Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 123/18.0BCLSB |
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Secção: | CT |
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Data do Acordão: | 10/10/2024 |
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Relator: | TÂNIA MEIRELES DA CUNHA |
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Descritores: | ARBITRAL ERRO DE JULGAMENTO CONTRADIÇÃO REAL ENTRE OS FUNDAMENTOS E A DECISÃO FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO OMISSÃO DE PRONÚNCIA PRONÚNCIA INDEVIDA IGUALDADE CONTRADITÓRIO |
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Sumário: | I. Ao contrário do que decorre do regime de recurso das decisões proferidas pelos tribunais tributários de 1.ª instância, o mérito das decisões proferidas pelos tribunais arbitrais tributários é sindicável num conjunto muito limitado de situações e nunca no âmbito da sua impugnação junto do Tribunal Central Administrativo.
II. Na impugnação da decisão arbitral junto do TCA, nos termos do art.º 27.º, n.º 1, do RJAT, tal decisão pode ser anulada, sendo que a impugnação pode ser apresentada considerando um dos fundamentos taxativamente elencados no n.º 1 do art.º 28.º do mesmo diploma, não podendo, pois, abranger qualquer erro de julgamento. III. Verifica-se contradição real entre os fundamentos e a decisão proferida quando o discurso argumentativo constante da decisão arbitral impugnada conduza a uma decisão distinta da que foi proferida, não se confundindo a mesma com o erro de julgamento. IV. A nulidade por não especificação dos fundamentos de facto e de direito abrange as situações de falta absoluta de fundamentação de facto ou de direito. V. Há nulidade por omissão de pronúncia quando uma das questões suscitadas não tenha sido apreciada, se o seu não conhecimento não resultou prejudicado pela solução dada às demais questões. VI. Há nulidade por excesso de pronúncia quando tenha sido conhecida questão não suscitada pelas partes e que não seja de conhecimento oficioso. VII. Apesar de o princípio do inquisitório dever enformar a atuação dos tribunais tributários arbitrais, a sua violação não é cominada com a anulação da decisão arbitral. VIII. O princípio do contraditório configura-se como um princípio basilar no nosso ordenamento, visando prevenir a existência de decisões surpresa, ou seja, de decisões com as quais as partes não podiam legitimamente contar. IX. A igualdade das partes, enquanto reflexo da tutela jurisdicional efetiva, evidencia-se pelo reconhecimento do mesmo estatuto substancial às partes. |
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Votação: | UNANIMIDADE |
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Indicações Eventuais: | Subsecção Tributária Comum |
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Aditamento: | ![]() |
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Decisão Texto Integral: | * Acórdão I. RELATÓRIO N……………… – Actividades H……………., Lda. (doravante Impugnante) veio impugnar a decisão arbitral proferida a 23.11.2018, pelo tribunal arbitral singular constituído no Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), no processo a que aí foi atribuído o n.º ../2018-T, ao abrigo dos art.ºs 27.º e 28.º do DL n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem Tributária – RJAT). Nas suas alegações, concluiu nos seguintes termos: “1ª O presente recurso é interposto nos termos do n.º 1 do artigo 28. ° do RJAT, com os fundamentos de impugnação/anulação da Decisão do Tribunal Arbitral, a) Não especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão (n.º 1. alínea a); b) Oposição dos fundamentos com a decisão (n.º 1, alínea b)) c) Pronúncia indevida (n.º 1, alínea c), 1ª parte); d) Omissão de pronúncia (n.º 1, alínea c), 2ª parte); e) Violação do princípio do contraditório (n.º 1, alínea d), 1 ° parte); f) Violação do princípio da igualdade das partes (n.º 1, alínea d). 2ª parte). 2ª Todos estes pressupostos supra alegados de recurso e de Direito estão pois reunidos, dando-se os mesmos aqui por integralmente por reproduzidos. 3ª Relativamente aos factos que deveriam ser objeto de decisão do Tribunal Arbitral, estavam pois devidamente identificados, e não foram com todo o devido respeito devidamente julgados. Nestes termos, e nos demais de Direito, deve ser revogada a Decisão aqui recorrida, sendo a mesma substituída pelo Douto Acordão, com todas as demais consequências”. A Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante Impugnada ou AT) foi notificada para alegar, nos termos consignados no art.º 144.º, n.º 3, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), ex vi art.º 27.º, n.º 2, do RJAT, não tendo apresentado contra-alegações. O Ilustre Magistrado do Ministério Público (IMMP) foi notificado nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 146.º, n.º 1, do CPTA. Colhidos os vistos legais, vem o processo à conferência.
