Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:4/20.7BCLSB
Secção:CT
Data do Acordão:09/18/2025
Relator:PATRÍCIA MANUEL PIRES
Descritores:IMPUGNAÇÃO ARBITRAL
VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
Sumário:I-O princípio do contraditório, é um princípio estrutural do processo, genericamente reconhecido no artigo 3.º, nº 3, do CPC. Em sede de regime da arbitragem voluntária em direito tributário a concretização deste princípio está, desde logo, patente no artigo 16.º, alínea a), do artigo 17.º, n.º 1, e bem assim no artigo 18.º, n.º 1, alínea b), todos do RJAT.

II-O desiderato da proibição da decisão-surpresa é que o juiz não enverede por uma solução que os sujeitos processuais não abordaram e não quiseram submeter a juízo, surgindo a decisão de forma absolutamente inopinada e distanciada do condicionalismo factual e jurídico vertido na ação pelas partes.

III- O princípio do contraditório, na vertente proibitiva da decisão surpresa, não determina ao tribunal de recurso que, antes de decidir a questão alerte, quer o Recorrente, quer o Recorrido, para a eventualidade de o fazer com base num quadro normativo distinto do por si invocado.

IV-Se a decisão recorrida se limitou adentro da factualidade convocada por ambas as partes, a proceder a uma diferente qualificação jurídica, e que ademais era perspetivável pelas partes, e que implicou inclusive a convocação de realidade de facto e de direito que com ele entroncou, não padece de violação do princípio do contraditório.

V-A nulidade da decisão por omissão de pronúncia sucede quando a mesma deixe de decidir alguma das questões suscitadas pelas partes, salvo se a decisão tiver ficado prejudicada pela solução dada a outra questão submetida à apreciação do Tribunal.

Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção Tributária Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: ACÓRDÃO


I- RELATÓRIO

C ………………………………, e P …………………… (doravante impugnantes), vieram apresentar impugnação da decisão arbitral proferida pelo Tribunal arbitral coletivo constituído no Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), no processo a que aí foi atribuído o n.° 168/2019-T, ao abrigo do artigo 27.° do DL n.° 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem Tributária - RJAT).

Os Impugnantes terminam a sua impugnação formulando as seguintes conclusões:

“1a. Pelo despacho arbitral, de 2019.06.26, os ora impugnantes foram notificados para “querendo, pronunciar-se sobre a matéria de excepção” contida nos arts. 15° a 21° da resposta apresentada pela ATA, em 2019.06.25, sob o título “111 - POR EXCEPÇÃO: da intempestividade do pedido e da caducidade do direito de acção”,

2ªOs ora impugnantes pronunciaram-se pelo requerimento apresentado, em 2019.07.08, defendendo a improcedência da excepção de intempestividade invocada pela ATA, repetindo ainda a invocação das questões suscitadas para fundar a improcedência daquela excepção nas alegações apresentadas, em 2019.10.02;

3a. A decisão arbitral, de 2020.01.15, no capítulo com o título “Da extemporaneidade do pedido e da caducidade do direito de acção”, pronunciou-se sobre a matéria de excepção invocada pela ATA, decidindo expressamente que, quanto à única excepção que foi objecto de contraditório, “não assistirá qualquer razão à (ATA) nesta matéria”, pelo que ”julga-se improcedente a excepção, ora em apreço, invocada pela Requerida” (v. fls. 26 e 27 da decisão arbitral);

4a. No entanto, na mesma decisão arbitral veio a decidir-se inovatória e oficiosamente que afinal se verifica a excepção da inimpugnabilidade parcial do acto tributário impugnado, na parte em que este assumiria natureza confirmativa de actos anteriores (v. art. 53o do CPTA, aplicável ex vi do art. 2°/c) do CPPT e do art. 29°/i/c) do RJAT), pois, na tese daquele aresto, “não inovando na ordem jurídica (...), tem natureza meramente confirmativa que não admite impugnação autónoma”, concluindo pela “improcedência dos vícios que lhe são assacados pelos Requerentes, na medida em que assentam, exclusivamente, em matéria relativa às despesas relevantes e necessárias para a obtenção do rendimento tributado, matéria essa que foi apreciada e decida no procedimento de correcção do montante do encargo relativo à venda do imóvel, a que se referem os pontos 23 e ss. dos factos provados, e do respectivo acto final e liquidação” (v. fls. 30 e 31 da decisão arbitral);

5ª. Acontece que, os ora impugnantes nunca foram previamente notificados pelo Tribunal Arbitral para exercerem o contraditório e pronunciarem-se sobre a referida excepção da inimpugnabilidade parcial do acto tributário sub judice (v. art. 53° do CPTA), com fundamento na sua alegada natureza confirmativa de anteriores actos tributários, e consequente qualificação destes alegados actos pretérito como caso decidido ou resolvido (v. arts. 26873 e 4 da CRP, arts. 35o e segs. do CPPT e arts. 53o e 59o do CPTA);

6ª A decisão arbitral impugnada violou assim o princípio do contraditório, impondo-se a sua anulação, ex vi dos arts 3.0 e 4.0 do NCPC e dos 16.0, 27o e 28o do RJAT;

B - DAS OMISSÕES DE PRONÚNCIA

7ª. O douto acórdão arbitral impugnado não decidiu as seguintes questões jurídicas, que foram expressamente suscitadas pelos ora impugnantes no requerimento apresentado, em 2019.06.26, bem como nas alegações, de por referência à falta de notificação dos elementos essenciais do “acto final e liquidação” que alegadamente teria sido confirmado (v. fls. 30 e segs. da decisão arbitral): a) A referência incidental, incompleta e parcial à “Liq. 20175005473008”, que consta do Doc. 3, junto com a p.i., nunca permitiria a invocação de qualquer questão de intempestividade (v. art. 268°/3 da CRP e art. 36o do CPPT; cfr. art. 160o do NCPA) e, decisivamente, não revela a qualquer destinatário normal, de qualquer forma, que a “Liq. 20175005473008” teria resultado da “Informação n° 4933/2017”, o que nem sequer se verifica, como se descreveu na informação dos Serviços de Finanças de Cascais, de 2019.04.11 (v. fls. 8 do pdf junto ao presente processo com a designação “08 - processo administrativo SF.pdf”); b) No caso sub judice não se verificou, nem a ATA, provou, como lhe competia (v. art. 74o da LGT), a notificação dos elementos essenciais da “liquidação n.° ……………..008” aos ora impugnantes, não podendo presumir-se a existência de tal acto formal (v. art. 36o do CPPT), que tem que constar de específico documento escrito que indique a autoria e qualidade em que actuou a entidade decidente, a data, sentido, fundamentação e objecto do acto tributário, bem como a indicação dos meios de defesa à disposição do contribuinte (v. art. 36o do CPPT e art. 160o do CPA), o que não aconteceu in casu e cuja prova não pode ser substituída por qualquer “outro meio de prova” (v. art. 36471 do Código Civil e art. 36° do CPPT);

8ªA essencialidade da apreciação da questão da falta de notificação dos elementos essenciais do “acto final e liquidação” que teria sido confirmado (v. arts. 268°/3 e 4 da CRP, arts. 35o e segs. do CPPT e arts. 53o e 59o do CPTA), que os ora impugnantes suscitaram expressamente no requerimento, de 2019.06.26, e nas alegações, de 2019.10.02, é absolutamente decisiva, pois, além do mais, “a impugnação só pode ser rejeitada com fundamento no carácter meramente confirmativo do acto impugnado quando o acto anterior tiver sido objecto de notificação ao recorrente”, sendo irrelevante a notificação que, como se verificou in casu, “não dá sequer a conhecer o sentido da decisão, caso em que não produz quaisquer efeitos em relação ao notificado, o que se compreende, pois este não sabe se deve ou não reagir, dado que não sabe sequer o sentido, favorável ou desfavorável, da decisão” (v. Ac. TCA Norte de 2014.12.19, Proc. 01291/10.4BEAVR; cfr. Ac. TCA Norte de 2014.02.14, Proc. 3303/10.2BEPRT; Ac. TCA Norte de 2016.06.03, Proc. 00212/11.1BEMDL; Ac. TCA Norte de 2013.05.03, Proc. 01073/10.3BEAVR, todos com ampla citação de jurisprudência concordante);
9ª. As questões autónomas que foram suscitadas pelos impugnantes integram “questões secundárias que constituem premissas indispensáveis para a solução” da questão da natureza confirmativa - ou não - do acto tributário impugnado (v. Alberto dos Reis, CPC Anotado, 1981/V/53), assumindo natureza impeditiva da (i) qualificação do acto impugnado como meramente confirmativo e da (ii) procedência da excepção inovatoriamente decidida pelo Tribunal Arbitral, por referência ao “acto final e liquidação” que teria sido confirmado (v. fls. 30 e segs. da decisão arbitral), não tendo sido consideradas prejudicadas pela solução dada às questões que foram objecto de decisão;

10ª A decisão arbitral impugnada omitiu assim qualquer decisão sobre questões jurídicas que tinha que apreciar (v. art. 608°/2 do NCPC e art. 29° do RJAT), pelo que se impõe a respectiva declaração de nulidade ou anulação (v. art. 28°/1/c) e 29° do RJAT e arts. 6150/1/d) do NCPC; cfr. Jorge Lopes de Sousa, Guia da Arbitragem Tributária, 3a ed., p.p. 244 e segs).


NESTES TERMOS, Deverá ser dado provimento à presente impugnação, declarando-se nula ou anulando-se a douta decisão arbitral de 2020.01.15 (v.
Doc. 1, adiante junto; cfr. arts. 27o e 28o do RJAT), com as legais consequências.
SÓ ASSIM SE DECIDINDO SERÁ CUMPRIDO O DIREITO E FEITA JUSTIÇA.”

A Impugnada Autoridade Tributária e Aduaneira (ATA), devidamente notificada, apresentou contra-alegações, concluindo da seguinte forma:


1ª A presente impugnação arbitral foi interposta, ao abrigo do disposto nos artigos 27o e 28o do RJAT, contra o acórdão arbitral proferido no processo n.° 305/2018-T, que correu termos no Centro de Arbitragem Administrativa, por alegadamente ter sido violado o princípio do contraditório e ainda por a decisão recorrida ter, alegadamente, incorrido no vício de omissão de pronúncia.

2.ª Porém não assiste razão aos Impugnantes quanto a nenhum dos vícios invocados.

3ª Em primeiro lugar, os Impugnantes vêm defender a existência de alegada violação do princípio do contraditório, invocando que, embora tenham respondido à exceção deduzida pela Impugnada, não foram chamados a pronunciar-se sobre a questão de fundo apreciada pelo Tribunal a quo, qual seja a natureza meramente confirmativa do ato tributário objeto do pedido de pronúncia arbitral.

4ª Contudo, tal não é verdade, pois o Tribunal a quo na resolução da questão da relevância das despesas relevantes e necessárias para obtenção do rendimento tributado - mais valias -, vem afirmar algo que a Impugnada já afirmava na sua Resposta (cf. entre outros, os artigos 13.°, 14.° e 26.° da Resposta da Impugnada), mormente na sua defesa por exceção, relativamente à qual os Impugnantes afirmam ter exercido o respetivo contraditório e o que sucedeu, mormente em sede de alegações, onde lhes foi dada essa oportunidade.

5ª Assim, se o Tribunal afirma, aquando da resolução do fundo da questão, que «Tal acto de liquidação - no que à matéria das despesas referidas - limitou-se a aplicar o que resultou do procedimento de correção do montante do encargo relativo à venda do imóvel, a que se referem os pontos 23 e ss. dos factos provados, e do respectivo acto final e liquidação, actos estes que não foram impugnados e, como tal, consolidaram-se na ordem jurídica, formando o que se costuma designar, na doutrina e na jurisprudência, caso decidido ou resolvido.», já indicava antes, quando conheceu da exceção deduzida pela Impugnada, que «Para a Requerida, apesar de os Requerentes indicarem como objecto do pedido de pronúncia arbitral a liquidação n.° 2018 55569168, de 3010-2018, a causa de pedir apresentada estaria apenas relacionada com o procedimento de análise do teor dos elementos indicados na declaração de rendimentos entregue a 28-05-2015. Assim, prossegue a Requerida, uma vez que a causa de pedir que subjaz ao pedido respeita efectivamente à liquidação resultante do procedimento de verificação dos elementos declarados que foi emitida em Dezembro de 2017 e paga em Outubro de 2018 (liquidação n.° 2017 5005473008)»

6ª De todo o modo, sempre se dirá que face à jurisprudência invocada pelo Tribunal a quo a propósito da natureza confirmativa, ainda que existisse a nulidade apontada pelos Impugnantes, não se antevê qualquer utilidade na sua procedência, pois ainda que tal nulidade seja declarada e os autos baixem à instância arbitral para prolação de nova decisão, com prévia audição dos Impugnantes, face à jurisprudência convocada na decisão recorrida, tem-se por certo que o Tribunal a quo decidirá do mesmo modo que já decidiu.

7ª Face ao exposto resulta que o que verdadeiramente está em causa, não é uma nulidade de sentença, mas erro de julgamento que os Impugnantes imputam à decisão recorrida, o que não pode ser sindicada no âmbito da presente impugnação.

8ª Razão pela qual a impugnação arbitral deve ser julgada improcedente

9ª Também não têm razão os Impugnantes quando afirmam que há omissão de pronúncia por o Tribunal a quo não ter apreciado todos os argumentos jurídicos por si aduzidos.

10ª Desde logo, face à jurisprudência citada, o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos suscitados pelas partes, mas tão só as questões jurídicas subjacentes na causa de pedir.

11.ª Ademais, se lida com atenção a decisão arbitral recorrida, é visível que o Tribunal a quo se pronunciou sobre a falta de notificação dos elementos essenciais do ato de liquidação objeto do pedido de pronúncia arbitral, designou foi essa apreciação de «falta de fundamentação», tendo referido que: «Arguem, por fim, os Requerentes, ilegalidade do acto de liquidação por falta de fundamentação. Consideram os Requerentes, a este propósito, que resulta do texto e contexto dos concretos actos de liquidação e cobrança impugnados, que estes enfermam de manifesta falta de fundamentação, de facto e de direito, ou, pelo menos, esta é insuficiente, obscura e incongruente.

Uma vez mais, nesta matéria, o que se verifica é que os Requerentes incorrem no equívoco de misturar o procedimento de correção do montante do encargo relativo à venda do imóvel, a que se referem os pontos 23 e ss. dos factos provados, e do respectivo acto final e liquidação, com o acto tributário objecto da presente acção arbitral, já que todos os argumentos que esgrimem relativamente à falta de fundamentação daquele último, se reportam ao primeiro, com excepção da parte relativa aos juros compensatórios, já analisada, no que diz respeito à necessidade de fundamentação, em ponto anterior.

Não se verifica, por isso, também nesta matéria a violação de qualquer norma ou princípio, legal ou constitucional, aplicável ao caso ou invocado pelos Requerentes, pelo que deverá improceder o pedido arbitral formulado.»

12ª. Em suma, o que se verifica, uma vez mais, é que a Impugnante imputa erro de julgamento à decisão impugnada ou quando muito uma deficiente apreciação, que não absoluta, vícios que não cabem no objeto da impugnação da decisão arbitral prevista nos artigos 27.° e 28.° do RJAT.

13a Razão pela qual deve a impugnação ser julgada improcedente.

Termos em que, e nos doutamente supridos, deverá ser negado provimento à impugnação, por manifestamente infundada, e em consequência manter-se a decisão arbitral sindicada, com o que V. Exas. farão a costumada Justiça!”

O Digno Magistrado do Ministério Público (DMMP) teve vista nos termos do artigo 146.° do CPTA.

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Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir.

