Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 775/19.3BELSB |
![]() | ![]() |
Secção: | CA |
![]() | ![]() |
![]() | ![]() |
Data do Acordão: | 09/10/2020 |
![]() | ![]() |
Relator: | PAULA DE FERREIRINHA LOUREIRO |
![]() | ![]() |
Descritores: | ASILO- RETOMA A CARGO DINAMARCA; APLICAÇÃO DO REGULAMENTO DUBLIN PELA DINAMARCA PRINCÍPIO DA NÃO REPULSÃO NO DIREITO EUROPEU- ARTIGOS 3.º CEDH E 4.º E 19.º/2 CDFUE |
![]() | ![]() |
Sumário: | I- O Reino da Dinamarca, não obstante encontrar-se numa posição de exceção no tocante à aplicação do Regulamento Dublin (considerando 42 do Regulamento Dublin- artigos 1.º e 2.º do Protocolo n.º 22 relativo à posição da Dinamarca, anexo ao TUE e ao TFUE) entendeu, ainda no domínio da anterior regulamentação Dublin, tornar esta regulação operativa e eficaz em território dinamarquês por via da celebração, em 21/02/2006, de um Protocolo com a então Comunidade Europeia, por via do qual alarga à Dinamarca o disposto no Regulamento (CE) n.º 343/2003 do Conselho e no Regulamento (CE) n.º 2725/2000 do Conselho, relativo à criação do sistema «Eurodac», Protocolo este que foi aprovado pela decisão do Conselho 2006/188/CE, de 21/02/2006. II- Com a revisão da regulamentação Dublin anteriormente vigente (Regulamento (CE) n.º 343/2003 do Conselho, de 18 de fevereiro de 2003), levada a cabo pelo atual Regulamento Dublin- Regulamento (EU) n.º 604/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho-, e nos termos do art.º 3.º do Protocolo citado, o Reino da Dinamarca aprovou, em 26/12/2013, a Lei n.º 1619 de 26/12/2013, que entrou em vigor em 01/01/2014, nos termos da qual implementou a aplicação do novo Regulamento Dublin em território dinamarquês. III- Sendo assim, o Regulamento Dublin é também aplicado pelo Reino da Dinamarca, que se submete inteiramente ao regime aí inserto, bem como, mormente, à Jurisdição do Tribunal de Justiça da União Europeia no tocante à interpretação e aplicação do regime Dublin. IV-.A atuação do Estado no âmbito do procedimento de retoma a cargo instituído pelo Regulamento de Dublin (corporizado pelo Regulamento (EU) n.º 604/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013) não é estritamente vinculada, no sentido de que ocorre impedimento absoluto de análise de um pedido de proteção internacional se o requerente já tiver formulado pedido similar noutro Estado-Membro. Com efeito, basta atentar no disposto no art.º 17.º do Regulamento de Dublin para, sem qualquer dificuldade, percecionar que, independentemente das regras e dos critérios que dimanam dos art.ºs 3.º e 7.º a 15.º do citado Regulamento, o Estado-Membro pode sempre “decidir analisar um pedido de proteção internacional que lhe seja apresentado por um nacional de um país terceiros ou por um apátrida, mesmo que essa análise não seja da sua competência por força dos critérios definidos no presente regulamento” (cfr. art.º 17.º, n.º 1). V- Tendo sido definitivamente indeferido o pedido de proteção internacional apresentado pelo Recorrente no Reino da Dinamarca, não é aplicável ao caso dos autos o art.º 3.º, n.º 2 do Regulamento Dublin, antes se impondo a indagação quanto à respetiva- e possível- subsunção do caso versado no art.º 33.º da Convenção de Genebra, bem como no art.º 3.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e nos art.ºs 4.º e 19.º, n.º 2 da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia. VI- A questão que se coloca neste domínio é a da possibilidade do caso versado consubstanciar uma situação em que a devolução do Recorrente não deve suceder por força do princípio do non refoulement, que deve, inclusivamente, ser aplicado aos casos das transferências realizadas ao abrigo da regulação Dublin, sempre que o caso concreto seja alusivo à possibilidade do transferido vir a sofrer o risco sério de ficar sujeito a tratamentos degradantes ou desumanos, na aceção dos art.ºs 3.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e 4.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (neste sentido, veja-se, em especial, as considerações insertas nos pontos 341 a 359 do Acórdão promanado pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem em 21/01/2011, no processo M.S.S. vs Bélgica e Grécia, Queixa n.º 30696/09). VII- Os relatos fornecidos pelos requerentes de asilo devem ser valorizados em termos de avaliação do risco do requerente de vir a ser sujeito, eventualmente, a tratamento desumano ou degradante, por ausência de suporte material que lhe assegure as mínimas condições de sobrevivência, mormente, em termos de assistência médica, alojamento e alimentação. Recorde-se, a este propósito, a pronúncia do Tribunal de Justiça da União Europeia, corporizada pelo Acórdão proferido em 19/03/2019, no processo n.º C-163/17, na parte em que explicita o grau de gravidade relevante para efeitos de obstaculizar a uma transferência ao abrigo do Regulamento Dublin. VIII- Aos órgãos jurisdicionais dos Estados-Membros compete, por um lado, indagar, mesmo oficiosamente, da observância e adequada aplicação do direito da União Europeia, em concretização do princípio da efetividade do direito europeu- e seus corolários, incluindo as inerentes consequências processuais-, e, por outro lado, assegurar a concretização do preceituado no art.º 47.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia. IX- Realça-se, nesta mesmíssima direção, a Jurisprudência editada pelo Tribunal de Justiça da União Europeia no que se refere à substanciação do direito a um recurso efetivo, inscrito no art.º 47.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, preceito este que norteia a interpretação que aquele Tribunal tem conferido ao art.º 46.