Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:9892/16.0BCLSB
Secção:CT
Data do Acordão:04/24/2024
Relator:TÂNIA MEIRELES DA CUNHA
Descritores:ARBITRAL
PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
PRINCÍPIO DA IGUALDADE DAS PARTES
Sumário:I - Ao contrário do que decorre do regime de recurso das decisões proferidas pelos tribunais tributários de 1.ª instância, o mérito das decisões proferidas pelos tribunais arbitrais tributários é sindicável num conjunto muito limitado de situações e nunca no âmbito da sua impugnação junto do Tribunal Central Administrativo.
II - O princípio da igualdade, basilar em termos processuais, reflete o desiderato constitucionalmente consagrado no art.º 13.º da nossa lei fundamental e está subjacente ao direito a um processo equitativo, previsto no art.º 6.º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos.
III - O princípio do contraditório configura-se como um princípio basilar no nosso ordenamento, visando, designadamente, prevenir a existência de decisões surpresa, ou seja, de decisões com as quais as partes não podiam legitimamente contar.
IV - Salvo em casos de manifesta desnecessidade, não pode o julgador decidir questões de facto ou de direito, ainda que de conhecimento oficioso, sem que tenha sido dada a oportunidade às partes de sobre elas se pronunciarem.
V - Tendo sido juntos pela requerente do pedido de pronúncia arbitral uma série de documentos, admitidos pelo tribunal arbitral, sem que tivesse ouvido a AT sobre o assunto, e tendo tais documentos sido pertinentes para a decisão proferida, há uma clamorosa violação do princípio do contraditório.
VI - A admissão de um requerimento apresentado por uma das partes e o desentranhamento de requerimento apresentado pela outra, com vista ao exercício do direito ao contrário, sustentado no fundamento de que não tinha sido ordenado à parte tal exercício, atenta contra o princípio da igualdade das partes.
VII - O princípio da autonomia do tribunal arbitral na condução do processo não é um princípio com elasticidade tal que justifique preterição de direitos elementares das partes. Há princípios basilares do processo equitativo e justo que têm de ser respeitados e não podem ser, sem mais, postergados.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção Tributária Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
Acórdão

I. RELATÓRIO

A Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante Impugnante ou AT) veio impugnar a decisão arbitral proferida pelo tribunal arbitral singular constituído no Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), no processo a que aí foi atribuído o n.º 680/2014-T, ao abrigo dos art.ºs 27.º e 28.º do DL n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem Tributária – RJAT).

Nas suas alegações, concluiu nos seguintes termos:

“1.ª A presente impugnação visa reagir contra a decisão arbitral proferida a 2016-07-11 pelo Tribunal Arbitral Singular (re)constituído no âmbito do processo n.° 680/2014-T que correu termos no CAAD;

2.ª A decisão arbitral enferma de nulidade, nos termos do artigo 28.°/1 -d) do RJAT, por violar o basilar princípio da igualdade das partes;

3.ª O princípio da igualdade das partes pressupõe o reconhecimento por parte do julgador do mesmo estatuto substancial às partes, como seja a faculdade destas últimas exercerem os meios de defesa que lhe assistem;

4.ª O Tribunal Arbitral Singular não concedeu o mesmo estatuto substancial às partes a partir do momento em que, por via do seu despacho arbitral de 2015-03-17, admitiu a apresentação por parte do Impugnado a 2015-03-16 (i) de um articulado suplementar, (ii) submetido muito para além do prazo concedido para o efeito (artigo 423.°/1 do CPC, ex vi do artigo 29.°/1-e) do RJAT) e (iii) não admitido pelo próprio RJAT (que apenas prevê o pedido de pronúncia arbitral e a subsequente resposta);

5.ª De igual forma, o Tribunal Arbitral Singular não concedeu o mesmo estatuto substancial às partes a partir do momento em que, por via do seu despacho arbitral de 2015-03-17, admitiu a apresentação de um articulado suplementar por parte do Impugnado a 2015-03-16, mas sem cuidar de aferir da sua (alegada, mas indemonstrada) natureza superveniente das certidões do lMT e, para mais, perante o carácter lacónico da referida peça;

6.ª Impunha-se que o Tribunal Arbitral Singular tivesse diligenciado, quer junto do Impugnado quer complementarmente junto do IMT, a razão pela qual as certidões do IMT não foram apresentadas aquando do pedido de pronúncia arbitral apresentado pelo Impugnado e, bem assim, em que data ou datas foram requeridas as certidões pelo Impugnado junto do lMT;

7.ª A alegação de que as certidões foram emitidas a 2015-03-06 pelo IMT, expedidas a 2015- 03-09 pelo IMT e recebidas a 2015-03-12 pelo Impugnado não permitia, por si só concluir pela natureza superveniente daqueles documentos, pois que a superveniência teria de ser sempre e só ajuizada à luz da data em que foi solicitada a emissão das certidões junto do IMT, nomeadamente: (i) antes ou depois da dedução do pedido de pronúncia arbitral apresentado a 2014-09-15 (ii) antes ou depois da Resposta e documentos apresentados pela Impugnante a 2015-01 -16;

8.ª A decisão arbitral enferma ainda de nulidade, nos termos do artigo 28.°/1-d) do RJAT, por violar o estruturante princípio do contraditório;

9.ª O princípio do contraditório supõe a audição das partes ao longo de todo o processo, não sendo admissível ao julgador decidir questões de facto ou de direito suscitadas na lide sem que as partes em confronto tenham oportunidade de sobre elas se pronunciarem, sob pena de não se obter uma decisão justa;

