Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1503/10.4BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:02/02/2023
Relator:PATRÍCIA MANUEL PIRES
Descritores:CONTRATO DE LOCAÇÃO FINANCEIRA IMOBILIÁRIA
EXERCÍCIO DO DIREITO DE OPÇÃO DE COMPRA
ISENÇÃO DE IMT
REDUÇÃO DA CLÁUSULA PENAL
LIBERDADE CONTRATUAL
Sumário:I - A expressão “termo da vigência do contrato de locação financeira”, não está apenas alocada ao final do contrato, abrangendo também as situações contratualmente estipuladas de opção de compra antecipada do imóvel (artigo 3º do Decreto-Lei n.º 311/82, de 4 de agosto).
II - A coberto da possibilidade, legal e contratual, de antecipar a opção de compra do bem imóvel, a locatária exerceu o seu direito de antecipação de compra e a locadora decidiu vender, pelo preço acordado, procedendo ao pagamento da penalização estipulada contratualmente, apenas diferindo no seu valor percentual.
III - Decorre, desde logo, das regras da experiência, que outorgando a Entidade Locadora uma escritura pública, na qual aquiesce um valor diferencial que traduz, efetivamente, privação na sua esfera financeira é porque, de forma esclarecida e em total acordo, entendeu que a transmissão poderia ocorrer nesses moldes, em nada subvertendo a substância económica e jurídica da visada aquisição.
IV - O princípio da liberdade contratual atua numa dupla vertente de liberdade de celebração e de liberdade de modulação do conteúdo do contrato, conforme dimana do preceituado no artigo 405.º do CC, o que significa que as partes, dentro dos limites da lei, podem fixar livremente o conteúdo dos contratos, celebrar contratos diferentes dos previstos no CC, incluir ou modificar nestes as cláusulas que lhes aprouver.
V - Não compete, à AT sindicar a bondade de qualquer alteração contratual, quando a mesma em nada contende com a substância económica da operação e em nada altera, juridicamente, a transmissão/aquisição do imóvel visado.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I-RELATÓRIO

O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por “D…, S.A.”, na sequência da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa, contra a liquidação de Imposto Municipal sobre as Transações (IMT) n.º 296141/2005, no valor de € 10.650,58, acrescida dos juros de mora no montante de €5.705,37, tudo perfazendo a quantia global de €16.355,95, referente ao exercício do direito de opção de compra no âmbito do contrato de locação financeira imobiliária.

A Recorrente apresenta as suas alegações de recurso nas quais formula as conclusões que infra se reproduzem:

“A. Salvo o devido respeito, por opinião diversa, entende a Fazenda Pública que a sentença recorrida padece de erro de julgamento, dado que da prova produzida não se podem extrair as conclusões em que se alicerça a decisão proferida.

B. O artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 311/82, de 4 de Agosto, condiciona a isenção de IMT da aquisição do imóvel locado, pelo locatário, à verificação dos seguintes pressupostos legais: i) que a transmissão do direito de propriedade do imóvel locado a favor do locatário ocorra por contrato de compra e venda e, ii) que tal transmissão seja feita no termo de vigência do contrato de locação financeira e, iii) nas condições nele estabelecidas.

C. Salvo o devido respeito, a Administração Tributária, partindo do teor da escritura pública de aquisição, considera que não estão preenchidos todos os pressupostos previstos no contrato, o que conduz à não atribuição da isenção de IMT.

D. Atente-se que a isenção do imposto apenas é concedida se se verificar que foram cumpridos todos os requisitos.

E. Não se encontrando cumpridos todos as condições, prevista no contrato, não foi respeitado o estipulado no artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 311/82, pelo que, o benefício fiscal previsto neste comando legal, não poderá ser concedido.

F. Atento o exposto, afigura-se que a liquidação foi efectuada em cumprimento das normas legais vigentes, procedendo a douta sentença a uma errada interpretação do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 311/82, de 4 de Agosto.

Termos em que com o douto suprimento de Vossas Excelências, deve o presente recurso ser provido e, consequentemente ser revogada a sentença proferida pelo Douto Tribunal “a quo”, assim se fazendo a costumada Justiça!”


***

A Recorrida, devidamente notificada para o efeito, apresentou contra-alegações, tendo concluído da seguinte forma:

A. Vem o presente recurso interposto da decisão que julgou totalmente procedente a pretensão da aqui recorrida, unicamente com base no alegado incumprimento do contrato de locação financeira, oportunamente celebrado entre a recorrida e o locador, o que impediria a aplicação do regime legal que isente a mesma do pagamento do imposto posto em causa.

B. Em primeiro lugar, há que ter em conta que, no processo civil, vigorando o princípio do dispositivo, o juiz está impedido de levar em consideração factos que não foram alegados pelas partes, nos termos estabelecidos nos artigos 664.° e 264.° do Código de Processo Civil com as excepções aí previstas, o que vem agora sistematizado no artigo 5.º do CPC bom a epígrafe “ónus de alegação das partes e poderes de cognição do tribunal’’ (aplicável por força do n° 2, alínea e) do CPPT)

C. Consagra o artigo 664.° do CPC que o Juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante ao direito, mas só pode servir-se dos factos articulados pelas partes, sem prejuízo do disposto no artigo 264.° do CPC.

D. Constata-se assim, que o poder de cognição do juiz, no que se refere aos factos, está, no essencial, (excepcionando os factos instrumentais, complementares, factos notórios ou aqueles de que o tribunal tenha conhecimento por virtude das suas funções) limitado aos factos concretos que são alegados pelo autor e que integram a causa de pedir que serve de base à sua pretensão e que são alegados pelo réu fundamentando as excepções que invoca.

E. Assim, tal como acontece na primeira instância, também em sede de recurso, por maioria de razão, o Tribunal não pode levar em consideração factos trazidos à sua apreciação pela primeira vez.

F. É o caso que agora se nos coloca quanto ao cumprimento ou incumprimento do contrato de locação financeira que está em causa nos presentes autos.

G. Não se trata de uma questão de Direito, mas sim de facto, pois saber se determinado contrato, que não constitui o objecto dos presentes autos, foi ou não cumprido constitui, sem dúvida, matéria de facto, pois a valoração jurídica decorrente dessa conclusão não representaria o sentido da solução final do litígio, na medida em que o cumprimento ou incumprimento do contrato de locação financeira se inseriu no âmbito da relação contratual entre a aqui recorrida e a locadora e nunca esteve em causa no presente processo.

H. Ainda que assim não se entenda e se considere que a matéria alegada no recurso apresentado pela Autoridade Tributária é de Direito, ainda assim, tal não influirá a decisão de primeira instância, que não é merecedora de qualquer reparo.