º da Diretiva 2013/32/EU, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, e que é diretamente aplicável ao Regulamento Dublin, conforme dimana dos considerandos 12 e 19 deste Regulamento e do considerando 54 daquela Diretiva. X- Com efeito, a Instância da União Europeia tem vindo a afirmar que os órgãos jurisdicionais dos Estados-Membros devem proceder a uma “análise exaustiva e ex nunc da matéria de facto e de direito” do caso, aqui se incluindo a avaliação do risco dos transferidos ao abrigo do Regulamento Dublin virem a sofrer tratamento desumano ou degradante no Estado-Membro responsável (entre vários outros, Acórdãos proferidos em 19/03/2020, nos processos C-564/18, LH vs BMH, e C-406/18, PG vs BMH, e em 29/07/2019, no processo C-556/17, Torubarov). Refira-se, aliás, que esta Jurisprudência do Tribunal de Justiça no que se refere à intensidade e amplitude dos deveres dos órgãos jurisdicionais dos Estados-Membros em matéria de asilo constitui, simplesmente, uma apropriação da linha jurisprudencial anteriormente firmada pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, citando-se, exemplificativamente, o Acórdão desta Instância de 28/11/2011, Sufi e Elmi vs Reino Unido, Queixas n.º 8319/07 e 11449/07 (especialmente, as considerações contidas nos pontos 212 a 219). XI- Atentando na Jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia, bem como considerando os específicos contornos do caso posto, e face à informação disponível nos autos e no processo administrativo, bem como a outra informação pública de que nos socorremos, não é possível afirmar que o Recorrente corre o risco sério de vir a sofrer tratamento desumano ou degradante caso venha a ser transferido para o Reino da Dinamarca, uma vez que não se encontra atingido o “limiar de gravidade particularmente elevado” e que consequencie uma “situação de privação material extrema”, que não permita ao requerente de asilo “fazer face às suas necessidades mais básicas, como, nomeadamente, alimentar-se, lavar-se e ter alojamento, e que atente contra a sua saúde física ou mental ou a coloque num estado de degradação incompatível com a dignidade humana” (Acórdão proferido pelo TJUE em 19/03/2019, no processo n.º C-163/17). XII- Considerando a factualidade em discussão nos autos, apresenta-se absolutamente razoável e lógica a conclusão de que o Recorrente, caso seja transferido para a Dinamarca, será afastado coercivamente para o Iraque. Pelo que, não pode deixar de ser equacionada a possibilidade de ocorrer uma situação de proibição de refoulement, entendida no sentido de que o recâmbio do Recorrente para o seu país de origem pode acarretar um sério risco de o colocar na posição de ser sujeito a tratamento desumano ou degradante, nos moldes configurados pelos art.ºs 33.º, n.º 1 da Convenção de Genebra e 19.º, n.º 2 da CDFUE. XIII- Sendo o Recorrente um cidadão Iraquiano, proveniente de Mossul, e valorizando o manancial informativo exposto, impera concluir que o retorno do Recorrente ao Iraque pode, efetivamente, constituir um sério risco de o colocar em situação de sujeição a tratamento desumano ou degradante, ou de ameaça à sua vida ou integridade física, não estando, sequer, afastado o risco de vir a sofrer tortura ou mesmo a morte, dependendo do respetivo perfil individual, nomeadamente, sendo árabe, se for sunita, ou se pertencer a alguma outra minoria étnica ou religiosa. Similarmente, o risco de tortura, morte, ou tratamento desumano ou degradante não pode ser afastado do horizonte de possibilidades, tendo em atenção a área geográfica donde o Recorrente é oriundo, bem como de outras particularidades que possam conduzir a que o Recorrente possa ser percecionado como simpatizante, ou opositor, ao Estado Islâmico. XIV- Tomando em conta todas as considerações realizadas antecedentemente sobre a situação no Iraque e, particularmente na província de Nínive e na zona de Mossul, constata-se que os elementos factuais disponibilizados nos autos e no processo administrativo não permitem, sequer indiciariamente, averiguar da possibilidade de retorno do Recorrente ao Iraque e à província de Nínive, para efeitos de avaliação do grau do risco do Recorrente poder vir a ser sujeito a tortura ou a tratamentos desumanos ou degradantes, ou avaliar, até, se poderá sofrer risco de morte. XV- Efetivamente, tal avaliação implica um conhecimento aprofundado- tanto quanto possível- do perfil pessoal do Recorrente, mormente, em termos geográficos, religiosos, políticos, económicos e sociais, incluindo background familiar, apoio familiar existente no Iraque, competências profissionais, etc. Sucede, todavia, que os autos, bem como o processo administrativo, são muitíssimo parcos no que concerne a outra informação que não seja a atinente aos registos Eurodac e à tramitação essencial para proferimento da decisão de transferência do Recorrente para a Dinamarca. XVI- Sendo assim, cumpre proceder a uma adequada instrução do procedimento, por forma a que o Recorrido adquira toda a informação relevante sobre a situação e perfil pessoal do Recorrente, bem como sobre a situação vivenciada atualmente no Iraque, com especial destaque e relevância para a informação e orientação fornecida pelas agências internacionais na matéria, incluindo a agência europeia vocacionada para esta matéria- o Gabinete Europeu de Apoio em Matéria de Asilo (EASO- European Asylum Support Office), e que constitui uma agência europeia, que atua como um centro de conhecimento especializado em matéria de asilo, prestando igualmente apoio aos Estados Membros-, bem como o Conselho Português para os Refugiados- que, entre outras entidades, coopera com o ACNUR- Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados, e que é membro do Conselho Europeu para os Refugiados e Exilados (ECRE- European Council on Refugees and Exiles). XVII- Ou seja, salvaguardada a decisão de inadmissibilidade do pedido de asilo, deve o Recorrido retomar o procedimento administrativo, realizando uma instrução apta a clarificar toda a situação pessoal e perfil do Recorrente, bem como a informação relevante do país de origem do Recorrente, por forma a aquilatar da aplicabilidade do princípio da não repulsão ao caso do Recorrente. |