10.ª O Tribunal Arbitral Singular não concedeu formalmente à Impugnante o direito ao contraditório a partir do momento em que, por via do seu despacho arbitral de 2015-03-17 (e posteriormente reiterado a 2016-05-24, a 2016-06-09 e a 2016-07-05), se limitou a "mandar dar conhecimento à Requerida" do articulado suplementar e das certidões do IMT juntos pelo Impugnado;

11.ª De igual forma, o Tribunal Arbitral Singular coartou à Impugnante a prerrogativa que a segunda tinha direito a exercer, ao mandar desentranhar, pela segunda vez na história deste caso, o requerimento apresentado a 2016-06-16, não obstante todas as razões válidas nele expostas;

12.ª Além de ilegais, mostram-se incompreensíveis os sucessivos esforços empregues pelo Tribunal Arbitral Singular (nos seus despachos 2015-03-17, de 2016-05-24, de 2016-06-09 e de 2016-07-05 e na própria decisão arbitral reformada) em negar, de forma sistemática, o direito do contraditório permanentemente reclamado pela Impugnante, ao invés de empregar tais esforços na apreciação do requerimento e documentos juntos pela lmpugnante a 2016-06-16, como assim mandam o dever da descoberta da verdade material, o princípio da tutela jurisdicional efetiva e a própria transparência em torno da arbitragem;

13.ª A administração de uma justiça tributária em moldes mais céleres, menos formais e de reconhecida qualidade técnica (como pretende o RJAT) não pode, em circunstância alguma, traduzir-se na diminuição dos meios de defesa e de prova que, no presente caso, assistia à lmpugnante;

14.ª Caso o Tribunal Arbitral Singular tivesse tido o cuidado de assegurar o contraditório (efetivamente exercido, mas posteriormente desentranhado), a lmpugnante sempre teria suscitado (como efetivamente suscitou no seu desentranhado requerimento de 2016-06-16) a dúvida razoável da falsa superveniência do articulado suplementar e das certidões do IMT aqui em causa;

15.ª O levantamento desta dúvida razoável por si só afasta a pretensa mitigação ou postergação do princípio do contraditório invocadas pelo Tribunal Arbitral Singular em jurisprudência do Tribunal da Relação de Coimbra;

16.ª De igual forma, caso o Tribunal Arbitral Singular tivesse tido o cuidado de assegurar o contraditório (efetivamente exercido, mas posteriormente desentranhado), a Impugnante sempre teria tido a oportunidade de provar, com base nos elementos entretanto fornecidos pelo IMT, a falsa superveniência do articulado suplementar e das certidões do lMT, evitando, assim, que o próprio tribunal tivesse sido ludibriado pelo Impugnado (como efetivamente veio a ser);

17.ªTambém aqui, o fornecimento desta prova e elementos do IMT afastam a pretensa mitigação ou postergação do princípio do contraditório invocadas pelo Tribunal Arbitral Singular em jurisprudência do Tribunal da Relação de Coimbra;

18.ª A resposta do coordenador de Núcleo de Veículos da Direção Regional de Lisboa e Vale do Tejo ao pedido de informação diretamente formulado pela Impugnante comprova, para além de qualquer dúvida razoável, que a junção das certidões não havia «sido requerido, há muito», como foi laconicamente alegado pelo Impugnante, mas, sim, apenas a 2015-02-06, ou seja, 21 dias depois da Impugnante ter apresentado no CAAD (2015-01-16) a sua Resposta ao pedido de pronúncia arbitral;

19.ª A submissão da resposta do referido coordenador aos autos, através do contraditório efetivamente exercido pela Impugnante, mas posteriormente desentranhado pelo Tribunal Arbitral Singular, levaria inexoravelmente ao desentranhamento, esse sim, do articulado suplementar e das certidões do IMT juntos pelo Impugnante, atenta a demonstração da falsidade da sua alegada superveniência;

20.ª Os elementos probatórios fornecidos pelo IMT e que constavam do direito ao contraditório exercido pela Impugnante, mas ilegalmente desentranhado pelo Tribunal Arbitral Singular, revelavam que as certidões supervenientemente juntas pelo Impugnado (i) não eram contemporâneas à causa de pedir constante do pedido de pronúncia arbitral, (ii) foram emitidas muito posteriormente àquele pedido (iiii) e com base numa nova "razão de ciência' declarada pelo próprio Impugnante ao IMT;

21.ª Por sua vez, o desentranhamento do articulado suplementar e das certidões do IMT juntos pelo Impugnante levaria à total improcedência do pedido de pronúncia arbitral uma vez que a decisão arbitral se escorou precisamente naqueles elementos (cfr. ponto 6.60 da decisão);

22.ª O decidir unilateralmente que os factos alegados pelo Impugnado «(...) ficavam agora documentalmente (mais) suportados» face à junção das supervenientes certidões do IMT, mas simultaneamente ao recusar dar à Impugnante o direito ao contraditório peticionado por esta última em várias ocasiões — nem que tal fosse através da reabertura da fase de alegações finais, ao abrigo do princípio da gestão processual —, o Tribunal Arbitral Singular acabou por retirou ilegalmente do debate jurídico-processual a discussão da admissibilidade, ou não, do cancelamento com efeitos retroactivos, circunstância sobre o qual ele próprio se suportou (cfr. pág. 35 da decisão);

23.ª Em suma, se o Tribunal Arbitral Singular tivesse concedido, como legal, doutrinal e jurisprudencialmente se impunha, o exercício do direito ao contraditório por parte da Impugnante, ter-se-ia demonstrado que o articulado superveniente era, na realidade, uma Réplica ilegalmente apresentada pelo Impugnado contra a mera defesa por impugnação suscitada na Resposta da Impugnante;