I. Na verdade, a recorrente desconhece o regime legal das obrigações.

J. Nos termos gerais, o incumprimento definitivo de uma obrigação ocorre quando, objectivamente, o credor perca o interesse na prestação e quando o devedor não cumpra num prazo razoavelmente fixado pelo credor - a chamada interpelação admonitória (artigo 808° do Código Civil).

K. Porém, deve notar-se que o incumprimento definitivo surge não apenas quando por força da não realização ou do atraso na prestação o credor perca o interesse objectivo nela ou quando, havendo mora, o devedor não cumpra no prazo que razoavelmente lhe for fixado pelo credor - mas igualmente nos casos em que o devedor declara expressamente, não pretender cumprir a prestação a que está adstrito ou adopta uma, qualquer outra conduta manifestamente incompatível com o cumprimento.

L. Em suma, o não cumprimento das obrigações pode revelar-se em três campos: a mora, a falta de cumprimento definitivo e o cumprimento defeituoso, que não constitui uma categoria autónoma do não cumprimento.

M. A falta de cumprimento, incumprimento definitivo ou impossibilidade de prestação manifesta-se quando: a) - a prestação não foi efectuada e já não pode ser cumprida por se ter tornado impossível - como no caso de a coisa ter sido destruída ou alienada; b) - o devedor incorre em mora e o credor perde o interesse que tinha na prestação ou quando esta no for realizada dentro do prazo que razoavelmente lhe for fixado pelo credor - Artigo 808, n.° 1, do CC; c) - o próprio devedor incorre em mora e declara peremptoriamente que não cumprirá, caso em que não é necessária a interpelação admonitória; d) - decorreu o prazo contratualmente fixado como improrrogável, o que se considera como perda de interesse do credor na realização da prestação.

N. No caso em análise dos presentes autos, não ocorreu qualquer incumprimento ou sequer mora.

O. O que ocorreu foi a antecipação do cumprimento do contrato.

P. Como decorre dos autos, o contrato foi sendo pontualmente cumprido até o momento em que o locatário decidiu antecipar o comprimento do mesmo e exercício antecipado da opção de compra que lhe assistia, tudo nos termos admitidos pelo próprio contrato.

Q. A negociação da taxa de penalização por antecipação do cumprimento do contrato não constitui nenhum incumprimento como vem a recorrente defender, significando apenas que a locadora, eventualmente, por motivos relacionados com o envolvimento comercial com a locatária e, aqui recorrente, decidiu reduzir essa penalização que decorria do contrato.

R. Acresce que as normas legais invocadas pela recorrente não têm nem podem ter a interpretação que a mesma lhe quer dar, pois, obviamente, devem aplicar- se a situações de verdadeiro incumprimento nos termos definidos pela lei, ou seja nos casos em que o devedor não cumpre a prestação a que está obrigado, o que, como já descrito e amplamente documentado nos autos, nunca aconteceu.

Termos em que, deverá rejeitar-se o recurso interposto, mantendo- se a decisão proferida em primeira instancia, assim se fazendo Justiça!”


***

O Digno Magistrado do Ministério Público (DMMP) neste Tribunal Central Administrativo Sul emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso, porquanto a aquisição em contenda, ocorreu de acordo com as condições estabelecidas no contrato, na medida em que ocorreu a aquisição do imóvel por antecipação, no âmbito do exercício do direito de opção constante do contrato de locação financeira imobiliária.

***

Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir.

***

II - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:

“Com interesse para a decisão da causa, de acordo com as várias soluções plausíveis de direito, considera-se provada a factualidade que se passa a subordinar por alíneas:

A) Em 03.06.1998, a ora Impugnante celebrou um contrato de locação financeira imobiliária com locadora “T…, S.A.”, com o NIF 5……., incorporada, por escritura de fusão outorgada em 27.06.2002, pela sociedade “S… Financeira, S.A.”, posteriormente denominada “T…, S.A.” – cf. doc. de fls. 144 a 171 do suporte físico dos autos.

B) O contrato de locação identificado em A) teve como objeto a fração autónoma, destinada ao comércio, designada pela letra “A” correspondente à cave e rés-do-chão do lado esquerdo do prédio urbano sito no Parque R…, Av. das T… n.º …, … A e … B, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 1… – cf. doc. de fls. 144 a 171 do suporte físico dos autos.

C) Em 02.06.1998, o administrador da impugnante, G…, pagou SISA pelo contrato mencionado em A) e B), no montante de 4.300.000$00 (€ 21.448,31) – cf. doc. de fls. 178 do suporte físico dos autos.

D) Em 08.04.2005, o administrador da ora Impugnante, G…, entregou, no Serviço de Finanças de Sintra - 4, a declaração modelo 1 para liquidação de IMT, com o n.º de registo 75088, na qual indicou que a Impugnante iria proceder à “Aquisição da propriedade plena” da fração identificada em B) pelo valor de € 95.849,73 – cf. doc. 2 junto com a Reclamação Graciosa (RG) em apenso.

E) Ato impugnado: Com a entrega da declaração identificada em D) foi efetuado o pagamento do documento de IMT n.º 160.005.006.668.603, no valor de € 10.650,58, apurado com base no VPT do bem, à data de € 163.855,11 – cf. doc. 2 junto com a RG em apenso.

F) Em 11.04.2005, a ora Impugnante, na qualidade de locatária no contrato identificado em A), celebrou a escritura de resolução do contrato de locação financeira imobiliária e adquiriu a propriedade do referido imóvel, constando do documento em causa que “ao abrigo da cláusula XII das Condições Gerais, a LOCATÁRIA decidiu exercer o seu direito de antecipação de compra e a LOCADORA decidiu vender o imóvel locado pelo preço de NOVENTA E CINCO MIL OITOCENTOS E QUARENTA E NOVE EUROS E SETENTA E TRÊS CÊNTIMOS. […]” – cf. doc. 4 junto com a RG em apenso.

G) A declaração de IMT identificada em D) e o documento de pagamento de IMT identificado em E) foram arquivados no ato de escritura identificado em F) – cf. doc. 4 junto com a RG em apenso.

H) Em 18.12.2006 a ora Impugnante vendeu a fração “A” identificada em A) ao “B…, S.A.” pelo preço de € 395.000,00 – cf. fls. 98 a 103 do suporte físico dos autos.

I) Em 27.12.2006 o “B…, S.A.” entregou, no Serviço de Finanças de Sintra - 4, a declaração modelo 1 de IMI n.º 1241492, indicando como “Motivo da inscrição: 1ª Transmissão na Vigência do IMI” – cf. fls. 92 a 113 do suporte físico dos autos.

