Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:463/18.8BELRA
Secção:CA
Data do Acordão:03/13/2025
Relator:MARA DE MAGALHÃES SILVEIRA
Descritores:COMPETÊNCIA MATERIAL
RESPONSABILIDADE CIVIL TRIBUTÁRIA
INQUÉRITO CRIMINAL
Sumário:I - Não tendo a sentença recorrida apreciado do mérito da causa e ascendendo o valor da causa 419.000,00 €, não se verificam os pressupostos de que dependeria a competência do Supremo Tribunal Administrativo para a apreciação per saltum do mérito do recurso, sendo hierarquicamente competente o Tribunal Central Administrativo, nos termos do artigo 37.º, al. a) do ETAF;
II - Os tribunais administrativos são competentes para apreciar o litígio no qual se visa a efetivação da responsabilidade civil extracontratual de órgão e agentes da Administração Tributária por condutas praticadas no âmbito de procedimento de inspeção tributária e no exercício das suas competências e funções de autoridade de polícia criminal e delegadas pelo Ministério Público em sede de processo de inquérito por crime fiscal, que não contendem com erro judiciário.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção Administrativa Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Processo n.º 463/18.8BELRA

Acordam, em conferência, os juízes desembargadores da Subsecção Administrativa Comum, do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. Relatório