São as seguintes as questões a decidir: a) Há uma situação de não especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão? b) Verifica-se uma situação de oposição dos fundamentos com a decisão? c) Há omissão de pronúncia e pronúncia indevida? d) Foram violados os princípios do contraditório e da igualdade das partes?
II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO II.A. Para a apreciação da presente Impugnação estão provados os seguintes factos: 1) A Impugnante apresentou junto do CAAD pedido de constituição de tribunal arbitral (cfr. fls. 187 a 222 do documento com o n.º …………. de registo no SITAF, cujo teor se dá por integralmente reproduzido). 2) Na sequência do referido em 1), foi constituído tribunal arbitral singular, tendo dado origem ao processo n.º ………-T (cfr. fls. 151 do documento com o n.º 003453412 de registo no SITAF). 3) No processo referido em 2): a) Foi apresentada resposta pela AT; b) Foi realizada audiência de inquirição de testemunhas; c) Foram apresentadas alegações escritas por ambas as partes (cfr. fls. 108 a 148 do documento com o n.º ………. de registo no SITAF, fls. 54 a 58 do documento com o n.º ………… de registo no SITAF, fls. 14 a 48 do documento com o n.º ………. de registo no SITAF). 4) Na sequência da apresentação de alegações pela AT, a ora Impugnante apresentou, no processo referido em 2), requerimento, alegando que foram apresentadas novas matéria e novas indicações para eventuais provas novas pela AT (cfr. fls. 8 a 10 do documento com o n.º ……….. de registo no SITAF). 5) No seguimento do referido em 4), foi proferido, pelo tribunal arbitral, despacho, a 15.10.2018, no sentido de não estar legalmente justificada a necessidade de se conceder à ora Impugnante prazo para oferecer contra-alegações, por falta de motivos legais que o justifiquem (cfr. fls. 7 do documento com o nº…………… de registo no SITAF e fls. 7 e 8 d0 documento com o n.º ……………. de registo no SITAF). 6) No âmbito do processo referido em 2), foi proferida decisão arbitral, a 23.11.2018, da qual consta designadamente o seguinte: “…
« Texto no original»
(…)
…” (cfr. fls. 2 a 49, do documento com o número ………….. de registo no SITAF). * Não existem outros factos, provados ou não provados, pertinentes para a apreciação da presente impugnação.
III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO Entende a Impugnante que a decisão arbitral impugnada padece de nulidades, que considera subsumíveis a todas as situações elencadas no art.º 28.º do RJAT. Apreciando. A sindicância das decisões proferidas pelos tribunais arbitrais tributários é limitada às situações previstas no art.º 25.º (que prevê a possibilidade de recurso para o Tribunal Constitucional e para o Supremo Tribunal Administrativo, nos termos circunscritos aí previstos) e nos art.ºs 27.º e 28.º, todos do RJAT. Estes últimos, relativos à impugnação da decisão arbitral junto do Tribunal Central Administrativo, definem, de forma taxativa, os termos e os fundamentos dessa mesma impugnação. Resulta desta disciplina que, ao contrário do que decorre do regime de recurso das decisões proferidas pelos tribunais tributários de 1.ª instância, o mérito das decisões proferidas pelos tribunais arbitrais tributários é sindicável num conjunto muito limitado de situações (cfr. novamente o art.º 25.º do RJAT) e nunca no âmbito da sua impugnação junto do Tribunal Central Administrativo. Centrando-nos, pois, na impugnação da decisão arbitral junto do TCA, nos termos do art.º 27.º, n.º 1, do RJAT, tal decisão pode ser anulada, sendo que a impugnação pode ser apresentada considerando um dos fundamentos taxativamente elencados no n.º 1 do art.º 28.