J) Em 10.05.2007, na sequência da declaração modelo 1 identificada em I), a Administração Tributária desencadeou o respetivo procedimento de avaliação da fração em causa, vindo a determinar o respetivo VPT, no montante de € 251.630,00 – cf. fls. 93/94 do suporte físico dos autos.

K) Ato impugnado: Em 26.11.2007, na sequência da alteração da coleta resultante da avaliação mencionada em J), a Administração Tributária emitiu, em nome da ora Impugnante, a liquidação adicional de IMT n.º 296141, no montante de 5.705,37, com data limite de pagamento voluntário em 31.01.2008 – cf. doc. de fls. 141 do suporte físico dos autos.

L) A liquidação identificada na alínea que antecede foi notificada à ora Impugnante por carta registada de 06.12.2007 – cf. fls. 141 do suporte físico dos autos e fls. 24 a 26 do processo administrativo tributário apenso.

M) Em 07.05.2008 a ora impugnante apresentou em reclamação graciosa contra liquidações de IMT supra identificadas em E) e K) e requereu a sua anulação e a devolução do imposto pago com os mesmos fundamentos de vício de violação de lei que usa na presente impugnação, e cujo teor aqui se dá por reproduzido – cf. fls. 8 a 11 da RG em apenso.

N) Em 10.01.2011, foi proferido despacho de indeferimento da reclamação que antecede, em síntese, com fundamento no facto de a liquidação adicional, identificada supra em K),ter sido emitida nos termos do art.º 12.º, n.º 1, do CIMT e art.º 27.º, n.º 1, al. e), do DL n.º 287/2003, de 12 de novembro – cf. fls. 122 a 124 da RG em apenso.

O) Em 13.01.2011 a ora Impugnante foi notificada da decisão que antecede – cf. fls. 125 a 131 da RG em apenso.

P) Em 14.02.2011 a ora Impugnante recorreu hierarquicamente da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, nos termos constantes de fls. 3 a 7 do processo de Recurso Hierárquico apenso, e que aqui se dão por reproduzidas, insistindo na mesma argumentação, designadamente no que se refere à isenção de IMT em relação ao do exercício do direito de compra da fração objeto de locação financeira imobiliária identificada em A) – cf. fls. 3 a 32 do Recurso Hierárquico (RH) em apenso.

Q) Por requerimento de 08.06.2013 a ora Impugnante pediu a revisão oficiosa liquidações de IMT supra identificadas em E) e K), invocando o n.º 6 do art.º 78.º da LGT, e com os mesmos fundamentos da RG e da presente Impugnação – cf. fls. 3 a 6 do procedimento de revisão apenso.

R) Ato impugnado: Por despacho de 21.06.2010, com o teor «Concordo. Indefiro o pedido nos termos e com os fundamentos das informações prestadas pelos Serviços da Divisão de Liquidação do Património e Outros Impostos de 2009-05-19», a Chefe do Serviço de Finanças de Sintra - 4, em substituição, indeferiu o pedido de revisão identificado em Q) – cf. fls. 141/142 do processo administrativo tributário apenso.

S) Na informação de 19.05.2009, a que faz referência o despacho transcrito na alínea R) os serviços da Administração Tributária (Divisão de Liquidação do Património e Outros Impostos), consideraram, além do mais, o seguinte:

“[…]

RESENHA DOS FACTOS

6 - Em 11 de Abril de 2005, a requerente na qualidade de locatária, celebra no 2.º Cartório Notarial de Torres Vedras a escritura de resolução do contrato de locação financeira imobiliária mencionado no ponto 2 da presente informação, adquirindo o imóvel em causa.

7 - Por força do determinado no art.º 15.º do decreto-lei 287/2003 de 12 de Novembro, foi então efectuada a competente avaliação, da qual resultou um valor patrimonial de 251.630,00 euros.

8 - Não tendo os interessados contestado este valor e sendo este superior ao valor que serviu de base à liquidação de IMT (referida no ponto 4 desta informação), a Administração Tributária procedeu em 26 de Novembro de 2007, à respectiva liquidação adicional de IMT (n.º 1448297), pelo valor de 5.705,37 euros (251.630,00 euros x 6,5 % 10.652,58 euros).

[…]

10 - A coberto do requerimento apresentado em 13 de Junho de 2008, no Serviço de Finanças de Sintra 4, a requerente pede, nos termos do disposto no artigo 78.0 da LGT, a revisão oficiosa do acto tributário para as liquidações de IMT mencionadas. Pretende que a Administração Fiscal anule aquelas liquidações de IMT, restituindo a quantia de 16.355,95 euros, acrescida dos juros compensatórios devidos.

FUNDAMENTOS E PRETENSÃO DA RECORRENTE

11 - Em síntese, a requerente alega que a transmissão verificada em 11 de Abril de 2005 (ponto 6 desta informação), não foi uma simples compra e venda, mas sim, o exercido do direito de opção de compra e venda no âmbito do contrato de locação financeira imobiliária. E uma vez que estamos na presença de um contrato de locação financeira (leasing), este rege-se por normas próprias, que se encontram estabelecidas no Decreto-lei n.º 311/82, de 4 de Agosto.

O artigo 3.º deste diploma prevê que “está isenta de sisa a transmissão por compra e venda a favor do locatário, no termo da vigência do contrato de locação financeira e realizada nas condições nele estabelecidas, da propriedade ou do direito de superfície constituído sobre os imóveis locados”.

Logo, não é devido qualquer quantia a título de IMT, até porque, o espírito do regime da locação financeira, “reside no facto de o imposto a pagar já ter sido liquidado pelo locatário aquando da celebração do contrato de locação financeira imobiliária, evitando-se assim a dupla tributação”.

PARECER

12 – […]

13 – […] Todavia, pode a Administração Fiscal, no prazo de quatro anos após a liquidação, com fundamento em erro imputável aos Serviços, rever o acto tributário. E com base neste fundamento, nada impede que seja o interessado a solicitar à Administração Fiscal que reveja o acto tributário. Pelo que, tendo a requerente apresentado o pedido de revisão do acto tributário em 13.06.2008, e a liquidação adicional de IMT sido efectuada em 26.11.2007, constata-se que o prazo de 4 anos ainda não foi ultrapassado. Resta apenas saber se houve ou não, erro imputável aos Serviços.