J… (doravante Autor ou A./Recorrente) veio, no âmbito da ação por si interposta contra a Direção de Finanças de Leiria, L…, A… e J…, e em que é interveniente F… – Companhia de Seguros, em que peticionou a condenação daqueles a, solidariamente, o indemnizarem no valor de 419.000,00 €, interpor recurso do saneador sentença proferido em 14.11.2022 pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria que julgou procedente a exceção de incompetência material dos tribunais administrativos e absolveu os RR. e a interveniente da instância.
Formulou as seguintes conclusões,
“II - CONCLUSÕES:
A) Considerou, erroneamente, o douto Tribunal a quo, que se imponha no caso dos presentes autos, concluir pela incompetência absoluta do presente Tribunal Administrativo para conhecer do mérito da causa o que, em consequência, determina a absolvição dos Réus e Interveniente da Instância.
B) Afirmando para tal, que "Nesta medida, considerando o alegado pelo Autor e o supra referido, temos que o presente litígio não se enquadra na competência dos Tribunais Administrativos, mormente no artigo 4° n° 1 alíneas f) g) e h) do ETAF, pois não se integra no âmbito do exercício da função administrativa, mas, antes, no âmbito da ação penal em que os Réus agiram ao abrigo de competências delegadas pelo Ministério Público na qualidade de órgão constitucionalmente incumbido da mesma que não só dirigiu o inquérito, como geriu a ação penal, mormente no que respeita aos prazos de duração do mesmo."
C) Ora, salvo o devido respeito, por entendimento divergente, não pode o aqui Recorrente concordar com o vertido na douta sentença.
D) Nos termos do artigo 1° do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF), segundo o qual "Os tribunais da jurisdição administrativa, são os órgãos de soberania com competência [...] nos litígios emergentes das relações administrativas e fiscais."
E) Por seu turno, estatui o artigo 4° do ETAF, sob a epigrafe "Âmbito de Jurisdição" que:"1 - Compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham por objeto questões relativas a: a) Tutela de direitos fundamentais e outros direitos e interesses legalmente protegidos, no âmbito de relações jurídicas administrativas e fiscais; b) Fiscalização da legalidade das normais e demais atos jurídicos emanados por órgãos da Administração Pública, ao abrigo de disposições de direito administrativo e fiscal; c) Fiscalização da legalidade de atos administrativos praticados por órgãos do Estado ou das Regiões Autónomas não integrados na Administração Pública; d) Fiscalização da legalidade das normas e demais atos jurídicos praticados por quaisquer entidades, independentemente da sua natureza, no exercício de poderes públicos; e) Validade de atos pré- contratuais e interpretação, validade e execução de contratos administrativos ou de quaisquer outros contratos celebrados nos termos da legislação sobre a contratação pública, por pessoas coletivas de direito público ou outras entidades adjudicantes; f) Responsabilidade civil extracontratual das pessoas coletivas de direito público, incluindo por danos resultantes do exercício das funções política, legislativa e jurisdicional, sem prejuízo do disposto na alínea a) do n° 4 do presente artigo; g) Responsabilidade civil extracontratual dos titulares de órgãos, funcionários, agentes, trabalhadores e demais servidores públicos, incluindo ações de regresso; h) Responsabilidade civil extracontratual demais sujeitos aos quais seja aplicável o regime específico da responsabilidade do Estado e demais pessoas coletivas de direito público; i) Condenação à remoção de situações constituídas em via de facto sem título que as legitime; j) Relações jurídicas entre pessoas coletivas de direito público ou entre órgãos públicos, reguladas por disposições de direito administrativo e fiscal; k) Prevenção, cessação e reparação de violações a valores e bens constitucionalmente protegidos, em matéria de saúde pública, habitação, educação, ambiente, património cultural e bens do Estado, quando cometidas por entidades públicas; l) Impugnações judiciais de decisões da Administração Pública que apliquem coimas no âmbito do ilícito de mera ordenação social por violação de normas de direito administrativo em matéria de urbanismo; m) Contenciosos eleitoral relativo a órgãos de pessoas coletivas de direito público para que não seja competente outro tribunal; n) Execução da satisfação de obrigações ou respeito por limitações decorrentes de atos administrativos que não possam ser impostos coercivamente pela Administração; o) Relações jurídicas administrativas e fiscais que não digam respeito às matérias previstas nas alíneas anteriores. 2- Pertence à jurisdição administrativa e fiscal a competência para dirimir os litígios nos quais devam ser conjuntamente demandadas entidades públicas e particulares entre si ligados por vínculos jurídicos de solidariedade, designadamente por terem concorrido em conjunto para a produção dos mesmos danos ou por terem celebrado entre si contrato de seguro de responsabilidade. 3 - Está nomeadamente excluída do âmbito da jurisdição administrativa e Fiscal a apreciação de litígios que tenham por objeto a impugnação de: a) Atos praticados no exercício de função política e legislativa; b) Decisões jurisdicionais proferidas por tribunais não integrados na jurisdição administrativa e fiscal; c) Atos relativos ao inquérito e instruções criminais, ao exercício da ação penal e à execução das respetivas decisões. 4 - Estão igualmente excluídas do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal: a) A apreciação das ações de responsabilidade por erro judiciário cometido por tribunais pertencentes a outras ordens de jurisdição, assim como das correspondentes ações de regresso; b) A apreciação de litígios decorrentes de contratos de trabalho, ainda que uma das partes seja uma pessoa coletiva de direito público, com exceção dos litígios emergentes de vinculo de emprego publico; c) A apreciação de atos materialmente administrativos praticados pelo Conselho Superior da Magistratura e seu Presidente; d) A fiscalização de atos materialmente administrativos praticados pelo Presidente do Supremo Tribunal de Justiça."
F) No caso aqui em análise, é indubitável que a jurisdição administrativa e fiscal é competente na medida em que a mesma é competente para dirimir os litígios nos quais devam ser conjuntamente demandadas as entidades públicas e particulares que concorreram em conjunto para a produção dos mesmos danos.
G) Nos presentes autos, encontram-se demandados os indivíduos particulares que praticaram os atos e omissões que levaram à produção dos danos bem como a instituição pública, que ratificando os atos e omissões pelos mesmos praticados, permitiu a produção dos danos.
H) Neste sentido, Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 28/10/2009, processo 484/09 "I- o conceito da relação jurídica administrativa pode, ser tomado em diversos sentidos. Em sentido subjetivo, onde se inclui qualquer relação jurídica em que intervenha a Administração designadamente uma pessoa coletiva, pelo que tenderia a privilegiar-se igualmente um critério orgânico como padrão substancial de delimitação. Já em sentido predominantemente objetivo, abrangeria as relações jurídicas em que intervenham entes públicos, mas desde que sejam reguladas pelo Direito Administrativo. E há ainda um outro sentido, que faz corresponder o carácter «administrativo» da relação ao âmbito substancial da própria função administrativa. II - A noção da relação jurídica administrativa para efeitos de delimitação do âmbito material da jurisdição administrativa, deve abranger a generalidade das relações jurídicas externas ou intersubjetivas de caráter administrativo, seja as que se estabeleçam entre os particulares e os entes administrativos, seja as que ocorram entre sujeitos administrativos. III - Para efeitos de inclusão no contencioso administrativo, devem considerar-se relações jurídicas administrativas externas ou interpessoais: a) as relações jurídicas entre a Administração e os particulares, incluindo: i) as relações entre as organizações administrativas e os cidadãos (ditas «relações gerais de direito administrativo»), mas também; ii) as relações entre as organizações administrativas e os membros, utentes ou pessoas funcionalmente ligadas a essas organizações (as chamadas «relações fundamentais» no contexto das «relações especiais de direito administrativo»)."
I) O âmbito da jurisdição administrativa é definida pelo artigo 212° n° 3 da Constituição da República Portuguesa, compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento de ações e recursos contenciosos que tenham por objeto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas.
J) Assim, incumbe-lhes, em sede de administração da justiça, assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos, reprimir a violação da legalidade e dirimir os conflitos de interesses públicos e privados no âmbito das relações jurídicas administrativas.
K) Desta forma, e por tudo supra explanado, não se verifica, in casu, a exceção da incompetência material do Tribunal, na medida em que a jurisdição administrativa é materialmente competente para apreciar o pedido.
L) Assim, mal andou o Tribunal a quo, ao considerar verificada a exceção de incompetência material do Tribunal, tendo imperativamente, a douta sentença de ser revogada, e substituída por outra que considere o Tribunal Administrativo e Fiscal o competente para dirimir sobre o litígio dos presentes autos.
M) O aqui Recorrente, foi notificado na qualidade de administrador da sociedade G…, S.A., pessoa coletiva número 500 293 589, da instauração de procedimento inspetivo pelos aqui REÚS.
N) A tal procedimento inspetivo foi atribuído o número de Ordem de Serviço OI201200313, tendo como âmbito parcial e foi iniciada em 09 de Fevereiro de 2012, e cuja notificação do projeto de relatório, apenas ocorreu em 20/10/2017, ou seja, 5 anos e 8 meses volvidos desde o seu início.
O) Assim, e antes de mais, a conclusão que apraz fazer, é que a Inspeção Tributária aqui em causa, não cumpriu minimamente os prazos máximos de duração do procedimento inspetivo.
P) O artigo 36° do RCPITA, estabelece que: “Artigo 36 - 1 - O procedimento de inspeção tributária pode iniciar-se até ao termo do prazo de caducidade do direito de liquidação dos tributos ou do procedimento sancionatório, sem prejuízo do direito de exame de documentos relativos a situações tributárias já abrangidas por aquele prazo, que os sujeitos passivos e demais obrigados tributários tenham a obrigação de conservar. 2 - O procedimento inspetivo é contínuo e deve ser concluído no prazo máximo de seis meses a contar da notificação do seu início. 3 - O prazo referido no número anterior poderá ser ampliado por mais dois períodos de três meses, nas seguintes circunstâncias: Situações tributárias de especial complexidade resultante, nomeadamente, do volume de operações, da dispersão geográfica ou da integração em grupos económicos nacionais ou internacionais das entidades inspeccionadas; Quando, na ação de inspeção, se apure ocultação dolosa de factos ou rendimentos; (Revogada) Quando seja necessário realizar novas diligências em resultado de o sujeito passivo apresentar factos novos durante a audição prévia;Outros motivos de natureza excecional, mediante autorização fundamentada do diretor - geral da Autoridade Tributária e Aduaneira.4 - A prorrogação do prazo do procedimento de inspeção deve ocorrer até ao seu termo, antes da emissão da nota de diligência, e é notificada à entidade inspecionada com a indicação da data previsível do termo do procedimento. 5- Independentemente do disposto nos números anteriores, o prazo para a conclusão do procedimento de inspeção suspende-se quando: a) Em processo especial de derrogação do segredo bancário, o familiar do contribuinte ou terceiro interponha recurso com efeito suspensivo da decisão da administração tributária que determine o acesso à informação bancária, mantendo-se a suspensão até ao trânsito em julgado da decisão em tribunal; b) Em caso de oposição às diligências de inspeção pelo sujeito passivo com fundamento em segredo profissional ou qualquer outro dever de sigilo legalmente regulado, seja solicitada autorização judicial ao tribunal da comarca competente, mantendo-se a suspensão até ao trânsito em julgado da decisão; c) Seja instaurado processo de inquérito criminal sem que seja feita a liquidação dos impostos em dívida, mantendo-se a suspensão até ao arquivamento ou trânsito em julgado da sentença; d) A administração tributária tenha necessidade de recorrer aos instrumentos de assistência mútua e cooperação administrativa internacional, mantendo-se a suspensão pelo prazo de 12 meses. 6 - Caso se verifique alguma das situações referidas no número anterior, deve o sujeito passivo ser notificado do início da data de suspensão. 7 - O decurso do prazo do procedimento de inspeção determina o fim dos atos externos de inspeção, não afetando, porém, o direito à liquidação dos tributos.”
Q) Assim, e nos termos do acima transcrito, e tendo o procedimento inspetivo iniciado em 09 de fevereiro de 2012, o mesmo teria de ter o seu terminus em 09 de agosto de 2012. O que não sucedeu.
R) Acresce que, o aqui Recorrente, foi efetivamente notificado pelos REÚS da prorrogação do prazo de inspeção. Mas e como estabelecido no n° 3 do artigo 36° do RCPITA, tal prorrogação tem a duração máxima de mais de dois períodos de 3 meses.
S) Isto significa que verificada a prorrogação e a consequente notificação ao sujeito passivo, o final do procedimento inspetivo ocorreria em 09 de janeiro de 2013. O que também não sucedeu.
T) Ora, em virtude do não cumprimento dos prazos máximos do procedimento aqui em causa, resta enquadrar o prazo do respetivo procedimento no estatuído no n° 5 do artigo 36° do RCPITA, que determina a suspensão do procedimento inspetivo.
U) Pois, que, tendo sido instaurado o processo de inquérito, como sucedeu, parece ter sido este o enquadramento dado pelos REÚS.
V) Porém, o n° 6 do artigo 36° do RCPITA, para que a suspensão possa operar, a mesma tem de ser comunicada ao sujeito passivo. O que os REÚS não fizeram. Violando desta forma o princípio da colaboração a que a Autoridade Tributária está vinculada.
W) Mais, para além de o aqui Recorrente não ter sido notificado da data de início da suspensão do procedimento inspetivo, não foi consequentemente, notificado do fim da suspensão, nova violação do princípio da colaboração (artigo 59° da LGT).
X) Neste sentido, Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, Recurso 99/17, de 31/01/2018 "Os procedimentos inspetivos têm uma duração legal prevista não podendo, por opção do legislador, eternizar-se. São procedimentos que interferem com o normal funcionamento das empresas porque o seu objeto social nunca é ser alvo de inspeções, exigem colaboração do contribuinte, que, sendo dever de colaboração com a Administração Tributária, imposto por lei, não é atividade comercial ou industrial, e geram naturalmente constrangimentos, perturbações, exigem a recolha e fornecimento de dados, a afetação de funcionários a funções diversas das que lhe competem, e, mantêm, enquanto perduram, uma incerteza sobre a situação tributária das empresas e dos contribuintes que não pode protelar-se indefinidamente. Estas, algumas das possíveis facetas de lesividade do prolongamento das ações inspetivas, para além do estritamente necessário ao fim legal que lhes é conferido por lei, que também absorvem recursos públicos em meios materiais e humanos da Administração Tributária que nelas se encontram envolvidos, Lesivo é também estar desapossado da sua documentação. Ter que aguardar, no caso concreto, que seja produzido um ato de liquidação para poder judicialmente reagir contra a ação inspetiva que seja desnecessária ou mesmo abusivamente prolongada é insuficiente para a salvaguarda dos direitos dos contribuintes, tanto mais que, em teoria sempre seria possível que nenhum acto de liquidação venha a ser produzido, num futuro incerto, com base nos dados recolhidos na ação inspetiva."
Y) De salientar que, o Acórdão acima transcrito, foi proferido, devido a um procedimento inspetivo, realizado à sociedade A…, S.A., congénere da G…, que efetivamente labora nas mesmas instalações. E que foi alvo de procedimento inspetivo pela mesma direção de finanças e na mesma data.
Z) Ora, os RÉUS violaram todos os formalismos, prazos e exigências legais e processuais criando assim aspetos lesivos quer para o Recorrente quer para o Estado Português.
AA) Para mais, no projeto de relatório é imputado ao sujeito passivo a falta de dever de colaboração e de cooperação para com a inspeção tributária, o que não corresponde à verdade.
BB) Pois que, o procedimento inspetivo iniciou-se em 09 de Fevereiro 2012, e logo, aquando da notificação do início da inspeção foi concedido ao sujeito passivo o prazo de 20 dias para apresentação da contabilidade.
CC) Nessa mesma data, o sujeito passivo, informou a Sra. Inspetora 2a Ré que a contabilidade respeitante ao ano de 2010, se encontrava a ser refeita, e que a respeitante ao ano de 2011, ainda não estava concluída, nem tinha que estar, em virtude de estarmos no início do mês de fevereiro de 2012, e o prazo legal para a sua conclusão ser 31 de março de 2012
DD) Facultando a lei o prazo de 90 dias, após 31 de março para a sua conclusão. Ou seja, até 30 de junho de 2012, estaria em total cumprimento com as normas legais.
EE) Em 23/03/2012, foi remetido ao sujeito passivo um pedido de esclarecimentos cuja resposta foi efetuada via email.
FF) No referido correio eletrónico, consta pelo sujeito passivo a seguinte informação a contabilidade estará pronta em 18 de junho de 2012, e ainda que "aguardo que me dê resposta de como pretende aceder à contabilidade."
GG) Ora, no entendimento do aqui Recorrente se após a prestação de esclarecimentos operada a aqui REÚS não solicitaram mais qualquer pedido de esclarecimentos ou dúvidas é porque estavam saciados com a resposta obtida. E não tinham mais questões.
HH) Ao email remetido pela sociedade, não responderam os RÉUS, apesar de ter pleno conhecimento de que a contabilidade do ano de 2011, se encontrava concluída, pois que em 02/07/2012, as declarações de IVA foram submetidas.
II) Desta forma, fica provado que o sujeito passivo não violou o dever de colaboração e cooperação a que estava obrigado. Antes sim, quem efetivamente violou os normativos legais acima mencionados, foram os aqui RÉUS que não respondeu ao email, recusaram-se a ir à sociedade continuar a fiscalização a que estavam obrigados por lei. E não prestaram mais qualquer informação ao contribuinte.
JJ) Os aqui Réus deliberadamente transformaram um procedimento inspetivo externo em interno, em plena violação do disposto no artigo 13° do RCPITA, e sem sequer se dignar a notificar o Recorrente dessa alteração.
KK) Mais em 24/07/2012, sem que tenha comunicado ao Recorrente a existência de um processo - crime, sem ter elaborado relatório de recusa de entrega da contabilidade, sem nunca mais ter notificado o contribuinte, decidiram prorrogar a inspeção tributária.
LL) Aliás, depois da resposta aos esclarecimentos solicitados pelos RÉUS, as únicas comunicações que o Recorrente rececionou, relativas ao procedimento inspetivo em causa, foi as constantes da prorrogação do prazo de inspeção.
MM) Acresce que, a prorrogação, não cumpre os requisitos legais estabelecidos no artigo 36° do RCPITA, nomeadamente a situação em causa, não se enquadra em nenhuma das alíneas do n° 3 do dispositivo legal. Logo, não se encontra devidamente fundamentado.
NN) Logo, a prorrogação efetuada encontra-se ferida de nulidade por falta de fundamentação. E para além disso, os fundamentos constantes de que as entidades terceiras a quem a inspeção tributária solicitou informações ainda não tinham respondido é falso.
OO) Pois que, no próprio relatório elaborado pelos RÉUS, é afirmado que "A 25 de outubro de 2012 deu entrada nesta Direção de Finanças o ofício n° 81487 da Direção de Finanças de Lisboa que em resposta ao solicitado informa que."
PP) Mais, os RÉUS alteraram o âmbito do procedimento inspetivo.