***

II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A decisão arbitral apresenta na parte que, ora releva, o teor que infra se transcreve:
"I - RELATÓRIO
1. No dia 09 de Março de 2019, C ………………….. contribuinte n.° ………….., e P …………………, contribuinte n.° …………, residentes na Quinta da …………., Aldeamento ………, ………….., 2645-103 ………, apresentaram pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2° e 10.° do Decreto-Lei n.° 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redacção introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.° 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade do acto de liquidação de IRS n.° 2018 5005569168 e juros compensatórios, relativo ao ano de 2014, no valor de €462.650,47.
2. Para fundamentar o seu pedido alega os Requerentes, em síntese:
i. a ilegalidade do acto de liquidação por violação dos princípios da legalidade e tipicidade, da justiça, da proporcionalidade e da capacidade contributiva;
ii. a ilegalidade do acto de liquidação por não estarem preenchidos os pressupostos de que, nos termos da lei, depende a exigibilidade da tributação em causa;
iii. a ilegalidade da liquidação de juros compensatórios por não ter sido demonstrada, nem provada a verificação dos pressupostos de que, nos termos da lei, depende a exigibilidade dos juros compensatórios em causa;
iv. a ilegalidade do acto de liquidação por preterição do direito de audiência prévia;
v. a ilegalidade do acto de liquidação por falta de fundamentação.
3. No dia 11-03-2019, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.
4. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.° 2 do artigo 6.° e da alínea a) do n.° 1 do artigo 11.0 do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
5. Em 02-05-2019, as partes foram notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade de recusar qualquer delas.
6. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.° 1 do artigo 11.° do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo foi constituído em 22-05-2019.
7. No dia 25-06-2019, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta defendendo-se por excepção e por impugnação.
8. Foi facultada à Requerente a possibilidade de exercer o contraditório relativamente à matéria de excepção, o que foi feito.
9. Ao abrigo do disposto nas als. c) e e) do art.° 16.°, e n.° 2 do art.° 29.°, ambos do RJAT, foi dispensada a realização da reunião a que alude o art.° 18.° do RJAT.
10. Tendo sido concedido prazo para a apresentação de alegações escritas, foram as mesmas apresentadas pelas partes, pronunciando-se sobre a prova produzida e reiterando e desenvolvendo as respectivas posições jurídicas.
11. Foi indicado que a decisão final seria notificada até ao termo do prazo previsto no art.° 21.°/1 do RJAT, prazo esse que foi prorrogado nos termos do n.° 2 do mesmo artigo.
12. O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.°, n.° 1, alínea a), 5.° e 6.°, n.° 2, alínea a), do RJAT.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.° e 10.° do RJAT e artigo 1.° da Portaria n.° 112-A/2011, de 22 de Março.
O processo não enferma de nulidades.
Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.
Tudo visto, cumpre proferir II. DECISÃO
A. MATÉRIA DE FACTO
A. 1. Factos dados como provados
1- Os Requerentes eram proprietários de um imóvel localizado na Rua ………, lote C……, n°….., Torre, Quinta …………….., freguesia e concelho de …………, descrito na Conservatória do Registo Predial de ………... sob o n.° …………… e inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo 14030 do Serviço de Finanças de Cascais.(doravante designado "imóvel").
2- No início de 2013, os Requerentes decidiram vender o referido imóvel, tendo contactado agentes imobiliários da zona de Cascais e Lisboa para publicitar e promover a venda do imóvel.
3- Até Setembro de 2013, o imóvel foi visitado por diversos interessados, que contactaram directamente os Requerentes ou foram indicados por agentes imobiliários.
4- Em meados de Setembro de 2013, os Requerentes foram contactados pelo Sr. João ……………., que informou ser representante da sociedade Global ……………….., Limited com sede em Macau, e que teria em carteira diversos clientes do mercado chinês interessados na aquisição de imóveis em Portugal, com características e valor idênticos ao imóvel pertencente aos Requerentes.
5- O Sr. João …………… propôs a celebração de um contrato de prestação de serviços, tendo os Requerentes aceite tal proposta.
6- A sociedade Global ……………, Limited sociedade comercial constituída sob a forma de sociedade por quotas, tem sede na Avenida Dr. ……………, n°35, ……………., 1° andar, em ………..e está matriculada na Conservatória de Registo Comercial e de bens móveis de Macau com o n.°…………
7- Em 01-10-2013, os Requerentes celebraram com a D..., representada pelo Sr. João …………… um contrato de prestação de serviços.
8- Do referido contrato de prestação de serviços, constava o seguinte:
(...)
9- A sociedade sociedade Global ……….., Limited, através do seu representante, Sr. João ………… pôs os Requerentes em contacto com o Sr. ZHANG ………de nacionalidade chinesa e residente em ... (...), distrito de ..., cidade de ..., Província ..., na República Popular da China.
10- O Sr. ZHANG ………. aceitou as condições propostas e manifestou interesse na celebração do contrato promessa de compra e venda do imóvel.
11- Em 05-10-2013, os Requerentes celebraram com o Sr. ZHANG ……….. contrato promessa de compra e venda do referido imóvel, nos seguintes termos(...)
12- Em 10-10-2013, os Requerentes celebraram um "ACORDO DE ALTERAÇÃO AO CONTRATO-PROMESSA DE COMPRA E VENDA". Aí os Requerentes, além de contratualizarem com o Sr.. ZHANG ………contratualizaram ainda com a Sra ……….. LIU uma futura comproprietária do Sr. Sr. ZHANG ………., nos seguintes termos:
"CONSIDERANDO QUE:
A. Os Promitentes Vendedores e o Primeiro Promitente Comprador celebraram em 5 de Outubro de 2013 um contrato-promessa de compra e venda tendo por objecto o imóvel destinado a habitação, localizado na Rua ..., ... -..., freguesia e concelho de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Cascais sob o número .../... da referida freguesia de Cascais e inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo ... do Serviço de Finanças de ..., a que se refere a licença de utilização número ... emitida pela Câmara Municipal de ..., em 14 de Fevereiro de 2006 (...);
B. O Primeiro Promitente Comprador pretende adquirir o refendo imóvel, em comum com a Segunda Promitente Compradora, reservando para si uma quota ideal correspondente a 5/6 daquele prédio (...);
C. A Segunda Promitente Compradora pretende igualmente adquirir o imóvel melhor descrito no considerando A., em comum com o Primeiro Promitente Comprador, reservando para si uma quota correspondente a 1/6 daquele prédio (…);
D. Os Promitentes Vendedores têm interesse em vender o imóvel melhor identificado no Considerando A e o Primeiro Promitente Comprador e a Segunda Promitente Compradora, por sua vez, têm interesse em adquirir-lhes o referido imóvel, nas proporções mencionadas no considerando anterior (...);
É celebrado e reduzido a escrito o presente Acordo de Alteração ao Contrato Promessa de Compra e Venda celebrado entre os Promitentes Vendedores e o Primeiro Promitente Comprador no dia 5 de Outubro de 2013, que fica subordinado aos termos dos considerandos acima e aos clausulado subsequente.
(…)
Cláusula Primeira
O proémio do contrato promessa é alterado de modo a incluir a aqui 3a Contratante como Segunda Promitente Compradora, passando assim a ter a redacção espelhada acima (...).
Cláusula Segunda
É integralmente alterada a redacção do clausulado contratual, passando a reger- se pelas seguintes cláusulas com o seguinte teor (...).
Cláusula Primeira (Do prédio)
1. Os Promitentes Vendedores são donos e legítimos proprietários do imóvel destinado a habitação, localizado na Rua ... n.° ... - ..., freguesia e concelho de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o número .../... da referida freguesia de ... e inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo ... do Serviço de Finanças de..., a que se refere a licença de utilização número ... emitida pela Câmara Municipal de ..., em 14 de Fevereiro de 2006 (...)
2. Sobre a mencionada fracção incidem actualmente o seguinte ónus (...):
a) Hipoteca voluntária a favor do Banco G..., para garantia até ao montante máximo de 178.318.000,00 Escudos, cuja quantia corresponde actualmente a 889.446,44 EUR, inscrita sob a Apresentação número 31 de 1999/10/28;
b) Hipoteca voluntária a favor da H... para garantia ao montante máximo de 281.476,00 EUR, inscrita sob a Apresentação número 1281 de 2011/11/11.
Cláusula Segunda
(Da promessa de compra e venda)
Pelo presente contrato, os Promitentes Vendedores prometem vender ao Promitente Comprador e à Promitente Compradora, e estes prometem comprar- lhes, totalmente livre de ónus, encargos e limitações, o imóvel melhor identificado na cláusula primeira, pelo preço total de 3.000.000,00 EUR (três milhões de euros), nas seguintes proporções:
a) Primeiro Promitente Comprador: 5/6, pelo preço parcial de 2.500.000,00 EUR (dois milhões e quinhentos mil euros);
b) Segunda Promitente Compradora: 1/6, pelo preço parcial de 500.000,00 EUR (quinhentos mil euros).
Cláusula Terceira
(Do preço e do sinal)
1. O preço livremente ajustado e acordado pelos Contratantes para a compra e venda do imóvel a que se referem as Cláusulas antecedentes é fixado em 3.000.000,00 EUR (três milhões de euros).
2. No dia 5 de Outubro de 2013, com a assinatura da versão original do presente Contrato, o Primeiro Promitente Comprador entregou aos Promitentes Vendedores a quantia de 27.000,00 EUR (vinte e sete mil euros), a título de sinal, quantia da qual os Promitentes Vendedores dão quitação pelo presente instrumento.
3. No prazo de 10 dias a contar da assinatura da versão original do presente Contrato (5 de Outubro de 2013), o Primeiro Promitente Comprador entregará aos Promitentes Vendedores a quantia de 173.000,00 EUR (cento e setenta e três mil euros), a título de reforço de sinal.
Cláusula Quarta
(Do contrato definitivo e do remanescente do preço)
1. A escritura pública de compra e venda será celebrada no prazo máximo de 4 (quatro) meses contados a partir da data da assinatura da versão original do presente contrato promessa.
2. Na data da outorga da prometida escritura pública de compra e venda, o Primeiro Promitente Comprador e a Segunda Promitente Compradora liquidarão o remanescente do preço, ou seja, a quantia de 2.800.000,00 EUR (dois milhões e oitocentos mil euros), por meio de cheques visados ou bancários, nos seguintes termos:
a) Primeira Promitente comprador; 2,3000.000,00 EUR;
b) Segunda Promitente Compradora: 500.000,00 EUR.
4. Contra o recebimento do remanescente do preço, os Promitentes Vendedores entregarão a posse do imóvel ao Primeiro Promitente Comprador e à Segunda Promitente Compradora, dando ainda a respectiva quitação do remanescente do preço.
Cláusula Quinta (Bens Móveis)
Acordam ainda as Partes que, no preço do presente contrato, estão incluídos os artigos de mobiliário (artigos de decoração excluídos) elencados e descriminados no registo fotográfico nesta data elaborado pelas Partes e que aqui consta em anexo, o qual faz parte integrante do presente contrato.
Cláusula Sexta
(Dos documentos)
1. As Partes Contratantes expressamente declaram e aceitam que até à data da realização da escritura pública de compra e venda colaborarão entre si com vista à obtenção de todos os documentos necessários para a outorga da mesma.
2. Os Promitentes Vendedores deverão obter do IPPAR (IGESPAR) - Instituto Português do Património Arquitectónico e Arqueológico a autorização, caso seja necessária, para alienação do imóvel melhor identificado na cláusula primeira (artigo 37° da Lei n.° 107/2001, de 8 de Setembro).
3. Os Promitentes Vendedores deverão entregar o Certificado de Desempenho Energético e da Qualidade do Ar Interior, para entrega à Promitente Compradora conforme previsto no Decreto-lei n° 78/2006 de 4 de Abril e na Portaria 461/2007 de 5 de Julho.
Cláusula Sétima (Escritura)
Compete aos Promitentes Vendedores a marcação da escritura pública de compra e venda, devendo comunicar por escrito, através de carta registada com aviso de recepção, ao Primeiro Promitente Comprador e à Segunda Promitente Compradora, para as moradas constantes da cláusula décima segunda, o dia, a hora e local da sua celebração, com a antecedência mínima de 8 (oito) dias. Cláusula Oitava (Despesas)
1. As despesas e encargos, nomeadamente o valor do imposto sobre o património, o valor dos emolumentos notariais decorrentes da escritura pública e ainda os emolumentos de registo que forem devidos em relação ao imóvel, bem como o IMT eventualmente devido pela transmissão e formalização da escritura pública e documentos contratuais nela previstos serão suportados pelo Primeiro Promitente Comprador e pela Segunda Promitente Compradora.

2. Os Promitentes Vendedores serão responsáveis pelo pagamento de quaisquer impostos, taxas ou outros eventuais encargos legais relacionados com o imóvel que respeitem a actos ou factos anteriores à data da celebração da escritura pública de compra e venda, ainda que as respectivas notas de liquidação e de pagamento cheguem ao seu conhecimento e/ou do Primeiro Promitente Comprador elou da Segunda Promitente Compradora em data posterior à da outorga da prometida escritura pública de compra e venda.
3. Os Promitentes Vendedores declaram que à data da celebração da escritura de compra e venda estarão pontualmente pagas todas e quaisquer despesas de Condomínio, taxas e impostos referentes ao imóvel em apreço, declaração essa que repetirão por ocasião da mesma.
Cláusula Nona (Entrega)
O imóvel será entregue ao Primeiro Promitente Comprador e à Segunda Promitente Compradora no dia da escritura pública de compra e venda, no estado físico de conservação em que actualmente se encontra, que é do conhecimento do Primeiro Promitente Comprador e da Segunda Promitente Compradora.
Nos termos do disposto no número anterior, a posse sobre o imóvel que constitui o objecto do presente contrato transmite-se, de facto e de direito, para o Primeiro Promitente Comprador e para a Segunda Promitente Compradora com a outorga da escritura de compra e venda."
13- Em 16-10-2013, os Requerentes emitiram recibos a favor dos promitentes compradores, pelos valores pagos por estes a partir de Hong Kong e a título de sinal e princípio de pagamento, nos termos do contrato promessa assinado.
14- Em Janeiro de 2010, o Sr. João …………….. em representação da Global ……………, Limited e os Requerentes encetaram contactos tendo em vista a celebração da prometida escritura de compra e venda e a retificação da inexatidão na indicação do valor da comissão devida.
15- Em 24-01-2014, os Requerentes celebraram com a D..., um "ADITAMENTO AO CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS CELEBRADO EM 01/10/2013", nos seguintes termos:
"CONSIDERANDO QUE:
A. As Partes formalizaram em 1 de Outubro de 2013 um contrato de prestação de serviços por via do qual o Segundo Contratante contrata a Primeira Contratante para prestação de serviços de divulgação pelo mercado chinês do imóvel destinado a habitação, localizado na Rua ..., ... - ...- freguesia e concelho de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o número .../... da referida freguesia de ... e inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo ... do Serviço de Finanças de...s, a que se refere a licença de utilização número-..., emitida pela Câmara Municipal de ..., em 14 de Fevereiro de 2006;
B. Na referida data as Partes alcançaram acordo quanto ao valor da comissão a que a Primeira Contratante teria direito pelo exercício das actividades previstas no referido contrato e que se fixaria em 550.000,00c (quinhentos e cinquenta mil euros);
C. As Partes detectaram porém que, por mero lapso de escrita, ficou a constar do clausulado do mencionado Contrato que a comissão a que a Primeira Contratante teria direito se deixava fixada em 575.000,00c (quinhentos e setenta e cinco mil euros), razão pela qual o clausulado contratual não reflecte a real vontade das Partes;
D. As Partes, no espírito de boa-fé que move toda a negociação, e de acordo com o previsto no número 1 da Cláusula 0itava do já sobejamente referido Contrato de Prestação de Serviços celebrado entre as Partes em 01/10/2013. pretendem proceder à rectificação da Cláusula Quarta do mencionado Contrato de Prestação de Serviços, de modo a que aí passe a constar que a comissão a que a Primeira Contratante tem direito é fixada em 550.000,00c (quinhentos e cinquenta mil euros),
É celebrado o presente Aditamento ao Contrato de Prestação de Serviços celebrado entre as Partes em 1 de Outubro de 2013, constituído pelas cláusulas subsequentes que acordaram, aceitam e reciprocamente se obrigam a cumprir:
Cláusula Primeira
(Rectificação da Cláusula Quarta)
A Cláusula Quarta do Contrato de Prestação de Serviços celebrado entre as Partes em 01/10/2013 é neste momento rectificada quanto ao valor da comissão estabelecida a favor da Primeira Contratante, passando a ter a seguinte redacção:
Cláusula Quarta
(Contrapartidas)
1. Pelo exercício de todas as actividades previstas no presente Contrato. a Primeira Contratante terá direito a uma comissão sobre o valor de venda, cujo contrato-promessa, escritura pública ou documento particular de compra e venda resulte dos contactos e negociações originados pela Primeira Contratante.
2. A comissão prevista no número anterior será de 550.000,00€ (quinhentos e cinquenta mil euros).
3. A comissão acima referida será paga no prazo de 8 dias a contar da recepção da respectiva factura, a qual só poderá ser emitida pela Primeira Contratante após outorga de escritura pública ou de documento particular de compra e venda.
4. A comissão é a única contrapartida a que a Primeira Contratante tem direito pela prestação dos serviços acordados no presente Contrato, incluindo I.V.A. ou outros encargos fiscais de natureza equivalente a que possa estar sujeita.
5. A comissão será devida à Primeira Contratante, ainda que o contrato- promessa, a escritura pública ou o documento particular de compra e venda relativos ao activo sejam celebrados após o termo do presente Contrato, desde que o comprador tenha sido efectivamente angariado pela Primeira Contratante. Cláusula Segunda
(Inalteração das Demais Cláusulas)
Com excepção do previsto na Cláusula anterior, mantêm-se em vigor, nos exactos termos inicialmente formalizados, todas as Cláusulas do Contrato de Prestação de Serviços acima mencionado que não sejam por este Aditamento objecto de alteração."
16- Em 28-01-2014, os Requerentes celebraram escritura de compra e venda do imóvel no Cartório Notarial de ……………… ……………..em Lisboa, pelo preço global de €3.000.000,00.
17- Na referida escritura pública, os outorgantes declararam que houve intermediação de uma mediadora imobiliária de Macau, denominada J... Unipessoal, Limitada, inscrita na Conservatória do Registo Comercial de Macau sob o n.° de registo:... .
18- Em 28-01-2014, a sociedade Global …………, Limited emitiu a seguinte fatura aos Requerentes: (...)
19- Em 03-02-2014, os Requerentes pagaram à Global ……………, Limited o valor de €521.000,00, mediante transferência bancária para a conta indicada por aquela sociedade, no Banco Nacional Ultramarino, em Macau.


