia (artigo 615.° n.° 1 al. d) do CPC) na medida em que o TAD não se pronunciou sobre as questões suscitadas pelos Recorrentes relativamente à condenação da Recorrente S......... SAD nos termos do artigo 118.° do RDLPFP, designadamente no que diz respeito à violação do princípio da igualdade (artigo 13.°, 32.° n.° 10 e 269.° n.° 3 da CRP) e à falta de verificação dos elementos típicos aí estabelecidos.
N. Em todo o caso, não é admissível que, perante comportamentos semelhantes e face à violação das mesmas normas legais, a Recorrente S......... SAD seja condenada na prática de uma infracção disciplinar grave (artigo 118.° do RDLPFP) e os Recorrentes T........ e J........ sejam condenados na prática de uma infracção disciplinar leve (artigo 141° do RDLPFP), o que haverá de ser relevado no sentido de se verificar uma clara violação do princípio da igualdade, determinando a revogação da decisão recorrida no tocante à sanção aplicada à Recorrente S......... SAD.
O. Sem prescindir, mesmo que assim não se venha a entender, é notório que a decisão recorrida não especifica que lesões e graves prejuízos foram, afinal, provocados pela conduta da Recorrente S......... SAD. Nesse sentido, uma vez que a lesão e os prejuízos referidos consistem em elementos tipicamente exigidos pelo artigo 118.° do RDLPFP, também por aqui a decisão disciplinar atinente à condenação da Recorrente S......... SAD deve ser revogada.
P. Nestes termos, nos mais de Direito e com o douto suprimento de V. Exas., deverá o presente recurso ser julgado totalmente procedente, revogando-se a decisão recorrida e absolvendo-se os Recorrentes da prática de qualquer infracção disciplinar.
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A Federação Portuguesa de Futebol apresentou contra-alegações, formulando as seguintes conclusões, que igualmente se transcrevem:

1. O Recurso interposto pelos Recorrentes tem por objeto a decisão arbitral proferida no âmbito do processo n.° 12/2025, que negou provimento ao aí peticionado, confirmando a decisão impugnada proferida pelo Conselho de Disciplina, na íntegra.
2. O TAD, na decisão arbitral recorrida, confirma o acórdão o acórdão proferido pelo Conselho de Disciplina, datado de 11 de fevereiro de 2025, proferido no âmbito do processo disciplinar n.° 24-24/25, pela qual foram os Recorrentes sancionados pela prática de ilícitos disciplinares relacionados com o exercício irregular da atividade de treinador de desporto, em concreto, por violação dos artigos 118.° e 141.° do Regulamento Disciplinar da Liga Portugal ("ROLPFP”).
3. Os Recorrentes T........ e J........ foram condenados em multa de 81.224,00 pela prática da infração disciplinar prevista no artigo 141.° do ROLPFP, por violação dos artigos 3.°, 5.° n.° 1,1L°, 12.°, 14.°, 18.° n.° 1,19.° n.° 1 al. a) e 25.° n.° 1 da Lei 40/2012, de 28 de agosto. Já a Recorrente S......... SAD foi condenada em multa de 812.750,00 pela prática da infração disciplinar prevista no artigo 118.° al. b) do RDLPFP, por violação dos artigos 3.°, 5.° n.° 1,12.°, 14.°, 18.° n.° 1,19.° n.° 1 al. a) e 25.° n.° 2 do mesmo diploma.
4. Os Recorrentes foram sancionados pela circunstância de J........ assumir o comando técnico da equipa principal masculina da S......... SAO quando não tinha habilitações para tal - facto ampla e abertamente discutido em todos os fóruns desportivos nacionais aquando da sua contratação.
5. Quanto à inconstitucionalidade orgânica invocada o CD tem competência disciplinar conferida por Lei, pelo que nenhuma violação de lei ou inconstitucionalidade colhe nesta sede.
6. As exigências de tipicidade se fazem sentir no domínio disciplinar com menor intensidade do que no direito penal, sendo que, tal se pode depreender do Acórdão do Tribunal Constitucional n.° 666/1994, âmbito do processo n.° 307/91, de 14.12.1994, onde se sustenta que “as infrações não têm aí que ser inteiramente tipificadas”.
7. Ainda no plano da jurisprudência constitucional, o Acórdão n.° 332/2019, processo n.° 65/2019,30.05.2019, onde se sustenta que “as garantias do processo sancionatório não têm [no campo disciplinar] o mesmo peso axiológico que têm no âmbito criminal em virtude do diferente alcance ablativo das sanções cominadas e da diferente ressonância social das infrações".
8. Sem prejuízo, não ignoremos que o Artigo 52.° sob a epígrafe “Regulamentos disciplinares” refere que “1 - As federações desportivas devem dispor de regulamentos disciplinares com vista a sancionar a violação das regras de jogo ou da competição, bem como as demais regras desportivas, nomeadamente as relativas à ética desportiva.". Ora bem, o grau de habilitação necessário para que o treinador ocupe o cargo de treinador principal de uma equipa da I Liga é uma regra da competição.
9. Conforme refere, e bem, o TAD, “Em face destas disposições, é por isso manifesto que existe norma habilitante para através do RD serem sancionados comportamentos contrários às regras da competição, como é o caso a utilização de treinadores sem a necessária habilitação ou a dissimulação dessa utilização através da inscrição de situação diferente na ficha de jogo. Trata-se de condutas contrárias às regras da competição, bem como à ética desportiva, na medida em que representam uma perversão do fenómeno desportivo”.
10. Por outro lado, à FPF, em particular ao Conselho de Disciplina, cumpre aplicar as Leis e Regulamentos, em particular para o que nos ocupa, no que às competições profissionais diz respeito.
11. De acordo com o artigo 61.° do RD da LPFP "Em caso algum haverá lugar à suspensão da execução das sanções estabelecidas no presente Regulamento nem, fora dos casos expressamente previstos, à sua substituição por sanções de outra espécie ou medida.” Neste seguimento, não cabe à FPF desaplicar qualquer norma regulamentar com fundamento na sua inconstitucionalidade, conforme é entendimento maioritário na doutrina e jurisprudência.
12. O que os Recorrentes reputam como inconstitucional muito dificilmente pode ser entendido como uma violação manifesta e flagrante da Constituição. Em todo o caso, sempre se dirá que as normas, tal como se encontram redigidas, não implicam de forma flagrante e imediata a violação da Constituição da República Portuguesa, pelo que não poderia, mesmo com apoio na doutrina que (minoritariamente) o defende, o Conselho de Disciplina, sem mais, desaplicar as normas em causa.
13. No que diz respeito à alegada preterição dos direitos de defesa do Recorrente T........, andou, igualmente, bem o TAD porquanto as notificações encontram-se regularmente efetuadas.
14. Na data dos factos dos autos, o quadro técnico da S......... SAD, era composto, nomeadamente, por T........, com habilitação de UEFA PRO (Grau IV), com quem a S......... celebrou contrato de trabalho em 11.11.2024, nos termos do qual aquele se obrigou a, ao serviço da S........., prestar as funções de treinador principal da equipa principal de futebol profissional sénior [equipa A] da S......... (cfr. fls. 314 e documentos a fls. 315], e por J........, com habilitação UEFA A (Grau II), com quem a S......... celebrou contrato de trabalho em 11.11.2024, nos termos do qual aquele se obrigou a, ao serviço da S........., prestar as funções de treinador-adjunto da equipa principal de futebol profissional sénior (equipa A) da S..........
15. Pese embora o registo e inscrição na Liga Portugal do quadro técnico supramencionado, no dia 11.11.2024 a S........., Futebol, SAD, na pessoa do seu Presidente do Conselho de Administração, F........., apresentou, em conferência de imprensa, o Recorrente J........, possuidor do Grau II, não como treinador-adjunto, mas como treinador principal da equipa principal de futebol profissional sénior da S..........
16. Esta conferência de imprensa foi amplamente divulgada, assim como na comunicação social a contratação do treinador J........, ora Recorrente, como treinador principal da S........., facto que nunca foi desmentido nem pela S........., SAD, nem pelo próprio.
17. Foi o Recorrente J........ quem exerceu as funções de treinador principal da equipa A da S........., apesar de formalmente inscrito na Liga Portugal e nas fichas técnicas dos jogos supra como treinador adjunto, qualidade, esta, em que sempre se apresenta(ou) e interage(iu) com esta Liga e respetivos colaboradores, e era T........ quem exerceu as funções de treinador-adjunto da equipa A da S........., apesar de formalmente inscrito na Liga Portugal e nas fichas técnicas dos jogos supra como treinador principal, qualidade, esta, em que sempre se apresenta(ou) e interage(iu) com esta Liga e respetivos colaboradores.
18. Era por todos os Recorrentes - e, aliás, pelo público em geral - assumido que J........ era o treinador da S......... a quem esta confiava o comando técnico da respetiva equipa profissional masculina da S........., que este vinha assumindo, liderando e representando publicamente a equipa técnica, como também é notório e reconhecido pelos órgãos de comunicação social.
19. Quer isto dizer que a realidade tal como foi vivida pela equipa e pelos próprios Recorrentes treinadores é a imputada na decisão impugnada: o Treinador J........ era quem desempenhava materialmente a função de treinador principal dado não ter o grau/certificação UEFA para desempenhar tais funções, que apenas o Treinador T........ possui e que formalmente assumiu, mas materialmente não desempenhou, permitindo que seja aquele a fazê-lo tal como foi desde sempre vontade de todos.
20. Tendo havido, e havendo, este conhecimento e vontade de dissimular, contrariando os dispositivos normativos vigentes, atuaram todos os Recorrentes com dolo direto e intenso.
21. Ou seja, os Recorrentes treinadores praticaram, com vista à [formal] simulação de suas qualidades de treinador adjunto e treinador principal, respetivamente, da equipa da S........., SAD, no âmbito das competições organizadas pela Liga, cada um, uma infração p.p. pelo artigo 141.°, ex vi 168.°, n.° 1, por violação dos deveres e dos princípios previstos no artigo 19.°, n.° 1, todos do RD, e com referência ao disposto nos artigos 3.°, 5.°, n.° 1, 12.°, 14.°, 18.°, n.° 1,19.°, n.° 1, al. a), 25.°, n.° 1, da Lei n.° 40/2012, de 28.08, na redação conferida pela Lei n.° 106/2019, de 06.09.
22. Já a S........., SAD é sancionada pelo facto de ter tido no comando técnico da sua equipa de futebol profissional alguém que, nos termos legais e regulamentares - concretamente, da articulação conjugada dos artigos 18.°, n.° 1,19.°, n.° 1, al. c), 25.°, n.° 2, da Lei n.° 40/2012, de 28.08, na redação conferida pela Lei n.° 106/2019, de 06.09, e do artigo 82.°, n.° 1, al. a) do RCLPFP - não estava habilitado para o efeito.
23. Assim, quando a S........., SAD se pré-determinou a inscrever J........ como treinador-adjunto, quando na realidade bem sabia que era este quem ia desempenhar, de facto, as funções de treinador principal, mais o apresentando publicamente como tal, e permitindo que o mesmo se comportasse reiteradamente como tal, cometeu o ilícito disciplinar pelo qual foi sancionada.
24. Em suma, deve ser negado provimento ao recurso, demonstrando-se o acerto da decisão arbitral recorrida.
Nestes termos e nos mais de Direito aplicáveis, deve ser negado provimento ao Recurso Jurisdicional e, consequentemente, ser mantido o Acórdão Arbitral recorrido, ASSIM SE FAZENDO O QUE É DE LEI E DE JUSTIÇA.
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Notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 146.º/1 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, o Ministério Público emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.


II
Sabendo-se que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões do apelante, as questões que se encontram submetidas à apreciação deste tribunal de apelação consistem em determinar:

a) Se o acórdão recorrido é nulo, por omissão de pronúncia;
b) Se o julgamento da matéria de facto não se mostra fundamentado;
c) Se existe erro de julgamento da matéria de facto;
d) Se existe erro de julgamento na apreciação das seguintes questões:

i) O Regulamento Disciplinar não se encontra legalmente credenciado para sancionar a violação da Lei dos Treinadores?
ii) Foi violado o princípio da presunção de inocência?
iii) Não foi violado nenhum dever legal ou regulamentar?
iv) Não estão preenchidos os pressupostos do artigo 118.º/b) do Regulamento Disciplinar?