QQ) Ora, nos termos do estatuído no artigo 15° do RCPITA, a alteração do âmbito do procedimento inspetivo carece de despacho fundamentado, o que no caso aqui em apreço não sucedeu.
RR) Desta alteração do âmbito do procedimento inspetivo, e da sua falta de fundamentação, foi pelo sujeito passivo, interposto Recurso Hierárquico. Porém, a Direção de Finanças de Leiria, como já era bom de ver, não considerou o mesmo procedente.
SS) Assim e contrariamente ao alegado pelos Réus no projeto de relatório não existiu por parte do sujeito passivo qualquer violação do princípio da cooperação. Uma vez que, esta sempre manifestou a sua total colaboração e disponibilidade. Ao invés os RÉUS não cumpriram o dever de comunicação a que estavam legalmente obrigados, em clara violação do princípio da cooperação e do princípio da boa - fé.
TT) Desta forma, e entrando nas conclusões da ação inspetiva, estas são totalmente erradas, tendenciosas e não cumprem os requisitos definidos no RCPITA, artigos 2°, 5°, 6°,7°,8°,9°,13°,14°,15°,53° e 58°, bem como violam o estabelecido nos artigos 46° e 48° do CPPT.
UU) Para além do supra exposto, o projeto de relatório, bem como o relatório final apresentado pelos RÉUS, viola claramente o princípio da verdade material estatuído no art.55° da LGT.
VV) Pois que ao mencionar que o contribuinte deve o montante de €53.120,00 para o ano de 2010 e €461.637,22 para o ano de 2011, ainda que com as alíneas a) e b) em nota de rodapé demonstra que os RÉUS só podem estar a agir de má - fé e em plena violação grosseira e dolosa da lei.
WW) Mais erradamente afirma a 2a RÉ no seu projeto de relatório que, o IVA alegadamente omisso, só foi declarado na última declaração periódica submetida, o que não corresponde à verdade, pois o mesmo já constava da declaração submetida em 02/07/2012.
XX) Para mais, não houve qualquer irregularidade praticada pelo sujeito passivo, pois que estabelece o artigo 58° do RCPITA "A entidade inspecionada pode, no decurso do procedimento de inspecção, proceder à regularização da sua situação tributaria Mais acrescentando no seu n° 3 que "Para efeitos do disposto no presente artigo, a situação tributária considera-se regularizada com o cumprimento das obrigações declarativas em falta."
YY) Acresce que, as correções de IVA submetidas foram aceites e encontram-se totalmente pagas.
ZZ) E não poderá a 2a RÉ, alegar que desconhecia as correções operadas, pois que a mesma teve acesso aos documentos relativamente ao ano de 2011, em 03/07/2014 quando a seu pedido a Polícia Judiciária a veio buscar (não apreender) às instalações do contribuinte.
AAA) Pelo que, quando analisou a verdade material e histórica dos documentos e das declarações entregues pelo contribuinte (02/07/2012), já não estava por regularizar o IVA omisso, logo não poderia fazer parte de Correções aritméticas ou outras deste relatório, porque já estava corrigido.
BBB) Assim, é doloso o comportamento adotado pela 2a RÉ ao evidenciar o valor de €191.357,31 em sede de IVA liquidado, quando muito antes de a mesma verificar os documentos, já se encontrava regularizado, liquidado através da declaração entregue pelo contribuinte e pago.
CCC) Salvo o devido respeito, tal conclusão não faz o melhor sentido. Na medida em que se a inspeção tributária está vinculada ao princípio da verdade material, tem de elaborar um relatório em que conste a verdade tributária do contribuinte, à data de apuramento dos factos e da conclusão do relatório e relativamente aos últimos factos tributários apresentados, dado que o IVA é um importo declarativo.
DDD) É inequivocamente, contrário à lei, virem os RÉUS alegarem que se encontram em falta o montante de IVA de 2010 no valor de €53.120,00 e depois afirmar que foi reduzido em €23.240,00. Ou seja, aquilo que deveria constar na rubrica Imposto em falta teria de ser € 29.880,00 (53.120,00-23.240,00).
EEE) O mesmo sucedendo relativamente ao exercício de 2011, onde os RÉUS colocam no mapa resumo das correções da ação inspetiva, erradamente, o montante de €461.630,82, quando deveria colocar o valor de €137.349,80 (461.630,82-132.923,21-191.357,81).
FFF) Ao retirar as conclusões na forma que arbitrariamente como fez, os RÉUS violaram o princípio da verdade material, na medida em que o procedimento de inspeção tributária visa a observação das realidades tributárias apresentadas.
GGG) Mais, todos os valores, que a inspeção tributária considera como valores do imposto de IVA em falta, são substancialmente inferiores a 15 mil euros. Pelo que obrigatoriamente e nos termos da lei, têm de ser despenalizados, tudo nos termos do disposto no artigo 103° n° 2 do RGIT.
HHH) Aliás, não se compreende a diferenciação de critérios entre a despenalização dos montantes alegadamente em dívida e respeitantes ao exercício do ano de 2010 e os montantes respeitantes ao exercício do ano de 2011.
III) Para mais, a alegação da inspeção tributária no que concerne à redução dos valores dos campos 22 e 24, é puramente má - fé, primeiro porque a inspeção e já como acima explanado tem por base a verificação da realidade tributária e a verdade material. Assim, a inspeção apenas tem de ver e confirmar os montantes que constam da última declaração periódica de IVA submetida pelo sujeito passivo. E não fazer alegações quanto ao porquê da retirada de montantes, dado que estamos a falar de impostos declarados pelo sujeito passivo.
JJJ) Por conseguinte, o direito à dedução, é como o próprio nome indica um direito, e não uma obrigação do contribuinte, que pode optar por efetuar a dedução ou não. E em que melhor momento, dentro do prazo legal o deve fazer.
KKK) Porém, o que se verifica no presente projeto de relatório, mais não é a punição de um sujeito passivo por ter retirado valores a deduzir na sua declaração de IVA. Através da transformação de um imposto declarativo de um imposto liquidatário. O que é de todo inconcebível e ilegal.
LLL) Contudo, os REÚS decidiram voluntariamente e conscientemente ignorar todos os dispositivos legais, e afirmar que as condutas do sujeito passivo tipificavam fraude qualificada.
MMM) Mais, a 2a Ré, primeiro efetuou a comunicação da existência de processo - crime e só depois começou a analisar a documentação e a contabilidade.
NNN) Acresce que, ao agirem como agiram os aqui RÉUS violaram inequivocamente os princípios normativos da proporcionalidade (artigo 7° do CPA) e o princípio da justiça e da razoabilidade (artigo 8° do CPA).
OOO) Os aqui RÉUS ao não se deslocarem às instalações do sujeito passivo para verificarem os documentos contabilísticos da sociedade que o aqui Recorrente representa, e solicitando a intervenção da Polícia Judiciária, causaram graves prejuízos ao mesmo e ao Estado Português.
PPP) Pois que, as instalações fabris da sociedade objeto das buscas por parte da polícia judiciária situa-se na Marinha Grande. E como tal é uma localidade pequena, em que o aparato ocorrido, foi comentado.
QQQ) O que provocou que os clientes da sociedade, ficassem com receio de manter relações comerciais com a mesma. Cancelando desta forma os pedidos de fornecimentos.
RRR) Mais, no âmbito das buscas a 2a RÉ notificou todos os clientes da sociedade, no âmbito de um processo-crime que a própria sociedade desconhecia. Criando uma imagem de desconfiança quer para os clientes quer para os fornecedores. Causando desta forma graves prejuízos à sociedade e ao aqui Recorrente.
SSS) Urge ainda, explanar o comportamento adotado pelos REÚS não só no âmbito do procedimento inspetivo, mas também no âmbito do procedimento criminal.
TTT) Assim, em 04/11/2011, foi rececionada uma comunicação no Tribunal da Marinha Grande, com o número de entrada 701283 que foi dar origem ao processo 931/11.2TAMGR, para factos de 2011, tipificados como abuso de confiança fiscal.
UUU) Este processo teve conclusão em 09/11/2011, e de imediato o Senhor Procurador mandou averiguar a existência de processos da mesma natureza (abuso de confiança fiscal). E foi junto ao processo- crime, uma relação de processos em curso ou findos relativos à sociedade. Sendo que em 8 processo, um deles é o 931/11.2TAMGR e os restantes sete são denúncias efetuadas pela sociedade por furto.
VVV) Em 04/01/2012, foi delegada competência no N.I.C.-D.F. de Leiria para que proceda à realização das pertinentes diligências de investigação em 90 dias.
WWW) Em 01/02/2012 os Serviços de Investigação Criminal da Direção de Finanças de Leiria comunicou ao Tribunal Judicial da Marinha Grande, Serviços do Ministério Público, com o número de entrada 735732 a possibilidade de verificação de um ilícito criminal que deu origem ao processo de inquérito n° 4/12.0IDLRA, de 02/02/2012, reportando a factos de 01/01/2011, abuso de confiança fiscal.
XXX) Em 07/02/2012, via e-mail o Ministério Público pediu cópia do auto de notícia que originou a instauração do inquérito 4/12.0IDLRA. No dia 21/02/2012 o Ministério Público insistiu no pedido do auto que originou este inquérito.
YYY) No dia 27/02/2012, o NIC da Direção de Finanças de Leiria, informou que não é possível enviar o auto de notícia, em virtude de ter sido solicitado aos Serviços de Inspeção Tributária, a Inspeção à empresa Arguida.
ZZZ) Ora, um processo que não tem auto, que não tem base legal, nem documental, é em 27/01/2013 autuada como sendo um processo de fraude fiscal, alegando a existência de violação do art. 19° n° 3 do CIVA, dedução indevida de IVA, punível pelo artigo 103° n° 1 alínea a) do RGIT.
AAAA) O ministério Público tipificou o alegado ilícito como sendo abuso de confiança fiscal, e o N.I.C. de Leiria alterou para fraude fiscal. Em 31/01/2012 o senhor diretor solicitou ao Chefe de Divisão II, a inspeção ao sujeito passivo.
BBBB) Em 18/05/2012, a 2a RÉ relata as diligências desenvolvidas no âmbito do processo de inquérito 4/12.0IDLRA. E por decisão do Procurador da República da Marinha Grande, detentor dos processos, decidiu incorporar o processo 4/12.0IDLRA, por duplicação de processos, no processo 931/11.2TAMGR, organizando-se num só processo em 29/02/2012.
CCCC) Mais, a 2a RÉ efetuou um relatório que não corresponde à verdade dos factos, e é nitidamente tendencioso, até porque, afirma que a sociedade alineou total ou parcialmente o seu património com o intuito de frustrar créditos tributários. E junta ao processo uma relação de dívidas de uma empresa denominada P…, Lda., que nada têm a ver com o sujeito passivo aqui em causa.
DDDD) Assim, criou a 1a RÉ, um processo fictício de fraude fiscal e branqueamento de capitais, sem bases e sem confirmação de escrita, e ao abrigo de um processo de abuso de confiança fiscal que teve a origem numa denúncia do Sr. Revisor de Contas, cujo valor ascendia a cerca de €270.000,00. Criou um falso, sem qualquer fundamento de valor superior a €500.000,00 para que o mesmo transitasse para a Polícia Judiciária.
EEEE) Aliás, em virtude de tal facto, foi a Polícia Judiciária que efetuou buscas no sujeito passivo aqui em causa, e procedeu ao levantamento dos documentos contabilísticos, em virtude, dos RÉUS nunca mais se terem deslocado ao local.
FFFF) Ainda de salientar que há cerca de quatro anos, que o contribuinte se encontra desapossado da sua documentação contabilística. Assim, verifica-se a violação do disposto n° 2 do artigo 55° do RCPITA "(...) os livros ou documentos só podem ser retirados para esse efeito por prazo não superior a três dias úteis."
GGGG) O Ministério Público de Leiria, emitiu uma certidão, a certificar que corre um processo de abuso de confiança fiscal. Como é possível a que os aqui RÉUS criem um de Fraude fiscal, completamente falso.
HHHH) Desta forma, e nos termos de tudo supra explanado, o aqui AUTOR viu-se confrontado, com acusações infundadas, bem como, com buscas efetuadas pela Polícia Judiciária não só nas instalações da sociedade G…, S.A., bem como em outras sociedades, em que o mesmo é Técnico Oficial de Contas.
IIII) O que para além dos prejuízos causados diretamente à sociedade G… e consequentemente ao aqui AUTOR, o mesmo viu-se confrontado com a acusação de um processo - crime de fraude qualificada, totalmente infundada.
JJJJ) Facto que determinou que o aqui Autor tivesse de contratar um advogado para que o defender e fazer valer os seus direitos. E consequentemente, e por causa da atuação dos RÉUS, teve de suportar os honorários dos advogados, as custas processuais e todos os gastos necessários para poder efetuar de forma cabal a sua defesa.
KKKK) Vendo-se assim, obrigado a pagar mensalmente uma vença no valor de €2.000,00 (dois mil euros) a título de honorários ao seu advogado.
LLLL) Ora tendo em conta que o processo se arrasta há cerca de seis anos, e que durante todo esse tempo o aqui Autor teve de continuar a suportar os custos inerentes à sua defesa. Nomeadamente o valor mensal acima referido.
MMMM) Teve o aqui Autor um prejuízo efetivo e direto no montante de €144.000,00 (cento e quarenta e quatro mil euros). Prejuízo que decorre única e exclusivamente da atuação ilegal e incorreta dos aqui Réus.
NNNN) Assim, devido à atuação dolosa e ilegal dos aqui Réus o Autor teve se suportar elevados custos. Para além de tudo isto, ter levado consequentemente a um desgaste da sua relação familiar.
OOOO) Tendo tido prejuízos/danos patrimoniais diretos pela diminuição de clientes da sociedade G…, S.A., no valor de €250.000,00 (duzentos e cinquenta mil euros).E, sofreu, ainda, como demonstrado, danos morais. Os danos morais são imputáveis apenas às pessoas singulares, porque são danos que afetam, essencialmente, a parte psíquica do indivíduo, em toda e qualquer uma das variadas funções mentais, desde as sensitivas às intelectuais.
PPPP) Assim, pelo que supra se deixou dito, a situação causou desgaste incerteza, tristeza, angústia, inquietação e preocupação ao AUTOR que está acusado de um crime de fraude qualificada sem a existência de qualquer fundamento legal.
QQQQ) A inquietude de não saber se poderia proporcionar aos seus dois filhos, menores à data dos factos, todo o conforto e nível de vida a que os mesmos estavam habituados. Mas mais do que tudo isso, a inquietude e a preocupação que naturalmente advém de se ser acusado por um processo - crime. A inquietude de saber o que os seus trabalhadores, dos clientes e dos seus vizinhos pensam relativamente às buscas efetuadas pela Polícia Judiciária.
RRRR) Pelo que, sofreu o AUTOR danos morais, que importam o pagamento de uma indemnização que se há-de fixar em valor nunca inferior a €25.000,00 (vinte e cinco mil euros). Ora, o ressarcimento dos valores acima referidos é da responsabilidade solidária dos RÉUS.
SSSS) Em causa está a responsabilidade civil extracontratual dos RÉUS por danos resultantes do exercício da função administrativa, enquanto ações ou omissões adotadas no exercício de prerrogativas de poder público e, enquanto titular de órgãos, funcionários e agentes públicos por danos decorrentes de ações ou omissões adotadas no exercício das funções administrativa e jurisdicional e por causa desse exercício.
TTTT) Sendo que, como referido, o Recorrente sofreu os danos acima descritos enquanto danos ou encargos que incidiram sobre si, sem afetarem a generalidade das pessoas, ultrapassando os custos próprios da vida em sociedade, merecendo, pela sua gravidade, a tutela do direito.
UUUU) E, os RÉUS, obrigados a reparar os danos, devem reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação.
VVVV) Devendo a indemnização ser fixada em dinheiro, porquanto a reconstituição natural não é possível.
WWWW) De facto, os RÉUS são exclusivamente responsáveis pelos danos que resultam das ações ou omissões ilícitas, cometidas com culpa leve, pelos titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, no exercício da função administrativa e por causa desse exercício, como acima descritas.
XXXX) E, sempre a procedência da presenta ação se justifica na medida em que sempre serão de ser atribuídos os danos a um funcionamento anormal do serviço - "quando, atendendo às
circunstâncias e a padrões médios de resultado, fosse razoavelmente exigível ao serviço uma actuação susceptível de evitar os danos produzidos."
YYYY) E, os titulares de órgãos, funcionários e agentes são responsáveis pelos danos que resultem de ações ou omissões ilícitas, por eles cometidas com dolo ou com diligência e zelo manifestamente inferiores àquelas a que encontravam obrigados em razão do cargo.
ZZZZ) Sendo que "o Estado e as demais pessoas colectivas de direito público são responsáveis de forma solidária com os respetivos titulares de órgãos, funcionários e agentes, se as acções ou omissões referidas...tiverem sido cometidas por estes no exercício das suas funções e por causa desse exercício."
AAAAA) No caso, os factos apontados são ilícitos porquanto violam disposições e princípios constitucionais, legais ou regulamentares ou infringem regras de ordem técnica ou deveres objetivos de cuidado e de que resulta a ofensa de direitos ou interesses legalmente protegidos.
BBBBB) E, sempre, também existe ilicitude porquanto a ofensa de direitos ou interesses legalmente protegidos resulte do funcionamento anormal do serviço acima descrito.
CCCCC) A culpa dos titulares de órgãos, funcionários e agentes deve ser apreciada pela diligência e aptidão que seja razoável exigir, em função das circunstâncias de cada caso, de um titular de órgão, funcionário ou agente zeloso e cumpridor.
DDDDD) Ora, nos termos do disposto no artigo 1° do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF), segundo o qual "Os tribunais da jurisdição administrativa são os órgãos de soberania com competência [...] nos litígios emergente das relações administrativas e fiscais."
EEEEE) In casu, encontram-se demandados indivíduos particulares que praticaram os atos e omissões que levaram à produção dos danos bem como a instituição pública, que ratificando os atos pelos mesmos praticados permitiu a produção dos danos.
FFFFF) O âmbito da jurisdição administrativa é definido pelo artigo 212° n° 3 da Constituição da República Portuguesa, compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento de ações e recursos contenciosos que tenham por objeto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas.
GGGGG) Assim, incumbe-lhes, em sede da administração da justiça, assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos, reprimir a violação da legalidade e dirimir os conflitos de interesses públicos e privados no âmbito das relações jurídicas administrativas.
HHHHH) Desta forma, e no caso aqui em apreço os tribunais administrativos e fiscais são os competentes para dirimir o litígio aqui em análise. Na medida em que a jurisdição administrativa é materialmente competente para apreciar o pedido.
IIIII) Mais, estabelece o artigo 10° do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, no seu n° 1 que "Cada ação deve ser proposta contra a outra parte na relação materialmente controvertida e, quando for caso disso, contra as pessoas ou entidades titulares de interesses contrapostos aos do autor."
JJJJJ) No caso aqui em apreço, estamos perante o estatuído no artigo 8° n° 1 da Lei 67/2007 de 31 de dezembro, na medida em que ao agirem, nos termos em que o fizeram, os RÉUS, agiram dolosamente e com diligência e zelo manifestamente inferiores ao que se encontravam obrigados.
KKKKK) Pois que os RÉUS em consequência da sua atuação violaram disposições e princípios constitucionais, pelo que os mesmos agiram com dolo e culpa grave.
LLLLL) Pelo que, no caso aqui em apreço, estão preenchidos todos os pressupostos da legitimidade passiva nos termos do estatuído no n° 1 do artigo 8°, pelo que existe efetivamente litisconsórcio necessário passivo.
MMMMM) Assim, e por tudo supra explanado, andou mal o Tribunal a quo, ao determinar a improcedência da ação administrativa em escrutínio, pelo que, se impõe a revogação da sentença proferida e a sua substituição por outra que determine o Tribunal administrativo e fiscal competente e que conheça a final do objeto dos presentes autos.
Nestes termos e nos mais de Direito, sempre com o mui douto suprimento de V/ Exas. deve o presente recurso ser julgado procedente por provado, e consequentemente, ser revogada a sentença objeto do presente recurso, e ser substituída por outra que considere determine o Tribunal administrativo e fiscal competente e que conheça a final do objeto dos presentes autos.”