14 - Ora, não foi a Administração Fiscal que tomou a iniciativa de proceder à liquidação inicial do IMT. Foi o sujeito passivo que de livre e espontânea vontade se dirigiu ao Serviço de Finanças de Sintra 4, e solicitou que fosse apurado o respectivo imposto. E da análise à declaração Modelo 1 de IMT, cuja cópia se anexa, constata-se que a requerente é que vem afirmar que vai proceder à aquisição do direito de propriedade plena da fracção em questão. Em lado algum daquela declaração, é mencionado que a requerente tinha em tempos outorgado um contrato de locação financeira imobiliária ou que iria exercer o direito de opção de compra, por antecipação, nesse mesmo contrato.

A Administração Fiscal só veio a ter conhecimento que foi exercido o direito de opção de compra no âmbito do contrato de locação financeira imobiliária, quando a requerente apresenta no Serviço de Finanças de Sintra 4, um requerimento a solicitar a anulação da liquidação inicial e adicional de IMT em causa (referida no ponto 9 da presente informação). Logo, não pode ser imputada à Administração Fiscal qualquer responsabilidade pela liquidação inicial e adicional de IMT pelo facto tributário 1 (aquisição do direito de propriedade plena). A Administração Fiscal procedeu ao apuramento do imposto em conformidade com as instruções transmitidas pela requerente e dentro nas normas estabelecidas na lei.

Importa agora, analisar a legalidade da liquidação inicial e adicional de IMT efectuadas à requerente. O contrato de locação financeira, celebrado em 3 de Junho de 1998, entre a requerente, na qualidade de locatária e a então sociedade T…, S.A., na qualidade de locadora, estabelece que o valor global do financiamento é de 235.931,41 euros (47.300.000$00), sendo que, 214.483,10 euros (43.000.000$00) corresponde ao valor de aquisição e 21.448,31 euros (4.300.000$00) corresponde ao valor da sisa paga pela locadora, em 2 de Junho de 1998 (fls. 13). O prazo deste contrato de locação financeira foi fixado em 10 (dez) anos, contados a partir da data da assinatura do mesmo. Ficou também estabelecido que a locatária podia a partir do quinto ano de vigência daquele contrato exercer o direito de opção de aquisição da propriedade do imóvel, desde que cumprisse o estabelecido nas alíneas da cláusula XXII das condições gerais, a saber:

“a) A locatária apenas poderá, por exercício da referida opção, adquirir a propriedade do imóvel locado antes do contrato, desde que não se encontre em mora relativamente a qualquer uma das suas obrigações;

b) Decidindo exercer antecipadamente o seu direito de opção, a locatária deverá comunicar a sua decisão à locadora e proceder, simultaneamente com essa comunicação, ao pagamento do valor correspondente ao montante do capital financeiro em dívida à data da rescisão, penalizando em dois pontos percentuais;

c) Com o pagamento da importância referida no número anterior, e na data desse pagamento, considerar-se-ão cumpridas todas as obrigações da locatária.

d) A locadora compromete-se a celebrar a escritura de compra e venda nos termos referidos no número quatro da cláusula XXI.”.

15 – Ora, a isenção de sisa prevista no artigo 3.º do Decreto-lei n.º 311/82, de 4 de Agosto, aplicável ao IMT por força do disposto no n.º 6 do artigo 31.º do Decreto-lei 287/2003 de 12 de Novembro, apenas se opera se for;

a) A favor do locatário;

b) No termo da vigência do contrato de locação financeira; e

c) Realizada nas condições estabelecidas no contrato de locação financeira.

16 - Relativamente ao pressuposto referido na alínea a) do número anterior da presente informação, não existe qualquer dúvida que a aquisição foi feita pela locatária.

Já o pressuposto aludido na alínea b) do daquele mesmo número leva-me, numa primeira análise, a dizer que a requerente não teria direito à isenção, visto que, a aquisição se deu antes do termo da vigência do contrato (quer a mesma seja efectuada por mútuo acordo ou por qualquer outra forma em consequência da sua resolução). No entanto, se atendermos que o contrato de locação financeira, celebrada em 3 de Junho de 1998, já previa que a requerente pudesse exercer antecipadamente o direito de opção de aquisição da propriedade do imóvel em causa, bem como, ao preceito compreendido no n.º 3 do preâmbulo do citado decreto-lei 311/82 de 4 de Agosto, que a isenção da sisa (actualmente IMT) tem em vista “assegurar um adequado grau de neutralidade fiscal”, uma vez que, se assim não fosse, não ficaria salvaguardada a neutralidade fiscal da sisa (IMT) no contrato de locação financeira, dado que o locatário suporta nas rendas o valor do IMT inicialmente pago pela locadora e com a aquisição do imóvel no termo da vigência do contrato, via-se confrontado com outro IMT, o que não aconteceria com outro tipo de financiamento, não poderá, só por si, significar a perda do beneficio fiscal.

Resta-nos pois, verificar se foram respeitadas as condições estabelecidas no contrato de locação financeira (pressuposto referida na alínea c) do número anterior desta informação).

Refere o contrato de locação financeira que a antecipação do direito de opção de aquisição do imóvel, só poderia ser efectuada a partir do quinto ano da vigência daquele contrato. Ora, se o contrato de locação financeira foi celebrado em 03-06-1998 e a escritura de resolução desse contrato foi celebrada em 11-04-2005, não existe dúvida que tal condição foi cumprida. Também é referido que a locatária só poderá, por exercício da referida opção, adquirir a propriedade do imóvel locado antes do contrato, se não se encontrar em mora relativamente a qualquer uma das suas obrigações. Parto do princípio que também este condicionalismo foi respeitado, senão o locador não teria outorgado a respectiva escritura de resolução do contrato de locação financeira.

Outra condição constante do contrato de locação financeira, caso fosse exercida a opção de aquisição do imóvel por antecipação, era a requerente efectuar o pagamento do valor correspondente ao montante do capital em divida à data da rescisão, com uma penalização de dois pontos percentuais.

Acontece que esta condição não foi cumprida. A requente só veio a sofreu uma penalização de um ponto percentual sobre o capital em dívida, tal como se pode constatar da escritura de resolução do contrato de locação financeira, outorgada em 11 de Abril de 2005.

17 - Não tendo a requerente cumprido aquela condição, não foi respeitado o estipulado no n.º 3 do decreto-lei n.º 311/1982, de 4 de Agosto, pelo que, o benefício fiscal previsto neste comando legal, não poderá ser concedido. Assim, face ao exposto, afigura-se-me portanto, que o pedido de revisão de acto tributário, interposto ao abrigo do artigo 78.º da LGT, não deverá ser atendido.

cf. fls. 36 a 41 do procedimento de revisão apenso.