º do mesmo diploma. Assim, nos termos desta última disposição legal, a decisão arbitral é impugnável com fundamento em: “a) não especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; b) oposição dos fundamentos com a decisão; c) pronúncia indevida ou na omissão de pronúncia; d) violação dos princípios do contraditório e da igualdade das partes, nos termos em que estes são estabelecidos no artigo 16.º”. In casu, a Impugnante, como decorre da impugnação apresentada, veio, no fundo, invocar erro de julgamento, como melhor veremos infra. Com efeito, atentas as alegações, para as quais remetem as conclusões (numa técnica processual menos adequada, mas que aqui se admite, dada a dimensão das próprias alegações), temos que a ora Impugnante refere: a) Em sede de processo arbitral, foi produzida prova testemunhal pela Impugnante e a AT não produziu nem prova testemunhal nem pericial; b) A AT não fez qualquer prova; c) O tribunal arbitral não valorou as provas e justificações apresentadas pela ora Impugnante e descontextualiza as questões; d) O tribunal arbitral não refere e invoca as concretas questões suscitadas e não se pronuncia sobre as justificações de facto e de direito que a recorrente apresentou; e) Existem contradições entre factos provados e não provados, quando o tribunal considera questões provadas da requerente, que afirma seguidamente como não provadas; f) A questão de fundo é que existiu um erro na entrega do SAF-T anual, apesar de todos os procedimentos administrativos e contabilísticos estarem corretos, bem como documentalmente suportados, pelo que a razão para a anulação das faturas foi devidamente fundamentada e provada ao longo do processo; g) Foram indicadas todas as razões que estiveram na origem do erro material de cada fatura; h) Há erro na decisão proferida sobre a matéria de facto; i) Há erro na apreciação de direito; j) As faturas não foram declaradas nem tinham de o ser, pois, como ficou provado, trataram-se de faturas incorretamente emitidas, não correspondendo a qualquer venda, mas sim a erros dos funcionários, aquando da emissão da guia de devolução dos produtos de pastelaria ao fornecedor; k) Era exigido que a decisão arbitral especificasse os fundamentos de facto e de direito para que se tornasse possível a sua compreensão na adaptação dos factos dados como provados e não provados em consonância com o direito; l) Há oposição dos fundamentos com a decisão, porque existe contradição entre a fundamentação de facto e/ou de direito e o resultado da decisão; m) Existe pronúncia indevida e omissão de pronúncia, uma vez que decisão arbitral se pronuncia sobre matéria que não é objetivamente objeto do presente processo e sobre a questão concreta a conhecer omite tal pronúncia; n) No processo tributário vigora o princípio do inquisitório; o Tribunal deveria conhecer dos factos alegados pelas partes, dos instrumentais e dos factos complementares que resultem da instrução da causa, desde que sobre eles as partes tenham tido a possibilidade de se pronunciar, ao abrigo do princípio do contraditório; o) Houve violação do princípio do contraditório, uma vez que a AT, nas alegações finais escritas, alegou novas matérias e invocou novas teses, tendo a Impugnante apresentado contra-alegações escritas, não admitidas pelo tribunal arbitral, justificando que não era matéria nova a alegada; p) Existe violação do princípio da igualdade das partes, dado que à AT bastou juntar os seus próprios documentos aos autos, sem qualquer suporte testemunhal, e fez plena prova em juízo, enquanto a Impugnante teve de fazer a sua prova e arrolar testemunhas que foram ouvidas e inquiridas. Considerando a posição da ora Impugnante nas suas alegações, apreciemos.