20- Em 28-05-2015, os Requerentes procederam à entrega da declaração de IRS, relativa ao ano de 2014, a qual foi identificada com o n.°1503-2014-J2802-08.
21- A referida declaração de IRS foi selecionada para análise dos elementos declarados no que concerne à quantia inscrita no anexo G, relativa às despesas e encargos relacionados com a venda do imóvel.
22- Em 28-06-2015, os Requerentes foram notificados para efeitos da referida verificação e análise do conteúdo da declaração e, em 06-10-2015, entregaram no Serviço de Finanças documentação necessária à análise da questão.
23- Em 18-10-2017, a Divisão de Liquidação dos Impostos sobre o Rendimento e Despesa da Direcção de Finanças de Lisboa, mediante o ofício n.° 37407, notificou os Requerentes, para efeitos de audição prévia, da intenção de se efetuar a correção do montante do encargo relativo à venda do imóvel.
24- Da referida notificação, constava o seguinte: (...)
25- Os Requerentes exerceram o respectivo direito de audição prévia.
26- Alguns dos argumentos apresentados em sede de direito de audição foram tidos em consideração, tendo a AT emitido a seguinte decisão final (...)
27- A AT determinou a elaboração de uma declaração oficiosa na qual o valor relativo a despesas e encargos relacionados com a venda do imóvel foi retirado e foi mantida a intenção de reinvestimento.
28- A referida declaração oficiosa deu origem à liquidação n.° 201755473008., na qual se apurou um reembolso no montante de €2.551,96, notificado e pago aos Requerentes em 02-11-2018.
29- Em 14-05-2018, aquando a entrega da declaração de IRS relativa ao ano de 2015, os Requerentes declararam que concretizaram uma parte do reinvestimento, no valor de €838.380,00.
30- Na sequência disso, em 30-10-2018, foi efectuada uma nova liquidação n.° 2018 55569168, visando o cálculo do reinvestimento parcial, da qual resultou imposto a pagar no valor de €462.650,47.
31- O teor da notificação foi o seguinte: (...)
32- Na parte referente aos juros compensatórios foram os Requerentes notificados, ainda, do seguinte (...)
33- Em 10-12-2018, os Requerentes procederam ao pagamento da referida liquidação.
A.2. Factos dados como não provados
Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.
A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.° 123.°, n.° 2, do CPPT e artigo 607.°, n.° 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.°, n.° 1, alíneas a) e e), do RJAT).
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.°, n.° 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.°, aplicável ex vi artigo 29.°, n.° 1, alínea e), do RJAT).
Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.°, n.° 7 do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados. Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insusceptiveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.
B. DO DIREITO
i. Da matéria de excepção
a. Da extemporaneidade do pedido e da caducidade do direito de acção A Requerida começa a sua defesa por arguir a extemporaneidade (e não intempestividade, como seguramente por lapso, refere) do pedido e a caducidade do direito de acção.
Para a Requerida, apesar de os Requerentes indicarem como objecto do pedido de pronúncia arbitral a liquidação n.° ………….168, de 30-10-2018, a causa de pedir apresentada estaria apenas relacionada com o procedimento de análise do teor dos elementos indicados na declaração de rendimentos entregue a 28-052015.
Assim, prossegue a Requerida, uma vez que a causa de pedir que subjaz ao pedido respeita efectivamente à liquidação resultante do procedimento de verificação dos elementos declarados que foi emitida em Dezembro de 2017 e paga em Outubro de 2018 (liquidação n.° 201755473008), e considerando que o pedido de pronúncia arbitral apenas foi apresentado em 11-03-2019, terá sido ultrapassado o prazo legal para o fazer, pelo que se verificaria a excepção de intempestividade, excepção peremptória conducente à absolvição do pedido. Ressalvado o respeito devido não assistirá qualquer razão à Requerida nesta matéria.
Efectivamente, e como a própria Requerida reconhece, o objecto da presente acção arbitral, a que se reporta o pedido anulatório formulado e que é, consabidamente, o referente da tempestividade do pedido arbitral, nos termos do art.° 10.° do RJAT, é o acto de liquidação de IRS n.° 2018 ... e juros compensatórios, relativo ao ano de 2014, no valor de €462.650,47, cuja tempestividade da impugnação arbitral não é contestada pela Requerida.
As questões relativas à causa de pedir, suscitadas pela Requerida não contendem, por qualquer forma com a tempestividade da acção arbitral, mas, antes, com a procedência ou improcedência do mesmo, em termos que adiante se analisarão. Nos presentes autos, e como igualmente se reverá adiante, estaremos perante uma situação análoga à decidida no Acórdão do STA de 29-10-2013, proferido no processo 01028/03, onde se explica que:
"III - A ordem de reposição de quantias é um acto consequente, mas não um mero acto de execução de anterior acto que operou a redução do saldo, já que, embora este habilite à prática do segundo acto e funcione como seu pressuposto, o segundo acto contém, nessa medida, um efeito jurídico inovador, legitimado pela prática do primeiro mas não contido nele.
IV - O recurso contencioso deste segundo acto deve, no entanto, ater-se aos vícios que lhe sejam directamente imputáveis, e não aos que estejam eventualmente a inquinar a primeira decisão, pelo que, caso o recurso contencioso do primeiro acto seja rejeitado, o recurso contencioso da ordem de restituição só pode ter como causa de pedir os vícios da nova decisão, ou seja, os que eventualmente afectem a "liquidação" da obrigação de restituir.".
Também no caso sub iudice, e como é bem evidente, os Requerentes alegam vícios próprios do acto de liquidação de IRS n.° 2018 ... e juros compensatórios, relativo ao ano de 2014, no valor de €462.650,47 (violação de determinados princípios, ilegalidade dos juros, falta de audiência prévia e de fundamentação).
Daí que motivo algum haverá para concluir, como pretende a Requerida, pela extemporaneidade do pedido ou pela caducidade do direito de acção, devendo, naturalmente, o Tribunal ater-se à apreciação dos vícios invocados que sejam próprios do acto tributário objecto da acção arbitral.

Assim, e face ao exposto, julga-se improcedente a excepção, ora em apreço, invocada pela Requerida.

***
ii. Do fundo da causa
Como previamente se expôs, na presente acção de processo arbitral está em causa aferir da legalidade do acto de liquidação de IRS n.° …………….168 e juros compensatórios, relativo ao ano de 2014, no valor de €462.650,47. Relativamente a tal acto, e como também se indicou já, os Requerentes assacam os seguintes vícios:
i. ilegalidade do acto de liquidação por violação dos princípios da legalidade e tipicidade, da justiça, da proporcionalidade e da capacidade contributiva e por não estarem preenchidos os pressupostos de que, nos termos da lei, depende a exigibilidade da tributação em causa;
ii. ilegalidade da liquidação de juros compensatórios por não ter sido demonstrada, nem provada a verificação dos pressupostos de que, nos termos da lei, depende a exigibilidade dos juros compensatórios em causa;
iii. ilegalidade do acto de liquidação por preterição do direito de audiência prévia;
iv. ilegalidade do acto de liquidação por falta de fundamentação.

Vejamos cada um deles.
*
a. Da violação dos princípios da legalidade e tipicidade, da justiça, da proporcionalidade e da capacidade contributiva e por não estarem preenchidos os pressupostos de que, nos termos da lei, depende a exigibilidade da tributação em causa.
Começam os Requerente por arguir a ilegalidade da liquidação contra a qual ora se insurgem por violação dos princípios da legalidade e tipicidade, da justiça, da proporcionalidade e da capacidade contributiva.
Para os Requerentes, e no que diz respeito aos dos princípios da legalidade e tipicidade, a mais-valia deve definir-se pela diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição, maxime quando o facto gerador do imposto constituir uma alienação onerosa, como se verifica no presente processo, estando assim sujeita ao princípio da realização.
No mais, estando em causa a tributação dos ganhos, que se reflictam no aumento do património do sujeito passivo, em harmonia com os princípios constitucionais da capacidade contributiva e da tributação do rendimento, a lei consagra a possibilidade de dedução das despesas e encargos necessários para que o rendimento pudesse ter ocorrido e que, como expressão negativa da capacidade contributiva que são, devem nessa exacta medida ser excluídos do rendimento tributável, impondo que que só devam ser sujeitos a imposto os rendimentos líquidos.
Prosseguem os Requerentes afirmando que, no caso em análise, não se verifica, nem foi identificado no texto e contexto dos concretos actos de liquidação e cobrança impugnados no presente processo, qualquer facto material simples do qual resulte a inadmissibilidade da despesa suportada pelo impugnante com o pagamento da comissão pelos serviços de intermediação imobiliária em causa que, como resulta dos factos invocados e se demonstrou e foi reconhecido pela AT, foi necessária para que o rendimento pudesse ter ocorrido (arts. 8.°, 36.° e 74.° da LGT e art.° 100.° do CPPT), tributando-se como se de rendimento líquido se tratasse o valor de encargos e despesas suportados pelos impugnantes, o que é inadmissível, ex vi do art.° 104.° da CRP e do art. 52.0, alínea a) do CIRS (v. art.° 103.° da CRP, arts. 8.°, ii.° e i8.° da LGT, art. 9.° do C. Civil).
Concluem no sentido de que os actos tributários sub judice violaram frontalmente os princípios constitucionais da legalidade, da justiça, da proporcionalidade e da capacidade contributiva, pois impuseram aos impugnantes suportarem encargos patrimoniais que não eram legalmente devidos, relativamente a quantias que integram despesas relevantes e necessárias para a obtenção do rendimento e que, consequentemente, não integram, qualquer rendimento líquido, considerando manifesta a inconstitucionalidade do art.° 51.°, alínea a) do CIRS, com o sentido normativo que lhe foi atribuído naqueles actos.
Consideram, ainda, os Requerentes não estarem preenchidos os pressupostos de que, nos termos da lei, depende a exigibilidade da tributação em causa.
A este propósito, referem a inexistência de facto tributário, causa e base legal dos actos tributários sub judice, bem como a falta de elementos essenciais ou "causa jurídica" a que a constituição ou manutenção da obrigação tributária possa ser atribuída, e que não tendo sido demonstrada, nem provada a verificação dos pressupostos de que, nos termos da lei, depende a exigibilidade da tributação em causa, é manifesto que não se verifica o respectivo facto tributário, sendo manifesta a ilegalidade dos actos sub judice.
Antes de mais, cumpre notar, desde logo, o equívoco em que parece assentar a argumentação dos Requerentes. Note-se que a presente acção arbitral tem como objecto, exclusivamente, o acto de liquidação de IRS n.° 20185005569168 e respectivos juros compensatórios, relativo ao ano de 2014.
Como decorre dos factos dados como provados, tal acto - acto de liquidação de IRS n.° ………………168.- funda-se e resulta exclusivamente da circunstância de os Requerentes terem declarado, no prazo legal, que apenas concretizaram uma parte do reinvestimento, no valor de €838.380,00 das mais valias que tinham auferido, e que, previamente, tinham declarado pretender levar a cabo.
A questão da relevância das despesas relevantes e necessárias para a obtenção do rendimento tributado - mais-valias - não foi objecto de apreciação naquele acto de liquidação.
Tal acto de liquidação - no que à matéria das despesas referidas - limitou-se a aplicar o que resultou do procedimento de correção do montante do encargo relativo à venda do imóvel, a que se referem os pontos 23 e ss. dos factos provados, e do respectivo acto final e liquidação, actos estes que não foram impugnados e, como tal, consolidaram-se na ordem jurídica, formando o que se costuma designar, na doutrina e na jurisprudência, caso decidido ou resolvido. Como se escrevia já no Ac. do STA de 13-01-1994, proferido no processo 032425, em doutrina reafirmada no recente Ac. do TCA-Sul de 07-03-2019, proferido no processo 2647/14.9BELSB, "com a figura do caso resolvido o legislador visou dar estabilidade às decisões finais da Administração, com o fito de evitar a prática de actos confirmativos e de libertar os serviços da insistência importuna dos reclamantes pirrónicos, objectivos que são compatíveis com a revogabilidade dos actos administrativos, nos termos em que a lei a consente.".
Na parte em que desconsidera as despesas relevantes e necessárias para a obtenção do rendimento tributado que os Requerentes ora pretendem fazer valer, o acto de liquidação de IRS n.° 20185005569168 e juros compensatórios, relativo ao ano de 2014, é um acto meramente confirmativo.
Como se explica no Ac. do TCA-Sul de 10-07-2015, proferido no processo 01772/07, o acto final de liquidação não possui "natureza de acto substitutivo porque não cria um novo quadro jurídico regulador de uma situação concreta,(…) não inovando na ordem jurídica (...), tem natureza meramente confirmativa que não admite impugnação autónoma.".
Acrescente-se, ainda, que o acto final do procedimento de correção do montante do encargo relativo à venda do imóvel, a que se referem os pontos 23 e ss. dos factos provados, e o subsequente acto de liquidação, constituem em si actos autónomos e lesivos para os Requerentes, na medida em que definiram autoritariamente a sua situação jurídico-tributária, em termos que lhes eram desfavoráveis, motivo pelo qual são é possível aplicar aqui o princípio da impugnação unitária, a que se refere o art.° 54.° do CPPT.
Daí que os vícios e invalidades que os Requerentes apontam ao acto de liquidação de IRS n.° ……………..168 e juros compensatórios, relativo ao ano de 2014, se hão-de apreciar, unicamente, na parte em que o mesmo é inovatório, ou seja, na parte em que procede à liquidação resultante de os Requerentes terem declarado, no prazo legal, que concretizaram uma parte do reinvestimento, no valor de €838.380,00 das mais valias que tinham auferido, e que, previamente, tinham declarado pretender levar a cabo.
A esta luz resulta clara a improcedência dos vícios que lhe são assacados pelos Requerentes, na medida em que assentam, exclusivamente, em matéria relativa às despesas relevantes e necessárias para a obtenção do rendimento tributado, matéria essa que foi apreciada e decida no procedimento de correção do montante do encargo relativo à venda do imóvel, a que se referem os pontos 23 e ss. dos factos provados, e do respectivo acto final e liquidação.
De resto, e no que diz respeito às alegadas violações dos princípios invocados pelos Requerentes, é consabido que os princípios devem ser compatibilizados com outros princípios e valores, como seja, no caso, a segurança e a estabilidade jurídicas, cedendo em determinadas circunstâncias.
Como escreveu o Tribunal Constitucional no acórdão 32/2002, de 22/01/2002, no âmbito do processo n.° 787/98:"... não houve recurso contencioso e o acto administrativo acabou por se consolidar na ordem jurídica, deixando de ser impugnável. Ora, este Tribunal já decidiu expressamente, no Acórdão n.° 786/96 (Acórdãos do Tribunal Constitucional, 34.° vol., p. 34), que, "nesta última hipótese, tal consolidação, mesmo não constituindo caso julgado em sentido estrito, por não proceder de decisão judicial, há-de, no entanto, a ele ser equiparada para efeito do disposto no artigo 282.°, n.° 3, da Constituição". O que significa, no caso vertente, que aqueles casos em que não foi oportunamente interposto recurso contencioso constituem agora caso administrativo resolvido e se encontram já consolidados".
No mais, que diz respeito à alegada inexistência de facto tributário, como se escrevia já no Ac. do STA de 09-12-2003, proferido no processo 015806, "A inexistência do facto tributário radica na não ocorrência da situação real causa da liquidação propriamente dita".
Ora, como é pacífico nos autos, os Requerentes auferiram uma mais valia sujeita a tributação nos termos legais.
Daí que, desde logo, nunca poderia estar em causa, salvo melhor opinião, a inexistência de facto tributário, mas meramente um erro na quantificação do mesmo.
Não obstante, e no quadro do quanto previamente se expôs, não é esse o caso.
Com efeito, e como antes se indicou, a liquidação objecto da presente acção arbitral limitou-se a retirar as consequências da circunstância de os Requerentes terem declarado, no prazo legal, que concretizaram apenas uma parte do reinvestimento exigido, no valor de €838.380,00 das mais valias que tinham auferido, e que, previamente, tinham declarado pretender levar a cabo. A liquidação objecto da presente acção arbitral não dispôs, por qualquer forma, sobre a questão da consideração do montante do encargo relativo à venda do imóvel, que os Requerentes aqui pretendem fazer valer. Essa foi uma questão que já estava decidida e definida, como atrás identificado, por acto anterior, não abrangido no objecto da presente acção arbitral. Enfatiza-se. Aquilo que está em causa na liquidação objecto da presente acção arbitral é a correcção derivada da não utilização do benefício fiscal legalmente devido, uma vez que não se preencheu o requisito legal temporal: apesar de os Requerentes terem a opção de concretização do reinvestimento no prazo de 36 meses, i.e., no caso em apreço, até Janeiro de 2017, tal não correu na totalidade.

Daí que não se verifique qualquer das ilegalidades e inconstitucionalidades invocadas pelos Requerentes e ora apreciadas, devendo por isso, nesta parte, improceder o pedido arbitral.