![]() | ![]() |
![]() | ![]() |
Votação: | MAIORIA - VOTO DE VENCIDO |
![]() | ![]() |
![]() | ![]() |
![]() | ![]() |
![]() | ![]() |
Aditamento: | ![]() |
1 | ![]() |
Decisão Texto Integral: | Acordam, em Conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: I. RELATÓRIO A….. (Recorrente), vem interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa em 30/06/2019, que julgou improcedente a ação administrativa especial urgente proposta contra o Ministério da Administração Interna- Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (Recorrido), mantendo o ato por este proferido em 08/04/2019, nos termos do qual o pedido de proteção internacional formulado pelo Recorrente foi considerado inadmissível, sendo determinada a transferência deste para a Dinamarca. As alegações de recurso oferecidas pelo Recorrente culminam com as seguintes conclusões: «CONCLUSÕES: B) No que se refere à decisão proferida pela Directora Nacional do SEF, a páginas 9 da douta sentença, é feita referência ao Processo n.º ….., cujo Recorrente é T….., nacional da Guiné-Bissau, cujo Estado responsável é Itália. C) Ora este processo não diz respeito ao Recorrente. D) Esse processo define como estado responsável e para retoma a cargo as autoridades Italianas, Estado este que assinou o Regulamento de Dublin. E) Porém, este Regulamento de Dublin não é aplicável ao caso em apreço, pois a Dinamarca não o assinou, nem o adoptou. F) Veja-se o Considerando n.º 42 do Regulamento n.º 604/2013 “Nos termos dos artigos 1º e 2º do Protocolo n.º 22 relativo à posição da Dinamarca, anexo TUE e ao TFUE, a Dinamarca não participa na adopção do presente regulamento, pelo que este não a vincula nem lhe é aplicável” (ênfase nosso). G) O Estado Português poderia invocar o o Princípio da não repulsão, optando por não enviar o Recorrente para a Dinamarca. H) Só assim Portugal não compactua com a violação de direitos humanos consagrados na Convenção de Direitos do Homem. I) Ao ser tomado a cargo pela Dinamarca, o Recorrente será enviado para um campo de refugiados, viverá em condições desumanas, num lugar sobre lotado, sem condições de higiene, sem poder desenvolver qualquer actividade e apenas terá acesso a prostituição e a convites a enveredar por uma vida de crime. J) Refere a douta sentença que o Recorrente não fez prova apenas fez “alusão às deficiências sistémicas da Dinamarca no acolhimento de Recorrentes de asilo (…) nada consubstanciou ou expendeu, em termos concretos quanto ao risco real de ser sujeito a tratos desumanos ou degradantes”. K) Ora a esta prova deverá ser aplicado o .º 5 do artigo 4.º da Diretiva de Qualificação da EU (Diretiva do Conselho n.º 2011/95/EU, de 13.12) , valendo assim de prova as declarações credíveis do Recorrente. L) Ao não ser possível ao Recorrente fazer prova através de provas documentais ou outros meios deverá este ónus ser repartido com o examinador do pedido, devendo este conceder o benefício da dúvida caso as declarações sejam credíveis. M) Mas tal não aconteceu, não houve esta repartição de ónus, não houve tentativa de apurara se as suas declarações eram ou não credíveis (que são, bastando para tal ver as notícias). O) As declarações do Recorrente são credíveis, ele sabe o que o espera, uma vez que já viveu no campo de Kaershovedgard. P) O Estado Português poderá sempre averiguar quais as condições em que os seres humanos vivem nos campos de refugiados na Dinamarca. Q) Mas tal não aconteceu! R) O Tribunal a quo optou apenas por dizer que o Recorrente não fez prova. S) Motivo pelo qual se terá de entender que a decisão ora prejudicada padece do vício de falta de fundamentação. T) A obrigação de fundamentar constitui um importante sustentáculo da legalidade administrativa, e o direito à fundamentação constitui instrumento fundamental da garantia contenciosa, pois que é elemento indispensável na interpretação do ato administrativo. U) A douta sentença também por não se pronunciar sobre a não aplicação do art. 3º da Lei do Asilo, mais uma vez refere apenas que o Estado responsável é a Dinamarca. V) Conforme já vimos a Dinamarca não é responsável. Porque não adopta o Regulamento de Dublin. W) E de acordo com o artigo 3º o Estado português pode chamar a si a responsabilidade pelo Recorrente, podendo-lhe conceder asilo, já que refere expressamente que “os estrangeiros e os apátridas que, receando com fundamento ser perseguidos em virtude da sua raça, religião, nacionalidade, opiniões políticas ou integração em certo grupo social, não possam ou, por esse receio, não queiram voltar ao Estado da sua nacionalidade ou da sua residência habitual”. X) O Recorrente é natural Mosul, Iraque, cidade esta tomada pelo ISIS, organização que não pretende integrar, logo por aqui é evidente que o Recorrente tinha fundado receio de ser morto. Y) Voltando à Dinamarca resta-lhe viver privado da sua liberdade, sem que nada tenha feito apenas pelo facto de ser muçulmano!!! TERMOS em que, deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, e, em conformidade, deve a Douta Sentença proferida pelo Tribunal a quo ser revogada, ordenando-se a revogação da decisão do Exma. Senhora Diretor Nacional do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), de 8 de Abril de 2019, no âmbito do processo n.º 357/19, e em consequência, vir a ser concedido o direito de asilo, ou subsidiariamente o regime de proteção internacional. Assim se fazendo JUSTIÇA!» «II- DAS CONCLUSÕES 1ª Deve improceder o pedido de condenação do SEF de admissão do pedido de proteção internacional; 2ª De harmonia com o art.º 18.º n.º 1 b) do Regulamento (UE) 604/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho, e o art.º 37.º nº 1 da Lei de Asilo, o ora recorrido procedeu à determinação do Estado-Membro responsável pela análise do pedido de asilo, procedimento regido pelo art..