T) Em 30.06.2010 a ora Impugnante foi notificada «[…] do indeferimento do pedido de revisão oficiosa da liquidação de IMT 296141/2005», constando do ofício em apreço que se junta «informação e despacho que sobre o mesmo recaiu, conforme fotocópias anexas» – cf. fls. 25/26 do suporte físico dos autos.

U) A petição inicial que deu origem à presente impugnação foi apresentada em 30.09.2010 via sitaf – cfr. fls. 3 dos autos.


***

A decisão recorrida consignou ainda como factualidade não provada o seguinte:

Com relevo para a decisão do mérito da causa, atendendo às diversas soluções de direito plausíveis, não resulta provado nos autos, processo administrativo apenso incluído (RG, RH, Pedido de Revisão e PAT) que:

1) O resultado da avaliação identificada na alínea J) dos factos provados tenha sido notificado à ora Impugnante.

2) Que no momento da apresentação da declaração modelo 1 para liquidação efeitos de IMT, identificada na alínea D), a Impugnante tivesse comunicado à Administração Tributária que a “Aquisição da propriedade plena” ali declarada resultava da antecipação do direito de opção de aquisição do imóvel em causa.”


***

Em termos de motivação da matéria de facto consta que:

“A decisão da matéria de facto provada efetuou-se com base no exame dos documentos, não impugnados, que constam dos autos e todo o processo instrutor apenso, referenciados em cada uma das alíneas do probatório.

Relativamente aos factos considerados não provados, resultam, no identificado em “1)” de ter a Impugnante invocado que nunca foi notificada para reagir contra a avaliação do imóvel que determinou a alteração do VPT que está na base da liquidação adicional, não resultando, em parte alguma, dos autos nem de todo o processo instrutor apenso, cópia do ofício de notificação ou comprovativo da respetiva receção pela Impugnante, não sendo prova do facto, em função da alegação vertida na p.i., o mero print do sistema informático da AT, constante de fls. 150 do PAT. Quanto ao identificado em 2) de não resultar, igualmente, de nenhum dos elementos dos autos, que tenha sido apresentado requerimento no sentido de beneficiar do direito de isenção de IMT de que ora se arroga, ou que tenha, de algum modo, demonstrado no ato de apresentação da declaração mod. 1 em apreço o concreto tipo de aquisição que se propunha efetuar.”


***


Atento o disposto no artigo 662.º, n.º 1, do CPC, acorda-se em alterar a redação de parte da factualidade mencionada em II), em virtude de resultarem dos autos elementos documentais que exigem tal alteração.(1)

Nesse seguimento, procede-se à alteração da redação do facto que infra se identifica:

F) A 11 de abril de 2005, a ora Impugnante, na qualidade de locatária no contrato identificado em A), outorgou escritura pública denominada de “resolução do contrato de locação financeira imobiliária e compra e venda”, da qual resulta, designadamente, “que pela presente escritura e ao abrigo da cláusula XII [cláusula XXII e que por lapso foi identificada como XII] das Condições Gerais , a Locatária decidiu exercer o seu direito de antecipação de compra e a Locadora decidiu vender o imóvel locado, já devidamente identificado, pelo preço de NOVENTA E CINCO MIL OITOCENTOS E QUARENTA E NOVE EUROS E SETENTA E TRÊS CÊNTIMOS, já recebido. Que em consequência, o mencionado contrato de locação financeira extingue-se, não produzindo nenhum efeito, a partir da presente data, pagando a locatária uma penalização de MIL CENTO E QUARENTA EUROS E SESSENTA E UM CÊNTIMOS, correspondente a um por cento do capital em dívida na presente data.” – cf. doc. 4 junto com a RG em apenso, e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido.


***

III) FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

In casu, a Recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida contra a liquidação de IMT, no montante global de €16.355,95, referente ao exercício do direito de opção de compra no âmbito do contrato de locação financeira imobiliária.

Em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.

Assim, ponderando o teor das conclusões de recurso cumpre aferir se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento por errónea interpretação dos pressupostos de facto e de direito, porquanto não estão verificados os pressupostos legais constantes no artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 311/82, de 4 de agosto, para que seja concedida a isenção de IMT na aquisição do imóvel locado, pelo locatário, concretamente, o cumprimento das condições contratuais estabelecidas para efeitos da visada transmissão. Importando, ainda, evidenciar que resulta consolidada na ordem jurídica a questão atinente aos próprios pressupostos da revisão, mormente, tempestividade, porquanto não sindicados.

De relevar, ab initio, que, in casu, não foi impugnada a matéria de facto, não tendo sido requerido qualquer aditamento, alteração ou mesmo supressão do acervo probatório dos autos, encontrando-se, por isso, a mesma devidamente estabilizada, razão pela qual cumpre aquilatar do sindicado erro de julgamento por errónea interpretação dos pressupostos de facto e de direito.

Vejamos, então.

A Recorrente sustenta que o artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 311/82, de 4 de agosto, condiciona a isenção de IMT da aquisição do imóvel locado, pelo locatário, à verificação dos seguintes pressupostos legais: i) que a transmissão do direito de propriedade do imóvel locado a favor do locatário ocorra por contrato de compra e venda e, ii) que tal transmissão seja feita no termo de vigência do contrato de locação financeira e, iii) nas condições nele estabelecidas.

Sendo que, in casu, tendo presente o teor da escritura pública de resolução do contrato de locação financeira imobiliária e compra e venda, não estão preenchidos todos os pressupostos previstos no contrato, especificamente o cabal cumprimento da penalização, o que conduz à não atribuição da isenção de IMT.

Dissente a Recorrida, sustentando, desde logo, pela manutenção da decisão recorrida, na medida em que estabeleceu uma correta apreciação do regime jurídico e da sua ratio legis ao caso vertente, visto que, inversamente ao propugnado pela Recorrente, inexistiu qualquer incumprimento ou sequer mora no cumprimento do contrato.

Densifica, para o efeito, que o contrato foi sendo pontualmente cumprido até ao momento em que o locatário decidiu antecipar o comprimento do mesmo e exercer, antecipadamente, a opção de compra que lhe assistia, tudo nos termos admitidos pelo próprio contrato, sendo que a negociação da taxa de penalização, por antecipação do cumprimento do contrato, não constitui nenhum incumprimento, mas sim uma mera redução do seu valor percentual.

Vejamos, então.

Comecemos por convocar a fundamentação jurídica que esteou a procedência da impugnação judicial.

O Tribunal a quo começa por sustentar que “[a] Administração Tributária, partindo do teor da escritura pública de aquisição, dá por preenchidos todos os pressupostos legais da isenção à exceção de um aspeto relativo às condições estabelecidas no contrato.”