***
b. Da ilegalidade da liquidação de juros compensatórios

Prosseguem os Requerentes, alegando a ilegalidade da liquidação de juros compensatórios, por não ter sido demonstrada, nem provada a verificação dos pressupostos de que, nos termos da lei, depende a exigibilidade dos juros compensatórios em causa.
Para os Requerentes inexiste qualquer dívida tributária que permitisse a liquidação de tais juros e não se verifica, não foi demonstrada, nem foi provada qualquer culpa dos contribuintes.
Como se escreveu no Acórdão do STA de 04-12-2013, proferido no processo 01111/13, "A fundamentação de uma liquidação de juros
compensatórios deve dar a conhecer, no plano factual, o montante do imposto sobre o qual incidem os juros, a taxa ou taxas aplicáveis e o período da sua contagem.".
E, como se explica, mais detalhadamente, no Acórdão do TCA-Sul de 1909-2017, proferido no processo 07964/14: "Assim, o conhecimento integral do itinerário valorativo e cognoscitivo seguido pela entidade que liquidar os juros compensatórios não dispensará:
1- A indicação do montante dos juros, separado do montante do tributo, se for liquidado concomitantemente;
2- Os termos inicial e final da contagem dos juros;
3- A taxa ou taxas e os períodos a que se reporta cada uma delas, se não for a mesma a taxa aplicada para cálculo da totalidade dos juros;
4- A indicação dos diplomas legais que consagram a responsabilidade por juros compensatórios e os que prevêem as taxas aplicadas;
5- A situação fáctica violadora da lei que justifica a liquidação dos juros ou os factos que levaram a A. Fiscal a concluir que o atraso na liquidação se deveu a actuação culposa do contribuinte (cfr.ac.S.T.A.-2a.Secção, 4/2/2004, rec.1733/03; ac.S.T.A.-2a.Secção, 23/4/2013, rec.1095/12; ac.T.C.A.Sul-2a.Secção, 17/10/2013, proc.6670/13; ac.T.C.A.Sul-2a.Secção, 24/09/2015, proc.8225/14; Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária comentada e anotada, 4a. edição, Encontro da Escrita, 2012, pág.284 e seg.; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P. Tributário anotado e comentado, IV volume, Áreas Editora, 6a. edição, 2011, pág.240)."
Ora, os Requerentes não colocam em causa qualquer destes elementos e, como se viu já, a alegada inexistência da dívida tributária, não ocorre no presente caso.

Relativamente à alegada demonstração e prova da verificação dos pressupostos de que, nos termos da lei, depende a exigibilidade dos juros compensatórios em causa, o certo é que, conforme resulta da matéria de facto dada como provada, da notificação que foi efectuada aos Requerentes constam todos os elementos necessário ao cumprimento das obrigações legais que nessa matéria assistiam à AT, à luz dos critérios previamente expostos.
Daí que, não se verificando a violação de qualquer norma ou princípio, legal ou constitucional, aplicável ao caso ou invocado pelos Requerentes, também nesta parte, deva improceder o pedido arbitral.

***
c. Da ilegalidade do acto de liquidação por preterição do direito de audiência prévia
Alegam também os Requerentes que, relativamente ao acto de liquidação objecto da presente acção arbitral, foi preterido o direito de audiência prévia, que, no caso, lhe consideram assistir.
Para os Requerentes, os actos de liquidação e cobrança sub judice não foram assim precedidos de audiência e defesa dos ora impugnantes sobre todas as questões que foram objecto de decisão, designadamente:
- que se tenha verificado "através dos documentos enviados que a empresa que efetuou a intermediação está sediada em Macau" e que fosse aplicável o regime da Lei 15/2013, de 8 Fevereiro, a situações expressamente exluídas do seu âmbito pelo respectivo art.° i.°, n.° 2;
- a aplicabilidade dos arts. 36.° e 40.° do CIVA;
- os pressupostos de que, nos termos da lei e na perspectiva da entidade decidente - Autoridade Tributária -, depende a exigibilidade dos juros compensatórios.

Antes de mais, cumpre reiterar aqui o anteriormente expendido quanto ao aparente equívoco em que laboram os Requerentes, ao confundir o procedimento de correção do montante do encargo relativo à venda do imóvel, a que se referem os pontos 23 e ss. dos factos provados, e do respectivo acto final e liquidação, com o acto tributário objecto da presente acção arbitral, o que é patente pela remissão que fazem para os documentos 16 e 18 juntos com o Requerimento inicial, que dizem respeito àquele referido procedimento.
Cingindo-nos ao acto de liquidação de IRS n.° ……………168 e juros compensatórios, relativo ao ano de 2014, verifica-se que o mesmo foi emitido na sequência da declaração de reinvestimento apresentada pelos Requerentes e em conformidade com a mesma, bem como com o previamente decidido, e firmado na ordem jurídica, no procedimento de correção do montante do encargo relativo à venda do imóvel, a que se referem os pontos 23 e ss. dos factos provados.
Daí que, nos termos do disposto no art.° 60.°, n.° 2, alínea a) da LGT fosse, relativamente ao acto tributário que ora nos ocupa, dispensado, ope legis, a audiência prévia dos Requerentes, não sendo necessário, por falta de acolhimento legal, nenhuma decisão expressa nesse sentido, desde logo, porquanto o regime em questão visa agilizar e simplificar a emissão de actos tributários, o que é, evidentemente, incompatível com a necessidade de uma decisão prévia a determinar a aplicação desse mesmo regime.
Em todo o caso, e mesmo que assim não fosse, sempre a preterição da formalidade em questão se degradaria em não essencial, uma vez que tendo sido conforme à declaração apresentada pelo contribuinte, corrigida nos termos de acto anterior já sedimentado na ordem jurídica, não seria a participação dos Requerentes na decisão susceptível de alterar aquela.
Já no que diz respeito à audição prévia relativa aos pressupostos de que, nos termos da lei e na perspectiva da entidade decisora - Autoridade Tributária -, depende a exigibilidade dos juros compensatórios, não foi efectivamente cumprido o dever de audiência prévia que, nesse caso, impendia sobre a AT.
Todavia, como se decidiu no Acórdão do STA de 19-09-2018, proferido no processo 0242/17, "A preterição de uma determinada formalidade poderá considerar-se preterição de formalidade não essencial se se demonstrar (apreciação dependente das circunstâncias concretas de cada caso, numa ponderação que está subjacente ao princípio do aproveitamento dos actos administrativos) que, mesmo sem ela ter sido cumprida, a decisão final do procedimento não poderia ser diferente.".
Ora, no caso, e no que diz respeito a esta matéria, os Requerentes não alegam, e consequentemente não demonstram, que a sua audição antes da liquidação de juros compensatórios fosse alterar, por qualquer forma, o respectivo cálculo.
Com efeito, e conforme consta da respectiva notificação que integra os factos provados, ocorreu retardamento da liquidação. Além disso, sendo os elementos de cálculo dos juros em questão elementos apenas numéricos, e sendo que as operações aritméticas subjacentes ao seu cálculo são as correctas, não se vislumbra, por isso, que a decisão final em questão pudesse ser diferente da que foi tomada.
Deste modo, e em obediência à jurisprudência citada, dever-se-á julgar a formalidade preterida relativa à audiência prévia dos interessados, degrada em não essencial.
Face ao exposto, não se verificando a violação de qualquer norma ou princípio, legal ou constitucional, aplicável ao caso ou invocado pelos Requerentes, improcederá igualmente nesta parte o pedido arbitral.

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d. Da ilegalidade do acto de liquidação por falta de fundamentação
Arguem, por fim, os Requerentes, ilegalidade do acto de liquidação por falta de fundamentação.
Consideram os Requerentes, a este propósito, que resulta do texto e contexto dos concretos actos de liquidação e cobrança impugnados, que estes enfermam de manifesta falta de fundamentação, de facto e de direito, ou, pelo menos, esta é insuficiente, obscura e incongruente.
Uma vez mais, nesta matéria, o que se verifica é que os Requerentes incorrem no equívoco de misturar o procedimento de correção do montante do encargo relativo à venda do imóvel, a que se referem os pontos 23 e ss. dos factos provados, e do respectivo acto final e liquidação, com o acto tributário objecto da presente acção arbitral, já que todos os argumentos que esgrimem relativamente à falta de fundamentação daquele último, se reportam ao primeiro, com excepção da parte relativa aos juros compensatórios, já analisada, no que diz respeito à necessidade de fundamentação, em ponto anterior.
Não se verifica, por isso, também nesta matéria a violação de qualquer norma ou princípio, legal ou constitucional, aplicável ao caso ou invocado pelos Requerentes, pelo que deverá improceder o pedido arbitral formulado.
***
C. DECISÃO
Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar integralmente improcedente o pedido arbitral formulado e, em consequência:
a) Absolver a Requerida do pedido; e
b) Condenar os Requerentes nas custas do processo, no montante abaixo fixado."


***

Atento o disposto no artigo 662.°, n.° 1, do CPC, ex vi art.° 140.°, n.° 3, do CPTA, ex vi art.° 29.°, n.° 1, al. c), do RJAT, acorda-se em aditar a seguinte matéria de facto provada:

A) A 08.07.2019, os ora Impugnantes apresentaram junto do CAAD pedido de constituição de Tribunal Arbitral, na qual formularam "pedido de pronúncia arbitral de declaração de ilegalidade da liquidação de IRSe juros compensatórios n. ° ………….168, de 2018.10.30, no montante de € 462.650.47 (quatrocentos e sessenta e dois mil seiscentos e cinquenta euros e quarenta e sete cêntimos), realizada pelo Serviço de Finanças de Cascais- 1, relativamente ao "período de rendimentos" de "2014-01-01 a 2014.12.31", estruturando, para o efeito, o articulado mediante "enquadramentofáctico - v. arts. 10.° a 22°; aplicação do direito aos factos; da tributação de despesas e encargos como rendimentos do contribuinte - arts. 23° a 39°; da inexigibilidade de juros compensatórios - arts. 40° a 42°; da preterição de audição prévia - arts. 43° a 49°; da falta de fundamentação - arts. 50° a 56°; conclusão - arts. 57° a 60°; pedido e indicação de meios de prova" e invocando a final o seguinte pedido: "Requerem a V. Exa. se digne receber e mandar autuar o presente pedido de pronúncia arbitral, requerendo-se a intervenção do colectivo de três árbitros, seguindo-se os demais termos fixados na lei e declarando-se, a final, a ilegalidade da liquidação de IRS e JUROS COMPENSATÓRIOS n.° ……….168, de 2018.10.30, no montante de € 462.650,47 (quatrocentos e sessenta e dois mil seiscentos e cinquenta euros e quarenta e sete cêntimos), realizada pelo Serviço de Finanças de Cascais-1, relativamente ao "período de rendimentos" de "2014-01-01 a 2014.12.31". PARA TANTO, Requer-se, nos termos do art. 17° do RJAT, que seja ordenada a notificação do dirigente máximo dos serviços da Autoridade Tributária para, no prazo legal, apresentar resposta, remeter cópia do processo administrativo tributário e, caso queira, solicitar a produção de prova adicional (cfr. art. 110°/5 do CPPT). Para os efeitos do art. 6° do RJAT. os ora impugnantes declaram que não pretendem designar árbitro." (cfr. fls. 3 a 44 da certidão do processo em formato PDF, constante de CD apenso, a que correspondem futuras referências sem menção de origem).

B) Na sequência do referido em A), foi constituído Tribunal arbitral coletivo, tendo dado origem ao processo n.° 168/2019-T (cfr. fls. 149).

C) À Impugnada, nos autos referidos em B), foi remetida comunicação pelo CAAD, no sentido de a mesma apresentar resposta, solicitar a produção de prova adicional e juntar o processo administrativo, tendo esta apresentado articulado no qual se defendeu por exceção e por impugnação, extratando-se na parte que, ora, releva, designadamente, o seguinte:
"III - POR EXCEPÇÃO: da intempestividade do pedido e da caducidade do direito de acção
15.
Como ressalta claro dos factos supra descritos, para que se remete e se dão aqui por reproduzidos, apesar de o Requerente indicar como objecto do pedido de pronúncia arbitral a liquidação nº ………..168 de 30.10.2018, a causa de pedir apresentada está apenas relacionada com o procedimento de análise do teor dos elementos indicados na declaração de rendimentos entregue a 28.05.2015.
16.
Com efeito, como supra se viu, foi na sequência deste procedimento, no âmbito do qual foi elaborada a Informação n° 4933/2017, (a que o Requerente alude nos artigos 19° e 20° do seu ppa), que foi desconsiderado o montante de € 550.000,00 indicado como respeitante a despesas e encargos relacionados com a venda do imóvel, mas mantida, por ainda se encontrar a decorrer o prazo legal para o efeito, a opção de reinvestimento.
17.
E, contrariamente ao que o Requerente pretende fazer crer no art.21° do ppa, daquela análise e Informação resultou a já supra mencionada liquidação na 2017 55473008, de 22.12.2017, na qual se apurou reembolso, pago ao Requerente por meio de cheque emitido a 22.10.2018 (doc 2 supra referido).
18.
Apenas após terem decorrido os 36 meses legalmente previstos (cf. artigo 10° n° 5 al.b) do CIRS) sem que se tenha confirmado o reinvestimento da quantia inicialmente declarada, é que foi elaborada a liquidação aqui sindicada, cujo fundamento decorre directamente da lei, (art.ba na7 do CIRS), e que em nada está relacionado com a desconsideração daquela quantia de €550.000,00referente a despesas e encargos relacionados com a venda do imóvel.
19.
Ora, resulta da lei - artigo 10° n° 1 al.a) do RJAT e artigo 10° n° 5 do CPPT - que o prazo para apresentação do pedido de pronúncia arbitral é de noventa dias contados a partir da data da notificação da liquidação, (que ocorreu a 02.11.2018).
20.
Assim, uma vez que a causa de pedir que subjaz ao pedido respeita efetivamente à a liquidação resultante do procedimento de verificação dos elementos declarados foi emitida em Dezembro de 2017 e paga em Outubro de 2018 (liquidação n.a 2017 5005473008),
21.
e considerando que o pedido de pronúncia arbitral apenas foi apresentado em 11.03.2019, foi largamente ultrapassado o prazo legal para o fazer, pelo que se verifica a excepção de intempestividade, a qual consubstancia uma excepção peremptória conducente à absolvição do pedido - artigo 576a na3 do CPC, aplicável ex vi artigo 29°nal al.e) do RJAT."

(cfr. fls. 243 a 253).

D) Na sequência da resposta referida em C), foi prolatado despacho a 26 de junho de 2019 com o seguinte teor:

"A Requerente poderá, no prazo de 10 dias, querendo, pronunciar-se sobre a matéria de excepção contida na resposta da Requerida.
No mesmo prazo, deverá a Requerente informar se, face às posições das partes assumidas nos articulados, mantém interesse na inquirição das testemunhas por si arroladas, ou se prescinde da mesma.
Mantendo-se o interesse da Requerente naquela inquirição, deverá esta, no mesmo prazo, indicar quais os concretos pontos do requerimento inicial que serão objecto daquele tipo de prova." (cfr. fls. 272).