III
O acórdão recorrido deu como provados os seguintes factos:

1.º - A Arguida S........., SAD (doravante, S.........), participa, na presente época desportiva (2024/25), na Liga Portugal B..........
2.º - Realizaram-se:
i. No dia 30.11.2024 o jogo oficialmente disputado entre a S........., SAD, e a S........., SAD, a contar para 12.ª jornada da Liga Portugal B.........;
ii. No dia 05.12.2024 o jogo oficialmente disputado entre a M........., SAD, e a S........., SAD, a contar para a 13.ª jornada da Liga Portugal B.........;
iii. No dia 14.12.2024 o jogo oficialmente disputado entre a S........., SAD, e a B........., SAD, a contar para a 14.ª jornada da Liga Portugal B.........; e
iv. No dia 22.12.2024 o jogo oficialmente disputado entre a G........., SAD, e a S........., SAD, a contar para a 15.ª jornada da Liga Portugal B..........
3.º - Na data supra, o quadro técnico da S........., era composto, nomeadamente, pelo Demandante T........, com habilitação de UEFA PRO (Grau IV), com quem a S......... celebrou contrato de trabalho em 11.11.2024, nos termos do qual aquele se obrigou a, ao serviço da S........., prestar as funções de treinador principal da equipa principal de futebol profissional sénior (equipa A) da S......... (cfr. fls. 314 e documentos a fls. 315), e pelo Demandante J........, com habilitação UEFA A (Grau II), com quem a S......... celebrou contrato de trabalho em 11.11.2024, nos termos do qual aquele se obrigou a, ao serviço da S........., prestar as funções de treinador-adjunto da equipa principal de futebol profissional sénior (equipa A) da S..........
4.º - Pese embora o registo e inscrição na Liga Portugal do quadro técnico supramencionado, no dia 11.11.2024 a S........., Futebol, SAD, na pessoa do seu Presidente do Conselho de Administração, F........., apresentou, em conferência de imprensa, o treinador J........, possuidor do Grau II, não como treinador-adjunto, mas como treinador principal da equipa principal de futebol profissional sénior da S..........
5.º - Foi amplamente divulgada na comunicação social a contratação do treinador J........, como treinador principal da S........., facto que nunca foi desmentido nem pela S........., SAD, nem por J.........
6.º - Foi, ainda, o treinador J........ quem, em representação da Demandante S........., compareceu às conferências de imprensa de antevisão e de final do jogo, respondendo às questões que lhe são formuladas pela comunicação social.
7.º - Foi J........ quem exerceu as funções de treinador principal da equipa A da S........., apesar de formalmente inscrito na Liga Portugal e nas fichas técnicas dos jogos supra como treinador adjunto, qualidade, esta, em que sempre se apresentou e interagiu com esta Liga e respectivos colaboradores, e é T........ quem exerce as funções de treinador-adjunto da equipa A da S........., apesar de formalmente inscrito na Liga Portugal e nas fichas técnicas dos jogos supra como treinador principal, qualidade, esta, em que sempre se apresentou e interagiu com esta Liga e respectivos colaboradores,
8.º - desconformidade, esta, de que todos os arguidos são conhecedores, no sentido da qual compactuaram e quiseram dissimular.
9.º - Nomeadamente, era J........ [até ser despedido e substituído no cargo pelo treinador R......... conforme é público e notório] o treinador da S......... a quem esta confiava o comando técnico da respectiva equipa profissional da S........., que este vinha assumindo, liderando e representando publicamente a equipa técnica, como também é notório e reconhecido pelos órgãos de comunicação social e pelo público em geral.
10.º - Assim, na data dos jogos objecto dos autos, J........ e T........ interagiam e eram percebidos pelos jogadores que integram a equipa A da S........., bem como pelos órgãos de comunicação social e pelo público em geral, respectivamente, como treinador principal e treinador-adjunto.
11.º - O Arguido T........ permitiu que o treinador-adjunto J........ assumisse, de facto, as funções de treinador principal, sabendo que este não tinha essa qualificação profissional, pois esta qualificação lhe pertencia, com esta conivência, causou o Arguido T........ lesão dos princípios da ética desportiva, da verdade desportiva e grave prejuízo para a imagem e o bom nome das referidas competições.
12.º - O Arguido J........ assumiu, de facto, as funções de treinador principal, não tendo essa qualificação profissional, pois esta qualificação pertencia ao Arguido T......... Ao exercer de facto as funções de treinador principal, não estando legalmente habilitado, face ao suprarreferido, causou o Arguido lesão dos princípios da ética desportiva, da verdade desportiva e grave prejuízo para a imagem e o bom nome das referidas competições.
13.º - Da referida atuação resulta, em especial pela circunstância de a Arguida S......... não se coibir de apresentar publicamente como seu treinador principal pessoa que bem sabe não ter as necessárias qualificações e de permitir que o Arguido J........ assumisse permanentemente essas funções nas interações com a comunicação social, grave lesão dos princípios da ética desportiva e, bem assim, grave prejuízo para a imagem e bom nome das competições de futebol.
14.º - Os arguidos agiram livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que o seu comportamento era disciplinarmente punível.
15.º - A Arguida S........., SAD, apresenta os antecedentes disciplinares de fls. 275-313.
16.º - Arguido J........ apresenta os antecedentes disciplinares de fls. 273 e o Arguido T........ não tem antecedentes disciplinares (fls. 274).


IV
Da alegada nulidade do acórdão arbitral por omissão de pronúncia

1. Segundo os Recorrentes «a decisão recorrida padece do vício de nulidade por omissão de pronúncia (artigo 615.° n.° 1 al. d) do CPC) na medida em que o TAD não se pronunciou sobre as questões suscitadas pelos Recorrentes relativamente à condenação da Recorrente S......... SAD nos termos do artigo 118.° do RDLPFP, designadamente no que diz respeito à violação do princípio da igualdade (artigo 13.°, 32.° n.° 10 e 269.° n.° 3 da CRP) e à falta de verificação dos elementos típicos aí estabelecidos».