º 36.º e seguintes da Lei 27/2008, de 30 de Junho (Lei de Asilo) tendo, no âmbito do mesmo, sido apresentado, aos 25/03/2019, pedido de retoma a cargo às autoridades dinamarquesas, que culminou com a aceitação, aos 06/04/2019, por parte das referidas autoridades; 3ª Consequente e vinculadamente, por despacho da Diretora Nacional do ora recorrido, proferido aos 08/04/2019,, nos termos dos art.ºs 19.º-A n.º 1 a) e 37.º n.º 2 da citada lei, foi o pedido considerado inadmissível e determinada a transferência do requerente para a Dinamarca, Estado- Membro responsável pela análise do pedido de Asilo nos termos do citado regulamento, motivo pelo qual o Estado português se torna apenas responsável pela execução da transferência nos termos dos art.ºs 29.º e 30.º do Regulamento de Dublin; 4ª O ora recorrido deu início ao procedimento especial de determinação do Estado responsável pela análise do pedido de asilo, que culminou com o apuramento de que essa responsabilidade pertencia à Dinamarca (cf. art.º 18.º n.º 1 b) do citado Regulamento (UE) 604/2013 e art.º 37.º n.º 1 da Lei n.º 27/2008 (Lei de Asilo)), que a aceitou, impondo a lei como consequência imediata (vinculada) que fosse proferido o ato de inadmissibilidade e de transferência; 5ª Acresce, nessa medida, que as alegações apresentadas pelo ora recorrente no pedido de proteção internacional não são sequer analisadas, uma vez que, nos termos do mesmo artigo 19.º-A, n.º 2, prescinde-se da análise das condições a preencher para beneficiar de proteção internacional; 6ª Nos termos previstos no Regulamento, nomeadamente o disposto no n.º 1, do artigo 18.º, o Estado português apenas é responsável pelas medidas de execução de transferência (cf. art.º 38.º da Lei n.º 27/2008, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 26/2014, de 05.05), as quais, por via do processo intentado pelo mesmo contra o SEF, ficam dependentes da decisão desse Tribunal; 7ª O Regulamento Dublin, no artigo 3.º, n.º 2, prevê, efetivamente, que "Caso seja impossível transferir um requerente para o Estado-Membro inidaímente designado responsável por existirem motivos válidos para crer que há falhas sistémicas no procedimento de asilo e nas condições de acolhimento dos requerentes nesse Estado-Membro, que impliquem o risco de tratamento desumano ou degradante na aceção do artigo 4. Da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, o Estado-Membro que procede à determinação do Estado-Membro responsável prossegue a análise dos critérios estabelecidos no Capítulo III afim de decidir se algum desses critérios permite que outro Estado-Membro seja designado responsável."; 8ª E nos termos do art.º 4° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (CDFUE) "Ninguém pode ser submetido a tortura, nem a tratos ou penas desumanos e degradantes”; 9ª Refira-se, assim, que o Regulamento (UE) n.º 604/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho de 26 de junho de 2013, criou critérios objetivos e equitativos quanto à determinação do Estado- Membro responsável pela análise de um pedido de proteção internacional, assegurando a igualdade de tratamento de todos os Requerentes e beneficiários de proteção internacional; 10ª Quer no tocante ao sistema de análise dos pedidos de asilo da Dinamarca, quer nos elementos constantes nos autos, inexistem quaisquer indícios que permitam concluir pela existência de falhas sistémicas no procedimento de Asilo e nas condições de acolhimento dos requerentes, que impliquem um risco de tratamento desumano ou degradante, ou que dadas as particulares condições do requerente a transferência implique um risco sério e verosímil de exposição a um tratamento contrário ao art.º 4.º da CDFUE, nem risco objetivo (direto ou indireto) de reenvio para o país de origem, para que Portugal não proferisse a decisão de transferência ora impugnada, motivos esses que o ora Recorrente não invocou quando efetuou pedido de proteção internacional; 11ª Verifica-se, quer do relato do A. quer das informações constantes do processo administrativo ou da petição inicial, que não resulta que as autoridades na Dinamarca sejam completamente alheias ou indiferentes às condições dos requerentes de proteção internacional, ao ponto de culminarem, no caso em apreço, numa situação de privação material extrema, que não lhe permitisse fazer face às suas necessidades mais básicas; 12ª Relativamente às condições de acolhimento no Estado-Membro responsável, a Dinamarca encontra-se vinculada pela Diretiva 2013/33/EU, do Parlamento e do Conselho, de 26 de junho de 2013, a qual estabelece normas em matéria de acolhimento dos requerentes de proteção internacional; 13ª Para melhor corroborar a posição do ora recorrente veja-se a argumentação do TACL no Processo n° 471/19.1 BESB "Em conformidade com a confiança mútua entre o Estados-Membros no âmbito do SECA, existe uma forte presunção e no que as condições materiais de acolhimento oferecidas aos requerentes de proteção internacional nos Estados-Membros serão adequadas, com respeito pelo Direito da União e pelo direito da União e pelos direitos fundamentais. Nesse sentido, vejam-se as considerações expendidas no Acórdão do Tribunal de Justiça, de 21/12/2011, proferido nos processos apensos nss C-411/10 e C-493/10."; 14ª Entendimento que foi vincado muito recentemente pelo TJUE em Acórdão de 19/03/2019, proferido nos apensos C-297/17, C-318/17, C-319/17 e C-438/17, “(...) No que respeita, em primeiro lugar, à situação referida no n.º 81 do presente acórdão, importa recordar que o direito da União assenta na premissa fundamental segundo a qual cada Estado-Membro partilha com todos os restantes Estados-Membros, e reconhece que estes partilham com ele, uma série de valores comuns nos quais a União se funda, como precisado no artigo 2.