III.A. Da não especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão A nulidade por não especificação dos fundamentos de facto e de direito abrange as situações de falta absoluta de fundamentação de facto ou de direito (1). A lei processual exige, com efeito, que a sentença esteja cabalmente fundamentada, de facto e de direito, como resulta, desde logo, do disposto no art.º 123.º, n.º 2, do CPPT, bem como no art.º 607.º, n.ºs 3 e 4, do CPC, por forma a que seja perfeitamente apreensível o itinerário cognoscitivo percorrido, fundamental para a sua adequada compreensão e eventual impugnação. Trata-se da consagração, na lei ordinária, do desiderato constitucionalmente consagrado, segundo o qual “as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei” (art.º 205.º, n.º 1, da CRP). Nas palavras de Alberto dos Reis (2), “[u]ma decisão sem fundamentos equivale a uma conclusão sem premissas; é uma peça sem base”. Não obstante cumpre distinguir a não especificação dos fundamentos de facto e de direito, que se configura como nulidade da sentença, nos termos já referidos, da existência de algumas insuficiências ou deficiências na fundamentação de facto e de direito. “O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade. // Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto” (3). A Impugnante invoca que “[e]ra exigido que a decisão arbitral especificasse dos fundamentos de facto e de direito para que tornasse possível a sua compreensão na adaptação dos factos dados como provas e não provados sem em consonância com o direito”. Ora, essa especificação existe, como decorre claramente da análise da decisão arbitral impugnada. Coisa diferente é a Impugnante discordar de tal fundamentação, mas tal circunstância respeita a erro de julgamento, de facto e/ou de direito, que, no fundo, é o que de principal a Impugnante imputa à decisão, matéria arredada de apreciação deste TCAS. Logo, nessa parte não assiste razão à Impugnante.
III.B. Da oposição dos fundamentos com a decisão Atentando no art.º 125.º, n.º 1, do CPPT, constitui nulidade da sentença a oposição dos fundamentos com a decisão [cfr. igualmente o art.º 615.º, n.º 1, al. c), do CPC]. Esta nulidade consubstancia-se na contradição formal entre os fundamentos de facto ou de direito e o segmento decisório da sentença (4), ou seja, na circunstância de o iter constante da sentença, na sua motivação, estar em contradição com a decisão a final proferida (5). Como referido no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 05.11.2014 (Processo: 0308/14), “… esta nulidade ocorre quando a construção da sentença é viciosa, quando os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam logicamente, não ao resultado expresso na decisão, mas ao resultado oposto. Isto é, quando das premissas de facto e de direito que o julgador teve por apuradas, ele haja extraído uma oposta à que logicamente deveria ter extraído: a fundamentação aponta num sentido e a decisão segue caminho oposto ou, pelo menos, direcção diferente”. Também quanto a esta alegada invalidade da decisão, a mesma não ocorre. Com efeito, lendo a fundamentação de facto e de direito da decisão, a mesma vai no sentido de que a ora Impugnante não logrou demonstrar o que alegou, não tendo cumprido com ónus da prova que sobre si impendia. O segmento decisório revela esse itinerário cognoscitivo, julgando improcedente o pedido de pronúncia arbitral. Como tal, também nesta parte não assiste razão à Impugnante.
III.C. Pronúncia indevida e omissão de pronúncia Nos termos do art.º 125.º, n.º 1, do CPPT, há excesso de pronúncia, que consubstancia nulidade da sentença, quando haja pronúncia sobre questões de que o juiz não deva conhecer [cfr. igualmente o art.º 615.º, n.º 1, al. d), do CPC]. No âmbito do contencioso impugnatório de decisões arbitrais o conceito de pronúncia indevida é mais amplo do que o de excesso de pronúncia, nele se incluindo, por exemplo, as situações em que é suscitada a incompetência material dos tribunais arbitrais. Por outro lado, atentando no art.º 125.º, n.º 1, do CPPT, há omissão de pronúncia, que consubstancia nulidade da sentença, quando haja falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar [cfr. igualmente o art.º 615.º, n.º 1, al. d), do CPC]. As questões que o juiz deve conhecer são ou as alegadas pelas partes ou as que sejam de conhecimento oficioso. A este propósito cumpre sublinhar a diferença entre questões e argumentos suscitados pelas partes, porquanto apenas o não conhecimento das questões se configura como omissão de pronúncia. Assim, para os efeitos do art.