2. Relativamente à segunda das questões, julga-se que assim não é, como resulta das páginas 23 e 26 a 33 do acórdão recorrido.

3. Já no que se refere à primeira das referidas questões assiste razão aos Recorrentes. O acórdão arbitral não a apreciou. É certo que na pronúncia a que se refere o artigo 145.º/1 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos o Senhor Presidente do Colégio Arbitral considerou que «o Tribunal Arbitral tomou expressa posição sobre a culpabilidade da recorrente S......... SAD e sobre os factos por esta praticados que enquadrou no art. 118° RDLPFP, não tendo existido qualquer omissão de pronúncia. Tal prejudica qualquer conhecimento de outras questões, designadamente a violação do princípio da igualdade (…)». No entanto, o artigo 95.º/3 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos não admite essa conclusão, na medida em que estabelece que «[n]os processos impugnatórios, o tribunal deve pronunciar-se sobre todas as causas de invalidade que tenham sido invocadas contra o ato impugnado».

4. Constata-se, portanto, que tal questão não foi apreciada, o que, nessa parte, torna nulo o acórdão recorrido, nos termos do artigo 615.º/1/d) do Código de Processo Civil.

5. De acordo com o disposto no artigo 149.º/1 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, «[a]inda que declare nula a sentença, o tribunal de recurso não deixa de decidir o objecto da causa, conhecendo do facto e do direito». O que adiante se fará.


Da matéria de facto – falta de fundamentação e impugnação

6. De acordo com o disposto no artigo 412.º/1 do Código de Processo Civil, «[n]ão carecem de prova nem de alegação os factos notórios, devendo considerar-se como tais os factos que são do conhecimento geral». Releva, portanto, a noção de factos notórios que daqui se extrai: factos que são do conhecimento geral.

7. Discorrendo sobre o conceito, Alberto dos Reis evidenciava o facto de a lei ter acolhido a tese de que na base do facto notório está a ideia do conhecimento, não bastando, no entanto, um qualquer conhecimento, sendo antes «indispensável um conhecimento de tal modo extenso, isto é, elevado a tal grau de difusão, que o facto apareça, por assim dizer, revestido do carácter de certeza» (in Código de Processo Civil Anotado, vol. III, pp. 259/260).

8. O problema situa-se, no entanto, na identificação desse grau de difusão. O indicador da lei é o de que esse conhecimento terá de ser geral. O que significa que «[n]ão pode exigir-se que o facto seja conhecido pela totalidade absoluta dos cidadãos dum país ou duma região; basta que o seja pela grande generalidade, pelos homens a que chegam os meios normais de informação (homens de cultura média, segundo a fórmula de Betu e Allorio)» (idem, p. 261) Será geral o «conhecimento por parte da grande maioria dos cidadãos do País, ou antes, por parte da massa de portugueses que possam considerar-se regularmente informados, isto é, acessíveis aos meios normais de informação» (loc. cit.).

9. Ora, como se sabe, o futebol é o principal desporto em Portugal. Existem atualmente diversos jornais desportivos nacionais diários, cujo relevo principal é dado, naturalmente, ao futebol. São igualmente diversos os canais de televisão de natureza informativa em cuja programação assume realce o futebol. Várias plataformas digitais divulgam, sem custos, informação diária, de acesso generalizado, tendo o futebol, nesse âmbito, papel de relevo. Essas plataformas digitais divulgam igualmente, e diariamente, as primeiras páginas dos jornais, ocupadas, muitas vezes, com notícias relativas ao futebol (os generalistas) e quase integralmente dedicadas a essa modalidade, quanto aos desportivos. Trata-se, de resto, de um fenómeno – difusão massiva de informação – que já levou à afirmação de que os factos notórios são uma «categoria conceitual em expansão» (Luigi Comoglio, citado por Maria José Capelo, in Os factos notórios e a prova dos danos não patrimoniais, Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 143.º, n.º 3985, p. 297).

10. Ora, qualquer observador do panorama informativo sabe que as notícias relativas ao futebol se reconduzem, em regra, aos designados três grandes, F........., S......... e S......... e B..........

11. Portanto, quando se evidencia a amplitude da divulgação informativa das notícias relativas ao mundo do futebol está a significar-se, apenas, a informação relativa aos três grandes. E nesse âmbito a identificação dos respetivos treinadores é do conhecimento geral. Treinadores principais, note-se.

12. E esse será um juízo conclusivo que o cidadão comum fará em função de elementos que poderá nem saber identificar. Não sabe se em resultado de ter assistido ao evento da sua apresentação, se em resultado de o ter visto nos respetivos jogos a dar instruções aos jogadores, se por força de ser o seu nome o referido na imprensa, a par de outras fontes do seu conhecimento. O que importa é que – e em resultado de diversas fontes – sabe identificar os treinadores do F........., do S......... e do S......... e B..........

13. Naturalmente que essa capacidade genérica de identificação está reservada aos treinadores principais. É a eles que a terminologia simplificada de treinador se reporta. Se o adepto apela ao despedimento do treinador, é ao principal que se refere. Se o órgão de comunicação social revela que já está encontrado o nome do novo treinador, sabemos que se trata do principal.

14. Portanto, são do conhecimento geral os nomes dos treinadores principais do F........., do S......... e do S.........e B.......... Ou seja, correspondem a factos notórios, tendo em conta o conceito que nos é dado pelo artigo 412.º/1 do Código de Processo Civil.

15. Esclareça-se, adicionalmente, e novamente acompanhando Maria José Capelo (ob. cit., p. 299), que «a “recondução” do facto notório à cultura geral de uma sociedade, historicamente determinada, não é incompatível com a possibilidade de ser desconhecido de uma das partes ou até do juiz. A possibilidade de colmatar facilmente esta “ignorância”, através de meios acessíveis ao comum das pessoas (ex: internet), não o descaracteriza ou impede que seja utilizado num processo». Na linha, aliás, do autor que invoca (Emilio Betti, Dirito Processuale Civile Italiano, 2.ª ed., Roma, 1936, pp. 318 e 319), para quem «os factos notórios fazem parte de uma cultura geral que o juiz já possui ou é susceptível de ser adquirida mediante uma fácil e segura indagação», ideia reiterada por Castro Mendes (Do Conceito de Prova em Processo Civil, Edições Ática, pp. 635 a 638). É exatamente o caso.