º TUE. Esta premissa implica e justifica a existência da confiança mútua entre os Estados-Membros no reconhecimento desses valores e, portanto, no reconhecimento desses valores e, portanto, no respeito pelo direito da União que os aplica, bem como no facto de que as respetivas ordens jurídicas nacionais estão em condições de fornecer uma proteção equivalente e efetiva dos direitos fundamentais reconhecidos pela Carta, nomeadamente nos artigos 1- e 4g desta, que consagram um dos valores fundamentais da União e dos seus Estados-Membros (Acórdão proferido na presente data, Jawo, C-163/17, n.º 80 e Jurisprudência referida).(…)”; 15ª Na mesma linha, veja-se sentença proferida pelo TACL, no Processo n.º 1741/18.1BELSB; 16ª No que respeita às condições de acolhimento no Estado-Membro responsável, este está vinculado pela Diretiva 2013/33/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, que estabelece normas em matéria de acolhimento dos requerentes de proteção internacional; 17ª Em conformidade com a confiança mútua entre os Estados-Membros no âmbito do SECA, existe uma forte presunção de que as condições materiais de acolhimento oferecidas aos requerentes de proteção internacional nos Estados-Membros serão adequadas, com respeito pelo Direito da União e pelos direitos fundamentais. Neste sentido, vejam-se as considerações expendidas no acórdão do Tribunal de Justiça, de 21/12/2011, proferido nos processos apensos n°5 C-411/10 e C-493/10 (disponível em www.curia.europa.eu) (...); 18ª No tocante ao sistema de análise dos pedidos de asilo da Dinamarca, afigura-se-nos curial que inexiste qualquer indício que permita concluir pela existência de falhas sistémicas no procedimento de Asilo, único óbice para que Portugal não proferisse a decisão de transferência ora impugnada; 20ª Com a devida vénia, cabe aqui apenas reiterar que a ora R. deu início ao procedimento especial de determinação do Estado responsável pela análise do pedido de asilo, que culminou com o apuramento de que essa responsabilidade pertencia à Dinamarca (cf. art.º 18.º, n.º 1 b) do citado Regulamento (UE) 604/2013 e art.º 37.º n.º 1 da Lei n.º 27/2008 (Lei de Asilo), impondo a lei como consequência imediata (vinculada) que fosse proferido o ato de inadmissibilidade e de transferência; 21ª Nos termos do Protocolo relativo à posição da Dinamarca, anexo ao TUE e ao TFUE, a Dinamarca não participa na adoção pelo Conselho das medidas relativas ao Título V do TFUE (com exceção das «medidas que determinem quais os países terceiros cujos nacionais devem ser detentores de visto para transporem as fronteiras externas dos Estados-Membros» e das «medidas relativas à criação de um modelo-tipo de visto»). Contudo, a Dinamarca aplica o atual Regulamento de Dublim, por força do Acordo entre a Comunidade Europeia e o Reino da Dinamarca relativo aos critérios e mecanismos de determinação do Estado responsável pela análise de um pedido de asilo apresentado na Dinamarca ou em qualquer outro Estado-Membro da União Europeia e ao sistema «Eurodac» de comparação de impressões digitais para efeitos da aplicação efetiva da Convenção de Dublim; 22ª Ao ora recorrido outra solução não restava que não fosse propalar a competente decisão de inadmissibilidade e de transferência, a qual não padece de qualquer vicio de facto ou de direito; 23ª O exposto demonstra a legalidade da douta sentença ora recorrida, que bem decidiu, evidenciando o pleno cumprimento da Lei de Asilo, não padecendo de qualquer vício ou de erro de julgamento; 24ª Em suma, o recurso deve ser considerado improcedente, uma vez que a sentença impugnada foi proferida nos termos e respeito dos princípios e normas aplicáveis. Nos termos do Protocolo relativo à posição da Dinamarca, anexo ao TUE e ao TFUE, a Dinamarca não participa na adoção pelo Conselho das medidas relativas ao Título V do TFUE (com exceção das «medidas que determinem quais os países terceiros cujos nacionais devem ser detentores de visto para transporem as fronteiras externas dos Estados-Membros» e das «medidas relativas à criação de um modelo-tipo de visto»). Contudo, uma vez que a Dinamarca aplica o atual Regulamento de Dublim, por força de um acordo internacional que celebrou com a CE em 20065, deve, em conformidade com o artigo 3.º desse acordo, notificar à Comissão a decisão de aplicar ou não o regulamento alterado. * A Digníssima Magistrada do Ministério Público junto deste Tribunal Central Administrativo emitiu pronúncia sobre o mérito do recurso, pugnando pelo seu improvimento. Sufraga a Digníssima o entendimento de que, uma vez aplicado o regime constante do Regulamento da (EU) n.º 604/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, resulta que o Estado responsável pela apreciação do pedido de asilo é a Dinamarca. Sendo assim, resta proferir decisão de inadmissibilidade, de acordo com o art.º 19.º-A, n.º 1 da Lei do Asilo, e proceder à transferência do Recorrente para a Dinamarca. * Com dispensa de vistos, atenta a sua natureza urgente, vem o processo submetido à Conferência desta Secção do Contencioso Administrativo para decisão. * Questões a apreciar e decidir: As questões suscitadas pelo Recorrente, delimitadas pelas alegações de recurso e respetivas conclusões, consubstanciam-se, em suma, em apreciar se a sentença a quo padece de erros de julgamento. Concretamente, as problemáticas a deslindar são a de apurar, tendo em conta que na situação vertente houve lugar à determinação do Estado responsável pela análise do pedido de proteção internacional, conducente à decisão de inadmissibilidade deste pedido e à decisão de transferência do Recorrente para a Dinamarca: I) se a Dinamarca está vinculada à aplicação do regime do Regulamento (EU) n.º 604/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho; III) se ocorre situação que reclama a aplicação do princípio da não repulsão; IV) se o Recorrente reúna condições para beneficiar de proteção internacional, seja através de asilo, seja através de proteção subsidiária.
II- FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA É a seguinte a decisão sobre a matéria de facto proferida pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, a qual se reproduz ipsis verbis: «A) O Requerente é nacional de Mosul, Iraque, onde nasceu em 19/11/1990 (cfr. PA apenso a fls. 1 que ora se da por integralmente reproduzido); B) Em 28/02/2019, o Requerente apresentou um pedido de protecção internacional, junto do Gabinete de Asilo e Refugiados do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (cfr. PA apenso a fls. 15 que ora se da por integralmente reproduzido); C) Por consulta na base de dados do Eurodac, o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras verificou a existência de um pedido de visto, formulado pelo Requerente em 05/09/2015, na Dinamarca (cfr. PA apenso, a fls. 24, que ora se da por integralmente reproduzido); D) Em 28/03/2019, o Requerente prestou declarações perante o SEF, quanto aos fundamentos do seu pedido de asilo, de cujo auto consta, nomeadamente, o seguinte: “(…) Nome e categoria do funcionário: Cecília Francisco, Inspetora Departamento do Serviço de Estrangeiros: Gabinete de Asilo e Refugiados Nome Intérprete: ….. Língua utilizada no ato; Árabe Data/hora Início: 28/03/2019; 14h30 Apelido: …..Nome: A….. Pal: …..Mae: …..Data de nascimento: Sexo: 19.11.1990 Masculino Local de nascimento: Mosul Nacionalidade (tratando-se de apátrida qual o último país de residência habitual); Iraque Etnia: Árabe Estado Civil: Solteiro Cônjuge; N/A Descendência (nome/data nascimento) N/A Tem advogado constituído? (nome/cédula/Contacto) Não tenho. Identificação e qualidade de terceiros presentas no ato (por ex. representante legal. psicólogo, tutor). (…) VI. Registos Eurodac - — De acordo com os registos constantes da base de dados de impressões digitais Eurodac verifica-se que passou em vários países europeus. Queira indicar a duração da estadia em cada um desses países onde foi alvo de registo: País/Referência: Data: Duração da estada: ….. 05-09-2015 Fiquei 2 anos e 4 meses VII. Entrada e/ou estadia Data de saída do país de nacionalidade/origem Saí a 8 de Agosto de 2015. Saiu sozinho ou acompanhado? . Sozinho. Documentos com que viajou. Tinha o passaporte. Qual o percurso efetuado desde a país de origem até chegar a Portugal? Saí do Iraque fui para a Turquia fiquei 13 dias depois fui para a Bulgária, daí segui para Hungria segui Áustria entrei directamente na Alemanha onde fiquei 15 dias e depois segui para a Dinamarca. No dia 05 de setembro de 2015 estava na Dinamarca onde fiquei ate 11 de janeiro de 2018 altura em que fui para a Alemanha onde estive 8 meses. Pedi asilo na Alemanha como tinha registo na Dinamarca, disseram-me que por causa de Dublim tinha de voltar a Dinamarca. Eles quiseram deportar-me, mas eu não aceitei e sai do avião, fui preso 2 dias e quando fui ao tribunal decidiram que ficaria preso por um mês. Creio que foi no dia 27 de outubro os alemães deportaram-me para a Dinamarca. Na Dinamarca fiquei um mês preso e no dia 15 ou 20 de novembro de 2018 levaram-me para o Iraque onde fiquei 3 horas e a polícia iraquiana não me aceitou e devolveram-me para a Dinamarca. Fiquei na Dinamarca 2 a 3 meses Sai da Dinamarca com destino a Portugal demorei 5 dias de viagem de comboio ate Badajoz e depois entrei de autocarro em Lisboa no dia 28 de Fevereiro de 2019. Em que data chegou a Portugal? Cheguei no dia 28 de Fevereiro de 2019. Com que documentos entrou em Portugal? Não tinha documentos. Regressou ao seu país de origem? Não É titular de um titulo de residência na União Europeia? Não. Onde permaneceu nos últimos 5 meses anteriores ao pedido de proteção? Estive na Dinamarca. Pode apresentar provas documentais sobre a estadia/percurso que refere? Não. VIII Pedidos de proteção internacional anteriores Alguma vez pediu proteção internacional num país da União Sim Não facultou as suas impressões digitais para registo? Em caso afirmativo, onde? Dinamarca e Alemanha O seu pedido encontra-se em análise? Sim: Não: X Desconhece: O seu pedido foi recusado? Sim: X Não: Desconhece: Dinamarca Foi afastado para o país da sua nacionalidade ou origem? Sim: X Não: Fui afastado para o Iraque Em que data teve lugar esse afastamento? No dia 15 ou 20 de novembro de 2018, não me lembro bem. Regressou voluntariamente ao país da sua nacionalidade, Sim: Não: de origem ou país terceiro? N/A Em que data regressou voluntariamente ao seu país de origem? N/A IX. Vulnerabilidade Está de boa saúde? Sim: X Não: Tem problemas de saúde? Sim: Não: X Quais? N/A Está a ter acompanhamento médico? Fui ao médico. Está a ser medicado? Sim receitaram-me medicamentos. X. Porque motivo solicita proteção internacional? Sou do Mosul e a cidade estava controlada pelo ISIS e eu decidi sair porque se continuasse sei que poderia morrer. Decidi sair do meu país e vir para a Europa. XI. Pretende acrescentar alguma informação? Não. Perante a presente informação, tem algo mais a declarar? Mais declaro, dar o meu consentimento, quando tal seja necessário, para que seja solicitado a outro Estado membro os motivos invocados no pedido e respetiva decisão, de acordo com o n.º 3 do artigo 34.º, do Regulamento acima citado. E mais não disse, nem lhe foi perguntado, pelo que, lidas as declarações em língua árabe, que compreende e na qual se expressa, as achou conforme, ratifica e vai assinar juntamente com todos os intervenientes, pelas 15h30, hora a que findou este ato, recebendo o requerente cópia do presente documento. (cfr. fls. 26 a 33, do processo administrativo, apenso aos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido); E) Em 25/03/2019, o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras efectuou um pedido de retoma a cargo do requerente às autoridades italianas (cfr. processo administrativo, apenso aos autos a fls. 21, cujo teor se dá por integralmente reproduzido F) Em 06/04/2019 as autoridades dinamarquesas aceitaram o pedido de retoma a cargo (cfr. processo administrativo apenso aos autos, a fls. 38 a 39, cujo teor se dá por integralmente reproduzido); G) Em 08/04/2019, a Directora Nacional do SEF, proferiu decisão com o seguinte teor: PROCESSO N.º ….. De acordo com o disposto na alínea a) do n.º 1, do artigo 19.º- A e no n.º 2 do artigo 37.º, ambos da Lei n.º 27/08, de 30 de junho, alterada pela Lei n.º 26/2014 de 05 de maio, com base na informação n.º …..do Gabinete de Asilo e Refugiados do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, considero o pedido de protecção internacional apresentado pelo cidadão que se identificou como T….., nacional da Guiné-Bissau, inadmissível. Proceda-se à notificação do cidadão nos termos do artigo 37.