º 608.º, n.º 2, do CPC, questões são os pontos de facto ou de direito, atinentes ao pedido, à causa de pedir e às exceções. Já os argumentos são os motivos ou razões que fazem sustentar a pretensão inerente às questões. “As questões (…) reportam-se aos pontos fáctico-jurídicos estruturantes da posição das partes, nomeadamente os que se prendem com a causa de pedir, pedido e exceções, não se reconduzindo à argumentação utilizada pelas partes” (6). A dicotomia questões / argumentos, nos termos sumariamente descritos, implica, pois, que o julgador tenha de conhecer todas as questões que lhe são colocadas (exceto se o conhecimento de umas resultar prejudicado pelo conhecimento de outras), já não lhe sendo exigível que se pronuncie sobre todos os argumentos esgrimidos (7). Apliquemos estes conceitos ao caso dos autos. Atentando no pedido de pronúncia arbitral e apenas em relação ao IVA, dado que foi apenas em relação ao pedido atinente a este imposto que os autos prosseguiram, foi alegado, em suma, erro nos pressupostos de atuação da AT, em relação a todas as correções pela mesma efetuadas em sede de ação inspetiva, explanando a Impugnante a sua posição quanto ao procedimento de faturação e quanto aos ficheiros SAF-T. Na decisão arbitral, verifica-se que todas essas questões foram conhecidas, considerando-se, quanto aos aspetos atinentes à faturação, que não foram demonstradas, em termos factuais, realidades que o tribunal considerou pertinentes e ali explanadas (designadamente em termos de reflexo da anulação de faturas na elaboração dos ficheiros SAF-T), que a AT demonstrou a existência de irregularidades contabilísticas não justificadas, apesar de terem sido dadas várias oportunidades à Impugnante pela AT para o efeito, que foi, por isso, invertido o ónus da prova, não tendo a ora Impugnante logrado provar o que lhe competia. Coisa diferente é saber se o tribunal arbitral errou ou não o seu julgamento, nomeadamente o de facto. No entanto, tal erro de julgamento, como já referimos, não pode ser conhecido por este TCAS e não se confunde com a omissão de pronúncia, que, in casu, não se verifica, dado terem sido apreciadas todas as questões alegadas (que não se confundem com argumentos, tal como referimos). Quanto à alegada pronúncia indevida, a mesma não é minimamente consubstanciada nem resulta, de todo, evidente da decisão impugnada, pelo que carece de materialidade o que vem alegado de forma meramente conclusiva, o que equivale a não alegação. A Impugnante, a este respeito, faz ainda menção ao princípio do inquisitório, ainda que nada conclua a esse respeito, sendo certo que a violação deste princípio não é fundamento de impugnação da decisão arbitral. Como decorre do RJAT, apesar de o princípio do inquisitório dever enformar a atuação dos tribunais tributários arbitrais, a sua violação não é cominada com a anulação da decisão arbitral, conduzindo, sim, eventual erro de julgamento, matéria, como já referimos, arredada da apreciação deste TCAS [cfr. v.g. os Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 18.05.2023 (Processo: 159/22.6BCLSB), de 24.06.2021 (Processo: 84/18.5BCLSB), de 24.11.2016 (Processo: 08707/15)]. Como tal, não assiste razão à Impugnante.
III.D. Da violação dos princípios do contraditório e da igualdade das partes Nos termos do art.º 16.º do RJAT, para o qual remete a al. d) do n.º 1 do art.º 28.º do mesmo diploma: “Constituem princípios do processo arbitral: a) O contraditório, assegurado, designadamente, através da faculdade conferida às partes de se pronunciarem sobre quaisquer questões de facto ou de direito suscitadas no processo; b) A igualdade das partes, concretizado pelo reconhecimento do mesmo estatuto substancial às partes, designadamente para efeitos do exercício de faculdades e do uso de meios de defesa”. O princípio do contraditório configura-se como um princípio basilar no nosso ordenamento, em termos de direito processual, visando prevenir a existência de decisões surpresa, ou seja, de decisões com as quais as partes não podiam legitimamente contar (cfr. art.º 3.º, n.º 3, do CPC). Assim, salvo em casos de manifesta desnecessidade, não pode o julgador decidir questões de facto ou de direito, ainda que de conhecimento oficioso (v.g. matéria de exceção), sem que tenha sido dada a oportunidade às partes de sobre elas se pronunciarem. “As questões (…) reportam-se aos pontos fáctico-jurídicos estruturantes da posição das partes, nomeadamente os que se prendem com a causa de pedir, pedido e exceções” (8). Quanto ao princípio da igualdade, trata-se também de um princípio basilar em termos processuais, como decorre do disposto no art.