Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
| Processo: | 779/17.0BELRS |
| Secção: | CT |
| Data do Acordão: | 03/12/2025 |
| Relator: | VITAL LOPES |
| Descritores: | IRC SOCIEDADES EM LIQUIDAÇÃO VENDA DE BENS DA MASSA INSOLVENTE ACTIVIDADE ECONÓMICA |
| Sumário: | i.As sociedades em liquidação estão sujeitas ao regime previsto no IRC.
ii. Estão sujeitas a IRC quando exerçam actividade económica. iii. Se não ocorrer qualquer actividade económica não poderá haver lugar a tributação, por inexistência de facto tributário, não sendo aplicável à liquidação de bens da massa insolvente as regras do art.º 79º e ss. do Código do IRC. |
| Votação: | UNANIMIDADE |
| Indicações Eventuais: | Subsecção Tributária Comum |
| Aditamento: |
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| Decisão Texto Integral: | ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA SUBSECÇÃO COMUM DA SECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL I. RELATÓRIO A Representação da Fazenda Pública, recorre da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou procedente a impugnação judicial apresentada por MASSA INSOLVENTE --------------- & D--------------, LDA., visando a liquidação de IRC do exercício de 2012, n.º 2017 8310028034, no montante a pagar de 85.635,53 euros. Alega, para tanto, conclusivamente: « Texto no original» A Recorrida apresentou contra-alegações que culmina com as seguintes conclusões: « ». O Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu mui douto parecer concluindo que o recurso deve ser julgado procedente, anulando-se a sentença recorrida, com as consequências legais. Colhidos os vistos legais e nada mais obstando, vêm os autos à conferência para decisão. II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigo 635.º, n.º 4 e artigo 639.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2003, de 26 de Junho), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso. Assim, analisadas as conclusões da alegação, a questão central que importa dirimir consiste em saber se a venda de bens que compõem a massa falida de uma sociedade em liquidação está sujeita a tributação. *** III. FUNDAMENTAÇÃO A) OS FACTOS Na sentença recorrida deixou-se factualmente consignado: « Texto no original» B.DE DIREITO Como deixamos enunciado, a questão a dirimir consiste em saber se a venda de bens que compõem a massa falida de uma sociedade em liquidação está sujeita a tributação, tendo a sentença concluído que não com base em jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo que cita e, consequentemente, anulado a liquidação oficiosa de IRC/2012, para inconformismo da Recorrente. Como sobressai da matéria de facto dada por assente, foi instaurado procedimento inspectivo a uma sociedade declarada insolvente e em liquidação e com actividade encerrada nomeadamente para efeitos de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas. O procedimento inspectivo foi desencadeado por terem sido efectuadas operações não declaradas de venda de bens pela massa insolvente. No âmbito do procedimento inspectivo e, por falta de apresentação dos documentos e declarações para que foi notificado o Administrador da Insolvência, foi efectuada liquidação oficiosa com recurso a métodos indirectos, porquanto não foi possível à administração tributária determinar por via directa os custos imputáveis às referidas operações de venda de imóveis. O tratamento jurídico da questão – saber se a venda de bens que compõem a massa falida de uma sociedade em liquidação está sujeita a tributação – já foi feito em diversos arestos do Supremo Tribunal Administrativo e, amparado nessa superior jurisprudência e sobre caso análogo ao dos autos, já este tribunal se pronunciou em dois arestos que merecem a nossa concordância e cuja linha decisória importa ter em consideração “a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito” (art.º 8.º, n.º 3 do Código Civil), na falta de argumentos novos que nos levem a reponderar o que ali foi decidido. A jurisprudência deste tribunal que referimos são o Ac. de 13/05/2021 tirado no Proc.º 107/15.0BESNT e o Ac. de 06/09/2021, tirado no Proc.º 1162/16.0BESNT. Como se deixou escrito no último dos Acs. citados, «Prosseguindo, a questão que agora nos propomos averiguar é saber se uma sociedade em processo de liquidação falimentar está ou não sujeita a obrigações fiscais, declarativas e de imposto. O STA chamado a pronunciar-se, decidiu, em vários acórdãos que a sujeição ao regime do IRC continua a existir, com as necessárias adaptações, enquanto não se encerrar a liquidação, pois uma sociedade apenas se extingue após o registo do encerramento da liquidação (art.º 160º/2 do CSC). Até lá, mantém a personalidade jurídica, sujeito de direitos e obrigações, a quem continua a ser aplicável, embora com as necessárias adaptações e em tudo que não for incompatível com o regime processual de liquidação, as disposições que regem as sociedades não dissolvidas (cfr. artigo 146.