º, n.º 3, da Lei n.º 27/08 de 30 de junho, com as alterações introduzidas pela Lei 26/14 de 5 de maio, e à sua transferência, nos termos do artigo 38.º do mesmo diploma, para a Itália, Estado Membro responsável peia análise do pedido de protecção internacional nos termos do Regulamento (UE) 604/2013 do PE e do Conselho, de 26 de junho. (cfr. processo administrativo apenso, a fls. 45, que ora se dá por integralmente reproduzido); H) Na informação referida na alínea anterior, consta nomeadamente, o seguinte: 1. O requerente apresentou pedido de proteção internacional a 28/02/2019 no Gabinete de Asilo e Refugiados, que foi registado sob o número de processo 357/19. 2. Nos termos previstos no Regulamento (EU) n.º 603/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho de 26 de junho1 (Regulamento Eurodac), relativo à criação do sistema "Eurodac" foram recolhidas as impressões digitais de todos os dedos. 3. Após registo e consulta à base de dados Eurodac, foram rececionados dois acertos com os "Case …..", inserido pela Dinamarca e "Case …..", inserido pela Alemanha. 4. Aos 28/03/2019 foram tomadas as declarações do requerente, mediante realização de entrevista e relatório (cf. págs. 26 a 33 anexo aos autos e entregue na mesma data ao requerente), a que se refere o n.º 6 do artigo 5.º do Regulamento Dublin. Por esta via, foi possível confirmar a situação descrita no número anterior, essencial para a determinação do Estado responsável, bem como, apurar outras situações pertinentes para a correta aplicação dos critérios enunciados no Regulamento Dublin. 5. Aos 25-03-2019, o GAR apresentou um pedido de retoma a cargo às autoridades dinamarquesas ao abrigo do artigo 18.º, n.º 1 b), do Regulamento (UE) 604/2013 do PE e do Conselho, de 26 de junho (Regulamento Dublin). 6. Aos 06-04-2019, as autoridades dinamarquesas aceitaram o pedido de retoma a cargo do (a) cidadão (ã), ao abrigo do artigo 18.º, n.º 1 b), do Regulamento (UE) 604/2013 do PE e do Conselho, de 26 de junho (Regulamento Dublin). 7. Aceite a responsabilidade pelo Estado responsável deve o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras proferir uma decisão de inadmissibilidade do pedido. II. FUNDAMENTOS DE DIREITO 8. A Lei n.º 27/08, de 30 de junho, alterada pela Lei n.º 26/2014 de 05 de maio, que estabelece as condições e procedimentos para a análise dos pedidos de proteção internacional e concessão do estatuto de refugiado ou proteção subsidiária, prevê na alínea a), do n.ºs 1 do artigo 19.º-A que o pedido é considerado inadmissível quando se verifique que está sujeito ao procedimento especial de determinação do Estado responsável pela análise de um pedido de proteção, previsto no Capítulo IV. Ainda nos termos do n.º 2 do artigo 19.º-A, nos casos previstos no número anterior deste artigo, prescinde-se da análise das condições a preencher para beneficiar do estatuto de proteção internacional. 9. O procedimento especial de determinação do Estado responsável pela análise do pedido de proteção internacional encontra-se regulado no Capítulo IV, artigo 36.º e seguintes da Lei n.º 27/08, de 30 de junho, alterada pela Lei n.º 26/2014 de 05 de maio, aplicando-se os apenas os procedimentos aqui previstos. 10. Tendo outro Estado tomado a decisão de aceitação da retoma a cargo do requerente de proteção (cf. Ponto 6), determinando a sua competência para apreciação e decisão, impõe-se ao Estado português a tomada de decisão de transferência do requerente. Pelo exposto, e tendo em consideração que os pedidos são analisados por um único Estado, que será aquele que os critérios enunciados no Capítulo III do Regulamento (CE) N.º 604/2013 do Conselho de 26 de junho designarem como responsável, propõe-se que a Dinamarca seja considerada o Estado responsável pela retoma a cargo, ao abrigo do artigo 18.º, N.º 1 b) do Regulamento (CE) N.º 604/2013 do Conselho de 26 de junho. (cfr. fls. 42 a 44, do processo administrativo, apenso aos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido); I) Sob a Informação referida na alínea anterior foi apresentada Proposta com o seguinte teor: Com base na presente informação, submete-se à consideração superior que, de acordo com o disposto na alínea a) do n.º 1, do artigo 19.º-A e n.º 1 do artigo 20.º, da Lei n.º 27/08, de 30 de junho, alterada pela Lei n.º 26/2014 de 05 de maio, o pedido de proteção seja considerado inadmissível e se proceda à transferência para a Dinamarca do (a) cidadão (ã) acima identificado (a), nos termos do artigo 18.º, n.º 1 d) do Regulamento (CE) N.º 604/2013 do Conselho, de 26 de junho. (cfr. PA apenos, a fls 41, ibidem); J) Em 11/04/2019, o Gabinete de Asilo e Refugiados - SEF notificou o Requerente da decisão que determinou que a Itália é o Estado responsável pela sua tomada a cargo (cfr. fls. 46, do processo administrativo, apenso aos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido); K) A presente acção foi apresentada neste Tribunal em 03/05/2019 (cfr. fls. 04 do SITAF). * Motivação da matéria de facto O tribunal assentou a sua convicção nos documentos juntos aos autos e ao processo administrativo apenso aos autos, conforme referido em cada alínea do probatório.» III- APRECIAÇÃO DO RECURSO O Recorrente, A….., propôs no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa a presente ação administrativa de natureza urgente, demandando o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, do Ministério da Administração Interna, de modo a obter a anulação do ato administrativo que considerou inadmissível o pedido de asilo apresentado no Gabinete de Asilo e Refugiados e, em consequência, determinou a sua retoma a cargo para a Dinamarca. Pede, também, que lhe seja concedido asilo ou proteção subsidiária. O Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, por sentença proferida em 30/06/2019, julgou a ação improcedente. Discorda o Recorrente do julgado na Instância a quo, invocando a ocorrência de erros de julgamento, pois que, no seu entendimento, o Regulamento (EU) n.º 604/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho (apenas Regulamento Dublin, em diante), não é aplicável ao seu caso concreto, uma vez que a Dinamarca não adota o dito Regulamento, conforme consta do considerando n.º 42 inserto na aludida regulação de Dublin. O Recorrente impugna a decisão recorrida no que concerne à afirmação de que a decisão de transferência constitui um ato vinculado nos termos do regime do mesmo Regulamento (EU) n.