A Interveniente/Recorrida, F… – Companha de Seguros, S.A., apresentou contra-alegações, nas quais não formulou conclusões, pugnando pela manutenção da sentença recorrida.

Os Recorridos, L…, A… e J… apresentaram contra-alegações, concluindo nos seguintes termos,
“Em face de todo o exposto supra, os Recorrentes formulam as seguintes conclusões:
1. Por via do recurso, pretende o Recorrente reagir contra a sentença proferida, a 2022-11-15, pelo tribunal a quo, nos termos da qual se concluiu pela incompetência material daquele para conhecer do mérito da causa e pela absolvição dos Recorridos e da Interveniente da instância;
2. Em primeiro lugar, alega o Recorrente que o tribunal a quo incorreu em erro de julgamento
em matéria de facto e de direito em torno da ultrapassagem dos prazos máximos de duração do procedimento inspetivo, da falta de notificação das datas de início e fim da suspensão daquele procedimento, da nulidade da decisão de prorrogação do referido procedimento, da falsidade e violação do princípio da verdade material em que assenta o relatório inspetivo e na circunstância de os Recorridos terem agido com dolo e culpa grave;
3. A suscitação de tal fundamento mostra-se ilegal, porquanto ele não foi alvo de qualquer pronúncia por parte do tribunal a quo;
4. Constitui entendimento consolidado na Jurisprudência e na Doutrina que não é lícito invocar nos Recursos questões que não tenham sido objeto de apreciação da decisão recorrida, uma vez que os Recursos são meros meios de impugnação das decisões judiciais pelos quais se visa a sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação:
5. O objeto do Recurso é a questão decidida, isto é, a questão que foi objeto da decisão judicial, sendo que esta circunscreveu-se à matéria de exceção suscitada pelos aqui Recorridos em sede de Contestação: a própria incompetência material para conhecer do mérito da causa, tendo ficado prejudicado o conhecimento do mérito, designadamente a ultrapassagem dos prazos máximos de duração do procedimento inspetivo, a falta de notificação das datas de início e fim da suspensão daquele procedimento, a nulidade da decisão de prorrogação do referido procedimento, a falsidade e violação do princípio da verdade material em que assenta o relatório inspetivo e a circunstância de os Recorridos terem agido com dolo e culpa grave;
6. Ao fundamentar parte do seu Recurso numa questão que não foi objeto da sentença sub judice, o Recorrente coloca-se fora dos parâmetros em que se moveu a decisão recorrida;
7. As alegadas ultrapassagem dos prazos máximos de duração do procedimento inspetivo, falta de notificação das datas de início e fim da suspensão daquele procedimento, nulidade da decisão de prorrogação do referido procedimento, falsidade e violação do princípio da verdade material em que assenta o relatório inspetivo e a circunstância de os Recorridos terem agido com dolo e culpa grave não se subsumem em questões de conhecimento oficioso do tribunal ad quem.
8. Como tal, estes fundamentos de Recurso não podem ser apreciados pelo tribunal ad quem;
9. Em decorrência direta deste facto, o único fundamento de Recurso legalmente apreciável
reconduz-se à questão do pretenso erro de julgamento em matéria de direito quanto à incompetência material do tribunal a quo para conhecer do mérito da causa;
10. Nesta perspetiva, o TCAS não é o tribunal materialmente competente para apreciar o
presente Recurso;
11. Aquele pretenso erro de julgamento prende-se unicamente com a discussão da interpretação em torno das normas jurídicas aplicáveis ao caso vertente;
12. Como tal, o Recurso deveria ser dirigido ao STA, dado que só este tem competência para
conhecer de recursos cuja discussão se prende exclusivamente com questões de direito;
13. Porém, não se encontram reunidos os pressupostos consignados no artigo 151.° do CPTA
para a admissão do recurso de per saltum;
14. Por um lado, o Recurso não incidiu sobre uma decisão de mérito, dado que o tribunal a quo
julgou verificada a exceção suscitada pelos Recorridos;
15. Por outro lado, tendo tribunal a quo fixado à ação o valor de € 419.000,00, tal montante é inferior ao valor de € 500.000,00 estabelecido na lei;