Densificando, depois, que “[n]a decisão de indeferimento do pedido de revisão objeto dos presentes autos, que a Impugnante não beneficia da referida isenção de IMT, porquanto, no que se refere à penalização prevista na al. b) da cláusula XXII do contrato de locação financeira imobiliária, de dois pontos percentuais sobre o montante do capital financeiro em dívida à data da rescisão, não foi cumprido na escritura o ali estipulado uma vez que foi aplicada uma penalização de um ponto percentual.”

Materializando, contudo, que não obstante “[n]os termos da escritura celebrada em 11.04.2005 – cf. al. F) do probatório –, de facto, a penalização em causa surge declarada no documento como sendo de um ponto percentual, no valor de € 1.140,61”, a verdade é que tal apenas determina “uma divergência em relação ao estabelecido na cláusula XXII do contrato de locação financeira imobiliária (e não cláusula “XII” como se refere na escritura) que foi estabelecida, no âmbito do princípio da liberdade contratual a favor do Locador, que em nada pode ser entendida como “fraude” à lei no que respeita a incidência fiscal, não tendo tal interpretação qualquer acolhimento na letra e no espírito da norma.”

Concluindo, nessa medida, que “[a] Impugnante preenche os requisitos legais para beneficiar da isenção de IMT prevista no artigo 3.º do Decreto-lei n.º 311/82, de 4 de agosto, pelo que as liquidações de IMT objeto de impugnação judicial padecem de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de facto e de direito.”

E a verdade é que não se afigura que o Tribunal a quo tenha incorrido no arguido erro de julgamento, porquanto interpretou adequadamente o regime normativo com a devida transposição para o caso vertente.

Atentemos, então, no quadro jurídico que releva para o caso dos autos.

Cumpre, desde logo, convocar o regime jurídico do contrato de locação financeira o qual se encontra contemplado no Decreto-Lei n.º 149/95, de 24 de junho, alterado pelo Decreto-Lei n.º 265/97, de 02 de outubro, pelo Decreto-Lei n.º 285/2001, de 03 de novembro, e Decreto-Lei n.º 30/2008, de 25 de fevereiro, dimanando do seu artigo 1.º que: “Locação financeira é o contrato pelo qual uma das partes se obriga, mediante retribuição, a ceder à outra parte o gozo temporário de uma coisa, móvel ou imóvel, adquirida ou construída por indicação desta, e que o locatário poderá comprar, decorrido o prazo acordado, por preço nele determinado ou determinável mediante simples aplicação dos critérios nele fixados.”

Preceituando, por seu turno, o artigo 6.º do citado diploma legal, no atinente à duração do contrato de locação de imóveis que “[n]ão havendo estipulação de prazo, o contrato de locação financeira considera-se celebrado pelo prazo de 18 meses ou de 7 anos, consoante se trate de bens móveis ou de bens imóveis.”

De convocar, outrossim, o consignado no artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 311/82, de 04 de agosto, na redação à data aplicável, segundo o qual “Está isenta de sisa a transmissão por compra e venda a favor do locatário, no termo da vigência do contrato de locação financeira e realizada nas condições nele estabelecidas, da propriedade ou do direito de superfície constituído sobre os bens locados”.

Importando, ainda, ter presente que face ao plasmado no artigo 31.º, nº6, do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de novembro, que aprovou o CIMT, “mantêm-se em vigor os benefícios fiscais relativos à contribuição autárquica, agora reportados ao IMI, bem como os respeitantes ao imposto municipal de sisa estabelecidos em legislação extravagante ao Código aprovado pelo Decreto-Lei n.º 41 969, de 24 de novembro de 1958, e no Estatuto dos Benefícios Fiscais, que passam a ser reportados ao IMT.”

De convocar, outrossim, o teor do artigo 12.º, nº1, do CIMT, o qual relativamente ao valor tributável preceitua que “O IMT incidirá sobre o valor constante do ato ou do contrato ou sobre o valor patrimonial tributário dos imóveis, consoante o que for maior”.

Preceituando, por seu turno, a regra 14.ª, do n.º 4, do citado normativo que “O valor dos bens imóveis ou do direito de superfície constituído sobre os imóveis locados, adquiridos, pelo locatário, através de contrato de compra e venda, no termo da vigência do contrato de locação financeira e nas condições nele estabelecidas, será o valor residual determinado ou determinável, nos termos do respetivo contrato”.

Dimanando, in fine, que o artigo 117.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro, que procedeu à alteração da redação do normativo 3.º, do citado Decreto-Lei nº 311/82, passando a consignar-se que “Está isenta de imposto municipal sobre a transmissão de imóveis a transmissão por compra e venda a favor do locatário, no exercício do direito de opção de compra previsto no regime jurídico do contrato de locação financeira sobre o imóvel locado”.

Ora, da interpretação das normas legais supra expendidas resulta que, à data, no âmbito da locação financeira de bens imóveis a isenção de IMT está subordinada a verificação dos seguintes pressupostos: (i) transmissão por compra e venda a favor do locatário da propriedade ou do direito de superfície constituído sobre os bens locados; (ii) no termo da vigência do contrato de locação financeira e (iii) realizada nas condições nele estabelecidas.

No atinente ao âmbito e interpretação da expressão “termo da vigência do contrato de locação financeira”, tem sido entendido de forma unânime, reiterada e pacífica pela Jurisprudência dos Tribunais Superiores, que o termo da vigência não está apenas alocado ao final do contrato, abrangendo também as situações contratualmente estipuladas de opção de compra antecipada do imóvel.

Neste particular, vide designadamente, os Arestos do STA, proferidos nos processos nºs 02056/09.1BELRS 0515/18, de 16 de setembro de 2020, 01117/12.4BELRS, de 20 de abril de 2020, e 0805/13, de 18 de junho de 2014, extratando-se infra o sumário do primeiro dos Arestos citados:

“I-O disposto no artigo 3º do Decreto-Lei n.º 311/82, de 4 de agosto, na sua redação originária, deve ser interpretado no sentido de que o termo da vigência do contrato de locação financeira tanto ocorre no final do contrato, como nas situações em que as partes, ao abrigo do próprio contrato, põem termo ao mesmo, mediante a opção de compra antecipada do imóvel, objecto da locação financeira.