16. Aliás, não deixa de ser impressivo o facto de estarmos no âmbito da justiça desportiva. Ou seja, os factos em causa, sendo conhecidos do público em geral, mais conhecidos são do público a que respeita. Naturalmente que com isto não estamos a tornar prestável, no nosso direito, uma noção como a que nos é dada por Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery (in Código de Processo Civil Comentado, 12.ª ed., Editora Revista dos Tribunais), que têm o facto notório como aquele facto de «conhecimento pleno pelo grupo social onde ele ocorreu ou desperta interesse, no tempo e no lugar onde o processo tramita e para cujo deslinde sua existência tem relevância». Trata-se de uma construção efetuada a partir de uma norma (artigo 334.º do Código de Processo Civil brasileiro vigente até 2015) não coincidente com a nossa.

17. De resto, a fórmula que ainda hoje se mantém na nossa lei processual civil surgiu na sequência de um projeto – rejeitado – no âmbito do qual se dizia que «devem considerar-se notórios os factos que são do conhecimento geral, pelo menos na circunscrição judicial em que a causa corre». Compreende-se, evidentemente, e aplaude-se a segurança processual conferida pela eliminação do trecho final. No entanto, e como se disse, o âmbito da jurisdição do pleito não pode deixar de suscitar – à luz de todo o enquadramento dado – um reforço dessa segurança no caso concreto, relativamente aos factos em causa.

18. De resto, já Vaz Serra (in Provas (Direito Probatório Material), Boletim do Ministério da Justiça, n.° 110, p. 88) referia o seguinte: «(…) bem dizia o art.° 456.° do Projecto do Código de Processo Civil que devem considerar-se notórios os factos que são do conhecimento geral, “pelo menos na circunscrição judicial em que a causa corre”. Embora estas palavras tenham sido suprimidas (por se ter observado poder o juiz ignorar se os factos são notórios, porque está há pouco tempo na comarca ou porque a causa é julgada em tribunal colectivo e ele não conhece, como adjunto, o que é notório na comarca onde o processo corre), não pode esta supressão eliminar a circunstância de que, se o facto for notório na circunscrição judicial em que a causa corre, se verifica a razão de ser da disposição do art.° 518.°. Caso o juiz ignore se os factos são notórios, não lhe será difícil informar-se, dada a notoriedade deles. E nem será, em rigor, necessário que o facto seja notório na região onde a causa é julgada, pois o que importa é que ele seja notório na esfera social que compreenda as partes e o juiz».

19. Nada do que vem dito vale, evidentemente, quanto aos treinadores-adjuntos. A identificação dos treinadores-adjuntos dos referidos clubes não consubstancia, em abstrato, facto notório. No entanto, importa ter em conta o contexto do presente processo. Os Recorrentes J........ e T........ estão nos autos em posição relacional. Um é treinador principal, outro o adjunto. Ora, se é facto notório que o Recorrente J........ era o treinador principal da S......... – Futebol, SAD (adiante, S........., SAD), terá de assumir a mesma natureza - no contexto dos presentes autos – a qualidade de treinador-adjunto por parte do Recorrente T.........

20. Compreende-se, portanto, e genericamente, a afirmação do acórdão arbitral nos termos da qual «[n]este contexto, os factos 1 a 14 além de serem públicos e notórios, resultam dos documentos constantes do processo disciplinar», o qual já tinha referido no parágrafo imediatamente anterior que «as partes não colocaram em crise a prova já produzida no âmbito do processo disciplinar».

21. E assim é. O que efetivamente está em causa é a qualidade real (principal e adjunto) de cada um dos treinadores aqui Recorrentes. É nesse âmbito que se situava a oposição dos ora Recorrentes. É por isso que se aceita a formulação genérica do acórdão recorrido. O contexto processual - em que são elementos essenciais a prova do processo disciplinar e a posição que, perante ela, foi adotada pelos ora Recorrentes no Tribunal Arbitral do Desporto – não permitirá rejeitar o nível de fundamentação apresentado no caso concreto, não obstante aquém do que, em geral, se mostraria exigível.

22. Terá, pois, de improceder a alegada falta de fundamentação do referido acórdão, bem como a impugnação da matéria de facto, exceto no seguinte: relativamente ao facto 8.º, alegam os Recorrentes que «os conceitos “desconformidade”, "compactuaram” e “dissimular”, por surgirem desligados de qualquer concretização fáctica susceptível de os preencher, assumem natureza jurídico-conclusiva, sendo insusceptíveis de serem elencados na matéria de facto».

23. Ao contrário do que é alegado, considera-se que tais conceitos não se mostram desligados das respetivas concretizações fácticas. No entanto, elimina-se o facto 8.º por força da natureza conclusiva de que se reveste.

24. Pala mesma ordem de razões se elimina o facto 13.º. Saber se a conduta dos Recorrentes determina «grave lesão dos princípios da ética desportiva e, bem assim, grave prejuízo para a imagem e bom nome das competições de futebol» é matéria jurídico-conclusiva.


Da alegada falta de credenciação legal do Regulamento Disciplinar para sancionar a violação da Lei dos Treinadores

25. Por acórdão de 11.2.2025 a Secção Disciplinar do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol decidiu «sancionar os arguidos J........ e T........ pela prática, cada um, da infração disciplinar p. e p. pelo artigo 141.º, ex vi 168.º n.º 1, por violação dos deveres e dos princípios previstos no artigo 19.º, n.º 1, todos do RDLPFP, com referência ao disposto nos artigos 3.º, 5.º, n.º 1, 11.º, 12.º, 14.º, 18.º, n.º 1, 19.º, n.º 1, al. a), 25.º, n.º 1, da Lei n.º 40/2012, de 28.08, na redação conferida pela Lei n.º 106/2019, de 06.09, por força da atenuação em função do bom comportamento anterior, se fixa em 12 (doze) UC, já com a atenuante calculada (16UC-1/4)=16-4), correspondendo ao valor de 1.224,00€ (mil duzentos e vinte e quatro euros), por aplicação do fator de ponderação de 1 (um), previsto nos termos do artigo 36.º, n.º 2 do RDLPFP».