E) A resposta referida em D) foi comunicada à Impugnante, dela constando, designadamente, o seguinte:
“(...) 2. Em primeiro lugar, o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo foi apresentado no CAAD, em 2019.03.09, ou seja, antes do termo do prazo de 90 dias contado a partir do termo do prazo para o pagamento voluntário do tributo em análise que foi expressamente fixado pela ATA - "2018.12.12" (v. Doc. 3, junto com a p.i.) - pelo que a sua tempestividade é manifesta, ex vi do art. 10°/1 /a) do RJATe do art. 102°/1 /a) do CPPT
3. No presente processo está em causa arbitragem destinada à "declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos" (v. art. 2°/a) do RJAT; cfr. art. 2o da Portaria 112-A/2011, de 22 de Março) - in casu, a liquidação de IRS e juros compensatórios n. ° …………………168, de 2018.10.30, por referência ao ano de 2014 e no valor de € 462.650,00 (v. Docs. 1 a 3, juntos com a p.i.). (...)
5. No presente processo verificam-se, foram invocados e estão documentalmente provados os seguintes factos principais:
a) Em 2015.05.28, os ora impugnantes procederam à entrega da respectiva declaração de IRS, relativa ao ano de 2014 (v. art. 16° da p.i. e art. 4° da resposta da ATA; cfr. Doc. 15, junto com a p.i.);
b) Em 2017.11.17, os ora impugnantes foram notificados, em sede de audiência prévia, que "da análise efectuada aos documentos/elementos apresentados relativamente à declaração de IRS, Modelo 3, do ano de 2014. com a identificação …………….., constatou-se a existência de incorrecções (...) relativamente às despesas e encargos" declarados relativamente à venda do seu imóvel (v. art. 17° da p.i.; cfr. Doc. 16, junto com a p.i.);
c) Em 2017.11.29, os ora impugnantes apresentaram resposta em sede de audiência prévia, que aqui se dá por integralmente reproduzida (v. art. 18° da p.i. e art. 8o da resposta da ATA; cfr. Doc. 17, junto com a p.i. e processo administrativo apenso);
d) Por ofício da Direcção de Finanças de Lisboa de 2017.12.21, os impugnantes foram notificados "que por despacho de 15-12-2017, cuja cópia se anexa, a declaração Mod. 3 de IRS n………………, do ano de 2014. vai ser corrigida oficiosamente por este serviço, nos termos do n.9 4 do artigo 65.° do CIRS, em conformidade com a notificação para o direito de audição prévia efectuada pelo nosso ofício 00040774 em 2017/11/10, com as alterações resultantes da apreciação à resposta apresentada" (v. arts. 19° e 20° da p.i. e art. 8o da resposta da ATA; cfr. Doc. 18, junto com a p.i.);
e) Por correio registado simples, os ora impugnantes foram notificados da liquidação de IRS e juros compensatórios n. ° ………168, de 2018.10.30, no montante de € 462.650,00, que nos seus precisos termos se refere ao ano de 2014 e integra o obiecto do presente processo (v. art. 21° da p.i.; cfr. Does. 1 a 3, juntos com a p.i.);
f) Da notificação remetida aos ora impugnantes consta que o termo do prazo para o pagamento voluntário do tributo em causa foi fixado pela ATA nos seguintes termos: "data limite de pagamento: 2018.12.12" (v. Doc. 3, junto com a p.i.);
g) O presente processo foi instaurado em 2019.03.09, e tem por objecto a declaração de ilegalidade da liquidação de IRS e juros compensatórios n. ° ………….168, de 2018.10.30 (v. p.i.).
Anote-se desde já que, contrariamente ao que, por lapso ou distracção, foi invocado no art. 19° da resposta da ATA, o presente processo não foi instaurado em 2019.03.11.
Na verdade, e como resulta de simples consulta dos autos, o presente processo foi instaurado em 2019.03.09, e na data que a ATA agora falsamente invoca - 2019.03.11 -, já estava a ser objecto de despacho de aceitação pelo CAAD...
5.1. Por um lado, registe-se que, contrariamente ao erradamente invocado pela ATA na sua resposta, no caso em análise nunca poderia ser desconsiderado o teor literal da notificação do acto tributário em análise aos ora impugnantes, do qual resulta claramente o seguinte:
a) O termo do prazo voluntário para o respectivo pagamento só ocorreu em
como consta expressis et apertis verbis do Doc. 3, junto com a p.i.;
b) Da notificação da demonstração de liquidação n.° ……….168, de 2018.10.30, que integra o objecto do presente processo, consta também expressamente que o contribuinte "poderá reclamar ou impugnar nos termos e prazos estabelecidos nos arts. 140g do CIRS e 70s e 102g do Código de Procedimentos e Processo Tributário (CPPT" (v. Doc. 1, junto com a p.i.).
Dado que o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo foi apresentado pelos ora impugnantes no CAAD, em 2019.03.09, ou seja, antes do termo do prazo de 90 dias contado a partir do termo do prazo expressamente fixado pela ATA para o pagamento voluntário do tributo em análise - "2018.12.12" (v. Doc. 3, junto com a p.i.), é manifesto que a questão de intempestividade agora suscitada pela ATA não tem qualquer fundamento ou procedência, ex vi do art. 10°/l/a) do RJATe do art. 102°/1 /a) do CPPT.
5.2. Por outro lado, contrariamente ao que dolosamente se defende na resposta em análise, os prazos e meios de impugnação que foram expressamente indicados pela própria ATA na notificação do acto tributário sub judice aos ora impugnantes nunca poderiam ser agora desconsiderados, sob pena de frontal violação dos princípios estruturantes do Estado de Direito democrático, da confiança e da boa fé (v. arts. 2o, 9o, 18°, 103° e segs. e 266° da CRP), constituindo jurisprudência pacífica a este propósito que "deve considerar-se tempestiva a impugnação oferecida dentro do prazo assinalado na notificação, face aos princípios gerais de direito da boa-fé e protecção da confiança" (v. Ac. TCA Norte de 2017.06.14, Proc. 148/16.0BEBRG, e demais jurisprudência concordante nele citada, in www.dgsi.pt).
5.3. Deste modo, a posição agora assumida pela ATA no âmbito do presente processo, "equivale a dar o dito por não dito, radica numa conduta contraditória da mesma pessoa, pois pressupõe duas atitudes espaçadas no tempo, sendo a primeira (factum proprium) contraditada pela segunda atitude, o que constitui, atenta a reprovabilidade decorrente da violação dos deveres de lealdade e de correccão. uma manifesta violação dos limites impostos pela boa fé" (v. Ac. STJ de 2003.01.21, Proc. 02A2970, cfr. Ac. RL de 2007.11.29, Proc. 9180/2007, ambos in www.dgsi.pt), revelando um paradigmático caso de contraditio e de verdadeiro venire contra factum proprium (v. art. 334° do C. Civil, arts. 542° e segs. do NCPC e art. 16°/f) do RJAT).
6)Face ao disposto nos arts. 10°/1/a) do RJAT e 102°/1 do CPPT, aos demais princípios jurídicos enunciados e aos factos supra indicados, que estão documentalmente provados e dos quais, inclusivamente, a ora requerida também se prevaleceu no seu articulado, é manifesto que a questão da pretensa "intempestividade do pedido e caducidade do direito de acção", invocada pela ATA na sua resposta, não tem qualquer fundamento ou procedência, pois:
a) O pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo foi apresentado pelos ora impugnantes no CAAD, em 2019.03.09, ou seja, antes do termo do prazo de 90 dias contado a partir do termo do prazo expressamente fixado pela ATA para o pagamento voluntário do tributo em análise - "2018.12.12" (v. Doc. 3, junto com a p.i.) -, pelo que é manifesta a sua tempestividade, ex vi do art. 10°/1/a) do RJAT e do art. 102°/1/a) do CPPT (cfr. ainda, art. 334° do C. Civil, arts. 542° e segs. do NCPC e art. 16°/f) do RJAT).
b)É falso, inexacto e improcedente o que consta dos arts. 10°, 15° a 21° e 22° a 52° da resposta da ATA, que se impugnam.
7.Em segundo lugar, e numa perspectiva diferente, a descabida referência da ATA à "liquidação nº…………008, de 22.12.2017", para na sua resposta se permitir vir agora invocar a inadmissibilidade e intempestividade do presente processo arbitral (v. arts. 16° a 21° da resposta), integra também afirmação claramente falsa e improcedente. que nunca poderia ser admitida face, desde logo, aos princípios da cooperação e boa fé, que, contrariamente ao entendimento da requerida, não vinculam só o contribuinte (v. art. 16°/f) do RJAT; cfr. arts. 542° e segs. do NCPC).
8.Na resposta que apresentou no presente processo, a ATA atreveu-se a defender que a "liquidação n° …………008, de 22.12.2017, na qual se apurou reembolso, pago ao Requerente por meio de cheque emitido a 22.10.2018", teria resultado da "Informação n° 4933/2017", na qual "foi desconsiderado o montante de € 550.000,00 indicado como respeitante a despesas e encargos relacionados com a venda do imóvel" (v. arts. 16° e 17° da resposta).
Consequentemente, a ATA permite-se agora afirmar e defender que "a causa de pedir que subjaz ao pedido respeita efectivamente à liquidação resultante do procedimento de verificação dos elementos declarados foi emitida em Dezembro de 2017 e paga em Outubro de 2018 (liquidação n.º ……………008)", o que determinaria a intempestividade do presente processo arbitral (v. arts. 18° a 21° da resposta), pois, na descabida tese da ATA, o acto sub judice "em nada está relacionado com a desconsideração daquela quantia de €550.000,00" (v. art. 18° a 21° da resposta).
As temerárias e descabidas teses da ATA são claramente infirmadas, desde logo, pelos documentos juntos aos presentes autos com a p.i. e mesmo com a desarrumada confusão que caracteriza os desorganizados e propositadamente incompletos "processos administrativos" que foram juntos com a sua resposta.
E, neste panorama de completa desorganização, a ATA só se esqueceu de juntar ao respectivo Processo Administrativo Tributário, cópia do seu original do acto de liquidação sub judice e respectiva notificação aos ora impugnantes. que apenas foram apresentados e juntos aos autos como Docs. 1 a 3, com a p.i. apresentada pelos contribuintes lesados no presente processo arbitral...
g. Por um lado, a desconsideração do "montante de € 550.000,00, indicado como respeitante a despesas e encargos relacionados com a venda do imóvel", que resultou do "procedimento de verificação dos elementos declarados", só teve reflexos e consequências no acto de liquidação impugnado no presente processo - liquidação de IRS e juros compensatórios n.° …………..168, de 2018.10.30, relativa ao ano de 2014, impondo-lhes o pagamento do montante de € 462.650,00, Aliás, contrariamente ao invocado pela ATA, a desconsideração das referidas "despesas e encargos" não foi nem podia ter sido ponderada na "liquidação n.g 2017 5005473008", que (i) não se refere à desconsideração das referidas quantias, (ii) não assume qualquer carácter ou natureza prejudicial in casu e (iii) da qual só foi dado conhecimento incompleto e incidental aos impugnantes aquando da notificação liquidação n. ° ……………168, como resulta do Doc. 3, junto com a p.i., de que no art. 13° da sua resposta a ATA curiosamente também se pretendeu prevalecer...
9.1. No caso em análise verifica-se que, por razões inaceitáveis à luz de critérios de boa fé, a ATA não leu - ou não quis ler - a informação dos Serviços de Finanças de Cascais de fls. 8 do pdf que juntou ao presente processo com a designação "08 - processo administrativo SF.pdf", com o seguinte teor:
1. "Em 30/10/2018, foi efectuada a liquidação de IRS n.° ………….168, relativa ao período de 2014, no valor de €465.202,43.
2. A referida liquidação foi paga dentro do prazo de pagamento voluntário.
3. Na sequência do processo de divergência n. ° ………., foi efectuada a correcção oficiosa da liquidação de IRS do ano de 2014, através do DC ………………… de 19/12/2017.
4. O referido DC foi inicialmente liquidado em 22/12/2017. tendo originado um reembolso no montante de €2.551,96.
5. Posteriormente, em 30/10/2018, o documento de correccão emitido na sequência do processo de divergência, foi reliquidado, tendo originado o montante de €465.202.43 a Pagar.
6. Em 09/03/2019, não se conformando com a reliquidação efectuada, o sujeito passivo apresentou pedido de pronúncia arbitral.
7. É quanto me cumpre informar, devendo remeter-se o presente processo à Divisão de Justiça Contenciosa".
As referidas afirmações - "o documento de correccão emitido na sequência do processo de divergência, foi reliquidado. tendo originado o montante de €465.202.43 a pagar", são confirmadas, nos seus precisos termos, pelo que consta dos Docs. 1 a 3, juntos com a p.i., e dos demais documentos e informações constantes de fls. 9 e segs. do referido "08 - processo administrativo SF.pdf".
9.2. Face ao claro teor dos Docs. 1 a 3 e 15 a 18 juntos com a p.i, bem como dos documentos de fls. 8 e segs. do referido processo administrativo, é manifesto que a posição agora assumida pela ATA não tem qualquer procedência, pois:
a) A desconsideração do "montante de € 550.000,00 indicado como respeitante a despesas e encargos", com o consequente aumento do valor da matéria colectável dos ora impugnantes na mesma proporção (v. art. 51° do CIRS), não determinou e nunca poderia ter determinado uma redução do valor liquidado a título de mais- valias, e, muito menos, o "reembolso no montante de €2.551,96", que resultou da "liquidação n. ° …………….008", agora invocada pela ATA;
b) Como resulta da referida "liquidação n.° …………….008", esta não faz qualquer referência à desconsideração do "montante de € 550.000.00 indicado como respeitante a despesas e encargos", traduzindo-se num simples movimento a crédito a favor do contribuinte, sem qualquer referência sequer à liquidação de mais- valias imobiliárias, que integra do objecto do presente processo (v. Docs. 1 a 3, juntos com a p.i.);
c) A seguir-se a descabida tese da ATA, chegaríamos a conclusões completamente absurdas, levando a concluir-se que em resultado da não aceitação do valor de abatimentos ou deduções à matéria colectável (neste caso, despesas e encargos comprovadamente suportados pelo contribuinte com a venda do seu imóvel - v. art. 51° do CIRS), como a ATA defende ter acontecido com a "liquidação n.s ………………008", o valor da colecta não aumentaria e até diminuiria, e o contribuinte até seria reembolsado de imposto pago em excesso (v. Doc. 3, junto com a p.i.) - Numa só palavra: Notável!
d) Como foi expressamente reconhecido pelos serviços da ATA, a desconsideração do referido montante de € 550.000,00, só produziu efeitos "posteriormente, em 30/10/2018", quando "o documento de correcção emitido na sequência do processo de divergência, foi reliquidado tendo originado o montante de €465.202.43 a pagar" (v. fls. 8 e segs. do pdf junto pela ATA ao presente processo com a designação "08 - processo administrativo SF.pdf"), com efeitos claramente lesivos para os ora impugnantes (v. art. 268°/4 da CRP).
10. Por outro lado, como decorre dos documentos juntos aos presentes autos (v. Doc. 3, junto com a p.i.; cfr. fls. 9 e segs. do referido "08 - processo administrativo SF.pdf"), de todos os documentos notificados aos ora impugnantes, a única referência à "liquidação n.s 2017 5005473008" de que a ATA se pretende prevalecer (v. art. 13° da resposta), foi feita em simultâneo e aquando da notificação do acto de liquidação impugnado no presente processo (v. Does. 1 a 3, juntos com a p.i.) e tem o seguinte teor:" Estorno Liq. de 2014 - Liq. ………….008" (v. Doc. 3, junto com a p.i.),
É manifesto que tal referência avulsa nunca poderia determinar a intempestividade ou inadmissibilidade do presente meio processual.
10.1. No caso sub judice não se verificou, nem a ATA, provou, como lhe competia (v. art. 74° da LGT), a notificação da "liquidação n.° 2017 5005473008" aos ora impugnantes em qualquer momento anterior ao da notificação dos referidos Docs. 1 a 3, não podendo resumir-se a existência de tal acto formal (v. art. 36° do CPPT), que tem que constar de específico documento escrito (v. art. 36° do CPPT e art. 160° do CPA), nem podendo a prova escrita da sua existência ser substituída por qualquer "outro meio de prova"(v. art. 364°/! do Código Civil).
De qualquer modo, como decorre dos arts. 74° e 90° da LGT e 100° do CPPT, competia à ATA o ónus da prova dos factos que integram a intempestividade do presente meio processual - neste caso, da notificação da "liquidação n.º ……………008" em momento anterior ao da notificação da liquidação impugnada no presente processo (v. Docs. 1 a 3, juntos com a p.i.), nos termos e com os requisitos legalmente estabelecidos (v. art. 36° do CPPT; cfr. Acs. STA de 1990.10.04, Proc. 28341; de 1989.01.19, AD332-333/1031; de 1987.10.13, Proc. 21027; de AD 260-261/1092).
Acontece que, ao contrário do que agora a ATA se atreveu a afirmar, tal notificação anterior da "liquidação n.° …………..008" nunca aconteceu, como resulta claramente dos processos administrativos juntos pela ATA com a sua resposta e, particularmente, defls. 9 e segs. do "08 - processo administrativo SF.pdf".
Assim, não tendo sido produzida qualquer prova da existência de tal notificação anterior, como competia à ATA, é manifesto que nunca poderia ser agora conjecturada ou suscitar-se qualquer questão de intempestividade in casu (v. arts. 74° e 90° da LGTe arts. 36°, 37° e 100° do CPPT).
10.2.Além disso, face ao teor da notificação efectivamente remetida aos ora impugnantes - "Estorno Liq. de 2014 - Liq. ………….008" (v. Doc. 3, junto com a p.i.) -, é manifesto que tal simples referência incompleta e incidental nunca permitiria sequer a invocação de qualquer questão de intempestividade (v. art. 268°/3 da CRP e art. 36° do CPPT; cfr. art. 160° do NCPA) e, decisivamente, não revela de qualquer forma que a "Liq. …………..008" teria resultado da "Informação 4933/2017". na qual "foi desconsiderado o montante de € 550.000,00 indicado como respeitante a despesas e encargos relacionados com a venda do imóvel", como errada e abusivamente se invoca nos arts. 16° e 17° da resposta. 10.2.1. Face ao disposto nos artigos 268°/3 da CRP e 36° do CPPT, a notificação de actos tributários deve conter a autoria e qualidade em que actuou a entidade decidente, a data, sentido, fundamentação e objecto do acto tributário, bem como a indicação dos meios de defesa à disposição do contribuinte (v. Acs. STA, de Proc. 01568/02; de 2003.12.11, Proc. 01629/03; de 2002.1029, Proc. 0942/02; de 1997.05.14, Proc. 19724; de 1996.04.18, Proc. 034329, todos em www.dgsi.pt).
Apesar de "a notificação do acto tributário não se confundir com o conceito de acto tributário", a sua falta ou ilegalidade determina "a ineficácia deste" e consequente impossibilidade de se poder considerar iniciado qualquer prazo de impugnação judicial (v. Ac. STA de 1995.09.27, Proc. 16112; de 1999.02.10, Proc. 22290; de Proc. 25832, todos em www.dgsi.pt).
Na verdade, se a notificação dirigida ao contribuinte não contiver todos os elementos essenciais do acto tributário, "não opera a caducidade do efeito impuenatório enquanto todos esses elementos não forem levados ao seu conhecimento", independentemente de qualquer iniciativa do particular nesse sentido (v. Santos Botelho, Pires Esteves e Borges de Pinho, CPA Anotado, 3a ed., p.p. 221; Francisco de Sousa, CPA Anotado, 3a ed., p.p. 221; Garcia Trevijano - Fos, Dos Actos Administrativos, 3a ed., p.p. 285; cfr. Acs. STA de 2006.11.29, Proc. 45899/00; de 2004.03.25, Proc. 967/03; de 2003.02.19, Proc. 87/03; de 1997.11.26, Proc. 36927), "não sendo (..) de considerar notificação o simples conhecimento acidental ou privado)" (v. Gomes Canotilho e Vital Moreira, CRP Anotada, 3a ed., p.p. 935, nota IV; cfr. Esteves de Oliveira e Outros,CPA Anotado, 1/66 e segs., nota I; Acórdão do Tribunal Constitucional n. ° 827/96, DR, 2a Série, 1998.03.04).
10.2.2. No caso em análise verifica-se que da notificação efectivamente remetida aos ora impugnantes - "Estorno Liq. de 2014 - Liq. 20175005473008" (v. Doc. 3, junto com a p.i.), não consta qualquer referência à "Informação n° 4933/2017". na qual "foi desconsiderado o montante de € 550.000,00 indicado como respeitante a despesas e encargos relacionados com a venda do imóvel" (v. arts. 16° e 17° da resposta da ATA).
Aliás, reconhecendo que a notificação aos ora impugnantes dos elementos essenciais da "Liq. 20175005473008"nunca aconteceu, no presente processo a ATA permitiu-se mesmo afirmar, em termos completamente improcedentes e sem qualquer pudor: “ Questão diferente seria a de saber se a notificação foi acompanhada da devida fundamentação, não sendo, no entanto esta levantada pelo requerente" (v. art. 31° da resposta).
É evidente que o facto de os impugnantes não terem "levantado a questão", solicitando a emissão de certidão dos fundamentos da "Liq. 20175005473008", de que só tiveram conhecimento pelo Doc. 3, junto com a p.i., (v. 37° do CPPT), nunca poderia determinar a caducidade de qualquer direito de impugnação, pois o referido normativo atribui ao interessado uma mera faculdade de requerer a notificação ou emissão de certidão (v. Ac. STA de 1993.11.23, Proc. 32218; cfr. Acs. STA de 1996.03.21, AD 414/700; de 1996.04.24, Proc. 39417; de 1995.01.05, Proc. 36530; e de 1990.05.24, Proc. 217718), não estabelecendo qualquer obrigação de natureza imperativa ou ónus preclusivo. sendo tal dimensão normativa inconstitucional, por violação do disposto nos arts. 2°, 20°, 268°/3 e 4 da CRP,(...)
Nesta conformidade, é manifesto que a simples referência incidental, incompleta e imparcial à "Liq. 20175005473008", que consta do Doc. 3, junto com a p.i., nunca permitiria sequer a invocação de qualquer questão de intempestividade (v. art. 268°/3 da CRP e art. 36° do CPPT; cfr. art. 160° do NCPA) e, decisivamente, não revela a qualquer destinatário normal, de qualquer forma, que a "Liq. 20175005473008" teria resultado da "Informação n° 4933/2017".
11. Finalmente, registe-se que, sob a epigrafe "impugnação unitária", o art. 54° do CPPT estatui:
"Salvo quando forem imediatamente lesivos dos direitos do contribuinte ou disposição expressa em sentido diferente, não são susceptíveis de impugnação contenciosa os actos interlocutórios do procedimento, sem prejuízo de poder ser invocada na impugnação da decisão final qualquer ilegalidade anteriormente cometida".
Ora, no caso em análise verifica-se precisamente que presente impugnação judicial tem por base e fundamento as questões suscitadas pelas posições ilegalmente assumidas pela ATA na "Informação ng 4933/2017" (v. arts. 19° e 20° da p.i. e art. 8o da resposta da ATA; cfr. Doc. 18, junto com a p.i.), da qual resultou que "o documento correcção emitido na sequência do processo de divergência, foi reliquidado. tendo originado o montante de €465.202.43 a pagar", como foi expressamente reconhecido pelos serviços da ATA (fls. 8 e segs. do "08 - processo administrativo SF.pdf).
Nesta conformidade, é manifesto que nunca poderia estar agora prejudicada a impugnação da liquidação de IRS e juros compensatórios n. ° ………………168, de 2018.10.30, que integra o obiecto do presente processo (v. art. 21° da p.i.; cfr. Does. 1 a 3, juntos com a p.i.), com base em posições ilegais assumidas pela ATA na referida "Informação ………..", sob pena de frontal violação do princípio da impugnação unitária, que integra postulado da garantia constitucional da impugnação de actos tributários lesivos e ilegais (v. art. 268°/4 da CRP) e encontra consagração expressa, ao nível do direito ordinário, no citado art. 54° do CPPT.
12. Do exposto resulta claramente que, a descabida referência da ATA à "liquidação nº …………08, de 22.12.2017", para na sua resposta se permitir vir agora invocar a inadmissibilidade e intempestividade do presente processo arbitral (v. arts. 16° a 21° da resposta), integra também afirmação claramente falsa e improcedente, que nunca poderia ser admitida face, desde logo, aos princípios da cooperação e boa fé (v. art. 16°/f) do RJAT; cfr. arts. 542° e segs. do NCPC).(...)
NESTES TERMOS,
Requer respeitosamente a V. Exas. que:
a) Seja julgada improcedente a matéria de excepção invocada pela ATA na sua resposta; e
prescindindo os ora impugnantes da produção da prova testemunhal que arrolaram, declarando ainda que não se opõem à não realização da reunião prevista no artigo 18° do RJAT.
b) Se digne ordenar que o presente meio processual prossiga os seus ulteriores termos, ordenando-se a notificação das partes para, em prazo simultâneo, apresentarem alegações finais por escrito (v. arts. 16° e 2971/e) e 2) do RJAT e art. 547° do NCPC), e julgando-se a impugnação provada e procedente, com as legais consequências."(cfr. fls. 315).