24.ª O Tribunal Arbitral Singular coartou injustificadamente à Impugnante o direito que lhe assistia de se pronunciar (i) sobre a oportunidade de apresentação do articulado suplementar e certidões do IMT apresentados pelo Impugnado (ii) e sobre a pertinência, razão de ciência e força probatória daquelas certidões, sendo que uma e outra questão deveriam ter sido alvo de contraditório, sendo que uma e outra questão deveriam ter sido alvo de contraditório, para mais quando tal prova influiu decisivamente no rumo da decisão arbitral que, assim, redundou numa verdadeira "decisão surpresa", conforme similarmente decidiu o Tribunal Central Administrativo Sul a 2015-01-22 no âmbito do processo n.° 6.208/12;

25.ª Motivos também pelos quais não deve ser mantida na ordem jurídica a decisão arbitral ora colocada em crise, devendo antes ser aquela declarada nula.

Termos em que, por todo o exposto supra e sempre com o douto suprimento de V.Exas., deve a presente Impugnação ser julgada procedente e, consequentemente, ser declarada nula a decisão arbitral, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA”.

Foi ordenada a notificação de V… (doravante Impugnado) para alegar, nos termos consignados no art.º 144.º, n.º 3, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), ex vi art.º 27.º, n.º 2, do RJAT, tendo sido apresentadas contra-alegações, nas quais foram formuladas as seguintes conclusões:

“A. As presentes contra-alegações visam reagir contra a impugnação movida pela AT, ora impugnante, e requerida no processo arbitral n.º 680/2014-T;

B. Decisão arbitral essa que julgou procedente o pedido de pronuncia arbitral movido pelo ora impugnado, declarando assim a ilegalidade dos atos de liquidação supra mencionados;

C. Porém a impugnação movida pela impugnante com base no artigo 28.° n.° 1, alínea d) do RJAT, e que aqui se contesta, não se demonstra como admissível;

D. Isto pelo facto de não encontrar previsão em nenhum dos fundamentos admissíveis, elencados no artiqo 28.° do RJAT;

E. Alega a impugnante que não lhe foi concedido o direito ao contraditório ao ter admitido um articulado suplementar, no seu entender muito para além do prazo admitido para o efeito, sendo ignorado, nas palavras da impugnante, os três de dias de dilação temporal inerentes às notificações, conforme o disposto no artigo 248.° do C.P.C, bem como o prazo supletivo de dez dias para a efetiva pronúncia, desta feita nos termos do artigo 23.°, n.°2, do C.P.P.T.;

F. Ora estipula a CRP no seu artigo 20.°, n.°4 que um dos imperativos essenciais do direito a uma tutela jurisdicional efetiva, direito esse essencial num Estado de Direito, é o direito a decisão em prazo razoável;

G. Como é sabido os processos arbitrais pautam-se pela simplificação e celeridade, desde logo demarcada pelo facto da decisão ter de ser proferida no prazo de 6 meses nos termos do artigo 210, n°1 do RJAT, tendo assim de existir uma especial atenção com o respeito pelo princípio da celeridade processual, principio norteador dos processos arbitrais;

H. Não é, portanto, de aplicação direta e automática os regimes constantes do C.P.C., e C.P.P.T., sendo necessário um especial cuidado na aplicação de tais regimes, bem como uma adaptação dos mesmos ao caso concreto, nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 29.°, n.°2 e 18.°, n.°1, alínea a) do RJAT

I. O processo arbitral pauta-se assim por ser também um processo flexível em que é concedida autonomia ao Tribunal Arbitral para conduzir o processo, existindo um princípio de livre condução do processo nos termos do artigo 19.º, n.º 1 do RJAT:

J. Pelo que, no caso em apreço não será defensável que ao ser apresentado requerimento que vem apensar ao processo novos documentos que serviram de base à doutra sentença do Tribunal Arbitral, se aplique aqui a regra constante do artigo 23.º, n.º 2 do C.P.P.T, que estipula assim um prazo supletivo de 10 dias para exercer o contraditório, uma vez que já havia sido designado por despacho datado de dia 02/02/2025, o dia 23 de março de 2025 para efeitos de prolação da decisão arbitral;

K. tendo a impugnante o pleno conhecimento de que existem formalidades especiais, assim não se afigura como correto o entendimento da impugnante de que foram diminuídos, com o desentranhamento da sua contestação, esta sim extemporânea, os seus meios de defesa, dado que só não agiu mais cedo por opção, não se verificando portanto o fundamento elencado no artigo 28.º, n.º1, alínea c) do RJAT que legitima a impugnação;

L. Acresce, que devido aos documentos supervenientes que o impugnado obteve, e de acordo com o próprio entendimento da impugnante, poderia ser requerida revisão oficiosa dos atos de liquidação no prazo de 120 dias, o que efetivamente requerido pelo ora impugnado, tendo a impugnante aceite como supervenientes os mencionados documentos, deferindo a favor do impugnado os pedidos de revisão oficiosa , anulando assim as liquidações relativas aos veículos de matrícula …-…-…, nos anos de 2010 a 2013, bem como 75-82-DE, nos anos de 2020 a 2014;

M. Com base nos mesmos documentos deferiu ainda reclamação graciosa relativa à liquidação no ano de 2013, referente ao veículo …-…-…, anulando a mesma;

N. Não se compreende assim o porquê de vir impugnar uma decisão de um Tribunal Arbitral, que anulou as liquidações de IUC supra já identificadas, se ela própria assume o mesmo entendimento, reiterando a mesma atitude e anulando as liquidações com base nos documentos que aqui contesta;

O. Ora concluímos assim que face ao supra exposto não existiu qualquer violação do princípio como do contraditório.

P. A impugnante afirma que o Tribunal Arbitral violou o princípio da igualdade, não concedendo o mesmo estatuto às partes, ao ter admitido um articulado suplementar, no seu entender muito para além do prazo admitido para o efeito.