~ II ~
16. Em segundo lugar, alega o Recorrente que o tribunal a quo incorreu em erro de julgamento
em matéria de direito ao concluir pela sua incompetência material para conhecer do mérito da causa, dado que a jurisdição administrativa e fiscal é competente para dirimir os litígios nos quais devam ser conjuntamente demandadas as entidades públicas (in casu, o Ministério Público) e particulares (in casu, os Recorridos) que concorreram em conjunto para a produção dos mesmos danos;
17. Sobre esta matéria a Jurisprudência vem assumindo um entendimento muito claro e pacífico, o qual, de forma alguma, deve ser aqui alvo de desvio;
18. A atuação dos Recorridos decorre da atividade do Ministério Público, o qual notificou a Direção de Finanças de Leiria (serviço onde os Recorridos prestavam funções) para desenvolver o competente inquérito (n.° 9317/11.2TMAGR), do qual resultou a elaboração de um relatório inspetivo;
19. A responsabilidade civil extracontratual que o Recorrente pretendia efetivar na ação não radica em qualquer facto ilícito que tivesse sido praticado pelos Recorridos no exercício da função administrativa adstrita à Autoridade Tributária e Aduaneira;
20. No limite, o alegado facto ilícito reportar-se-ia à atuação dos Recorridos (enquanto funcionários da Autoridade Tributária e Aduaneira) no âmbito de um inquérito penal dirigido pelo Ministério Público;
21. Logo, a apreciação dos factos não cabe à jurisdição administrativa e fiscal, porquanto não
estamos perante atos praticados no âmbito da atividade administrativa, mas, sim, atos que pretendem facilitar e promover o inquérito criminal;
22. O artigo 4.°/3-c) do ETAF é absolutamente claro quanto a esta matéria, ao estabelecer que «está nomeadamente excluída do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham por objeto a impugnação de (...) Atos relativos ao inquérito e instrução criminais, ao exercício da ação penal e à execução das respetivas decisões»;
23. A mesma clareza resulta da Jurisprudência produzida sobre esta problemática (cfr. acórdão do Tribunal dos Conflitos, proferido no processo n.° 05/11, a 2011-09-22; acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido no processo n.° 06763/10, a 2015-06-25); e acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, proferido no processo n.° 00484/12.4BECBR, a 2015-01-16).
24. Forçoso é concluir que a sentença colocada em crise pelo Recorrente não merece qualquer
censura jurídica, pois está em sintonia com a Lei e a Jurisprudência, devendo, por isso, permanecer na ordem jurídica.”

Foi proferido despacho pelo qual o Tribunal a quo considerou que o recurso se limitava à questão da incompetência absoluta, que o Tribunal Central Administrativo Sul é o competente para a apreciação do recurso e admitindo o recurso, com subida imediata, nos próprios autos e efeito suspensivo.

O Ministério Público proferiu parecer pugnando pela improcedência do recurso.

Sem vistos, mas com envio prévio do projeto de Acórdão aos Senhores Juízes Desembargadores Adjuntos, o processo foi submetido à conferência para julgamento.