º do CSC). Com efeito, inexistindo qualquer exceção prevista na lei, todas as sociedade dissolvidas, qualquer que seja a causa da dissolução, mantém obrigações fiscais (nomeadamente a de possuir contabilidade organizada conforme a lei comercial e fiscal, embora com a derrogação de alguns princípios contabilísticos, como, por exemplo, o da «continuidade» ou o da «especialização do exercício») e obrigações declarativas, sendo a sua responsabilidade do liquidatário ou do administrador da insolvência, conforme expressamente é referido pelo nº 10 do artigo 117.º do CIRC. E mesmo que se conclua ser inaplicável às sociedades em liquidação decorrente da declaração de insolvência do prazo de dois anos previsto no art. 79º/4 do CIRC para a dedução ao lucro tributável dos prejuízos anteriores à dissolução, tal não implica necessariamente que todo o regime contido na Subsecção V do Código do IRC, subordinada à epígrafe ¯”Liquidação de sociedades e outras entidades”, tenha de ser afastado relativamente a essas sociedades, e que elas não estejam obrigadas à determinação do lucro tributável e ao cumprimento das inerentes obrigações declarativas fiscais. A declaração de falência e a entrada em período de liquidação não determina, por si só, a cessação em Imposto sobre o Rendimento. Isto porque, durante o período de cessação progressiva da existência da sociedade, ou período de liquidação, pode existir alguma atividade económica geradora de rendimentos sujeitos a IRC (fruto, por exemplo, de negócios jurídicos que se continuaram a realizar, mormente negócios de execução duradoura que tiveram início antes da declaração de falência, ou fruto da confirmação de negócios do falido posteriores à declaração de falência - artigo 155.º, nº 2 do CPEREF), podendo o «Resultado da Liquidação», evidenciado pelo respetivo ¯«Balanço», apresentar lucro. Até porque o facto de uma sociedade entrar em fase de liquidação falimentar, não obsta a que possa retomar a sua atividade comercial após ter sido declarada insolvente (artigos 230.° a 234.° do CIRE). Verificada, pois, a continuidade da sua qualidade de sujeito passivo de IRC, nos termos do artigo 2º do respetivo Código, o lucro tributável destas sociedades é, porém, determinado com referência a todo o período de liquidação do património societário como estipulado pelo n.º 8 do artigo 8.º e 79º/1 ambos do CIRC. A sociedade em liquidação não só está vinculada ao cumprimento das obrigações declarativas fiscais como pode também ser sujeito passivo de IRC uma vez que, como também referiu o STA no ac. 0876/15, 08-11-2017 (…) a circunstância de se estar em presença de uma situação jurídica de falência e de liquidação do património não impede, como referimos, que se possam verificar ganhos fortuitos e inesperados, vendas de bens por valores que podem não só solver todas as dívidas como gerar sobras, incrementos patrimoniais esses para os quais nenhuma razão subsiste para se furtarem a tributação em sede de IRC. Ou seja, se na sociedade insolvente ocorrer atividade económica geradora de rendimentos tributáveis em IRC eles encontram-se sujeitos às regras previstas nos arts. 73º e segs. do CIRC (correspondente ao art.º 79º na redação vigente em 2012). Neste particular, é de acolher a posição assumida no referido acórdão do STA nº 01145/09: «decretada a falência, cessa a prossecução do objeto social da empresa e, portanto, a obtenção de lucros que é a base do IRC — cfr. artºs 1º e 3º do CIRC — deixando de existir ativo imobilizado, como tal, uma vez que todos os bens da pessoa coletiva são apreendidos e passam a integrar a chamada massa falida, constituída por um acervo de bens e direitos retirados da disponibilidade da sociedade e que serve exclusivamente, depois de liquidado, para pagar os créditos reconhecidos”. Como se destacou no referido acórdão nº 01079/03 a propósito da venda do ativo imobilizado, mas cuja doutrina nos parece aplicável aos restantes bens do ativo, com a declaração de falência não há mais activo imobilizado, qua tale, sendo, antes, todos os bens apreendidos, passando a constituir um novo património, a chamada ¯”massa falida”, que constitui um acervo de bens e direitos retirados da disponibilidade da sociedade e que serve exclusivamente, depois de liquidado, para pagar, primeiramente, as custas processuais e as despesas de administração e, depois, os créditos reconhecidos. Isto sem ignorar que durante o período de cessação progressiva da existência da sociedade, ou período de liquidação, pode existir alguma atividade económica geradora de rendimentos sujeitos a IRC, como acima se referiu (fruto, por exemplo, de negócios jurídicos que se continuaram a realizar, mormente negócios de execução duradoura que tiveram início antes da declaração de falência, ou fruto da confirmação de negócios do falido posteriores à declaração de falência – artigo 155.º, nº 2 do CPEREF), podendo o «Resultado da Liquidação», evidenciado pelo respetivo ¯«Balanço», apresentar lucro tributável. Porém, se não ocorrer qualquer atividade económica não poderá haver lugar a tributação, por inexistência de facto tributário, não sendo aplicável à liquidação de bens da massa insolvente as regras do art.