Q. Alegando ainda, que não existiu um cuidado em auferir a natureza superveniente dos referidos documentos que justificaria a sua junção tardia.

R. Acontece, que tal não se afigura como correto, porém e de acordo com o artigo 423°, n°3, do C.P.C.: “Após o limite temporal previsto no número anterior, só são admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento, bem como aqueles cuja apresentação se tenha tomado necessária em virtude de ocorrência posterior." (sublinhado nosso);

S. Ora aplicando o regime civilista, como defende a impugnante, serão admissíveis, mesmo que de forma extemporânea, os documentos cuia apresentação não tenha sido possível anteriormente.

T. A impugnante alega que os documentos juntos não têm o crivo da superveniência, porém tal não se afigura como verdadeiro, uma vez que os documentos juntos posteriormente não podem deixar de se considerar como supervenientes.

U. Certo é que já haviam sido requeridos há muito, primeiramente de forma oral juntos dos serviços de IMT, aquando do primeiro ato de cancelamento, que remota a Fevereiro de 2014 (Cfr. docs. 23 a 27 juntos com o pedido de pronúncia arbitral);

V. Porém e dado o silêncio por parte dos serviços do IMT, sem que o impugnado percebesse o porquê de tal atitude inerte, foram levadas a cabo diversas deslocações às instalações daquele serviço, de forma a tentar agilizar a emissão dos documentos requeridos;

W. Foram elaborados assim novos requerimentos a 4/03/2015, com vista à obtenção dos mesmos documentos, vindo efetivamente a ser emitidos, depois de muita insistência, apenas no dia 6 de Março de 2015;

X. Não se percebe assim, como vem a impugnante contestar estes documentos, quando efetivamente, foi a própria impugnante, quem sugeriu ao impugnado que solicitasse junto do IMT o cancelamento retroativo das matrículas.

Y. Comunicação essa feita aos 23 de Dezembro de 2014, pelo Serviço de Finanças Lisboa-3, em sede de resposta audição prévia apresentada pelo ora impugnado (Doc. 4 junto com as contra-alegações apresentadas anteriormente ao TCA).

Z. Daí que o douto Tribunal Arbitral tenha referido na sua decisão:

AA. "Inclusivamente a 23 de Dezembro de 2014 foi comunicada pela A T, a possibilidade de cancelamento retroativo, denotando com tal atitude a sua aceitação plena relativamente a tais documentos;

BB. Ora sendo assim comprovada superveniência dos mencionados documentos, a situação terá assim cabimento no artigo 423. °, n.° 3, do C.P.C, sendo completamente admissível a juncão dos mesmos aos autos no dia 16 de Março de 2015.

CC. Acontece que o eventual exercício do direito ao contraditório por parte da impugnante não afetaria minimamente o sentido da decisão arbitral ora colocada em crise, uma vez que o impugnado conseguiu demonstrar em matéria de procedimento arbitral que não era, à data a que se reportam as liquidações de IUC objecto deste processo (ano 2009, 2010, 2011, 2012, 2013 e 2014), o proprietário das viaturas …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…e …-…-…, conseguindo ilidir a presunção prevista no art. 3.° do Código de IUC.

DD. Refere o n.° 1 do artigo 3.° do Código do IUC que "são sujeitos passivos do imposto os proprietários dos veículos, considerando-se como tais as pessoas singulares ou colectivas, de direito público ou privado, em nome das quais os mesmos se encontrem registados" (sublinhado nosso).

EE. Além do mais a ratio da lei fiscal visa tributar o verdadeiro titular do direito de propriedade ou utilizador do veículo, pelo que não fará sentido algum a cobrança de imposto a quem já não tenha ligação com o bem independentemente do registo funcionar a seu favor.

FF. Segundo o artigo 7° do Código do Registo Predial, aplicável ao registo automóvel por força do disposto no art. 29.° do DL n.° 54/75, “O registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito nos precisos termos em que o registo define ".

GG. Ou seja, funcionando apenas como mera presunção, ilidível, mediante prova bastante em contrário;

HH. Pelo que apesar de constar como proprietário em termos registais, o ora impugnado, como iá supra foi mencionado, pode mediante prova em contrário afastar a presunção de incidência de imposto que sobre si recai (artigo 73° LGT).

II. Assim, se à data da ocorrência do facto gerador da cobrança de imposto o veículo já tiver sido anteriormente alienado, embora o direito de propriedade continue registado a favor do seu anterior proprietário, para efeitos do disposto no artigo 3°, n°1, do CIUC, o sujeito passivo de IUC é o novo proprietário, desde que seja apresentada prova bastante de venda que ilida a presunção do registo (Decisão do CAAD Processo n° 73/2013-T).

JJ. O impugnado não é, nem era nos períodos liquidados, o proprietário dos veículos objeto do imposto.

KK. Os mesmos já nem tinham matrícula portuguesa, porque foram exportados para Angola em 2009.

LL. Pelo que foi violada a norma de incidência de imposto, já que o requerente não é o proprietário dos veículos (artigo 30, n°1, do CIUC).