F) A 05 de setembro de 2018, foi proferido despacho com o seguinte teor:

"Atendendo a que:
- não está requerida a produção de prova adicional, para lá da prova documental já incorporada nos autos;
- as partes já se pronunciaram, na medida do necessário, sobre a matéria de excepção;
- no processo arbitral vigoram os princípios processuais gerais da economia processual e da proibição da prática de actos inúteis;
ao abrigo do disposto nas arts. c) e e) do art. ° 16. °, e n.° 2 do art. ° 29. °, ambos do RJ AT:
- Dispensa-se a realização da reunião a que alude o art° 18. ° do RJAT;
- Faculta-se às partes a possibilidade de, querendo, apresentarem, alegações escritas, podendo a Requerente fazê-lo no prazo de 20 dias, contados da notificação do presente despacho, e a AT no mesmo prazo, contado da notificação das alegações da Requerente, ou da falta de apresentação das mesmas.
A decisão final será proferida até ao termo do prazo fixado no art.° 21 ,°/1 do RJAT, prorrogado, se necessário, devendo a Requerente, até 10 dias antes do termo de tal prazo, proceder ao depósito da taxa arbitral subsequente." (cfr. fls. 278 a 294).

J) A Impugnante apresentou alegações escritas mediante articulado remetido em 29 de setembro de 2019, estruturado da seguinte forma: “I -DOS FACTOS PROVADOS III - APLICAÇÃO DO DIREITO AOS FACTOS A. Do obiecto do presente processo: B. Das questões prévias C. Da tributação de despesas e encargos como rendimentos do contribuinte: D. Da inexigibilidade de juros compensatórios: E. Da preterição de audição prévia: F. Da falta de fundamentação de facto e de direito", extratando-se, designadamente e no que para os autos releva, o seguinte:
a) O presente processo arbitral tem por objecto a declaração de ilegalidade da liquidação de IRS e juros compensatórios n.° …………….168, de 2018.10.30, no montante de € 462.650,47, que teve por base a desconsideração do "montante de €550.000,00, indicado como respeitante a despesas e encargos relacionados com a venda do imóveL, que resultou do "procedimento de verificação dos elementos declarados" (v. Does. 1 a 3 juntos com a p.i. e com a resposta da ATA, e processos administrativos), como claramente, se descreveu na informação do Serviço de Finanças de Cascais, de fls. 8 do pdf com a designação "08 - processo administrativo SF.pdf";
b) A posição assumida pela ATA na sua resposta, de 2019.06.25, além de completamente improcedente e infundada, revela desde logo um paradigmático caso de contraditio e venire contra factum proprium (v. art. 334° do C. Civil, arts. 542° e segs. do NCPC e art. 167f do RJ AT), como se demonstrou requerimento apresentado pelos impugnantes, em 2019.07.08, que aqui se dá por integralmente reproduzido. (...)
B - QUESTÕES PRÉVIAS:
5. Face ao decidido no douto despacho arbitral, de 2015.10.05 - "relativamente às questões prévias/excepções suscitadas pela AT, foi cumprido o princípio do contraditório tendo sido apresentada resposta escrita pel(os) Requerente(s)" -, e evitando-se repetições inúteis (v. art. 29°/l/e) do RJATe art. 130° do NCPC), cremos ser manifesta a improcedência das referidas questões, como resulta do teor do requerimento que foi junto ao presente processo, em 2015.10.02, que aqui se dá por integralmente reproduzido, e das seguintes razões principais:
a) O pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo foi apresentado no CAAD, em 2019.03.09. ou seja, antes do termo do prazo de 90 dias contado a partir do termo do prazo para o pagamento voluntário do tributo em análise que foi expressamente fixado pela ATA - "data limite de pagamento: 2018.12.12T (v. Doc. 3, junto com a p.i.) - pelo que a sua tempestividade é manifesta, ex vi do art. 10°/l/a) do RJAT e do art. 102°/1/a) do CPPT (v, neste sentido. Jorge Lopes de Sousa, Comentário ao RJAT. 3a ed., 2017, p.p. 161-162; cfr. ainda, entre muitos outros, Ac. STA de 2018.05.30, Proc. 1431/17; Ac. TCA Sul de 2019.01.31, Proc. 1646/13.2BESNT; Ac. TCA Norte de 2010.01.29, Proc. 2513/11.0BEPRT, in www.dgsi.nti.
b) Da notificação da demonstração de liquidação n.° ………….168, de 2018.10.30, consta expressamente que o contribuinte "poderá reclamar ou impugnar nos termos e prazos estabelecidos nos arts. 140° do CIRS e 70° e 102° do Código de Procedimentos e Processo Tributário (CPPT)" (v. Doc. 1, junto com a p.i.), pelo que a posição assumida pela ATA na resposta apresentada, em 2019.06.15, "equivale a dar o dito por não dito (...) o que constitui, atenta a reprovabüidade decorrente da violação dos deveres de lealdade e de correcção, uma manifesta violação dos limites impostos pela boaféT (v. Ac. STJ de 2003.01.21, Proc. 02a2970, cfr. Ac. RL de 2007.11.29, Proc. 9180/2007, ambos in www.dgsi.ptl:
c) Os prazos e meios de impugnação que foram expressamente indicados pela própria ATA na notificação do acto tributário sub judice aos ora requerentes nunca poderiam ser desconsiderados, sob pena de frontal violação dos princípios estruturantes do Estado de Direito democrático, da confiança e da boa fé (v. arts. 2°, 9°, 18°, 103° e segs. e 266° da CRP), constituindo jurisprudência pacífica a este propósito que "deve considerar-se tempestiva a impugnação oferecida dentro do prazo assinalado na notificação, face aos principias gerais de direito da boa-fé e protecção da confiança" (v. Ac. TCA Norte de 2017.06.14, Proc. 148/16.0BEBRG, e demais jurisprudência concordante nele citada, in www.dgsi.pt):
d) A referência incidental, incompleta e parcial à "Liq. ………..…………080, que consta do Doc. 3, junto com a p.i., nunca permitiria sequer a invocação de qualquer questão de intempestividade (v. art. 268°/3 da CRP e art. 36° do CPPT; cfr. art. 160° do NCPA) e, decisivamente, não revela a qualquer destinatário normal, de qualquer forma, que a "Liq. 20175005473008" teria resultado da "Informação n° 4933/2017". o que nem sequer se verifica, como se descreveu na informação dos Serviços de Finanças de Cascais, de 2019.04.11 (v. fls. 8 do pdf junto ao presente processo com a designação "08 - processo administrativo SF.pdf").
e) No caso sub judice não se verificou, nem a ATA, provou, como lhe competia (v. art. 74° da LGT), a notificação da "liquidação n.° ………………..008" aos ora requerentes em qualquer momento anterior ao da notificação dos referidos Does. 1 a 3, não podendo presumir-se a existência de tal acto formal (v. art. 36° do CPPT), que tem que constar de específico documento escrito (v. art. 36° do CPPT e art. 160° do CPA), nem podendo a prova escrita da sua existência ser substituída por qualquer "outro meio de vrova"(v. art. 364°/1 do Código Civil e art. 36° do CPPT; cfr. Acs. STA de 1990.10.04, Proc. 28341; de 1989.01.19, AD 332-333/1031; de 1987.10.13, Proc. 21027; de 1983.03.02, AD 260-261/1092);
f) A impugnação da liquidação de IRS e juros compensatórios n. ° …………168, de 2018.10.30, que integra o objecto do presente processo (v. Art. 21° da p.i.; cfr. Does. 1 a 3, juntos com a p.i.), nunca poderia ser prejudicada com base nas posições ilegais e abusivas que foram assumidas pela ATA, sob pena ainda de frontal violação do principio da impugnação unitária, que integra postulado da garantia constitucional da impugnação de actos tributários lesivos e ilegais (v. art. 268°/4 da CRP) e encontra consagração expressa, ao nível do direito ordinário, no art. 54° do CPPT. (...)
Conforme se demonstrou (cfr. supra n°s. 2 a 5), o presente processo arbitral tem por objecto a declaração de ilegalidade da liquidação de IRS e juros compensatórios n.° ……………..168, de 2018.10.30, no montante de € 462.650,47, que teve por base a desconsideração do "montante de €550.000,00, indicado como respeitante a despesas e encargos relacionados com a venda do imóvel, que resultou do "procedimento de verificação dos elementos declarados", como resulta, nomeadamente, dos Does. 1 a 3 e dos incompletos e truncados processos administrativos juntos com a resposta apresentada pela própria ATA e, de forma absolutamente clara, se descreveu na informação de fls. 8 do pdf junto pela ATA ao presente processo com a designação "08 - processo administrativo SF.pdf".
Acontece que, no caso em análise não se verifica, nem foi identificado no texto e contexto dos concretos actos de liquidação e cobrança impugnados qualquer facto material simples do qual resulte a inadmissibilidade da despesa suportada pelo ora requerente com o pagamento da comissão pelos serviços de intermediação imobiliária que, como resulta dos factos invocados e se demonstrou e foi reconhecido pela AT, foi necessária para que o rendimento pudesse ter ocorrido (v. arts. 8o, 36° e 74° da LGTe art. 100° do CPPT).
Deste modo, foi tributado, como se de rendimento líquido se tratasse, o valor de encargos e despesas comprovadamente suportadas pelos ora requerentes, o que é inadmissível, ex vi do art. 104° da CRP e do art. 52°/a) do CIRS (v. art. 103° da CRP, arts. 8o, 11° e 18° da LGT, art. 9o do C. Civil)" .(cfr. fls.321 a 372 cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido).


***

III) FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

In casu, os Impugnantes não se conformam com a decisão arbitral proferida no âmbito do processo n.°168/2019-T, que julgou totalmente improcedente o pedido de anulação do ato de liquidação de IRS respeitante ao ano de 2014 e, bem assim dos correspondentes JC.

Em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto, no artigo 282.º, do CPPT, as conclusões das alegações da impugnação definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.

Assim, ponderando o teor das conclusões da impugnação cumpre apreciar se a decisão arbitral padece de nulidade por:

i. Violação do princípio de contraditório;

ii. Omissão de pronúncia.

Apreciando.

Em termos de regime da arbitragem voluntária em direito tributário, introduzido pelo Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de janeiro (RJAT) o expediente processual de reação à decisão dos Tribunais Arbitrais para os Tribunais Centrais Administrativos, consiste na dedução de impugnação, consagrada no artigo 27.º, com os fundamentos enunciados, taxativamente, no artigo 28.º, nº 1 e que infra se enumeram:

a- Não especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;

b-Oposição dos fundamentos com a decisão;

c-Pronúncia indevida ou omissão de pronúncia;

d-Violação dos princípios do contraditório e da igualdade das partes, nos termos em que estes são estabelecidos no artigo 16.º, nº 2 .

Ora, subsumindo-se as arguidas nulidades, no citado normativo, concretamente, em nas alíneas c) e d), vejamos, então, se as mesmas procedem.


Comecemos pela violação do princípio do contraditório.


Os Impugnantes advogam a violação do princípio de contraditório, na medida em que, pese embora tenham sido notificados, mediante despacho datado de 26 de junho de 2019, para se pronunciarem sobre a matéria de exceção arguida na contestação, faculdade que exerceram mediante articulado que apresentaram para o efeito, a verdade é que não se pronunciaram sobre a exceção da inimpugnabilidade parcial do ato tributário impugnado que foi inovatoriamente convocada e decidida no acórdão arbitral.


Densificam, neste âmbito, que não foram notificados para se pronunciarem sobre a inimpugnabilidade parcial do ato, concreta natureza confirmativa do ato, e consequente qualificação destes alegados atos pretéritos como caso decidido ou resolvido, o que implica violação do princípio do contraditório.

Dissente a Impugnada, defendendo que não houve qualquer violação do princípio do contraditório, tendo as partes oportunidades de pronúncia ao longo de todo o processo.


Vejamos, então.


O princípio do contraditório, é um princípio estrutural do processo(1), com consagração no n.º 4 do artigo 20.º da CRP e genericamente reconhecido no artigo 3.º,nº3, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º RJAT, segundo o qual “[o] juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem”.


O aludido princípio visa assegurar não só a igualdade das partes, como evitar as decisões-surpresa traduzindo-se “[f]undamentalmente, no direito de a parte, em qualquer fase do processo, «influenciar a decisão» [artigo 3º do CPC], e, no plano da prova, «exige que às partes seja, em igualdade, facultada a proposição de todos os meios probatórios potencialmente relevantes para o apuramento da realidade dos factos [principais e instrumentais] da causa […]» [José Lebre de Freitas, in Introdução ao Processo Civil, 1996, páginas 98 e 99].