26. Mais decidiu, «pela prática de uma infração disciplinar p. e p. pelo artigo 118.º, alínea b) do RDLPFP, por violação dos deveres e dos Princípios previstos no artigo 19.º, n.º 1, todos do RD, e com referência ao disposto nos artigos 3.º, 5.º n.º 1, 12.º, 14.º, 18.º n.º 1, 19.º n.º 1, alínea a), 25.º n.º 2, da Lei n.º 40/2012, de 28.08, na redação conferida pela Lei n.º 106/2019, de 06.09, aplicar à SAD Arguida [S......... – Futebol, SAD] a sanção concreta de multa de 125 (cento e vinte e cinco) UC, já com a agravante da reincidência calculada (100 UC + %) = 100 + 25), a que corresponde, por aplicação do fator de ponderação de 1 (um) 0,4 (zero, ponto quatro - escalão 5), previsto nos termos do artigo 36.9, n.º 2 do RDLPFP e da tabela aí prevista, ao valor de 12.750,00€ (doze mil setecentos e cinquenta euros)».

27. De acordo com os Recorrentes, o Regulamento Disciplinar das Competições Organizadas pela Liga Portugal (adiante, Regulamento Disciplinar) e o Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol sancionaram comportamentos violadores da Lei n.º 40/2012, de 28 de agosto, que estabelece o regime de acesso e exercício da atividade de treinador de desporto (adiante, Lei dos Treinadores), na medida em que tal não cai no âmbito da habilitação conferida pelo artigo 29.º/2 do Regime Jurídico das Federações Desportivas aprovado pelo Decreto-Lei n.º 248-B/2008, de 31 de Dezembro, nos termos do qual «[a] liga profissional elabora e aprova igualmente os respectivos regulamentos de arbitragem e disciplina”.

28. Julga-se, no entanto, que não lhes assistirá razão. O artigo 19.º do Regulamento Disciplinar – que a deliberação punitiva considerou ter sido violado - estabelece que «[a]s pessoas e entidades sujeitas à observância das normas previstas neste Regulamento devem manter conduta conforme aos princípios desportivos de lealdade, probidade, verdade e retidão em tudo o que diga respeito às relações de natureza desportiva, económica ou social» (n.º 1), sendo que «[a]os sujeitos referidos no número anterior é proibido (…) adotar comportamento antidesportivos contrários aos valores da verdade, da lealdade e da correção, suscetíveis de alterar de forma fraudulenta uma competição desportiva ou o respetivo resultado» [n.º 2/a)].

29. Ora, o comportamento imputado aos Recorrentes é a antítese do que ali se exige, tendo em conta – como se disse na deliberação punitiva – que os Recorrentes treinadores procederam «à (formal) simulação das suas qualidades de treinador adjunto e treinador principal»

30. Vejamos, agora, a situação da Recorrente S........., SAD. Pode ler-se na decisão punitiva, nomeadamente, o seguinte:

«(…) quando a S........., SAD se pré-determinou a inscrever o Arguido J........ como treinador-adjunto, quando na realidade bem sabia que era este quem ia desempenhar, de facto, as funções de treinador principal, mais o apresentando publicamente como tal, e permitindo que o mesmo se comportasse reiteradamente como tal, cometeu o ilícito disciplinar pelo qual vem acusada.
90. Nenhuma dúvida subsiste que a Arguida S........., SAD ao ter colocado no comando técnico da equipa de futebol profissional que disputa a I Liga, treinador que não dispunha de TPTD Futebol - Grau IV, agiu com dolo direto, ou seja, prefigurou ou representou as circunstâncias do facto (momento intelectual) e dirigiu a vontade à sua realização (momento volitivo), lesando os princípios da ética desportiva, da verdade desportiva e grave prejuízo para a imagem e o bom nome das referidas competições.
(…)
92. Arguido J........, que ao tempo da sua contratação pela S........., SAD, era titular de licença com habilitação UEFA A, equivalente, em Portugal, ao Grau II do percurso nacional de formação estabelecido pela Lei n.º 40/2012, de 28 de agosto, não tinha habilitações para assumir a orientação técnica, ou para ser treinador principal da equipa de futebol profissional daquela SAD, que disputa a Liga B.......... E desde a sua contratação enquanto treinador -11.11.2024 -, o Arguido J........ assumiu a orientação técnica com caráter de principal. Pouco importa que no contrato de trabalho que celebraram o Arguido se tenha comprometido a exercer as funções de treinador-adjunto da equipa da S........., SAD, já que o que interessa são as funções efetivamente exercidas por aquele ao serviço desta SAD e são elas que revelam que nos jogos em apreço nestes autos, o Arguido J........ foi contratado para o desempenho de funções ou para o exercício real/material da atividade de treinador (principal) sem possuir título de desporto compatível, o que bem sabendo e querendo mesmo assim agir, atuou com dolo direto e intenso».

31. Como a referida decisão punitiva já havia lembrado, o Regulamento das Competições Organizadas pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional estabelece, no seu artigo 82.º, o seguinte:

«1. Cada um dos clubes participantes nas competições profissionais deve proceder à inscrição e registo de um quadro técnico composto, no mínimo, por dois treinadores, os quais devem possuir as seguintes habilitações mínimas ou respetivas equivalências estabelecidas nos termos do Regulamento de Formação de treinadores de futebol da FPF:

a) clubes participantes na Liga NOS:
i. treinador principal: habilitação UEFA-Professional (Grau IV), sendo que para este efeito bastará que o treinador principal esteja a frequentar o curso para obtenção do grau exigido, devidamente comprovado por declaração emitida pela FPF e, no máximo, por seis meses;
ii. treinador adjunto: habilitação UEFA-Basic (Grau II);
(…)».

32. Ora, se a Recorrente S........., SAD, inscreve treinadores atribuindo-lhes formalmente funções que sabe não serem as correspondentes às reais, de modo a contornar as regras da competição, é manifesto que – e utilizando as palavras do artigo 19.º/1 do Regulamento Disciplinar – não manteve «conduta conforme aos princípios desportivos de lealdade, probidade, verdade e retidão em tudo o que diga respeito às relações de natureza desportiva».