II - O sentido desta interpretação veio a ser cimentada pela nova terminologia utilizada e firmada pelo art. 117º da Lei n.º 55-A/2010 de 31 de dezembro, onde, além da referência, expressa, ao IMT, se postula, sem reservas, a isenção deste tributo para as transmissões por compra e venda a favor do locatário, no exercício do direito de opção de compra previsto no regime jurídico do contrato de locação financeira, isto é, tanto no termo do prazo fixado para a sua vigência, como, na data em que suceda a efetivação antecipada de compra do bem locado, possibilidade conferida, em geral, pelo quadro legal da figura contratual em apreço. Por outras palavras, agora, como antes, está isento de Sisa/IMT o locatário (financeiro) que exerce a opção de comprar o bem, objeto do contrato, no fim da vigência (total) deste e/ou em momento anterior (a esse final), a coberto da possibilidade (legal e contratual) de antecipar aquela mesma opção.”

Ora, enumerado o quadro legal aplicável e vistos os conceitos de direito e considerações jurisprudenciais que se reputam de relevo para o caso sub judice, vejamos, então, se à luz do recorte fático dos autos é de secundar o entendimento propugnado pelo Tribunal a quo, no sentido de que estão, integralmente, reunidos os pressupostos legais para a isenção de IMT.

Como decorre da decisão recorrida, e resulta não controvertido, a única questão decidenda coaduna-se com o alegado incumprimento de uma cláusula contratual, seu âmbito e extensão. Ou seja, com a circunstância de que não terem sido respeitadas, integralmente, as condições contempladas no contrato de locação financeira imobiliária, na medida em que a antecipação do cumprimento do contrato estava concatenada, por um lado, com o pagamento do valor correspondente ao montante do capital em dívida à data da rescisão, e por outro lado, com o pagamento de uma penalização de dois pontos percentuais, sendo que no caso vertente, esta última condição não se verificou.

Em rigor, o entendimento da AT funda-se na existência de um incumprimento contratual dimanante da circunstância de a, ora, Recorrida apenas ter sofrido uma penalização de um ponto percentual sobre o capital em dívida -tal como se pode constatar da escritura de resolução do contrato de locação financeira, outorgada em 11 de abril de 2005- e não de dois pontos percentuais.

Refira-se, desde já, que o aludido entendimento não procede, porquanto não tem respaldo nem na letra, nem na ratio legis do normativo visado.

Mas expliquemos, porque assim o entendemos, fazendo a competente incursão na realidade fática dos autos.

Do probatório resulta que a 03 de junho de 1998, foi outorgado um contrato de locação financeira imobiliária com a locadora “T…, S.A.”, cujo objeto se coadunava com a fração autónoma, destinada ao comércio, designada pela letra “A” correspondente à cave e rés-do-chão do lado esquerdo do prédio urbano sito no Parque R…, Av. das T… n.º …, … A e … B, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 1…, dele resultando, designadamente, que a antecipação do direito de opção de aquisição do imóvel, só poderia ser efetuada a partir do quinto ano da vigência daquele contrato.

Promanando, igualmente, que a locatária só poderá, por exercício da referida opção, adquirir a propriedade do imóvel locado antes do contrato, se não se encontrar em mora relativamente a qualquer uma das suas obrigações, e desde que seja efetuado o pagamento do valor correspondente ao montante do capital em dívida à data da rescisão, acrescida de uma penalização de dois pontos percentuais.

Nessa conformidade, a 11 de abril de 2005, foi outorgada escritura pública de resolução do contrato de locação financeira imobiliária e compra e venda, e adquirida a propriedade do visado imóvel, constando do mesmo, expressa e designadamente, que ao abrigo das Condições Contratuais estabelecidas, a locatária decidiu exercer o seu direito de antecipação de compra e a locadora decidiu vender o imóvel locado pelo preço de €95.846,63, acrescido de uma penalização de 1%.

Ora, do supra expendido, resulta, efetivamente, que a penalização aplicada em razão da resolução do contrato de locação financeira, se cifrou em 1% e não no valor percentual de 2% consignado no aludido contrato, no entanto, tal asserção fática em nada pode consubstanciar um incumprimento do contrato, mas apenas e só uma redução do valor estipulado por efeitos da antecipação do seu cumprimento.

In casu, a coberto da possibilidade (legal e contratual) de antecipar aquela mesma opção, a locatária exerceu o seu direito de antecipação de compra e a locadora decidiu vender, pelo preço de €95.846,63, procedendo ao pagamento da penalização estipulada contratualmente, apenas diferindo no seu valor percentual.

Note-se que, para existir a aludida redução do valor percentual, é porque, seguramente, as partes visadas, ao abrigo do princípio da liberdade contratual que norteia as suas relações negociais, assim o anuíram, não competindo à AT discernir um incumprimento contratual, sindicar a bondade de qualquer modificação contratual-onde, de resto, não é parte- e daí extrapolar a sujeição a IMT.

Dimana, desde logo, das regras da experiência que existindo uma Entidade Locadora, -que é uma Instituição Bancária, logo, perfeitamente inteirada e ciente de todas as vicissitudes contratuais- a outorgar uma escritura pública, na qual aquiesce um valor diferencial que traduz, efetivamente, privação na sua esfera financeira é porque, de forma esclarecida e em total acordo, entendeu que a transmissão poderia ocorrer nesses moldes, em nada subvertendo a substância económica e jurídica da visada aquisição.

Daqui se extrapolando, que locador e locatária não resolveram, sem mais, o contrato de locação financeira relativamente ao bem imóvel visado, tendo o mesmo se extinguido por força da opção de compra antecipada, nos termos das cláusulas contratuais que previamente haviam sido estabelecidas, apenas com uma redução de 1% do valor estipulado a título de penalização, resultando, justamente, o termo do contrato com o valor em dívida e com a aludida redução, da conjugação da vontade das partes.

De resto, e adotando a esteira de entendimento arrogada pela própria AT na fundamentação contemporânea do ato –atinente à circunstância de não se encontrar em mora, alínea R)-no sentido de que “parto do princípio que também este condicionalismo foi respeitado, senão o locador não teria outorgado a respectiva escritura de resolução do contrato de locação financeira”, igual inferência se terá de extrapolar para efeitos da redução do valor percentual da penalização, ou seja, nos mesmos moldes e premissas, se dirá que a redução foi, naturalmente, realizada de mútuo acordo, caso contrário a locadora não teria outorgado a respetiva escritura pública de resolução do contrato de locação financeira imobiliária e compra e venda.

Há que não perder de vista que o princípio da liberdade contratual atua numa dupla vertente de liberdade de celebração e de liberdade de modulação do conteúdo do contrato, conforme dimana do preceituado no artigo 405.º do CC, o que significa que as partes, dentro dos limites da lei, podem fixar livremente o conteúdo dos contratos, celebrar contratos diferentes dos previstos no CC, incluir ou modificar nestes as cláusulas que lhes aprouver.