O direito à prova surge, assim, como uma «dimensão ineliminável do direito ao processo equitativo», que, por seu turno, constitui parte integrante do princípio material da igualdade. E densifica-se no «direito de oferecer e produzir provas, controlar as provas do adversário, e discretear sobre o valor de umas e outras, nos termos previstos na lei” (2).


Neste particular, e enquanto reflexo da consagração deste princípio basilar importa convocar o artigo 415.º do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º do RJAT, o qual sob a epígrafe de “princípio da audiência contraditória” dispõe que “[s]alvo disposição em contrário, não são admitidas nem produzidas provas sem audiência contraditória da parte a quem hajam de ser opostas”. Assim, e centrando-nos apenas nas provas já constituídas, a apreciação dos elementos de prova constantes do processo deve ser precedida do contraditório (3).

Em sede de regime da arbitragem voluntária em direito tributário a concretização deste princípio está, desde logo, patente no artigo 16.º, alínea a), do RJAT, no sentido de que deve ser assegurado através da faculdade conferida às partes de se poderem pronunciar sobre quaisquer questões de facto ou de direito suscitadas no processo. Estando, outrossim, materializada no artigo 17.º, n.º 1, do RJAT, no qual se concede à Autoridade Tributária o exercício do direito de resposta ao requerimento apresentado pelo sujeito passivo, e bem assim no artigo 18.º, n.º 1, alínea b), do RJAT, norma em que se impõe a audição das partes quanto a eventuais exceções que seja necessário apreciar e decidir antes de conhecer do pedido.


Resulta, assim, que tal princípio visa, desde logo, evitar a ocorrência de decisões surpresa, com as quais as partes não podiam legitimamente contar, mesmo quando se está perante questões de conhecimento oficioso.


Como observa LEBRE DE FREITAS (4) a consagração do princípio da proibição das decisões surpresa, resulta de uma conceção moderna e mais ampla do princípio do contraditório,“[c]om origem na garantia constitucional do Rechtiches Gehör germânico, entendido com uma garantia de participação efetiva das partes no desenvolvimento de todo litígio, mediante a possibilidade de, em plena igualdade, influírem em todos os elementos (factos, provas, questões de direito) que se encontrem em ligação com o objeto da causa e que em qualquer fase do processo apareçam como potencialmente relevantes para a decisão”.


Sendo, no entanto, de relevar, neste e para este efeito, que a decisão surpresa não é passível de confusão conceptual com a suposição que as partes possam ter feito ou com a expectativa que possam ter criado quanto à decisão, quer de facto, quer de direito, do Tribunal, a quem tais julgamentos continuam a pertencer em exclusividade.


De resto, não se pode falar de decisão surpresa quando os mesmos devam ser conhecidos como viáveis, expectáveis e como possíveis.


Dir-se-á, portanto, que o desiderato da proibição da decisão-surpresa é que o juiz não enverede por uma solução que os sujeitos processuais não abordaram e não quiseram submeter a juízo, surgindo a decisão de forma absolutamente inopinada e distanciada do condicionalismo factual e jurídico vertido na ação pelas partes, conforme se doutrina no Acórdão do STJ de 04.06.09 e de 27.09.11. (Ac. STJ 19 de maio de 2016, Proc. 6473/03.2TVPRT.P1.S1).


Ora, tendo presente o quadro normativo supra expendido, entende-se que face à realidade de facto em contenda, a questão não pode lograr mérito, na medida em que o Tribunal Arbitral em nada coartou o contraditório, sendo que se limitou adentro da factualidade convocada por ambas as partes, a proceder a uma diferente qualificação jurídica, e que ademais era perspetivável pelas partes, e que implicou inclusive a convocação de realidade de facto e de direito que com ele entroncou.


Conforme daremos nota de seguida os Impugnantes pronunciaram-se em termos amplos no sentido da inexistência da exceção arguida, utilizando alguns argumentos que acabaram por ser também ele integrados na fundamentação jurídica da decisão arbitral, mormente, da impugnação unitária e consequências daí dimanantes.


Senão vejamos.


Conforme resulta das ocorrências processuais, ora, fixadas a 08 de julho de 2019, os ora Impugnantes apresentaram junto do CAAD pedido de constituição de Tribunal Arbitral, na qual formularam pedido de pronúncia arbitral de declaração de ilegalidade da liquidação de IRS e juros compensatórios n.° ………….168, de 30 de outubro de 2018, no montante de € 462.650.47, respeitante ao ano de 2014.


Nessa decorrência, e após notificação para o efeito, a Impugnada defendeu-se por exceção arguindo “a intempestividade do pedido e da caducidade do direito de acção”.


Começando, desde logo, por evidenciar que “[a]pesar de o Requerente indicar como objecto do pedido de pronúncia arbitral a liquidação nº ……….168 de 30.10.2018, a causa de pedir apresentada está apenas relacionada com o procedimento de análise do teor dos elementos indicados na declaração de rendimentos entregue a 28.05.2015.”


Aduzindo, depois, que “foi na sequência deste procedimento, no âmbito do qual foi elaborada a Informação nº ……./2017, (a que o Requerente alude nos artigos 19º e 20º do seu ppa), que foi desconsiderado o montante de €550.000,00 indicado como respeitante a despesas e encargos relacionados com a venda do imóvel, mas mantida, por ainda se encontrar a decorrer o prazo legal para o efeito, a opção de reinvestimento.”


Densificando, neste particular, que “contrariamente ao que o Requerente pretende fazer crer no art.21º do ppa, daquela análise e Informação resultou a já supra mencionada liquidação nº ……………008, de 22.12.2017, na qual se apurou reembolso, pago ao Requerente por meio de cheque emitido a 22.10.2018”


Para depois sublinhar que “apenas após terem decorrido os 36 meses legalmente previstos (cf. artigo 10° nº 5 al.b) do CIRS) sem que se tenha confirmado o reinvestimento da quantia inicialmente declarada, é que foi elaborada a liquidação aqui sindicada, cujo fundamento decorre directamente da lei, (art.10.º nº 7 do CIRS), e que em nada está relacionado com a desconsideração daquela quantia de €550.000,00 referente a despesas e encargos relacionados com a venda do imóvel.”


E daí extrapolar que “resulta da lei - artigo 10º n al al.a) do RJAT e artigo 10º al a do CPPT - que o prazo para apresentação do pedido de pronúncia arbitral é de noventa dias contados a partir da data da notificação da liquidação, (que ocorreu a 02.11.2018).”


E concluir que “[u]ma vez que a causa de pedir que subjaz ao pedido respeita efetivamente à liquidação resultante do procedimento de verificação dos elementos declarados foi emitida em Dezembro de 2017 e paga em Outubro de 2018 (liquidação n.º ……………008), e considerando que o pedido de pronúncia arbitral apenas foi apresentado em 11.03.2019, foi largamente ultrapassado o prazo legal para o fazer, pelo que se verifica a excepção de intempestividade, a qual consubstancia uma excepção peremptória conducente à absolvição do pedido - artigo 576º nº3 do CPC, aplicável ex vi artigo 29º nal al.e) do RJAT.”


Após prolação de despacho atinente ao efeito, os Impugnantes apresentaram resposta quanto à aludida exceção propugnando pela sua improcedência -a qual qualificam de manifesta- evidenciando, desde logo, que “o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo foi apresentado no CAAD, em 2019.03.09, ou seja, antes do termo do prazo de 90 dias contado a partir do termo do prazo para o pagamento voluntário do tributo em análise que foi expressamente fixado pela ATA - “2018.12.12” (v. Doc. 3, junto com a p.i.) - pelo que a sua tempestividade é manifesta, ex vi do art. 10°/1 /a) do RJAT e do art. 102°/1 /a) do CPPT.”


Materializando, assim, um histórico da factualidade ocorrida até à concreta emissão do ato de liquidação impugnado, conforme se transcreve infra:

“a) Em 2015.05.28, os ora impugnantes procederam à entrega da respectiva declaração de IRS, relativa ao ano de 2014 (v. art. 16° da p.i. e art. 4° da resposta da ATA; cfr. Doc. 15, junto com a p.i.);
b) Em 2017.11.17, os ora impugnantes foram notificados, em sede de audiência prévia, que “da análise efectuada aos documentos/elementos apresentados relativamente à declaração de IRS, Modelo 3, do ano de 2014. com a identificação ……………, constatou-se a existência de incorrecções (...) relativamente às despesas e encargos” declarados relativamente à venda do seu imóvel (v. art. 17° da p.i.; cfr. Doc. 16, junto com a p.i.);
c) Em 2017.11.29, os ora impugnantes apresentaram resposta em sede de audiência prévia, que aqui se dá por integralmente reproduzida (v. art. 18° da p.i. e art. 8o da resposta da ATA; cfr. Doc. 17, junto com a p.i. e processo administrativo apenso);
d) Por ofício da Direcção de Finanças de Lisboa de 2017.12.21, os impugnantes foram notificados “que por despacho de 15-12-2017, cuja cópia se anexa, a declaração Mod. 3 de IRS n………………., do ano de 2014. vai ser corrigida oficiosamente por este serviço, nos termos do n.9 4 do artigo 65.º do CIRS, em conformidade com a notificação para o direito de audição prévia efectuada pelo nosso ofício 00040774 em 2017/11/10, com as alterações resultantes da apreciação à resposta apresentada” (v. arts. 19° e 20° da p.i. e art. 8o da resposta da ATA; cfr. Doc. 18, junto com a p.i.);
e) Por correio registado simples, os ora impugnantes foram notificados da liquidação de IRS e juros compensatórios n.° …………….168, de 2018.10.30, no montante de € 462.650,00, que nos seus precisos termos se refere ao ano de 2014 e integra o obiecto do presente processo (v. art. 21° da p.i.; cfr. Docs. 1 a 3, juntos com a p.i.);
f) Da notificação remetida aos ora impugnantes consta que o termo do prazo para o pagamento voluntário do tributo em causa foi fixado pela ATA nos seguintes termos: “data limite de pagamento: 2018.12.12” (v. Doc. 3, junto com a p.i.);
g) O presente processo foi instaurado em 2019.03.09. e tem por objecto a declaração de ilegalidade da liquidação de IRS e juros compensatórios n.° …………….168, de 2018.10.30 (v. p.i.).
Para depois concluir, de forma inequívoca, que “[d]ado que o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo foi apresentado pelos ora impugnantes no CAAD, em 2019.03.09, ou seja, antes do termo do prazo de 90 dias contado a partir do termo do prazo expressamente fixado pela ATA para o pagamento voluntário do tributo em análise - “2018.12.12” (v. Doc. 3, junto com a p.i.), é manifesto que a questão de intempestividade agora suscitada pela ATA não tem qualquer fundamento ou procedência, ex vi do art. 10°/l/a) do RJAT e do art. 102°/1 /a) do CPPT.”

Convocando adicionalmente que, “[n]a resposta que apresentou no presente processo, a ATA atreveu-se a defender que a “liquidação nº …………008, de 22.12.2017, na qual se apurou reembolso, pago ao Requerente por meio de cheque emitido a 22.10.2018”, teria resultado da “Informação nº ………/2017”, na qual “foi desconsiderado o montante de € 550.000,00 indicado como respeitante a despesas e encargos relacionados com a venda do imóvel” (v. arts. 16° e 17° da resposta).”


Afrontando, e apartando ulteriormente que o ato impugnado não possa estar relacionado com as despesas, sufragando, para o efeito, que “[a] ATA permite-se agora afirmar e defender que “a causa de pedir que subjaz ao pedido respeita efectivamente à liquidação resultante do procedimento de verificação dos elementos declarados foi emitida em Dezembro de 2017 e paga em Outubro de 2018 (liquidação n.º …………..008)”, o que determinaria a intempestividade do presente processo arbitral (v. arts. 18° a 21° da resposta), pois, na descabida tese da ATA, o acto sub judice “em nada está relacionado com a desconsideração daquela quantia de € 550.000,00” (v. art. 18° a 21° da resposta).”


Propugnando, em defesa da sua posição, “que as temerárias e descabidas teses da ATA são claramente infirmadas, desde logo, pelos documentos juntos aos presentes autos com a p.i.” Expressando, adicionalmente, que inversamente ao propugnado pela ATA “[p]or um lado, desconsideração do "montante de € 550.000,00, indicado como respeitante a despesas e encargos relacionados com a venda do imóvel”, que resultou do “procedimento de verificação dos elementos declarados", só teve reflexos e consequências no acto de liquidação impugnado no presente processo - liquidação de IRS e juros compensatórios n.° ……….168, de 2018.10.30, relativa ao ano de 2014, impondo-lhes o pagamento do montante de € 462.650,00”.


E de forma perentória advogam ainda que “[c]ontrariamente ao invocado pela ATA, a desconsideração das referidas “despesas e encargos" não foi nem podia ter sido ponderada na "liquidação n.º ………………008”, que (i) não se refere à desconsideração das referidas quantias, (ii) não assume qualquer carácter ou natureza prejudicial”.


Concluindo, assim, que “[f]ace ao claro teor dos Docs. 1 a 3 e 15 a 18 juntos com a p.i, bem como dos documentos de fls. 8 e segs. do referido processo administrativo, é manifesto que a posição agora assumida pela ATA não tem qualquer procedência, pois:

a) A desconsideração do “montante de € 550.000,00 indicado como respeitante a despesas e encargos”, com o consequente aumento do valor da matéria colectável dos ora impugnantes na mesma proporção (v. art. 51° do CIRS), não determinou e nunca poderia ter determinado uma redução do valor liquidado a título de mais-valias, e, muito menos, o “reembolso no montante de €2.551,96", que resultou da "liquidação n.º……………….”, agora invocada pela ATA;
b) Como resulta da referida "liquidação n.º ……………..008”, esta não faz qualquer referência à desconsideração do “montante de € 550.000.00 indicado como respeitante a despesas e encargos”, traduzindo-se num simples movimento a crédito a favor do contribuinte, sem qualquer referência sequer à liquidação de mais- valias imobiliárias, que integra do objecto do presente processo (v. Does. 1 a 3, juntos com a p.i.);
(…)
Nesta conformidade, é manifesto que a simples referência incidental, incompleta e imparcial à “Liq. ……………..008”, que consta do Doc. 3, junto com a p.i., nunca permitiria sequer a invocação de qualquer questão de intempestividade (v. art. 268°/3 da CRP e art. 36° do CPPT; cfr. art. 160° do NCPA) e, decisivamente, não revela a qualquer destinatário normal, de qualquer forma, que a “Liq. ………..008” teria resultado da “Informação nº ……/2017”.”

A final, convocam, ainda, em defesa da sua pretensão a questão da impugnação unitária sufragando que:

“[s]ob a epigrafe “impugnação unitária”, o art. 54° do CPPT estatui:
“Salvo quando forem imediatamente lesivos dos direitos do contribuinte ou disposição expressa em sentido diferente, não são susceptíveis de impugnação contenciosa os actos interlocutórios do procedimento, sem prejuízo de poder ser
invocada na impugnação da decisão final qualquer ilegalidade anteriormente cometida”.
Ora, no caso em análise verifica-se precisamente que presente impugnação judicial tem por base e fundamento as questões suscitadas pelas posições ilegalmente assumidas pela ATA na “Informação nº º………..2017” (v. arts. 19° e 20° da p.i. e art. 8º da resposta da ATA; cfr. Doc. 18, junto com a p.i.), da qual resultou que “o documento correccão emitido na sequência do processo de divergência, foi reliquidado, tendo originado o montante de €465.202.43 a pagar”, como foi expressamente reconhecido pelos serviços da ATA (fls. 8 e segs. do “08 - processo administrativo SF.pdf’). Nesta conformidade, é manifesto que nunca poderia estar agora prejudicada a impugnação da liquidação de IRS e juros compensatórios n.° …………..168, de 2018.10.30, que integra o obiecto do presente processo (v. art. 21° da p.i.; cfr. Does. 1 a 3, juntos com a p.i.), com base em posições ilegais assumidas pela ATA na referida “Informação ………/2017”, sob pena de frontal violação do princípio da impugnação unitária, que integra postulado da garantia constitucional da impugnação de actos tributários lesivos e ilegais (v. art. 268°/4 da CRP) e encontra consagração expressa, ao nível do direito ordinário, no citado art. 54° do CPPT. 12. Do exposto resulta claramente que, a descabida referência da ATA à “liquidação nº …………008, de 22.12.2017”, para na sua resposta se permitir vir agora invocar a inadmissibilidade e intempestividade do presente processo arbitral (v. arts. 16° a 21° da resposta), integra também afirmação claramente falsa e improcedente, que nunca poderia ser admitida face, desde logo, aos princípios da cooperação e boa fé (v. art. 16°/f) do RJAT; cfr. arts. 542° e segs. do NCPC).(…)”

Ora, perante tal circunstancialismo processual, não pode lograr mérito a posição dos Impugnantes.


Expliquemos, então, por que assim o entendemos.


De relevar, ab initio, que inversamente ao aduzido pelos Impugnantes a decisão arbitral não julgou procedente qualquer exceção, conforme dá nota o dispositivo e conforme dimana de forma clara a sua fundamentação jurídica.


