Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:297/24.0BEALM
Secção:JUÍZA PRESIDENTE
Data do Acordão:05/22/2024
Relator:CATARINA ALMEIDA E SOUSA
Descritores:CONFLITO DE COMPETÊNCIA TERRITORIAL
JUÍZO ADMINISTRATIVO SOCIAL
JUÍZO ADMINISTRATIVO COMUM
Sumário:
Votação:DECISÃO SUMÁRIA
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: DECISÃO
I- RELATÓRIO

R…………………………, dizendo-se inconformado com a sentença da Senhora do Juízo administrativo comum do Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Almada que, no âmbito do processo de intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias por si instaurado contra a Agência para a Integração, Migrações e Asilo, I.P., Coordenador da Unidade Orgânica de Setúbal, se declara incompetente, em razão do território, para conhecer do pedido, considerando competente o Tribunal Administrativo de Círculo (TAC) de Lisboa, veio, ao abrigo do disposto no artigo 105º, nº4 do CPC, requerer a intervenção deste Tribunal para decidir definitivamente a questão da competência territorial.

Para tanto, sustenta que a decisão reclamada não retira as consequências jurídicas da norma contida no nº5 do artigo 20º, do CPTA, pois desconsidera a autonomia da Loja / Delegação da AIMA de Setúbal (e não a de Coimbra, como refere na p.i.), que é a entidade competente para “… receber e instruir o pedido, e posteriormente emitir o título de residência do recorrente. Sendo …quem procederá/deverá proceder com comportamento, nos termos do artigo 20.º, número 5 do CPTA.”.

Assevera que tal entendimento foi precisamente o seguido, em caso idêntico, pelo Exmo. Juiz Desembargador Presidente do TCA Norte no âmbito do processo nº415/24.9BEPRT-R1- juntando, como prova do alegado, cópia da decisão ali proferida.

Conclui a reclamação contra o despacho que atribuiu a competência territorial ao TAC de Lisboa para julgar a presente ação de intimação, deste modo:

1º Por força do artigo 20º, número 5, sendo que o agendamento se pretende para a Loja AIMA de Setúbal, pois é neste local que o recorrente deseja dar início ao seu pedido de residência, e onde será efetuado e será processado (instruído) sob responsabilidade da Delegação da AIMA em Setúbal, existindo uma loja AIMA nesta cidade, que é um espaço de prestação de serviços públicos em balcão único de atendimento que serve de interface dos cidadãos migrantes e das respetivas entidades empregadoras com diversos serviços de várias entidades públicas e privadas, designadamente no âmbito do processo de acolhimento e integração de migrantes– cfr. art. 14º nº 1 da Portaria 324-A/2023, de 27 de Outubro - é nesta cidade que deve ter lugar o comportamento ou a omissão pretendido, e portanto, a competência é do TAF de Almada.


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- QUESTÃO A APRECIAR E DECIDIR

A questão colocada na presente reclamação consiste em determinar qual o tribunal territorialmente competente para a instrução e conhecimento da presente intimação para proteção de direitos liberdades e garantias: se o TAC de Lisboa, tal como o entende a decisão reclamada, ao abrigo da regra vertida no n.º 5 do artigo 20.º do CPTA, ou se o TAF de Almada, como defende o ora reclamante, por sustentar que resulta da aplicação conjunta dos artigos 20.º, nº5, do CPTA e 14º, nº1 dos Estatutos da AIMA, I.P - aprovados pela Portaria nº 324-A/2023, de 27/10 - que serviço competente para decidir o pedido formulado na presente intimação - atenta a residência do autor- é a Loja da AIMA de Setúbal, que se situa na área de jurisdição do TAF de Almada, pelo que é este o tribunal territorialmente competente para conhecer dos pedidos formulados na presente ação de intimação.