II. Da competência em razão da hierarquia

Em sede de contra-alegações de recurso vieram os Recorridos L…, A… e J… sustentar que, na medida em que o único fundamento (admissível) de recurso se reconduz ao erro de julgamento em matéria de direito quanto à incompetência material do tribunal a quo para conhecer do mérito da causa, este TCA Sul não é o tribunal competente para a sua apreciação, devendo o recurso ser dirigido ao Supremo Tribunal Administrativo a quem cabe apreciar recursos cuja discussão se prende exclusivamente com questões de direito [artigos 12.º e 26.º-b) do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (“ETAF”)]. Contudo, invocam, ainda, que afinal não poderia haver lugar a recurso per saltum por o valor da causa não ser superior a 500.000,00 €.
Desde logo se revela à evidência a contradição em que incorrem os Recorridos quando, simultaneamente, defendem estarmos perante um recurso per saltum e sustentam que o mesmo não é admissível.
Considerando que, nos termos do art. 13.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), o âmbito da jurisdição administrativa e a competência dos tribunais administrativos é de ordem pública e o seu conhecimento precede o de qualquer matéria, a primeira questão a apreciar respeita à competência em razão da hierarquia – e não da matéria - deste Tribunal para apreciar o presente recurso.
Dispõe-se no art. 24.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais:
“Compete à Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo conhecer:
(…)
i) De outros processos cuja apreciação lhe seja deferida por lei.
2 - Compete ainda à Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo conhecer dos recursos de revista sobre matéria de direito interpostos de acórdãos da Secção de Contencioso Administrativo dos tribunais centrais administrativos e de decisões dos tribunais administrativos de círculo, segundo o disposto na lei de processo.”
Por seu turno, prescreve o art. 37.º, al. a), do mesmo diploma que:
“Compete à Secção de Contencioso Administrativo de cada tribunal central administrativo conhecer:
a) Dos recursos das decisões dos tribunais administrativos de círculo para os quais não seja competente o Supremo Tribunal Administrativo, segundo o disposto na lei de processo;”.
Considerando a remissão destes normativos para a lei de processo, prevê o art.º 151.º do CPTA o recurso per saltum dispondo que,
“1 - Os recursos interpostos de decisões de mérito proferidas por tribunais administrativos de círculo são da competência do Supremo Tribunal Administrativo quando as partes, nas alegações, suscitem apenas questões de direito e o valor da causa seja superior a 500 000 (euro) ou seja indeterminada, designadamente nos processos de declaração de ilegalidade ou de condenação à emissão de normas.
2 - O disposto no número anterior não se aplica a processos respeitantes a atos administrativos em matéria de emprego público ou relacionados com formas públicas ou privadas de proteção social.”
Destes dispositivos emerge que os tribunais centrais administrativos são incompetentes, em razão da hierarquia, sendo para o efeito competente a secção de contencioso administrativo do Supremo Tribunal Administrativo, para apreciar recursos das decisões proferidas pelos tribunais administrativos de círculo quando, cumulativamente - basta que não se verifique um deles para que o recurso não possa ser admitido -, se verifiquem os seguintes pressupostos,
a) Estar em causa uma decisão de mérito;
b) As partes, nas alegações, suscitam apenas questões de direito;
c) O valor da causa é superior a 500 000 (euro) ou indeterminado;
d) Não se trate de processo respeitantes a atos administrativos em matéria de emprego público ou relacionados com formas públicas ou privadas de proteção social.
Nos termos do art. 96.º al. a) do CPC ex vi art. 1.º do CPTA, a infração das regras de competência em razão da hierarquia determina a incompetência absoluta do tribunal.
Como se deu nota no Ac. do STA de 1.7.2021, proferido no processo 01142/19.4BELSB-R1, “[p]or decisão de mérito entende-se necessariamente uma decisão que admita conhecer o pedido e conceda ou recuse a tutela jurisdicional requerida por razões substantivas”.
No caso dos autos, a sentença recorrida não apreciou do mérito da causa, concretamente da pretensão indemnizatória deduzida pelo A./Recorrente, antes conheceu de uma questão de forma, concretamente a (in)competência em razão da matéria dos tribunais administrativos, que julgou verificada, absolvendo os Recorridos da instância.
Acresce que à causa foi atribuído o valor de 419.000,00 €, portanto inferior ao previsto no artigo 151.º, n.º 1 do CPTA.
Ou seja, não se verificam dois dos pressupostos de que dependeria a competência do Supremo Tribunal Administrativo para a apreciação per saltum do mérito do recurso. Daí que, em termos hierárquicos, seja inegável a competência deste TCA Sul para a apreciação do recurso, nos termos do artigo 37.º, al. a) do ETAF.

III. Do objeto do recurso

Considerando que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do apelante, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (cfr. artigos 144.º, n.º 2 e 146.º, n.º 4 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), 608.º, n.º2, 635.º, nºs 4 e 5 e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC ex vi artigos 1.º e 140.º do CPTA), a questão que a este Tribunal cumpre apreciar é a de saber se o despacho saneador recorrido padece de erro de julgamento de direito quanto à decisão de incompetência material dos tribunais administrativos e fiscais.
Sendo caso disso, mostrando-se preenchidos os pressupostos para o conhecimento em substituição nos termos do artigo 149.º do CPTA, caberá apreciar as demais questões suscitadas nos autos.

IV. Fundamentação de facto

Não se fixaram factos na sentença recorrida.