33. E é essa vertente da conduta – a violação de princípios básicos da competição, nos termos referidos – que foi punida. Não a violação da Lei dos Treinadores, independentemente das conexões com ela estabelecidas na deliberação punitiva. Não está em causa, portanto, a invocada questão de «o RDLPFP não pode[r] tipificar nem sancionar a violação dos artigos 3.°, 5.°, 12.°, 14.°, 18.°, 19.° e 25.° da Lei dos Treinadores», como alegaram os Recorrentes.

34. De resto, já o acórdão arbitral havia concluído que a procura de norma habilitante teria de ser feita não em função da pretensa violação da Lei dos Treinadores, mas sim para o sancionamento de «comportamentos contrários às regras da competição, como é o caso da utilização de treinadores sem a necessária habilitação ou a dissimulação dessa utilização através da inscrição de situação diferente na ficha de jogo. Trata-se de condutas contrárias às regras da competição, bem como à ética desportiva, na medida em que representam uma perversão do fenómeno desportivo».


Da alegada violação do direito à presunção de inocência

35. Mais vem alegado ser «verdadeiramente inadmissível e censurável que o Conselho de Disciplina da FPF, ainda antes de deduzida a acusação, identifique o Recorrente T........ como treinador-adjunto, comprometendo de uma assentada e ab initio o desfecho do processo disciplinar», «[s]obretudo, considerando que o Recorrente T........ celebrou um contrato de trabalho com a Recorrente S......... SAD para exercer as funções de treinador principal e foi inscrito na LPFP e na ficha técnica de todos os jogos nessa mesmíssima qualidade, sem qualquer reparo ou observação a esse respeito por parte da FPF, da LPFP, dos delegados da LPFP e dos elementos da equipa de arbitragem». Conclui, portanto, que se trata «de um caso patente de presunção de culpa que afecta irremediavelmente a validade de todo o processo disciplinar e, bem assim, da decisão recorrida», conducente à «nulidade de todo o processo disciplinar e da própria decisão recorrida por violação do princípio da presunção de inocência e dos direitos de defesa constitucionalmente garantidos aos Recorrentes por via dos artigos 32.° n.° 2 e 10 e 269.° n.° 3 da CRP, bem como do seu direito a um processo justo e equitativo nos termos do artigo 20.° n.° 4 da CRP e do artigo 6.° da Convenção Europeia dos Direitos Humanos (“CEDH”)».

36. Sucede, no entanto, que nada consta da matéria de facto que possa suportar tal alegação, pelo que terá de improceder o presente fundamento do recurso.


Da alegada inexistência da violação de qualquer dever

37. Defendem os Recorrentes que não violaram qualquer dever legal ou regulamentar. Tal afirmação assenta, desde logo, na ideia de «os Recorrentes não violaram a Lei dos Treinadores». Não é isso que está em causa, mas sim o que já se expôs no §§ 25 a 34.

38. No entanto, também alegam que «os Recorrentes não violaram as normas do RCLPFP relativas aos treinadores principais e adjuntos». Nessa linha os Recorrentes, partindo da constatação de que o Regulamento das Competições não concretiza o significado da expressão treinador principal, utiliza-a em várias normas que vinculam os agentes desportivos ao cumprimento de determinados deveres. E elenca-os, para concluir que, «uma vez que a Lei dos Treinadores não contempla os conceitos de “treinador principal” e “treinador-adjunto”, a questão de saber se um treinador exerceu ou não as funções de treinador principal apenas pode ser aferida em face destes deveres», sendo a resposta, no caso concreto, «claramente negativa».

39. Não está em causa o cumprimento deste ou daquele dever. Está em causa, sim, a assunção de uma determinada qualidade: a de treinador principal ou a de treinador-adjunto. A qualidade efetiva, não a que formalmente foi estabelecida. E essa qualidade – a manifestada publicamente e que conduziu à qualificação de factos notórios – é-nos dada por qualquer dicionário da língua portuguesa.

40. Portanto, o treinador principal, independentemente de saber quais serão os seus concretos direitos e deveres legais e regulamentares, será o líder técnico da equipa, a figura máxima do comando da equipa, quem decide e que por isso mesmo é responsável pelos resultados obtidos. É precisamente por isso que o adepto exige que, após um mau resultado, as explicações – nomeadamente numa conferência de imprensa – sejam dadas por ele e não pelo treinador-adjunto. É ele o rosto do corpo técnico. Isto, evidentemente, num quadro de normalidade. Nas situações – como a dos autos - em que a realidade não coincide com a situação formalmente declarada são diversas as entorses que se registarão.

41. Sendo aquele o treinador principal, o treinador-adjunto será, naturalmente, o n.º 2, o seu braço direito. Quem o apoia nas principais decisões, nomeadamente de ordem tática e técnica, quem executa diversas das decisões daquele, entre outras funções, sempre subordinadas à direção máxima do treinador principal.

42. Perguntam os Recorrentes, a dado passo: «Por que razão não poderia o Recorrente T........ optar por apenas participar em entrevistas e conferências de imprensa nos casos em que essa participação correspondesse a um dever imposto ao treinador principal? Por que razão não poderia o Recorrente J........, enquanto pessoa e treinador, participar em entrevistas e conferências de imprensa nos casos em que essa participação não era reservada ao treinador principal?».

43. Poderiam, evidentemente, tomar qualquer uma dessas opções. Mas qualquer interveniente no presente processo – incluindo os julgadores – procurará a resposta com base em raciocínios lógicos, num quadro de normalidade, onde a fantasia não poderá entrar. E – não havendo dever de patrocínio - as respostas lógicas são evidentes: o Recorrente T........ optou por apenas participar em entrevistas e conferências de imprensa nos casos em que essa participação correspondesse a um dever imposto ao treinador principal porque, formalmente, era ele quem detinha essa qualidade. O Recorrente J........ participou em entrevistas e conferências de imprensa nos casos em que essa participação não era reservada ao treinador principal porque, sendo efetivamente o treinador principal, ali poderia estar sem contradição com a qualidade que formalmente lhe havia sido dada.