MM. Assim, entende-se que o Impugnado conseguiu, em sede arbitral, ilidir a presunção consagrada no artigo 3° do Código do IUC, de acordo com o disposto no artigo 73° da LGT, demonstrando que, nas datas a que se reportam as referidas liquidações (ano 2009 a 2014), já não era o proprietário dos veículos, porquanto as mesmas foram canceladas, deixando de existir qualquer fundamentação para a liquidação de IUC efectuadas ao Impugnado.

NN. Não tendo existido, portanto, uma tributação conforme a capacidade contributiva do Impugnado, uma vez que os veículos tributados não eram já sua pertença nem para tanto se encontravam em território nacional.

OO. Tendo a sua consequente tributação violado os princípios norteadores da cobrança de imposto.

PP. Acresce que a impugnante vem no presente recurso requerer a junção aos presentes autos de 6 (seis) documentos.

QQ. Alegando que "a junção dos DOCUMENTOS 1 a 6 se impõe em virtude da certidão emitida pelo próprio CAAD não os conter, no seguimento dos despachos proferidos pelo Tribunal Singular a 20 15-03-2 7 e 2016-07-05.".

RR. No entanto, da articulação lógica entre o artigo 651°, n° 1 do C.P.C. e os artigos 425° e 423° do mesmo Código resulta que não é admissível a junção de documentos na fase de recurso, podendo, no entanto, estes serem admitidos a título excecional, dependente da alegação e da prova pelo interessado nessa junção de uma de duas situações:

1.ª - a impossibilidade de apresentação do documento anteriormente ao recurso;

2.ª - ter o julgamento de primeira instância introduzido na acção um elemento de novidade que torne necessária a consideração de prova documental adicional.

SS. Ora acontece que não existiu esta "impossibilidade", uma vez que a impugnante já tem os documentos em sua posse desde 26/03/2015, tendo inclusive os mesmo já sido analisados pelo tribunal arbitrário, através de requerimento efetuado pela impugnante.

TT. Assim não pode a impugnante trazer novos documentos para o recurso, muito menos documentos que não tenham sido aceites em 1ª instância pelo tribunal arbitrário.

UU. Acresce, que os documentos juntos pela impugnante não trazem novidade alguma ao processo, aliás eles não passam de uma reprodução do que foi alegado pelas partes.

VV. Sendo assim, em face do exposto, deverá ser ordenado o desentranhamento dos referidos documentos.

Nestes termos e nos melhores de direito do sempre mui douto suprimento de V.Exas. devem as presentes contra-alegações serem julgadas procedentes por provadas, e consequentemente ser arquivada a impugnação, por falta de fundamento para a mesma, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!”.

O Ilustre Magistrado do Ministério Público (IMMP) foi notificado nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 146.º, n.º 1, do CPTA.

Colhidos os vistos legais, vem o processo à conferência.

É a seguinte a questão a decidir:

a) Houve violação dos princípios do contraditório e da igualdade das partes?

II. DA JUNÇÃO DE DOCUMENTOS COM A IMPUGNAÇÃO ARBITRAL

Na presente sede, a Impugnante veio juntar quatro documentos, consubstanciados nos requerimentos que apresentou junto dos autos arbitrais, não admitidos ou desentranhados do mesmo, por decisão do árbitro.

O Impugnado pugna pela não admissibilidade da junção dos mencionados documentos.

Vejamos.

Nos termos do art.º 651.º do CPC, aplicável ex vi art.º 140.º do CPTA ex vi art.º 29.º, al. a), do RJAT:

“1 - As partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o artigo 425.º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância”.

Assim, de acordo com esta disposição legal, é admissível a apresentação de documentos com as alegações de recurso ou nos casos em que a sua apresentação não tenha sido possível em momento anterior (v. a remissão expressa para o art.º 425.º do CPC) ou quando tal junção se torne necessária em virtude do julgamento proferido em 1.ª instância.

Quanto ao alcance desta última situação, trata-se da admissibilidade da junção de documentos quando o julgamento em 1.ª instância seja “de todo surpreendente relativamente ao que seria expectável em face dos elementos já constantes do processo” (1-António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5.ª Ed., Almedina, Coimbra, 2018, p. 242.), não sendo admissível a junção de documentos para prova de factos que já se sabia estarem sujeitos a prova (2-António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Reimpressão, Almedina, Coimbra, 2019, p. 786.).

Chama-se a este propósito à colação o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 27.05.2015 (Processo: 0570/14), onde se refere:

“[N]os termos do art. 651.º (anterior art. 693.º-B), n.º 1, do CPC, no caso de recurso, as partes podem juntar documentos às alegações, não só nas situações excepcionais a que se refere o art. 425.º (anterior art. 524.º, n.ºs, 1 e 2), como também no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância.

Ou seja, (…) são três, e não dois, os fundamentos excepcionais justificativos da apresentação de documentos com as alegações de recurso: (i) quando os documentos não tenham podido ser apresentados até ao termo do prazo para apresentação das alegações a que se refere o art. 120.º do CPPT (encerramento da discussão da causa na 1.ª instância); (ii) quando os documentos se destinem a provar factos posteriores aos articulados ou a sua junção se tenha tornado necessária, por virtude de ocorrência posterior; (iii) quando a sua apresentação apenas se revele necessária devido ao julgamento proferido em 1ª instância (…).

(…) [A] possibilidade resultante desta última hipótese só se verificará quando «pela fundamentação da sentença ou pelo objecto da condenação, se tornou necessário provar factos com cuja relevância a parte não podia razoavelmente contar antes de a decisão ser proferida» e já não quando «a parte se afirmar surpreendida com o desfecho da acção (ter perdido, quando esperava obter ganho de causa) e pretender, com tal fundamento, juntar à alegação documento que já poderia e deveria ter apresentado na 1.ª instância» (ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERRA e SAMPAIO E NORA, Manual de Processo Civil, Coimbra editora, 2.ª edição, págs. 533 e 534.).