º 79º e segs. do Código do IRC, como se explicitou no acórdão do STA de 29/10/2003, no recurso nº 01079/03. No mesmo sentido decidiu o douto acórdão do STA proferido em 3/11/2016 no recurso nº 0448/14, que «Com base na falta de apresentação de declaração de rendimentos e impossibilidade de comprovação e quantificação directa do lucro tributável, poderia a Administração Tributária proceder à determinação do lucro tributável com recurso a métodos indirectos, se, tendo em conta a sua declaração de falência e a sua declaração de que cessou a sua actividade comercial em 1991, apenas relativamente às condições que subsistam de sujeição ao IRC, para além das que derivam do exercício de uma actividade económica, como sejam os negócios jurídicos que se possam ter continuado a realizar seja por serem de execução duradoura que se protelou para além da declaração de falência, ou por terem resultado da confirmação de negócios do falido posteriores à declaração de falência, ou, até pelo que sobrou do produto da venda dos bens que integravam a massa insolvente depois de pagas as dívidas da massa e os créditos reconhecidos.» (fim de cit., sublinhados nossos). Extrai-se da jurisprudência citada que a sociedade em liquidação não só está vinculada ao cumprimento das obrigações declarativas fiscais como pode também ser sujeito passivo de IRC. Porém, se não ocorrer qualquer actividade económica não poderá haver lugar a tributação, por inexistência de facto tributário. Regressando aos autos, resulta provado que a sociedade Duarte & Demacek, Lda. foi declarada insolvente por sentença datada de 08/04/2010, no processo de insolvência n.º 2834/09.1TBTVD e que em 18/06/2010 a assembleia de credores, no âmbito desse processo de insolvência, deliberou o encerramento da empresa. Em conformidade, foi comunicada à AT a cessação de actividade da sociedade, a partir daquela mesma data. Mais se provou que foi no âmbito do mesmo processo de insolvência que foram vendidos os lotes de terreno melhor identificados no RIT, em 31/01/2012 e 30/08/2012, não só atendendo à qualidade dos intervenientes nos documentos que titulam aquelas transmissões, mas também porque os mesmos se encontravam apreendidos a favor da massa insolvente desde 17/05/2010. Ou seja, foi a massa insolvente da sociedade Duarte & Demacek, Lda. – Em Liquidação que vendeu os prédios (terrenos para construção) inscritos nas respectivas matrizes prediais do concelho de Torres Vedras sob os números 9011, 6099 e 8465, pelo preço respectivo de € 785 000,00, € 133 000,00 e € 154 000,00. Tendo em conta a factualidade descrita, acompanhamos a sentença recorrida no entendimento de que com base exclusivamente nos proventos auferidos com a venda daqueles terrenos em 2012, levada a cabo pela Administradora da Insolvência, no âmbito do processo de insolvência n.º 2834/09.1TBTVD, que integravam a massa insolvente da sociedade Duarte & Demacek, Lda. - Em Liquidação, desde 2010, a administração tributária não podia proceder à determinação da matéria tributável, por métodos indirectos, em sede de IRC, para o exercício de 2012, porquanto, a sociedade Duarte & Demacek, Lda. se trata de uma empresa declarada insolvente desde 08/04/2010, que cessou a sua actividade em 18/06/2010, facto comunicado ao respectivo Serviço de Finanças em 02/09/2010. Esta venda, porque teve lugar no âmbito do processo de insolvência, pela massa insolvente, e, portanto, com vista à satisfação dos credores, já em 2012, não é uma venda de bens do activo imobilizado da sociedade insolvente, nem deriva do exercício de uma actividade económica, desenvolvida pela sociedade insolvente até 18/06/2010. Salienta-se que a AT não logrou provar que estas vendas respeitassem a negócios jurídicos que se possam ter continuado a realizar seja por serem de execução duradoura que se protelou para além da declaração de insolvência, ou por terem resultado da confirmação de negócios da insolvente posteriores à declaração de insolvência, ou, até, pelo que sobrou do produto da venda dos bens que integravam a massa insolvente depois de pagas as dívidas da massa e os créditos reconhecidos, casos em que, com base na falta de apresentação de declaração de rendimentos e impossibilidade de comprovação e quantificação directa do lucro tributável, poderia ter procedido à determinação do lucro tributável com recurso a métodos indirectos. Portanto, a venda não se insere na actividade económica da insolvente e o capital realizado não está sujeito a IRC, fundamento anulatório da liquidação impugnada. Com os fundamentos expostos é de julgar o recurso improcedente e confirmar a sentença recorrida, que decidiu no alinhamento da jurisprudência que tem vindo a ser seguida neste tribunal e que também nós aqui acompanhamos. IV. DECISÃO Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da Subsecção Comum da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a douta sentença recorrida. Custas a cargo da Recorrente. Após trânsito, dê conhecimento no processo de Insolvência em resposta ao ofício e insistências do Tribunal Judicial (págs.1591 e ss. do SITAF), em que informa que aqueles autos, com natureza urgente, aguardam unicamente o trânsito em julgado da decisão proferida nesta impugnação. Lisboa, 12 de Março de 2025 _______________________________ Vital Lopes ________________________________ Margarida Reis ________________________________ Tiago Brandão de Pinho |