Com efeito, mediante uma leitura atenta da decisão arbitral verifica-se que o Tribunal Arbitral -independentemente da bondade dessa decisão, e cujo apreciação se encontra vedada atento os poderes de cognição deste Tribunal- ajuizou que face ao objeto da lide -que concretizou que seria a liquidação nº ……………168- a questão nunca poderia radicar em intempestividade, podendo, é certo, ter outros contornos e efeitos que podem obstar ao seu conhecimento mas na ótica da improcedência, porquanto acarreta a montante a existência de uma primeira liquidação -não impugnada- que, per se, determina não a extemporaneidade mas sim o caso decidido, e nessa medida a improcedência do pedido arbitral.


No fundo, o Tribunal Arbitral mediante o acervo fático trazido à lide pelas partes, sustenta que essa arguição não pode degenerar na exceção arguida, podendo, no entanto, comportar uma questão de manifesta improcedência porquanto cerceada a apreciação da legalidade, donde vícios próprios dessa liquidação inicial, mormente, a apreciação jurídica da questão dos encargos a abater ao cálculo das mais valias.


No fundo, reputou que existia -tal como alegado pela ATA- uma liquidação prévia à impugnada, e que ainda que não degenerasse em intempestividade, acarretava a sua improcedência. Noutra formulação, entendeu que tal ato por já se ter firmado na ordem jurídica, por falta de atempado uso dos meios graciosos que a lei coloca à disposição do interessado, não poderia recuperar a oportunidade perdida, retirando da dedução de uma impugnação arbitral referente a um novo ato de liquidação consequências que a estabilidade do ato de liquidação sindicado já não consente.


Com efeito, e por forma a atestar o supra expendido veja-se o que foi decidido neste concreto particular:

“Para a Requerida, apesar de os Requerentes indicarem como objecto do pedido de pronúncia arbitral a liquidação n.º …………168, de 30-10-2018, a causa de pedir apresentada estaria apenas relacionada com o procedimento de análise do teor dos elementos indicados na declaração de rendimentos entregue a 28-05-2015.
Assim, prossegue a Requerida, uma vez que a causa de pedir que subjaz ao pedido respeita efectivamente à liquidação resultante do procedimento de
verificação dos elementos declarados que foi emitida em Dezembro de 2017 e paga em Outubro de 2018 (liquidação n.º …………008, e considerando que o pedido de pronúncia arbitral apenas foi apresentado em 11-03-2019, terá sido ultrapassado o prazo legal para o fazer, pelo que se verificaria a excepção de intempestividade, excepção peremptória conducente à absolvição do pedido.
Ressalvado o respeito devido não assistirá qualquer razão à Requerida nesta matéria.
Efectivamente, e como a própria Requerida reconhece, o objecto da presente acção arbitral, a que se reporta o pedido anulatório formulado e que é, consabidamente, o referente da tempestividade do pedido arbitral, nos termos do art.º 10.º do RJAT, é o acto de liquidação de IRS n.º ……………..168 e juros compensatórios, relativo ao ano de 2014, no valor de €462.650,47, cuja tempestividade da impugnação arbitral não é contestada pela Requerida.
As questões relativas à causa de pedir, suscitadas pela Requerida não contendem, por qualquer forma com a tempestividade da acção arbitral, mas, antes, com a procedência ou improcedência do mesmo (…)
Nos presentes autos, e como igualmente se reverá adiante, estaremos perante uma situação análoga à decidida no Acórdão do STA de 29-10-2013, proferido no processo 01028/03, onde se explica que:
“III - A ordem de reposição de quantias é um acto consequente, mas não um mero acto de execução de anterior acto que operou a redução do saldo, já que, embora este habilite à prática do segundo acto e funcione como seu pressuposto, o segundo acto contém, nessa medida, um efeito jurídico inovador, legitimado pela prática do primeiro mas não contido nele.
IV - O recurso contencioso deste segundo acto deve, no entanto, ater-se aos vícios que lhe sejam directamente imputáveis, e não aos que estejam eventualmente a inquinar a primeira decisão, pelo que, caso o recurso contencioso do primeiro acto seja rejeitado, o recurso contencioso da ordem de restituição só pode ter como causa de pedir os vícios da nova decisão, ou seja, os que eventualmente afectem a "liquidação" da obrigação de restituir.”
Também no caso sub iudice, e como é bem evidente, os Requerentes alegam vícios próprios do acto de liquidação de IRS n.º ………….168 e juros compensatórios, relativo ao ano de 2014, no valor de €462.650,47 (violação de determinados princípios, ilegalidade dos juros, falta de audiência prévia e de fundamentação).
Daí que motivo algum haverá para concluir, como pretende a Requerida, pela extemporaneidade do pedido ou pela caducidade do direito de acção, devendo, naturalmente, o Tribunal ater-se à apreciação dos vícios invocados que sejam próprios do acto tributário objecto da acção arbitral.
Assim, e face ao exposto, julga-se improcedente a excepção, ora em apreço, invocada pela Requerida.” (destaques e sublinhados nossos).

Daqui resulta, portanto, que de acordo com a factualidade alegada pelas partes, o Tribunal Arbitral ainda que com base em diferente qualificação jurídica, ajuíza que “as questões relativas à causa de pedir, suscitadas pela Requerida não contendem, por qualquer forma com a tempestividade da ação arbitral, mas, antes, com a procedência ou improcedência do mesmo.”


E a verdade é que tal realidade não pode reclamar uma nulidade com base no princípio do contraditório e com a extensão preconizada pelos Impugnantes.


E isto porque, por um lado, o princípio do conhecimento oficioso do direito (artigo 5.º, nº3 do CPC) permite ao juiz inteira liberdade na qualificação jurídica dos factos, podendo ir buscar regras diferentes daquelas que as partes invocaram, atribuir às regras invocadas pelas partes sentido diferente do que estas lhe deram e fazer derivar das regras de que as partes se serviram efeitos e consequências diversas das que estas tiraram, e por outro lado, porque face ao teor das respostas era possível perspetivar que a questão podia ser conhecida nos termos postulados na decisão arbitral.


Conforme se doutrina no Aresto do STJ, proferido no processo nº 842/10.9.P2.S1 TBPNF, com data de 07 de abril de 2016: “[o] que identifica a pretensão material do autor, o efeito jurídico que ele visa alcançar, enquanto elemento individualizador da acção, é o efeito prático-jurídico por ele pretendido e não a exacta caracterização jurídico-normativa da pretensão material, a sua qualificação ou subsunção no âmbito de certa figura ou instituto jurídico, sendo lícito ao tribunal, alterando ou corrigindo tal coloração jurídica, convolar para o decretamento do efeito jurídico adequado à situação litigiosa, sem que tal represente o julgamento de objecto diverso do peticionado”.


Há, portanto, que compaginar a coligação do dever de diligência das partes com a adequada perspetivação pelas mesmas da decisão, sendo de apartar a decisão surpresa quando esta não surge de forma inovatória, porquanto devidamente assinalada no processo pela outra parte, ainda que com uma roupagem jurídica diversa.


Ora, como se dá nota na fundamentação jurídica do Acórdão do STJ 11 de fevereiro de 2015, Proc. 877/12.7TVLSB.L1-A.S1 “o princípio do contraditório, na vertente proibitiva da decisão surpresa, não determina ao tribunal de recurso que, antes de decidir a questão proposta pelo recorrente e/ou recorrido, o alerte para a eventualidade de o fazer com base num quadro normativo distinto do por si invocado (…).”


Daí que o cumprimento do contraditório não possa ser entendido com amplitude tal e no sentido de que o tribunal “discuta com as partes o que quer que seja” e que alivie as mesmas antecipadamente “de usarem a diligência devida para preverem as questões que vêm a ser, ou podem vir a ser, importantes para a decisão” (Ac. STJ 09 novembro de 2017, Proc. 26399/09.5T2SNT.L1.S1, Ac STJ 17 de junho de 2014, Proc. 233/2000.C2.S1).


Por outro lado, há que adensar e sublinhar que, se analisarmos com cautela a resposta apresentada pelos Impugnantes, os mesmos acabam por replicar todas as questões que relevam, em concreto, para esta decisão, convocando, inclusive, e conforme demos nota anteriormente, toda a tramitação que confluiu no ato de liquidação impugnado, apelando, igualmente, a todo o procedimento administrativo ex ante, e à própria liquidação ………008- ainda que conferindo-lhe, é certo, um âmbito e extensão que não o confirmado pelo Tribunal Arbitral- e bem assim dando nota da própria impugnação unitária e do artigo 54.º do CPPT, normação jurídica que foi inclusivamente convocada na decisão arbitral ainda que comportando, a final, um efeito jurídico não coincidente com o decidido e que desembocou na improcedência.


Acresce, como visto, que apenas nos encontramos perante uma decisão surpresa quando ela comporte uma solução jurídica que as partes não tinham qualquer possibilidade de a prever, o que face a todo o expendido anteriormente, não se verifica no caso vertente.


Ademais, in limite, sempre a situação vertente se reconduziria a um caso de manifesta desnecessidade, donde subsumível no artigo 3.º, nº3 do CPC.


Face a todo o exposto, e sem necessidade de quaisquer considerandos adicionais improcede a aludida arguição.



***




Prosseguindo, ora, com a nulidade por omissão de pronúncia.


Advogam os Impugnantes que o Acórdão Arbitral não decidiu as seguintes questões jurídicas, que foram expressamente suscitadas pelos ora impugnantes no requerimento apresentado, em 2019.06.26, bem como nas alegações, de 2019.10.02, por referência à falta de notificação dos elementos essenciais do ato final de liquidação que alegadamente teria sido confirmado.


Densificam, para o efeito, que no caso sub judice não se verificou, nem a ATA, provou, como lhe competia (artigo 74º da LGT), a notificação dos elementos essenciais da “liquidação n.º 2017 5005473008” aos ora Impugnantes, não podendo presumir-se a existência de tal ato formal.


Adensando, neste âmbito, que a apreciação de tal questão foi expressamente suscitada e revelava-se essencial para dirimir o litígio, na medida em que a impugnação só pode ser rejeitada com fundamento no carácter meramente confirmativo do ato impugnado quando o ato anterior tiver sido objeto de notificação aos sujeitos passivos.


Nessa medida, sendo questões autónomas, arguidas e não consideradas prejudicadas pela solução dada às questões que foram objeto de decisão, não poderia a decisão arbitral ter omitido pronúncia padecendo, por isso, de nulidade.


Apreciando.


A propósito da omissão de pronúncia dispõe o artigo 125.º do CPPT, nº1, do CPPT que constitui nulidade a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar.


Preceituando, por seu turno, a primeira parte da alínea d), do nº 1, do artigo 615.º do CPC, que a decisão é nula, quando “o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.


Na verdade, a nulidade da decisão por omissão de pronúncia sucede apenas quando a mesma deixe de decidir alguma das questões suscitadas pelas partes, salvo se a decisão tiver ficado prejudicada pela solução dada a outra questão submetida à apreciação do Tribunal.


Dir-se-á, neste particular e em abono da verdade que, as questões submetidas à apreciação do tribunal identificam-se com os pedidos formulados, com a causa de pedir ou com as exceções invocadas, desde que não prejudicadas pela solução de mérito encontrada para o litígio. De notar para o efeito que, as questões não são passíveis de qualquer confusão conceptual com as razões jurídicas invocadas pelas partes em defesa do seu juízo de valoração, porquanto as mesmas correspondem a simples argumentos e não constituem questões na dimensão valorativa preceituada no citado normativo 615.º, nº 1, alínea d), do CPC.


Conforme doutrinado por ALBERTO DOS REIS (5) “[s]ão, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão”.


Ora, tendo presente o alegado pelos Impugnantes e o objeto de concreta pronúncia da decisão arbitral visada, entendemos, mais uma vez, que não se verifica a aduzida nulidade.


Senão vejamos.


Conforme já demos nota anteriormente mediante as transcrições realizadas supra, para as quais, ora, se remete resulta que, em sede de requerimento de resposta à exceção, foi invocado que a ATA não procedeu à “notificação dos elementos essenciais da liquidação nº ………..008 aos ora impugnantes, não podendo presumir-se a existência de tal acto formal (v. art.36.º do CPPT), que tem de constar de específico documento escrito que indique a autoria e qualidade em que actuou a entidade decidente, a data, sentido, fundamentação e objecto do acto tributário, bem como a indicação dos meios de defesa à participação (…)”, realidade que foi novamente invocada em sede de alegações escritas.


Do supra expendido resulta que foi arguido um vício próprio atinente ao ato de liquidação nº ……………..008 e particularmente à sua estrita notificação. Com efeito, a arguição está concatenada com a falta de fundamentação da notificação respeitante ao ato de liquidação, por não respeitar todos os requisitos do ato.


Rigorosamente, e se bem ajuizamos a pretensão material dos Impugnantes, a causa de pedir não se coaduna com a falta de notificação do ato de liquidação, mas sim com a falta de notificação dos elementos essenciais que corporizam esse ato de liquidação.


Não obstante essa expressa alegação, entendemos que a decisão arbitral não padece da omissão que lhe é assacada, na medida em que a decisão-bem ou mal não importa para o caso- ajuizou que no caso só poderiam ser apreciados vícios próprios do ato de liquidação nº ……………, não competindo, assim, tecer qualquer pronúncia sobre questões que pudessem estar coadunadas com o ato de liquidação anteriormente emitido, no caso o ato de liquidação nº ……………008.


Logo, de forma expressa, ajuizou o Tribunal Arbitral que estava vedada qualquer pronúncia, seja a título principal, seja a título incidental, que pudesse ter alguma conexão com o primeiro ato de liquidação.


Como refere de forma expressa e clara tem “o Tribunal ater-se à apreciação dos vícios invocados que sejam próprios do acto tributário objecto da acção arbitral”, particularizando que esse ato se coaduna com a liquidação nº ………………168 e juros compensatórios, ao qual adensa e sublinha que são alegados “vícios próprios” substanciando enquanto tais a “violação de determinados princípios, ilegalidade dos juros, falta de audiência prévia e de fundamentação”, para daí concluir que, a pronúncia circunscrever-se-á a esse ato de liquidação e aos vícios que se contenham no mesmo.


Logo, o Tribunal Arbitral não se pronunciou sobre a questão concatenada com os vícios decorrentes do ato de liquidação precedente, concretamente, nº …………..008, porquanto reputou, de forma clara, objetiva e direta, que estava vedada essa pronúncia.


Note-se que, se essa interpretação se encontra correta, se deveria o Tribunal Arbitral ter apreciado -ainda que incidentalmente- vícios atinentes à sua notificação, se tal causa de pedir ainda que conexa com um outro ato de liquidação poderia ou não impactar na concreta decisão do ato em contenda, em nada releva no presente momento e sede, porquanto tal já redunda em erro de julgamento, donde extravasa o âmbito da presente lide.


Noutra formulação, se foi bem ou mal decidido, que a delimitação objetiva da lide se teria de circunscrever a vícios próprios do ato de liquidação nº ……………168, e sem qualquer apreciação, a latere ou mesmo incidental, de vícios coadunados com o ato de liquidação nº …………..008, tal é irrelevante para efeitos do âmbito da presente lide e à luz dos poderes de cognição deste Tribunal.


Sendo, igualmente, de relevar que não é igualmente exigível que esteja expressamente indicado que a questão se encontra prejudicada, pois tal é uma decorrência lógica da solução dada aos autos.


Ademais, e sem embargo do exposto, sempre se dirá que do probatório resulta asserção em sentido inverso. Ou seja, do mesmo dimana toda a tramitação administrativa que confluiu no ato de liquidação nº ………………….008, mormente, nos pontos 20 a 29 nos quais se dá conta de todo o histórico, da entrega da modelo 3, procedimento de seleção e análise interna, notificações, articulados e procedimento de liquidação, asseverando, a final, como facto assente que ocorreu a notificação desse mesmo ato, conforme promana do ponto 28.


Com efeito, do mesmo consta expressamente que “a referida declaração oficiosa deu origem à liquidação nº ……………….008, na qual se apurou um reembolso no montante de €2.551,96, notificado e pago aos Requerentes em 02-11-2018.”


Ora, face a todo o exposto, o que se impõe concluir é que, como visto, houve pronúncia no sentido de não apreciação desses vícios, por contenderem com a legalidade de outro ato de liquidação, logo inexiste a aduzida omissão de pronúncia.


Face ao exposto, não se verifica omissão de pronúncia.


Destarte, improcede in totum a sua pretensão.



***




IV. DECISÃO


Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO, SUBSECÇÃO COMUM, deste TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL em JULGAR IMPROCEDENTE A PRESENTE IMPUGNAÇÃO, com a consequente manutenção e com todas as legais consequências.


Custas pelos Impugnantes.


Registe. Notifique.

Lisboa, 18 de setembro de 2025
(P
atrícia Manuel Pires)
(Maria da Luz Cardoso)
(Vital Lopes)
(1)cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 24/5/2011, proc.3514/09; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 6/8/2013, proc.6900/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 21/5/2015, proc.8167/14; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/3/2016, proc.8981/15; Jorge Lopes de Sousa, CPPT anotado e comentado, IV volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.368
(2) Acórdão do STA, proferido no processo nº 1249/16, datado de 20-06-2017.
(3) Cfr., a este respeito, António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Reimpressão, Almedina, Coimbra, 2019, p. 488.
(4) Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 3.ª ed., 2014, págs. 18/19.
(5) Código de Processo Civil anotado, Volume V, Coimbra Editora, 1981 (reimpressão), pág. 143