Assim, a junção de documentos às alegações de recurso só poderá ter lugar se a decisão da 1.ª instância «criar pela primeira vez a necessidade de junção de determinado documento quer quando se baseie em meio probatório não oferecido pelas partes, quer quando se funde em regra de direito com cuja aplicação ou interpretação os litigantes não contavam» (ANTUNES VARELA, Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 115.º, pág. 95.)”.

In casu, a ora Impugnante juntou, com as suas alegações, quatro documentos, todos de data posterior à apresentação do pedido de pronúncia arbitral e relacionados com requerimentos apresentados no processo arbitral que ou não foram juntos ao mesmo ou foram desentranhados, tudo por ordem do árbitro designado para o processo.

A junção dos documentos em causa pode-se enquadrar no âmbito da 1.ª parte do n.º 1 do art.º 651.º, dado tratar-se de documentos apresentados no âmbito do processo que correu termos no CAAD e no mesmo não admitidos no momento em que aí foram apresentados – motivo pelo qual não constam da certidão do processo.

Face ao exposto, admite-se a junção de tais documentos.

III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

III.A. Para a apreciação da presente Impugnação estão provados os seguintes factos:

1) A 15.09.2014, o ora Impugnado apresentou junto do CAAD pedido de constituição de tribunal arbitral (cfr. fls. 1 a 159 da certidão do processo arbitral, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

2) Na sequência do referido em 1), foi constituído tribunal arbitral singular, tendo dado origem ao processo n.º 680/2014-T (cfr. fls. 172 da certidão do processo arbitral).

3) No âmbito do processo referido em 2), foi apresentada, pela AT, a 16.01.2015, resposta (cfr. fls. 186 a 242 da certidão do processo arbitral, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

4) No âmbito do processo referido em 2), foi proferido, a 02.02.2015, despacho, do qual consta designadamente o seguinte:

(cfr. fls. 500 da certidão do processo arbitral, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

5) No âmbito do processo referido em 2), o ora Impugnado apresentou, a 16.03.2015, requerimento, ao qual juntou seis certidões de cancelamento de matrícula (cfr. fls. 510 a 518 da certidão do processo arbitral, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

6) No âmbito do processo referido em 2), foi proferido, a 17.03.2015, despacho, do qual consta designadamente o seguinte:


«Imagem em texto no original»


(cfr. fls. 508 da certidão do processo arbitral, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

7) Do despacho referido em 6) foi dado conhecimento aos ora Impugnante e Impugnado (cfr. fls. 519 a 521 da certidão do processo arbitral, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

8) No âmbito do processo referido em 2), foi apresentado requerimento, a 23.03.2015, pela ora Impugnante, na sequência do despacho mencionado em 7) (cfr. documentos n.ºs 1 a 3, juntos com a presente impugnação, cujo teor se dá integralmente por reproduzido).

9) No âmbito do processo referido em 2), foi proferida, a 23.03.2015, decisão arbitral, julgando-se procedente o pedido de pronúncia arbitral (cfr. fls. 523 a 556 da certidão do processo arbitral, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

10) No âmbito do processo referido em 2), foi proferido, a 27.03.2015, despacho, do qual consta designadamente o seguinte:

” (cfr. fls. 594 da certidão do processo arbitral, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

11) A AT apresentou, junto deste TCAS, impugnação da decisão mencionada em 8), que deu origem ao processo n.º 08642/15 (cfr. fls. 604 da certidão do processo arbitral).

12) Na sequência da impugnação mencionada em 11), foi proferido neste TCAS, a 18.02.2016, Acórdão, do qual consta designadamente o seguinte:


























(…)














” (cfr. fls. 605 a 615 da certidão do processo arbitral, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

1) Foi proferido, no âmbito do processo mencionado em 2), a 12.05.2016, despacho, do qual consta designadamente o seguinte:



” (cfr. fls. 621 e 622 da certidão do processo arbitral, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

1) A ora Impugnante apresentou, a 17.05.2016, requerimento, no âmbito do processo mencionado em 2), do qual consta designadamente o seguinte:





” (cfr. fls. 627 e 629 da certidão do processo arbitral, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

1) Foi proferido, a 24.05.2016, no âmbito do processo mencionado em 2), despacho, do qual consta designadamente o seguinte:







” (cfr. fls. 633 a 634 da certidão do processo arbitral, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

1) A ora Impugnante apresentou, a 06.06.2016, requerimento, no âmbito do processo mencionado em 2), do qual consta designadamente o seguinte:








…” (cfr. fls. 742 a 746 da certidão do processo arbitral, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

1) Foi proferido, a 09.06.2016, no âmbito do processo mencionado em 2), despacho, do qual consta designadamente o seguinte:




«Imagem em texto no original»

…” (cfr. fls. 751 a 753 da certidão do processo arbitral, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

1) A ora Impugnante apresentou, a 16.06.2016, requerimento, no âmbito do processo mencionado em 2) (cfr. 759 da certidão do processo arbitral e documento n.º 4 junto com a presente Impugnação).