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II. FUNDAMENTAÇÃO

- De facto

Para julgamento do presente conflito, são relevantes as seguintes ocorrências processuais (documentalmente provados):

1) R ……………….. intentou, em 18/04/2024, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada acção de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias contra a Agência para a Integração, Migrações e Asilo, I.P., Coordenador da Unidade Orgânica de Setúbal pedindo ao Tribunal que intime “o Requerido a providenciar um agendamento ao Requerente, dando início assim ao procedimento de pedido de autorização de residência por ser estudante do ensino superior, preferencialmente na Loja Aima de Coimbra, nos termos da Lei 23/2007” e que o condene “em sanção pecuniária compulsória à razão de 100 euros por cada dia de atraso em que não cumpra com aquilo a que, por força do disposto do art. 98°, 2, da Lei 23/2007 se encontra adstrita” [cfr. p.i. e seis documentos, a fls.1/34 - SITAF].

2) Em 19/4/2024, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada declarou-se territorialmente incompetente para conhecer da presente acção e atribuiu essa competência ao Juízo administrativo comum do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa. E, para assim decidir, a decisão reclamada baseou-se no seguinte discurso argumentativo, que agora, por simplicidade, se transcreve, nas partes consideradas relevadas

«(…) o Requerente intentou uma intimação para proteção de direito liberdades e garantias, pretendendo obter a intimação da Requerida AIMA, IP a proceder ao agendamento de uma data para requerer a concessão de autorização de residência para o exercício de atividade profissional subordinada.

A competência territorial para conhecer dos processos de intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias é determinada por aplicação da regra prevista no n.º 5, do artigo 20.º, do CPTA, que atribui a competência territorial ao tribunal da área onde deva ter lugar o comportamento ou a omissão pretendida.

A Requerida AIMA, I.P., criada pelo Decreto-Lei n.º 41/2023, de 02 de junho, pessoa coletiva de direito público, com jurisdição sobre todo o território nacional, tem a sua sede em Lisboa - artigos 1.º, n.º 1, e 2.º, do Decreto-Lei n.º 41/2023, de 02 de junho, 1.º e 2.º, do anexo a este diploma legal, e 1.º, n.º 1, dos Estatutos da AIMA, I.P., aprovados pela Portaria n.º 324-A/2023, de 27 de outubro.

De acordo com o disposto nos n.ºs 1 e 2, do artigo 51.º, do Decreto Regulamentar n.º84/2007, de 05 de novembro, que regulamenta a Lei n.º 23/2007, de 4 de julho, na redação introduzida pelo Decreto-Lei n.º 41/2023, de 02 de junho (Lei de Estrangeiros), os pedidos de concessão de autorizações de residência devem ser preferencialmente submetidos em plataforma digital acessível através do portal único de serviços, podendo ainda ser apresentados em atendimento presencial ou através de atendimento digital assistido nos locais divulgados pela AIMA, I.P., nos termos definidos por protocolo celebrado com a AIMA, I. P., para o efeito.

A competência para a decisão dos pedidos de concessão de autorizações de residência, designadamente os pedidos de concessão da pretendida autorização de residência para exercício de atividade profissional subordinada, prevista no artigo 88.º, da Lei Estrangeiros, pertence ao Conselho Diretivo da Requerida AIMA, I.P., composto por um presidente e quatro vogais, com faculdade de delegação, sendo os respetivos procedimentos tramitados no Departamento de Procedimentos Administrativos e Qualidade, que é um serviço central da AIMA, I.P., ao qual cabe, designadamente, a gestão e instrução dos pedidos de concessão de autorizações de residência - artigos 8.º, do anexo ao Decreto-Lei n.º 41/2023, de 02 de junho, 2.º, n.º 2, alínea g), e 10.º alínea a), dos Estatutos da AIMA, I.P., e 51.º, n.º 18, do Decreto Regulamentar n.º 84/2007, de 05 de novembro.

Assim e atendendo a que a AIMA, I.P. tem a sua sede na área de jurisdição do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa (artigo 3.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 325/2003, de 29 de dezembro, que define a sede, a organização e a área de jurisdição dos tribunais administrativos e fiscais, e mapa anexo a este diploma legal), o Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada é territorialmente incompetente para conhecer o presente litígio pertencendo a competência territorial ao Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa.

O Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa foi desdobrado em juízos de competência especializada, nos termos do disposto no artigo 9.º, do ETAF, integrando os seguintes juízos de competência especializada: juízo administrativo comum; juízo administrativo social; juízo de contratos públicos (artigos 1 e 2.º, do Decreto-Lei nº 174/2019, de 13 de dezembro), com a competência definida no artigo 44.º-A, do ETAF.

Face o exposto, impõe-se declarar a incompetência territorial do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada e, consequentemente, determinar a remessa dos autos ao Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa - Juízo Administrativo Comum, nos termos do n.º 1, do artigo 14.º, do CPTA (…)”

[cfr. fls.36/41-SITAF].

3) Nesse mesmo dia, o autor e o Ministério Público foram notificados da decisão referida em 2).

4) Inconformado com tal decisão o autor apresentou no Tribunal, também em 19/4/2024, requerimento de reclamação dirigido ao Presidente deste TCAS. [cfr. fls.48-49].


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- De direito

As regras sobre a distribuição da competência territorial constam do CPTA, nomeadamente dos artigos 16º a 22º sendo a única espécie de competência cuja disciplina está regulada de forma concentrada no referido código.

A regra geral em matéria de competência territorial encontra-se prevista no artigo 16º do CPTA, no qual se estatui, no nº1 que «Sem prejuízo do disposto nos artigos seguintes e das soluções que resultem da distribuição das competências em função da hierarquia, os processos, em primeira instância, são intentados no tribunal da residência habitual ou da sede do autor”

Os processos são, em princípio, e em primeira instância, intentados no Tribunal da residência habitual ou sede do Autor ou da maioria dos Autores, visando de tal modo favorecer os particulares que, não raras vezes, têm a seu cargo a iniciativa processual.

No entanto, esta regra geral comporta várias exceções que estão enumeradas nos artigos 17º a 22º do CPTA.

No caso dos autos impõe-se convocar o estatuído no artigo 20, nº5, do CPTA, o qual refere “Os demais processos de intimação são intentados no tribunal da área onde deva ter lugar o comportamento ou a omissão pretendidos.

Diga-se que, quer o Reclamante, quer a Senhora Juíza Reclamada, concordam que ao presente processo se aplica o citado normativo; no que dissentem é na entidade que consideram ser a competente para a apreciar os pedidos formulados na presente ação de intimação.

Como deixámos apontado, considera o Reclamante que a Senhora Juíza Reclamada laborou em erro, na medida é em que na Loja/Delegação da AIMA de Setúbal, situada na área de jurisdição do TAF de Almada, e com competência para a providenciar o pedido de autorização de residência formulado, o local onde teve lugar o comportamento omissivo que pretende ver sindicado.

Por seu turno, a Senhora Juíza Reclamada entende que a “decisão dos pedidos de concessão de autorizações de residência, pertence ao Conselho Diretivo da AIMA, I.P., composto por um presidente e quatro vogais, com faculdade de delegação, sendo os respetivos procedimentos tramitados no Departamento de Procedimentos Administrativos e Qualidade, que é um serviço central da AIMA, com sede em Lisboa”.

Adiante-se desde já, que a decisão reclamada é manter.

Sobre esta matéria, e em caso em tudo idêntico a este, já se pronunciou o TCA Sul, em 05/03/24, no âmbito do processo nº152/24.4BELLE, posição que se acompanha e se transcreve na parte relevante ( a qual deve ser lida com as devidas adaptações).