Não compete, portanto, neste e para este efeito, à AT sindicar a bondade de qualquer alteração contratual, quando a mesma em nada contende com a substância económica da operação e em nada altera, juridicamente, a transmissão/aquisição do imóvel visado.

Note-se, ademais, que da interpretação conjugada dos normativos 11.º, nº1, da LGT e 9.º do CC, resulta que as normas fiscais hão-de ser interpretadas de acordo com as técnicas ou cânones interpretativos usados no direito civil, incluindo os elementos de ordem histórica, racional ou teleológica e sistemática, logo a proceder o entendimento da Recorrente estar-se-ia a subverter a ratio inerente à aludida isenção, preterindo, desde logo, a neutralidade fiscal que se encontra subjacente à implementação da aludida isenção.

Com efeito, e conforme resulta consignado no preâmbulo do citado Decreto-Lei n.º 311/82, de 4 de agosto:

O presente diploma desenvolve o quadro geral atrás referido, nos aspetos que se julga merecerem regulamentação específica.

3. Esse desenvolvimento respeita, em primeiro lugar, às regras de reintegração dos bens locados, quer pela sociedade de locação financeira, quer, após a transmissão daqueles bens no exercício da opção de compra no final do contrato, pela empresa locatária. Além disso, dadas as características da atividade das sociedades de locação financeira, consideram-se em contribuição industrial os ganhos ou perdas obtidos com a transmissão dos bens objeto de locação financeira, exceto quando se trate de perdas realizadas aquando do exercício da opção de compra pelo locatário do bem locado.

Por outro lado, tendo em vista assegurar um adequado grau de neutralidade fiscal, isenta-se de sisa a transmissão por compra e venda a favor do locatário, no termo da vigência do contrato de locação financeira e realizada nas condições nele estabelecidas, da propriedade ou do direito de superfície constituído sobre os imóveis locados e estabelece-se uma disciplina que permite a isenção do imposto de transações dos bens adquiridos pelas sociedades de locação financeira, quando locados a empresas que, se os adquirissem diretamente, poderiam beneficiar dessa isenção.” (destaque e sublinhado nosso).

Neste concreto particular, doutrina JOSÉ MARIA FERNANDES PIRES(2), que “o regime fiscal da locação financeira constante do DL 311/82, de 4/8 destinava-se a garantir a sua neutralidade fiscal e a fazer incidir a mesma carga fiscal sobre os adquirentes de imóveis, quer elas procedam à sua aquisição directamente através do contrato de compra e venda, quer pela via da opção nos termos do contrato de leasing.”

Concretizando, depois tal desiderato, da seguinte forma: “[n]os casos em que um sujeito passivo que é locatário de um imóvel e o adquire no exercício do direito de opção, ocorrem duas transmissões desse mesmo imóvel, uma na data da sua aquisição pela empresa locadora e outra, que decorre do exercício do direito de opção pelo locatário. Pelo mero efeito de ambas as transmissões haveria dupla sujeição a imposto, tornando fiscalmente mais onerosa para o adquirente a aquisição do imóvel, efectuada na sequência do contrato de leasing(3).”

Adensando, adicionalmente, que “[d]ado que a locadora repercute nas prestações o valor da Sisa (e do IMT) suportada na aquisição, o locatário suportaria o imposto por essa via e depois, de novo, pela transmissão operada por efeito do exercício do direito de opção. Para evitar esse efeito de dupla tributação económica, o Decreto-Lei n.° 311/82, de 4 de Agosto isentou de Sisa a aquisição efectuada pelo adquirente no exercício do direito de opção e nos termos previstos no respectivo contrato . Assim se garantiu a neutralidade fiscal do leasing imobiliário, eliminando-se a dupla sujeição a IMT das duas transmissões efectuadas . Desta forma, nos termos do artigo 3 .° do Decreto-Lei n.º 311/82, de 4 de Agosto, está isenta de Sisa e do IMT a transmissão a favor do locatário do imóvel objecto de locação financeira, no exercício do direito de opção e nos termos previstos no respectivo contrato(4).” (destaque e sublinhado nosso).

Destarte, face ao supra expendido e que se secunda, só a interpretação sentenciada pelo Tribunal a quo, que se valida, permite observar o princípio da neutralidade fiscal.

Aliás, esta é aceção que se compagina com a nova terminologia utilizada e firmada pelo artigo 117.º da Lei n.º 55-A/2010 de 31 de dezembro, onde, além da referência, expressa, ao IMT, se consagra, sem quaisquer reservas, a isenção deste tributo para as transmissões por compra e venda a favor do locatário, no exercício do direito de opção de compra previsto no regime jurídico do contrato de locação financeira. Neste sentido, vide, designadamente, o já citado Acórdão do STA, proferido no processo nº 02056/09.1BELRS 0515/18, de 16 de setembro de 2020.

Com efeito, o que se pretende, efetivamente, é isentar de IMT o locatário que exerce a opção de comprar o bem, objeto do contrato, no fim da vigência deste e/ou em momento anterior, a coberto da possibilidade (legal e contratual) de antecipar aquela mesma opção.

E por assim ser, prevendo-se, expressamente, no contrato visado que a aquisição do bem imóvel poderia ser antecipada, relativamente ao prazo inicialmente estabelecido, ter-se-á de concluir, que, in casu, o contrato chegou ao seu termo de vigência por força dessa opção de compra antecipada, contratualmente estabelecida, ou seja, respeitando as condições nele estabelecidas quanto à compra e venda do imóvel objeto do contrato, assim se respeitando a neutralidade fiscal legalmente consagrada.

Logo, nenhuma censura merece a decisão recorrida quando concluiu, acertadamente, que a Recorrida preenche os requisitos legais para beneficiar da isenção de IMT prevista no artigo 3.º do Decreto-lei n.º 311/82, de 4 de agosto, pelo que as liquidações impugnadas padecem de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de facto e de direito.

E por assim ser, mantém-se a decisão recorrida, e consequente anulação dos atos impugnados, com as consequências legais determinadas e não sindicadas.


***

IV. DECISÃO

Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SEGUNDA SUBSECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em:

-NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA, a qual, em consequência, se mantém na ordem jurídica.

Custas pela Recorrente.

Registe. Notifique.


Lisboa, 02 de fevereiro de 2023

(Patrícia Manuel Pires)

(Jorge Cortês)

(Luísa Soares)



______________________________

(1) Cfr. António dos Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2018, p. 286.
(2) Lições de Impostos sobre o Património e do Selo, Almedina, 2011, página 171.
(3) In Ob., Cit, pp.171 e 172.
(4) In Ob., Cit, pág. 172.