2) Foi proferido, a 05.07.2016, no âmbito do processo mencionado em 2), despacho, do qual consta designadamente o seguinte:










«Imagem em texto no original»












…” (cfr. fls. 791 a 793 da certidão do processo arbitral, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

1) No âmbito do processo referido em 2), foi proferida, a 11.07.2016, decisão arbitral, julgando-se procedente o pedido de pronúncia arbitral, da qual consta designadamente o seguinte:

“…


«Imagem em texto no original»

(…)

…” (cfr. fls. 791 a 793 da certidão do processo arbitral, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

1) No âmbito do processo referido em 2), foi proferida, a 11.07.2016, decisão arbitral, julgando-se procedente o pedido de pronúncia arbitral, da qual consta designadamente o seguinte:

“…


«Imagem em texto no original»

(…)










(…)


























(…)



(…)

(…)


«Imagem em texto no original»

(…)


«Imagem em texto no original»


…” (cfr. fls. 799 a 840 da certidão do processo arbitral, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).


*

Não existem quaisquer outros factos, provados ou não provados, pertinentes para a apreciação da presente impugnação.

IV. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Antes de mais, a título de introito, cumpre esclarecer que já foi proferido, em momento anterior, Acórdão neste TCAS que conheceu da omissão de pronúncia então suscitada, concluindo pela sua verificação e referindo-se que “a nulidade em análise abrange toda a decisão arbitral recorrida” (sublinhado nosso), motivo pelo qual se considerou prejudicada a apreciação das questões atinentes ao princípio do contraditório e da igualdade das partes, agora reiteradas.

IV.A. Da violação dos princípios do contraditório e da igualdade

Entende a Impugnante que, in casu, o tribunal arbitral violou os princípios da igualdade e do contraditório, dado que:

a) Admitiu um articulado suplementar submetido muito para além do prazo concedido para o efeito e não admitido ao abrigo do próprio RJAT;

b) Não cuidou de aferir da alegada natureza superveniente das certidões juntas pelo impugnado com o mencionado articulado, devendo ter realizado diligências adicionais a esse respeito;

c) Não assegurou a audição da ora Impugnante, coartando mesmo o exercício do direito ao contraditório, ao desentranhar o requerimento apresentado a 16.06.2016.

Vejamos.

A sindicância das decisões proferidas pelos tribunais arbitrais tributários é limitada às situações previstas no art.º 25.º (que prevê a possibilidade de recurso para o Tribunal Constitucional e para o Supremo Tribunal Administrativo, nos termos circunscritos aí previstos) e nos art.ºs 27.º e 28.º, todos do RJAT.

Estes últimos, relativos à impugnação da decisão arbitral junto do Tribunal Central Administrativo, definem, de forma taxativa, os termos e os fundamentos dessa mesma impugnação.

Resulta desta disciplina que, ao contrário do que decorre do regime de recurso das decisões proferidas pelos tribunais tributários de 1.ª instância, o mérito das decisões proferidas pelos tribunais arbitrais tributários é sindicável num conjunto muito limitado de situações (cfr. novamente o art.º 25.º do RJAT) e nunca no âmbito da sua impugnação junto do Tribunal Central Administrativo.

Centrando-nos, pois, na impugnação da decisão arbitral junto do TCA, nos termos do art.º 27.º, n.º 1, do RJAT, tal decisão pode ser anulada, sendo que a impugnação pode ser apresentada considerando um dos fundamentos taxativamente elencados no n.º 1 do art.º 28.º do mesmo diploma.

Assim, nos termos desta última disposição legal, a decisão arbitral é impugnável com fundamento em:

“a) não especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;

b) oposição dos fundamentos com a decisão;

c) pronúncia indevida ou na omissão de pronúncia;

d) violação dos princípios do contraditório e da igualdade das partes, nos termos em que estes são estabelecidos no artigo 16.º”.

Portanto, a competência deste TCAS, neste domínio, circunscreve-se a estes casos, não podendo, pois, abranger qualquer erro de julgamento.

Logo, são fundamento de anulação da decisão arbitral a violação do princípio da igualdade das partes e a do princípio do contraditório.

Nos termos do art.º 16.º do RJAT, para o qual remete a al. d) do n.º 1 do art.º 28.º do mesmo diploma:

“Constituem princípios do processo arbitral:

a) O contraditório, assegurado, designadamente, através da faculdade conferida às partes de se pronunciarem sobre quaisquer questões de facto ou de direito suscitadas no processo;

b) A igualdade das partes, concretizado pelo reconhecimento do mesmo estatuto substancial às partes, designadamente para efeitos do exercício de faculdades e do uso de meios de defesa;

c) A autonomia do tribunal arbitral na condução do processo e na determinação das regras a observar com vista à obtenção, em prazo razoável, de uma pronúncia de mérito sobre as pretensões formuladas;

d) A oralidade e a imediação, como princípios operativos da discussão das matérias de facto e de direito;

e) A livre apreciação dos factos e a livre determinação das diligências de produção de prova necessárias, de acordo com as regras da experiência e a livre convicção dos árbitros;

f) A cooperação e boa fé processual, aplicável aos árbitros, às partes e aos mandatários;

g) A publicidade, assegurando-se a divulgação das decisões arbitrais devidamente expurgadas de quaisquer elementos suscetíveis de identificar a pessoa ou pessoas a que dizem respeito.”.

O princípio da igualdade das partes é um princípio basilar em termos processuais, como decorre do disposto no art.º 98.º da LGT e no art.º 4.º do CPC, refletindo o desiderato constitucionalmente consagrado no art.º 13.º da nossa lei fundamental. Também se sublinha que se trata de princípio subjacente ao direito a um processo equitativo, previsto no art.º 6.º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos.