º 98.º da LGT e no art.º 4.º do CPC, refletindo o desiderato constitucionalmente consagrado no art.º 13.º da nossa lei fundamental. Também se sublinha que se trata de princípio subjacente ao direito a um processo equitativo, previsto no art.º 6.º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos. Como referem António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa (Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Reimpressão, Almedina, Coimbra, 2019, p.22), “[n]ão se admitem atitudes subjetivistas conotadas com um certo paternalismo relativamente a determinados sujeitos processuais. O desiderato também não pode ser alcançado através de um automático e generalizado suprimento de falhas processuais imputáveis às partes, o que colidiria com os padrões da imparcialidade, da equidistância que o juiz deve respeitar e da autorresponsabilidade das partes”. Feito este enquadramento, apliquemos os conceitos ao caso dos autos. No tocante à alegada violação do princípio do contraditório, a mesma não ocorreu. Com efeito, o princípio do contraditório visa salvaguardar a existência de decisões surpresa, com as quais a parte não poderia legitimamente contar. Ora, in casu, o despacho proferido pelo tribunal arbitral, após o articulado de resposta às alegações apresentadas pela AT, foi no sentido de inexistir qualquer questão nova suscitada pela AT em sede de alegações, motivo pelo qual desconsiderou o alegado pela ora Impugnante. Ou seja, apreciou o requerido e decidiu em sentido diverso do pretendido pela Impugnante. Ademais, da própria decisão arbitral proferida, a final, resulta que não há qualquer impacto do invocado pela AT em sede alegações finais e o decidido: foram apreciadas as questões suscitadas pela ora Impugnante e decididas em função das regras de distribuição do ónus da prova. Finalmente, o referido quanto ao princípio da igualdade tem, na verdade, a ver com as regras de distribuição do ónus da prova e o julgamento de facto efetuado. O que se extrai do alegado é que a Impugnante entende que, enquanto da sua parte houve necessidade de fazer prova e arrolar testemunhas, a AT não o fez. Ora, antes de mais, há que ter em conta que a prova a fazer pela AT, em situações como a dos autos, em que a liquidação se sustenta em ação inspetiva, consta essencialmente do processo administrativo, junto aos autos. Logo, não é correto afirmar que a AT não juntou prova, porque fê-lo. Aliás, é no procedimento que a AT tem de demonstrar os pressupostos da sua atuação, não podendo fazer fundamentações da mesma a posteriori. Coisa diferente é a valoração que o tribunal faz dos meios de prova apresentados, pela AT ou pela Impugnante, aspeto relativo a acerto ou erro de julgamento, que, reiteramos, cai fora do âmbito da impugnação arbitral. Em suma, não assiste razão à Impugnante.
IV. DECISÃO Face ao exposto, acorda-se em conferência na Subsecção Tributária Comum da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul: a) Julgar improcedente a presente impugnação; b) Custas pela Impugnante; c) Registe e notifique. Lisboa, 10 de outubro de 2024 (Tânia Meireles da Cunha) (Rui A. S. Ferreira) (Jorge Cortês) (2) Alberto dos Reis, Código de Processo Civil, Vol. V, p. 139. (3) Alberto dos Reis, ob. cit., p. 140. (4) Cfr. Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário – Anotado e Comentado, 6.ª Edição, Vol. II, Áreas Editora, Lisboa, 2011, pp. 361 e 362; José Lebre de Freitas, A Ação Declarativa Comum à luz do Código de Processo Civil de 2013, 3.ª Ed., Coimbra Editora, Coimbra, 2013, p. 333. (5) V., exemplificativamente, os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, de 17.04.2013 (Processo: 0969/12) e de 15.09.2010 (Processo: 01149/09) e o Acórdão deste TCAS, de 18.06.2013 (Processo: 06121/12). (6) António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Reimpressão, Almedina, Coimbra, 2019, p. 727. (7) Cfr. José Lebre de Freitas, A Ação Declarativa Comum à luz do Código de Processo Civil de 2013, 3.ª Ed., Coimbra Editora, Coimbra, 2013, p. 320; Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o novo Processo Civil, Lex, Lisboa, 1997, pp. 219 e 220. (8) António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Reimpressão, Almedina, Coimbra, 2019, p. 727. |