V. Fundamentação de direito

1. Da incompetência material


A sentença recorrida, apreciando a exceção de incompetência material invocada em sede de contestação, julgou a jurisdição administrativa materialmente incompetente para a apreciação da causa, considerando, em suma, que residindo a pretensão do Autor na condenação dos Réus ao pagamento da quantia de 419.000,00 € com fundamento no instituto da responsabilidade civil extracontratual, a causa de pedir centra-se num conjunto de atuações dos Réus que aquele considera violadoras de preceitos legais e que ocorreram no âmbito de um processo de inquérito, ou seja, em que o procedimento inspetivo iniciado com a Ordem de Serviço n.º OI201200313 em 9 de fevereiro de 2012 tem origem numa requisição efetuada pelo Núcleo de Inquéritos Criminais da Direção de Finanças em 31 de janeiro de 2012. Donde, na medida em que o facto ilícito no qual o Autor sustenta a sua pretensão insere-se no procedimento de inquérito no âmbito do qual foi determinado o procedimento inspetivo e delegada a competência pelo Magistrado do Ministério Público do Tribunal de Leiria para realizar todas as diligências de investigação, em conformidade com o vertido no artigo 40.º do RGIT, considerou que o litígio não se enquadraria na competência dos Tribunais Administrativos, mormente no artigo 4.º, n.º 1, alíneas f), g) e h) do ETAF, pois não se integra no âmbito do exercício da função administrativa, mas, antes, no âmbito da ação penal em que os Réus agiram ao abrigo de competências delegadas pelo Ministério Público na qualidade de órgão constitucionalmente incumbido da mesma que não só dirigiu o inquérito, como geriu a ação penal, mormente no que respeita aos prazos de duração do mesmo.
O Recorrente insurge-se contra a sentença recorrida sustentando, em suma, que a jurisdição administrativa e fiscal é competente para dirimir os litígios no âmbito das relações jurídicas administrativas, nos quais devam ser conjuntamente demandadas as entidades públicas e particulares que concorreram em conjunto para a produção dos mesmos danos.
Nos termos do art. 13.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) o âmbito da jurisdição administrativa e a competência dos tribunais administrativos é de ordem pública e o seu conhecimento precede o de qualquer matéria.
A competência material dos tribunais administrativos trata-se de exceção dilatória de conhecimento oficioso, a todo o tempo, que determina a absolvição da instância, sem prejuízo da possibilidade de propor outra ação sobre o mesmo objeto (arts. 96.º, 97.º, n.º 1, 99.º, n.º 1, 278.º, n.º 1, al. a), 279.º, 576.º, n.º 1 e 2, 577.º, al. a), 578.º do CPC ex vi art. 1.º do CPTA).
Em conformidade com o preceituado nos arts. 211.º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa (CRP), 40.º, n.º 1 da Lei de Organização do Sistema Judiciário e 64.º do CPC vigente, os tribunais judiciais são os tribunais comuns em matéria cível e criminal e exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais.
“Ou seja, os tribunais judiciais, constituindo os tribunais regra dentro da organização judiciária, gozam de competência não discriminada, por isso sendo chamados de competência genérica, gozando os demais, tribunais especiais, de competência limitada às matérias que lhes são especialmente cometidas. Que o mesmo é dizer que a competência dos tribunais judiciais se determina por um critério residual, ou de exclusão de partes - tudo o que não estiver atribuído aos tribunais especiais (cfr. Profs. Palma Carlos (in “CPC Anotado”, pags. 230) e A. dos Reis (in “Comentário”, Vol. I, pags. 146 e segs) e Ac. Rel. de Coimbra de 21/10/2008, onde foi relator Gregório da Silva Jesus).” (Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra de 12.9.2017, proferido no processo 1021/16.7T8GRD.C1).
Já de acordo com o art. 212.º, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa e art. 1.º, n.º 1 do ETAF os tribunais da jurisdição administrativa e fiscal são os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo, nos litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais. Sendo certo que, no seio da jurisdição, a competência dos tribunais administrativos e dos tribunais fiscais para o conhecimento das pretensões perante os mesmos deduzidas está repartida em função dos litígios serem emergentes, respetivamente, de relações jurídicas administrativas ou de relações jurídicas fiscais.
A competência dos tribunais administrativos pressupõe, pois, que o litígio a dirimir emirja de uma relação jurídica administrativa, entendendo-se esta como aquela que, «por via de regra, confere poderes de autoridade ou impõe restrições de interesse público à Administração perante os particulares, ou que atribui direitos ou impõe deveres públicos aos particulares perante a Administração» (Cfr. Freitas do Amaral, “Curso de Direito Administrativo”, Vol. II, 2001, pags. 518) (...), outro não sendo o entendimento de J. C. Vieira de Andrade, quando, depois de afirmar que à justiça administrativa só interessam «as relações jurídicas administrativas públicas, ou seja, aquelas que são reguladas por normas de direito administrativo», acentua que devem ser consideradas relações jurídicas administrativas «aquelas em que um dos sujeitos, pelo menos, seja uma entidade pública ou uma entidade particular no exercício de um poder público, actuando com vista à realização de um interesse público legalmente definido» (in “A Justiça Administrativa” - Lições, 3ª Ed., 2000, pags. 79)”.
Nos termos do artigo 4.º, n.º 1 do ETAF compete aos tribunais administrativos a apreciação de litígios que tenham por objeto questões relativas a responsabilidade civil extracontratual das pessoas coletivas de direito público, incluindo por danos resultantes do exercício das funções política, legislativa e jurisdicional, sem prejuízo do disposto na alínea a) do n.º 4 do presente artigo [al. f)] e responsabilidade civil extracontratual dos titulares de órgãos, funcionários, agentes, trabalhadores e demais servidores públicos, incluindo ações de regresso [al. g)].
Prevendo-se no n.º 2 do artigo 4.º do ETAF que “[p]ertence à jurisdição administrativa e fiscal a competência para dirimir os litígios nos quais devam ser conjuntamente demandadas entidades públicas e particulares entre si ligados por vínculos jurídicos de solidariedade, designadamente por terem concorrido em conjunto para a produção dos mesmos danos ou por terem celebrado entre si contrato de seguro de responsabilidade”.
Exclui-se do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham por objeto a impugnação de “atos relativos ao inquérito e instrução criminais, ao exercício da ação penal e à execução das respetivas decisões” [n.º 3 al. c)] e “das ações de responsabilidade por erro judiciário cometido por tribunais pertencentes a outras ordens de jurisdição, assim como das correspondentes ações de regresso” [n.º 4 al. a)].
A este respeito cumpre atentar ao Ac. do Tribunal de Conflitos de 23.5.2023, proferido no processo n.º 0785/22.3T8PVZ.S1, considerando a jurisprudência desse Tribunal,
«Decidiu-se no acórdão do Tribunal dos Conflitos, de 10 de Março de 2011, www.dgsi.pt, processo n.º 013/10:
«Na verdade, como escrevemos no citado acórdão do Tribunal de Conflitos de 29- 11-2006, “hoje, é pacífico o entendimento jurisprudencial, na linha deste último aresto, de que estando em causa a responsabilidade emergente da função de julgar, a competência cabe aos tribunais judiciais, pois os actos e actividades próprias dos juízes na sua função de julgar são praticados no exercício específico da função jurisdicional e não da função administrativa; todos os outros actos e omissões de juízes, bem como toda a actividade e actuação dos restantes magistrados, órgãos e agentes estaduais que intervenham na administração da justiça, em termos de relação com os particulares ou outros órgãos e agentes do Estado, e, portanto, sejam estranhos à especifica função de julgar, inscrevem-se nos conceitos de actos e actividades administrativas ou de “gestão pública administrativa”, da competência da jurisdição administrativa - (cfr. entre outros, além do supra transcrito aresto de 12-05-1994, os acórdãos deste Tribunal de Conflitos de 23-01-2001, Conflito n.° 294, e de 21-02-06, Conflito n° 340, e, ainda, entre outros, os Acórdãos do STA de 13.02.1996, Proc. n°38.474, in AP DR de 31-8-98, 1095; de 15.10.98, Proc. n° 36.811; de 12.10.2000, Proc. n.° 45.862, in AP DR de 12-2-2003, 7360; de 12.10.2000, Proc. n.° 46.313, in AP DR de 12-2-2003, 7378; e de 22-05-2003, Proc. n.° 532/03).
De referir ainda que, “o novo ETAF (aprovado pela Lei n.° 13/2002, de 19 de Fevereiro) unificou a jurisdição no tocante à responsabilidade civil extracontratual das pessoas colectivas de direito público, desinteressando-se da questão de saber se o direito de indemnização provém de acto de gestão pública ou de gestão privada, e, do mesmo modo, integrou no âmbito da jurisdição administrativa a responsabilidade por danos resultantes do exercício da função política e legislativa, bem como a resultante do deficiente funcionamento da administração da justiça, dissipando todas as dúvidas que pudessem colocar-se, no futuro, quanto à fronteira entre a jurisdição dos tribunais administrativos e dos tribunais comuns (cfr. artigo 4°, n.° 1, alínea g)” - acórdão do Tribunal de Conflitos de 18-12-2003, Proc.° n.° 15/03.
Ora no caso em apreço, como refere a decisão da 2ª Vara Cível, não está em causa a responsabilidade derivada da função de julgar, que o A. nem refere na petição inicial, mas tão só a ineficiência da actuação dos órgãos do Estado encarregados da investigação criminal que, na óptica do A., não procederam às diligências de investigação da queixa crime apresentada contra os denunciados.
Assim sendo, está-se no âmbito das relações jurídicas administrativas que se podem estabelecer entre a administração judiciária e os particulares na administração da justiça e não no âmbito da específica função de julgar, designadamente de qualquer erro judiciário, pelo que de acordo com a jurisprudência acima citada, e nos termos dos artigos 1°, n.° 1, e 4º, n.° 1, al. g) do ETAF, e 212, n.° 3, da CRP, há que concluir que incumbe aos tribunais administrativos o julgamento da acção de responsabilidade civil extracontratual intentada contra o Estado.»
No mesmo sentido, veja-se o acórdão do Tribunal dos conflitos de 28 de Junho de 2018, www.dgsi.pt, processo n.º 04/18, cujo sumário se transcreve: “Compete à jurisdição administrativa conhecer da ação, instaurada contra o Estado, pedindo o pagamento de uma indemnização, por danos causados pela indevida delonga de processo crime que correu termos em Tribunal Judicial”.
Decidiu-se, também, no Acórdão do Tribunal dos Conflitos, de 5 de Maio de 2021, www.dgsi.pt, processo n.º 03461/20.8T8LRA.S1:
[…]
Ou seja: há que saber se o pedido de indemnização formulado pelo autor tem como causa de pedir um “erro judiciário cometido por tribunais pertencentes” a ordem diversa da Ordem dos Tribunais Administrativos e Fiscais, mais precisamente, aos Tribunais Judiciais, uma vez que a omissão atribuída ao Ministério Público respeita a actos que teriam de ser praticados em tribunais judiciais (como entendeu o Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria), ou aos tribunais administrativos, por não estar em causa um acto (omissivo) atribuído a um juiz, mas sim ao Ministério Público (como decidiu o Juízo Central Cível de Lisboa). A exclusão destes últimos litígios explica-se por não se pretender deslocar a acção de responsabilidade para ordem diferente do tribunal a quem é atribuído o erro judiciário (cfr. José Carlos Vieira de Andrade, op. cit., pág 111, nota (204), que explica que a al) do n.o 4 do artigo 4.o exclui da jurisdição administrativa “o julgamento de responsabilidade por erro judiciário cometido por juízes de outras ordens de tribunais”, ou José Manuel Cardoso da Costa, Sobre o Novo Regime da Responsabilidade do Estado, Estudos em Homenagem a Manuel Henrique Mesquita, Coimbra, 2009, pág. 501 e segs., pág. 506: “Enquanto o apuramento da responsabilidade por danos causados, em geral, pela administração da justiça ficou deferido, qualquer que seja a ordem jurisdicional implicada, aos tribunais administrativos, já a apreciação da acção de responsabilidade por erro judiciário, bem como das correspondentes acções de regresso contra magistrados, foi cometida, e ficou confinada, à respectiva ordem de jurisdição (art. 4.º, nº 1, alínea f) e n.º 3, alínea a), do referido ETAF"; cfr. ainda o acórdão do Tribunal dos Conflitos de 21 de Outubro de 2014, www.dsgi.pt, processo nº 034/14: “(...) a competência do foro administrativo abrange as acções respeitantes à responsabilidade civil fundada na prática de quaisquer actos ou omissões no exercício da função jurisdicional, a qual reveste natureza administrativa – arts. 202º, n.º 1 e 212º, n.º 3 da CRP e art. 1º do ETAF –, acções essas nas quais se englobam as resultantes da deficiente administração da justiça, tais como as fundadas na infracção das regras processuais ou na demora nas decisões judiciais, sem prejuízo, porém, e de acordo com a interpretação, a contrario, daquele último normativo transcrito, da exclusão de tal competência relativamente às acções fundadas em erro judiciário que haja sido cometido por tribunais não integrados na jurisdição administrativa – vide Reforma do Contencioso Administrativo, Ministério da Justiça, 2003, pág. 13 e Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, anotado, dos Drs. Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira, págs. 59/60 e 67/68.”
No mesmo sentido, decidiu-se no já citado acórdão do Tribunal dos Conflitos de 10 de Março de 2011.
(...) Ora no caso em apreço, como refere a decisão da 2ª Vara Cível, não está em causa a responsabilidade derivada da função de julgar, que o A. nem refere na petição inicial, mas tão só a ineficiência da actuação dos órgãos do Estado encarregados da investigação criminal que, na óptica do A., não procederam às diligências de investigação da queixa crime apresentada contra os denunciados.
Assim sendo, está-se no âmbito das relações jurídicas administrativas que se podem estabelecer entre a administração judiciária e os particulares na administração da justiça e não no âmbito da específica função de julgar, designadamente de qualquer erro judiciário, pelo que de acordo com a jurisprudência acima citada, e nos termos dos artigos 1°, n.° 1, e 4º, n.° 1, al. g) do ETAF, e 212, n.° 3, da CRP, há que concluir que incumbe aos tribunais administrativos o julgamento da acção de responsabilidade civil extracontratual intentada contra o Estado.”
4. Nestes termos, entende-se que a exclusão operada pela al. a) do n.º 4 do artigo 4.º do ETAF apenas se aplica às acções de responsabilidade por erro judiciário atribuído a tribunais não integrados na Ordem dos Tribunais Administrativos e Fiscais, ou seja, no que agora releva, a erro atribuído a decisão judicial, o que não abrange acções de responsabilidade fundadas na alegação de actuações (por acção ou omissão) do Ministério Público, ainda que por ventura houvessem de ter lugar em tribunais judiciais.
Assim, compete à jurisdição administrativa e fiscal o julgamento da acção proposta por AA.”.
Igualmente, o acórdão do Tribunal dos Conflitos de 8 de Julho de 2021, www.dgsi.pt, processo n.º 02/20, pronunciou-se a propósito de uma acção com contornos semelhantes à dos presentes autos, nos seguintes termos:
“Ora, a acção em causa nos autos não visa a impugnação de qualquer acto ou decisão jurisdicional, traduzindo-se num simples pedido indemnizatório. Sublinhe-se que não estão em causa os próprios actos imputados à actuação do Ministério Público mas as suas consequências.
Importa, portanto, determinar se a acção, tal como foi configurada pelo autor se deve incluir na competência da jurisdição administrativa e fiscal (art. 4º, n.º 1, al. g) do ETAF na redacção anterior ao DL nº 214-G/2015) ou se estamos perante um erro judiciário cometido por tribunais pertencentes a outras ordens de jurisdição e, portanto, excluída da apreciação pelos tribunais administrativos e fiscais (art. 4º, no 3, al. a)).
(...) Ora no caso em apreço, como refere a decisão da 2ª Vara Cível, não está em causa a responsabilidade derivada da função de julgar, que o A. nem refere na petição inicial, mas tão só a ineficiência da actuação dos órgãos do Estado encarregados da investigação criminal que, na óptica do A., não procederam às diligências de investigação da queixa crime apresentada contra os denunciados.
Assim sendo, está-se no âmbito das relações jurídicas administrativas que se podem estabelecer entre a administração judiciária e os particulares na administração da justiça e não no âmbito da específica função de julgar, designadamente de qualquer erro judiciário, pelo que de acordo com a jurisprudência acima citada, e nos termos dos artigos 1º, n.º 1, e 4º, n.º 1, al. g) do ETAF, e 212, n.º 3, da CRP, há que concluir que incumbe aos tribunais administrativos o julgamento da acção de responsabilidade civil extracontratual intentada contra o Estado”.
Refira-se ainda o recente acórdão deste Tribunal dos Conflitos, de 05.05.2021, Proc. n.º 03461/20.8T8LRA.S1 (disponível em http://www.dgsi.pt) onde, em caso paralelo, se decidiu: “entende-se que a exclusão operada pela al. a) do n.º 4 do artigo 4.º do ETAF apenas se aplica às acções de responsabilidade por erro judiciário atribuído a tribunais não integrados na Ordem dos Tribunais Administrativos e Fiscais, ou seja, no que agora releva, a erro atribuído a decisão judicial, o que não abrange acções de responsabilidade fundadas na alegação de actuações (por acção ou omissão) do Ministério Público, ainda que por ventura houvessem de ter lugar em tribunais judiciais”.
Assim, é de concluir que as acções de responsabilidade que tenham por objecto a prática de um erro judiciário pertencem a diferentes âmbitos de jurisdição, consoante o erro seja atribuído a um tribunal da jurisdição comum ou da jurisdição administrativa e fiscal. Como tal, só estão excluídas do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal as acções de responsabilidade por erro judiciário cometido por tribunais pertencentes a outras ordens de jurisdição, bem como as correspondentes acções de regresso (cfr. al. a) do nº 3 do citado artigo do ETAF), estando nos outros casos atribuída aos tribunais administrativos a apreciação das acções de responsabilidade civil extracontratual contra o Estado.”
É esta jurisprudência que se reitera, uma vez que, também agora, e tendo presente o disposto no artigo 13.º, n.º 1, da Lei n.º 67/2007, não está em causa a alegação de um erro judiciário, mas antes de ineficiência da actuação do Ministério Público – uma omissão de conduta legalmente devida que, na óptica do autor, veio a ocasionar danos não patrimoniais indemnizáveis em sede de responsabilidade civil extracontratual do Estado.”»
Acrescente-se que se encontra estabilizada a jurisprudência quanto à competência (material) dos tribunais administrativos para conhecer as ações administrativas para efetivação de responsabilidade civil extracontratual, com fundamento em ilícito tributário.
É sabido que a competência afere-se em função dos termos da ação, tal como definidos pelo autor, a saber os objetivos, pedido e causa de pedir, e os subjetivos, respeitantes à identidade das partes (cfr. Acs. do Tribunal de Conflitos de 28.9.2010, P. 023/09 e de 20.9. 2011, P. 03/11).
Ou seja, a competência do tribunal, enquanto pressuposto processual que é, determina-se à data da entrada da ação e por referência à pretensão formulada e sustentada pelo autor ou requerente, tanto na vertente objetiva (pedido e causa de pedir), como na vertente subjetiva (relativa às partes). Assim, é tomando por base a relação material controvertida, tal como configurada pelo autor ou requerente, que a análise sobre a competência do tribunal deve ser levada a cabo.
Como se disse no Acórdão do Tribunal de Conflitos de 08.11.2018, Proc. 020/18, “[a] competência em razão da matéria é, assim, questão que se resolve em razão do modo como o autor estrutura a causa, e exprime a sua pretensão em juízo, não importando para o efeito averiguar quais deveriam ser os correctos termos dessa pretensão considerando a realidade fáctica efectivamente existente, nem o correcto entendimento sobre o regime jurídico aplicável - ver, por elucidativo sobre esta metodologia jurídica, o AC do Tribunal de Conflitos de 01.10.2015, 08/14, onde se diz, além do mais, que «o tribunal é livre na indagação do direito e na qualificação jurídica dos factos. Mas não pode antecipar esse juízo para o momento de apreciação do pressuposto da competência…»”.
Isto posto, a presente ação tem por objeto a efetivação da responsabilidade civil extracontratual dos Réus, Direção de Finanças de Leiria e funcionários da Administração Tributária no exercício de funções naquela.
De uma leitura aturada da petição inicial, e dos documentos juntos à mesma, afere-se, no essencial, que na sequência de uma denúncia relativa à sociedade G…, S.A. (nos termos do artigo 35.º do RGIT) foi instaurado, sob direção do Ministério Público ao abrigo do artigo 40.º, n.º 1 do RGIT, o processo de inquérito n.º 4/12.0IDLRA, relativamente a factos que poderiam consubstanciar crime tributário.
Nessa sequência, a Direção de Finanças de Leiria emitiu a OS2012200313 dando início a procedimento de inspeção tributária com vista ao apuramento do cumprimento das obrigações tributárias e verificação de infrações tributárias, prosseguindo, simultaneamente, em face dos poderes e funções de autoridades de polícia criminal e delegação da prática de atos de inquérito, nos termos do artigo 40.º, n.º 1 e 2 e 41.º, n.º 1 al. b) e 2 do RGIT, que recaem sobre os órgãos da administração tributária, a investigação no âmbito do inquérito criminal.
A alegação do A. assenta, por um lado, na adoção pelos RR. de comportamentos no âmbito do procedimento de inspeção tributária que reputa ilegais e, consequentemente, ilícitos, traduzidos na violação dos prazos de duração do processo inspetivo, dos princípios da colaboração da Administração com os particulares, da verdade material, da proporcionalidade, justiça e razoabilidade, dos artigos 13.º e 15.º do RCPITA, falta de fundamento para a prorrogação do prazo do procedimento inspetivo, erro nos pressupostos quanto às conclusões alcançadas em sede de projeto de relatório e relatório final nomeadamente quanto a afirmar que as condutas do sujeito passivo consubstanciam fraude qualificada, por solicitarem a intervenção da Polícia Judiciária para a verificação dos documentos contabilísticos e notificarem os seus clientes no âmbito de um processo crime.
E, por outro, sustenta que no âmbito do procedimento criminal, os RR. adotaram condutas ilícitas consubstanciadas no pedido formulado aos Serviços do Ministério Público de verificação de um ilícito criminal que determinou a abertura do processo de inquérito 4/12.0IDLRA sem que existisse auto de notícia, na imputação à sociedade de factos referentes à alienação do património com o intuito de frustrar créditos tributários que não correspondem à verdade, criação de processo fictício de fraude fiscal e branqueamento de capitais, sem bases, atribuindo-lhe um valor falso para que transitasse para a Polícia Judiciária, de que decorreu que o A. se ter visto confrontado com acusações infundadas e buscas pela Polícia Judiciária.
Condutas essas que advoga terem-lhe causado danos, referentes aos honorários e custas que suportou com advogados, diminuição de clientes na sociedade G…, danos morais, resultantes do desgaste na sua relação familiar, incerteza, angústia, inquietação e preocupação, cujo ressarcimento reclama.
Ou seja, o pedido indemnizatório sustenta-se, por um lado, em atuações dos órgãos e agentes da Administração Tributária no âmbito de um procedimento de inspeção tributária e, por isso, respeitante ao exercício da função administrativa no domínio tributário, em termos que se revela inegável a competência dos tribunais administrativos ao abrigo do artigo 4.º, n.º 1 als. f) e g) do CPTA.
Mas também assim sucede quanto às atuações desses órgãos e agentes da Administração Tributária no exercício das suas competências e funções de autoridade de polícia criminal e delegadas pelo Ministério Público no âmbito de processo de inquérito por crime fiscal.
É que nesse domínio da investigação criminal, a ação não respeita à impugnação de atos relativos ao inquérito e instrução criminais, ao exercício da ação penal e à execução das respetivas decisões cuja apreciação estivesse excluída da competência dos tribunais administrativos nos termos do artigo 4.º, n.º 3 al. c) do ETAF.
Nem tão pouco as atuações alegadas como determinantes da responsabilidade civil dos RR. configuram erro judiciário, não estando em causa a responsabilidade derivada da função de julgar, que o A. nem refere na petição inicial.
Antes se tratam de questões de responsabilidade resultantes do (mau) funcionamento da administração da justiça, in casu por referência às atuações (delegadas) da Administração Tributária no domínio da investigação de crimes tributários.
Estamos, pois, opostamente ao entendimento veiculado pela sentença recorrida, perante um conflito emergente de relação jurídica administrativa, que se subsume a causa à competência dos tribunais administrativos nos termos dos artigos 212.º, n.º 3 da CRP e artigos 1.º, n.º 1 e 4.º, n.º 1 als. f) e g) do ETAF.
Assiste, pois, razão ao Recorrente, mostrando-se verificado o erro de julgamento imputado à sentença recorrida, a qual deve ser revogada, julgando-se improcedente a exceção de incompetência ratione materiae dos tribunais administrativos.