Ali se disse:

“ (….) a AIMA IP, o organismo criado pelo Decreto-Lei n.º41/2023, de 2 de Junho (em vigor desde 29.10.2023) que sucedeu ao“ SEF nas suas funções em matéria administrativa relacionadas com os cidadãos estrangeiros e ao Alto Comissariado para as Migrações, I. P. (ACM, I. P.) e para qual transitam as “ diligências já realizadas, os processos e procedimentos administrativos pendentes no SEF e no ACM, I. P., (cf. artigos 1.º , nº1, 2.º e 5º, do citado diploma), tem de se articular com o regime do Decreto-Regulamentar nº 84/2007, que na sua recente alteração (Decreto Regulamentar n.º 1/2024, de 17 de Janeiro), passou a dispor no artigo 51.º, n.º 18 que a competência para a concessão e renovação de autorização de residência, está cometida ao “conselho diretivo da AIMA, I. P., com possibilidade de delegação.”

Ora, vendo a orgânica da AIMA, I.P, publicada em Anexo ao Decreto-Lei n.º 41/2023, de 2 de Junho, que dele faz parte integrante, bem como da Portaria n.º 324-A/2023, de 27 de Outubro, que aprovou os estatutos não decorre que as unidades orgânicas territorialmente desconcentradas que aquele organismo dispõe - mais concretamente a Loja AIMA de Albufeira – tenham competência para apreciar os pedidos concessão de autorização e residência temporária que lhe são dirigidos.

Essa competência radica - como supra se disse- no conselho directivo da AIMA, I.P., que tem a sua “sede no município de Lisboa”, como decorre da conjugação do disposto nos artigos 2.º, n.º 1 e 5.º, n.º 1 e 2, al. a), do Decreto-Lei n.º 41/2023, 2 de Junho e artigo 1.º, n.º 1, da Portaria n.º 324-A/2023, de 27 de Outubro.

De igual modo, percorrido o texto da recente Deliberação n.º 242/2024, de 22 de fevereiro, in Diário da República n.º 38/2024, Série II de 22-02-2024, nele não se encontra consagrada a referida delegação de competência para a concessão e renovação de autorizações de residência.

Refira-se, ainda, em jeito de nota de rodapé que as unidades orgânicas territorialmente desconcentradas da AIMA, IP, a saber: as Lojas AIMA e a IMA Spot - são espaços “ de prestação de serviços públicos em balcão único de atendimento que serve de interface dos cidadãos migrantes e das respetivas entidades empregadoras com diversos serviços de várias entidades públicas e privadas, designadamente no âmbito do processo de acolhimento e integração de migrantes” localizadas de preferência em Lojas de Cidadão, visão tão-só criar condições de maior proximidade, facilitar e promover o acesso aos serviços (cfr, artigos 14.º e 15.º da Portaria n.º 324-A/2023, de 27 de Outubro).

Dúvidas não restam, portanto, que pretensão do ora reclamante deve ser apreciada e decida pelo conselho directivo da AIMA, I.P., que tem a sua sede no município de Lisboa. Razão pela qual a presente intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias deve ser intentada no tribunal da área da sede da entidade demandada, in casu, no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, por esse o tribunal territorialmente competente para o efeito”

Face ao que fica dito na decisão que seguimos e sufragamos e dispensando-nos de outras considerações por desnecessárias, conclui-se que o Juízo administrativo comum do TAC de Lisboa é o competente para apreciar e decidir a presente ação de intimação para a proteção de direitos, liberdades e garantia, por ser esse o tribunal da sede da entidade demandada com competência especializada, nos termos do disposto no artigo 44º-A, nº1, alínea a), do ETAF (na versão atual), conjugado com o artigo 2º, nº1, alínea a) do Decreto-Lei nº174/2019, de 13/12, alínea a), do artigo 1º da Portaria nº121/2020, de 22/05 e do mapa anexo ao Decreto-Lei nº325/2003, de 29 de dezembro (alterado pelo DL nº 182/2007; DL n.º 190/2009, de 17/08; Lei n.º 118/2019; DL n.º 58/2020, de 13/08).


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III - DECISÃO

Pelo exposto, decide-se indeferir a presente reclamação e, consequentemente, manter a Decisão Reclamada nos seus precisos termos.

Sem custas.

Notifique.

Lisboa, 22/05/24


A Juíza Presidente,

Catarina Almeida e Sousa