Como referem António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa (Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Reimpressão, Almedina, Coimbra, 2019, p.22), “[n]ão se admitem atitudes subjetivistas conotadas com um certo paternalismo relativamente a determinados sujeitos processuais. O desiderato também não pode ser alcançado através de um automático e generalizado suprimento de falhas processuais imputáveis às partes, o que colidiria com os padrões da imparcialidade, da equidistância que o juiz deve respeitar e da autorresponsabilidade das partes”.

O princípio do contraditório, cujo respeito é também ora questionado, configura-se igualmente como um princípio basilar no nosso ordenamento, em termos de direito processual, visando prevenir a existência de decisões surpresa, ou seja, de decisões com as quais as partes não podiam legitimamente contar (cfr. art.º 3.º, n.º 3, do CPC).

Assim, salvo em casos de manifesta desnecessidade, não pode o julgador decidir questões de facto ou de direito, ainda que de conhecimento oficioso (v.g. matéria de exceção), sem que tenha sido dada a oportunidade às partes de sobre elas se pronunciarem. “As questões (…) reportam-se aos pontos fáctico-jurídicos estruturantes da posição das partes, nomeadamente os que se prendem com a causa de pedir, pedido e exceções” (3-António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Reimpressão, Almedina, Coimbra, 2019, p. 727.).

Feito este introito, cumpre apreciar.

Antes de mais, ao contrário do que refere o Impugnado, a presente impugnação é admissível porque, independentemente do seu mérito, se sustenta na alegada violação de dois princípios, que o próprio RJAT, no art.º 28.º, elenca como fundamento da impugnação arbitral, como já referido.

Refira-se, igualmente, que alguns dos argumentos aventados pela Impugnante (e pelo Impugnado) respeitam a alegados erros de julgamento, matéria arredada da apreciação deste TCAS, como já deixamos referido supra. Como tal, não compete a este Tribunal aferir da correção jurídica do despacho de 17.03.2015

Feita esta circunscrição, considera-se que a violação de ambos os princípios deve ser feita em simultâneo, dada a sua estreita concatenação nos presentes autos.

Explicitemos.

In casu, o Tribunal arbitral admitiu um requerimento e respetivos documentos, apresentado pelo ora Impugnado a 16.03.2015, através de despacho proferido no dia seguinte. Foi pouco depois proferida a primeira decisão arbitral, concretamente a 23.03.2015.

É por de mais evidente que não foi respeitado o princípio do contraditório.

Independentemente de poder ser ou não aceite tal requerimento (veja-se que, atento o princípio da autonomia do tribunal arbitral na condução do processo e, bem assim, o princípio do inquisitório, tal admissão poderia não evidenciar per se a violação do princípio da igualdade), a verdade é que nunca foi a ora Impugnante notificada para exercer previamente o contraditório face a tal junção de documentos. Sublinhe-se que a primeira decisão arbitral proferida foi-o mesmo antes de decorrido o prazo de 10 (dez) dias previsto no art.º 149.º, n.º 1, do CPC – aliás, o tribunal arbitral, no despacho mencionado em 9), faz menção a um requerimento apresentado pela ora Impugnante ainda a 23.03.2015, cuja junção não admitiu.

Veja-se que não estamos, por exemplo, perante um caso de documento que fosse do conhecimento de ambas as partes, situação em que se pode equacionar a dispensa do exercício do direito ao contraditório, por manifesta desnecessidade (cfr. art.º 3.º, n.º 3, do CPC).

Estamos perante um conjunto de documentos juntos pelo ora Impugnado, que não eram do conhecimento da ora Impugnante e que foram pertinentes para a decisão proferida (cfr. ponto 5.3.12. dos designados factos provados e pontos 6.58 a 6.60. da decisão).

Logo, é por de mais evidente que devia ter sido notificada a Impugnante para efeitos do exercício do direito ao contraditório.

Mais, quando a Impugnante, por mote próprio e legitimamente (e depois de variadas insistências para que o tribunal arbitral admitisse o direito ao contraditório), apresentou um requerimento para efeitos de tal exercício, o mesmo foi desentranhado com os fundamentos referidos no despacho mencionado em 18) (em suma, desentranhado em virtude de a AT não ter sido notificada para exercer o contraditório), o que, aí sim, revela uma violação do princípio da igualdade das partes, na medida em que foi permitida a junção de um requerimento pelo Impugnado, mas desentranhada a respetiva resposta apresentada pela Impugnante.

O princípio da autonomia do tribunal arbitral na condução do processo não é um princípio com elasticidade tal que justifique a preterição de direitos elementares das partes. Há princípios basilares do processo equitativo e justo que têm de ser respeitados e não podem ser, sem mais, postergados.

Acrescente-se, ademais, como já referimos supra no introito, que, no primeiro Acórdão proferido por este TCAS, nada foi decidido quanto à questão em apreciação nem, tão-pouco, quanto à bondade do despacho proferido pelo tribunal arbitral.

Como tal, assiste razão à Impugnante, o que fundamenta a anulação da decisão arbitral proferida, devendo o tribunal arbitral suprir as deficiências identificadas e proferir, se a isso nada obstar, nova decisão em conformidade.

V. DECISÃO

Face ao exposto, acorda-se em conferência na Subsecção Tributária Comum da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

a) Julgar procedente a presente impugnação, anular a decisão arbitral impugnada, por violação dos princípios do contraditório e da igualdade das partes, e determinar a baixa dos autos ao CAAD, para, se a tal nada obstar, ser proferida nova decisão, supridas que sejam as concretas irregularidades identificadas;

b) Custas pelo Impugnado, porque contra-alegou;

c) Registe e notifique.


Lisboa, 24 de abril de 2024

(Tânia Meireles da Cunha)

(Jorge Cortês)

(Rui Ferreira)