*

Face à competência dos tribunais administrativos para a apreciação da causa, não dispondo este Tribunal dos elementos necessários à apreciação, em substituição nos termos do artigo 149.º do CPTA, da demais matéria de exceção invocada e, sendo caso disso, do mérito da causa, impõe-se determinar a baixa dos autos ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria para que prossiga nos demais termos da causa.

2. Da condenação em custas


Sem custas pelos Recorridos L…, A… e J…, atenta a isenção de que beneficiam nos termos da al. d) do n.º 1 do artigo 4.º da RCP.
Custas pelos Recorridos, Direção de Finanças de Leiria e Fidelidade (n.ºs 1 e 2 do artigo 527.º do Código de Processo Civil, aplicável por força do disposto no artigo 1.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos), não sendo devida taxa de justiça pela Recorrida, Direção de Finanças de Leiria, por não ter contra-alegado.


V. Decisão

Nos termos e pelos fundamentos expostos,
a. Concede-se provimento ao recurso e, em consequência, revoga-se a sentença recorrida, julgando-se improcedente a exceção de incompetência material dos tribunais administrativos e determina-se a baixa dos autos ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria para que prossiga nos demais termos da causa.
b. Condenam-se em custas os Recorridos, Direção de Finanças de Leiria e Fidelidade, não sendo devida taxa de justiça pela primeira por não ter contra-alegado.

Mara de Magalhães Silveira
Ana Cristina Lameira
Ricardo Ferreira Leite