44. De igual modo se questiona «[p]or que razão não poderia a Recorrente S......... SAD, num momento delicado do clube após a saída de um dos treinadores mais titulados e queridos da sua massa adepta, aproveitar e beneficiar da fama, reputação e experiência granjeada pelo Recorrente J........ ao longos dos anos pela sua carreira de futebolista para comunicar com o público e os seus adeptos?». Poderia, efetivamente. Mas sendo, notoriamente, o treinador principal, fê-lo nessa qualidade e por causa dela. Não, evidentemente, pela «fama, reputação e experiência» de que gozava. De resto, não há notícia de em algum momento um clube de futebol ter indicado para uma conferência de imprensa um seu ex-jogador com «fama, reputação e experiência», respondendo, como é usual, às questões sobre o desempenho, passado e ou futuro, da equipa de futebol.

45. Em suma, não está em causa, como alegam os Recorrentes, «qualquer indicação sobre o comportamento adoptado pelos Recorrentes em contexto de treino, competição desportiva e enquadramento técnico; tal como não se vislumbra qualquer sinal de que os Recorrentes não observaram as normas previstas na regulamentação da LPFP relativas aos deveres direccionados aos treinadores principais e treinadores-adjuntos». O problema é outro, e traduz-se no facto de terem violado o dever de «manter conduta conforme aos princípios desportivos de lealdade probidade, verdade e retidão em tudo o que diga respeito às relações de natureza desportiva» a que se refere o artigo 19.º/1 do Regulamento Disciplinar. É que – importa não esquecer – celebraram contratos declarando o que não correspondia à realidade.


Da alegada violação do princípio da igualdade

46. Vem igualmente alegado que a sanção aplicada à Recorrente S........., SAD, consubstancia uma violação do princípio da igualdade. Isto porque «os Recorrentes foram essencialmente sancionados com base no mesmo conjunto de factos e em função da violação das mesmas normas legais».

47. Julga-se, no entanto, que assim não será. É certo que a factualidade une todos os Recorrentes. A intervenção de cada um deles é uma parcela sem a qual a factualidade não teria a relevância disciplinar que veio a assumir. No entanto, a sua intervenção não assume a mesma natureza. O clube tem o controlo da situação. Trata-se da entidade patronal, cuja posição de supremacia confere à sua vontade um papel condicionador da vontade dos trabalhadores, como é o caso dos treinadores, que naturalmente pretendem assumir um papel de relevo na estrutura técnica de um grande clube de futebol. Compreensível será, portanto, que a ação da Recorrente S........., SAD, assuma natureza qualificada face à ação dos Recorrentes treinadores.


Da alegada falta de preenchimento dos pressupostos do artigo 118.º/b) do Regulamento Disciplinar

48. Entende a Recorrente S........., SAD, que «em nenhures da decisão recorrida ressalta um facto que seja em relação à verificação de (i) lesão dos princípios da ética desportiva, da verdade desportiva ou (ii) grave prejuízo para a imagem e o bom nome das competições de futebol, (iii) nem mesmo quanto ao dolo da Recorrente S......... SAD subjacente a essa causação», antes «[p]elo contrário, a decisão recorrida quedou-se por enunciar meras conclusões de carácter geral e abstracto, sem cuidar de concretizar que prejuízos e lesões (se algumas) resultaram da conduta da Recorrente S......... SAD», pelo que «é inevitável concluir que não se encontram preenchidos os elementos típicos pressupostos no artigo 118.° al. b) do RDLPFP, devendo a decisão recorrida ser invariavelmente revogada e a Recorrente S......... SAD absolvida da prática de qualquer infracção disciplinar».

49. Vejamos.
O artigo 118.º/b) do Regulamento Disciplinar estabelece que «[e]m todos os outros casos não expressamente previstos em que os clubes incumpram, ainda que a título de negligência, deveres que lhes são impostos pelos regulamentos e demais legislação aplicável são punidos com (…) a sanção de multa de montante a fixar entre o mínimo de 50 UC e o máximo de 250 UC, quando da sua conduta resulte lesão dos princípios da ética desportiva, da verdade desportiva ou grave prejuízo para a imagem e o bom nome das competições de futebol».

50. Exige-se, portanto, que da conduta em causa resulte:

a) Lesão dos princípios da ética desportiva; ou
b) Lesão da verdade desportiva; ou
c) Grave prejuízo para a imagem e o bom nome das competições de futebol.

51. Ora, na decisão punitiva pode ler-se que a Recorrente S........., SAD, teve «no comando técnico da sua equipa de futebol profissional alguém que, nos termos legais e regulamentares (…) não estava habilitado para o efeito». Portanto, quando «se pré-determinou a inscrever o Arguido J........ como treinador-adjunto, quando na realidade bem sabia que era este quem ia desempenhar, de facto, as funções de treinador principal, mais o apresentando publicamente como tal, e permitindo que o mesmo se comportasse reiteradamente como tal, cometeu o ilícito disciplinar pelo qual vem acusada», sendo que «[n]enhuma dúvida subsiste que a Arguida S........., SAD ao ter colocado no comando técnico da equipa de futebol profissional que disputa a I Liga, treinador que não dispunha de TPTD Futebol - Grau IV, agiu com dolo direto, ou seja, prefigurou ou representou as circunstâncias do facto (momento intelectual) e dirigiu a vontade à sua realização (momento volitivo), lesando os princípios da ética desportiva, da verdade desportiva e grave prejuízo para a imagem e o bom nome das referidas competições».

52. Em face do foi escrito não se vê o que poderá faltar para demonstrar que a Recorrente S........., SAD, violou os princípios da ética desportiva e da verdade desportiva. O que se exigiria mais para explicar o que estava autodemonstrado? Uma mentira é o oposto da verdade. E a Recorrente indicou formalmente como treinadores principal e adjunto pessoas que – sabia-o antecipadamente – assumiriam funções diferentes.


V
Em face do exposto, acordam os Juízes da Subsecção Social do Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e, em consequência, confirmar o acórdão arbitral recorrido.

Custas pelos Recorrentes (artigo 527.º/1 e 2 do Código de Processo Civil).


Lisboa, 25 de setembro de 2025.

Luís Borges Freitas (relator)
Ilda Côco
Teresa Caiado