º 604/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho; Em terceiro lugar, invoca o Recorrente a subsistência de falhas sistémicas no procedimento de asilo ou nas condições de acolhimento dos requerentes de asilo na Dinamarca, bem como, em quarto lugar, a violação do princípio da não repulsão, uma vez que, caso seja transferido para a Dinamarca, é certo que será deportado para o Iraque, o que envolve um sério risco de morte para o Recorrente. Finalmente, sufraga o Recorrente que reúne condições para beneficiar de proteção internacional, seja através de asilo, seja através de proteção subsidiária, razão pela qual a sentença impetrada não pode manter-se. I) O primeiro argumento avançado pelo Recorrente em prol do derribamento da sentença visada relaciona-se com a eficácia do Regulamento Dublin no que tange ao Reino da Dinamarca. Com efeito, encontra-se plasmado no considerando 42 do Regulamento Dublin que, “nos termos dos artigos 1.º e 2.º do Protocolo n.º 22 relativo à posição da Dinamarca, anexo ao TUE e ao TFUE, a Dinamarca não participa na adoção do presente regulamento, pelo que este não a vincula nem lhe é aplicável”. Sucede, contudo, que o Reino da Dinamarca, não obstante encontrar-se numa posição de exceção no tocante à aplicação do Regulamento Dublin, entendeu, ainda no domínio da anterior regulamentação Dublin, tornar esta regulação operativa e eficaz em território dinamarquês por via da celebração, em 21/02/2006, de um Protocolo com a então Comunidade Europeia, por via do qual “alarga à Dinamarca o disposto no Regulamento (CE) n.º 343/2003 do Conselho, que estabelece os critérios e mecanismos de determinação do Estado-Membro responsável pela análise de um pedido de asilo apresentado num dos Estados- -Membros por um nacional de um país terceiro, e no Regulamento (CE) n.º 2725/2000 do Conselho, relativo à criação do sistema «Eurodac» de comparação de impressões digitais para efeitos da aplicação efectiva da Convenção de Dublim, é aprovado em nome da Comunidade”. Este Protocolo foi aprovado pela decisão do Conselho 2006/188/CE, de 21/02/2006. Com a revisão da regulamentação Dublin anteriormente vigente (Regulamento (CE) n.º 343/2003 do Conselho, de 18 de fevereiro de 2003), levada a cabo pelo atual Regulamento Dublin- Regulamento (EU) n.º 604/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho-, e nos termos do art.º 3.º do Protocolo citado, o Reino da Dinamarca aprovou, em 26/12/2013, a Lei n.º 1619 de 26/12/2013, que entrou em vigor em 01/01/2014, nos termos da qual implementou a aplicação do novo Regulamento Dublin em território dinamarquês. Sendo assim, é de concluir, sem qualquer margem para dúvida, que o Regulamento Dublin é também aplicado pelo Reino da Dinamarca, que se submete inteiramente ao regime aí inserto, bem como, mormente, à Jurisdição do Tribunal de Justiça da União Europeia no tocante à interpretação e aplicação do regime Dublin. II) A questão seguinte é tangente à natureza, vinculativa ou não, do ato que ordena a transferência do Recorrente ao abrigo do Regulamento Dublin. Desde já se ressalta que, em nosso entendimento, não é acertada a tese de que a decisão de transferência assume natureza absolutamente vinculada, não restando outra alternativa, perante a verificação de uma situação de “retoma a cargo”, que não a de ordenar a transferência do requerente de asilo para Estado que se apresenta como responsável de acordo com a aplicação dos critérios elencados no Regulamento Dublin. É que este entendimento denuncia uma visão restritiva, absolutamente formalista e leviana no que concerne ao procedimento especial de determinação do Estado responsável pela análise do pedido de proteção internacional, revelando, do mesmo passo, um entendimento distorcido relativamente à tramitação de tal procedimento e, especialmente, dos objetivos e finalidades perseguidos pelo Regulamento de Dublin, corporizado pelo Regulamento (EU) n.º 604/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013. Em primeiro lugar, esclareça-se que a atuação do Estado não é estritamente vinculada, no sentido em que ocorre impedimento absoluto de análise de um pedido de proteção internacional se o requerente já tiver formulado pedido similar noutro Estado-Membro. Com efeito, basta atentar no disposto no art.º 17.º do Regulamento de Dublin para, sem qualquer dificuldade, percecionar que, independentemente das regras e dos critérios que dimanam dos art.ºs 3.º e 7.º a 15.º do citado Regulamento, o Estado-Membro pode sempre “decidir analisar um pedido de proteção internacional que lhe seja apresentado por um nacional de um país terceiros ou por um apátrida, mesmo que essa análise não seja da sua competência por força dos critérios definidos no presente regulamento” (cfr. art.º 17.º, n.º 1). Sendo assim, a interpretação de que a existência de um procedimento especial de determinação do Estado-Membro responsável pela decisão do pedido de proteção internacional é conducente obrigatoriamente a uma decisão de inadmissibilidade do pedido e consequente transferência do requerente, não merece acoito. É que, para além das situações de existência de falhas sistémicas no procedimento de asilo e nas condições de acolhimento dos requerentes e do risco de tratamento desumano, descritas no art.º 3.º, n.º 2 do Regulamento de Dublin, o mesmo instrumento jurídico estipula claramente, em jeito até de “válvula de segurança” e de favorecimento da posição do requerente de asilo, a possibilidade de um Estado-Membro assumir, no âmbito do exercício de um poder discricionário, a responsabilidade pela decisão do pedido de proteção internacional, independentemente dos critérios e regras estabelecidas. De resto, o próprio Regulamento de Dublin assume esse intento, exprimindo-o no considerando preambular n.º 17, em que exara que “os Estados-Membros deverão ter a possibilidade de afastar a aplicação dos critérios de responsabilidade, em especial por razões humanitárias e compassivas, a fim de permitir reunir membros da família, familiares ou outros parentes, e de analisar um pedido de proteção internacional que lhes tenha sido apresentado, ou a outro Estado-Membro, mesmo que tal análise não seja da sua responsabilidade nos termos dos critérios vinculativos previstos no presente regulamento”. Em segundo lugar, importa realçar o facto da existência de um prévio pedido de proteção internacional formulado perante outro Estado-Membro não dispensar o exame cuidadoso da situação apresentada pelo requerente de asilo. É que, o “automatismo” que ocorre na atuação do Recorrido no caso em exame- e que emerge da visão subjacente do Recorrido, de que o Regulamento Dublin consagra uma vinculação absoluta quanto à prolação de decisão de transferência- contraria todo o espírito que preside à existência do sobredito Regulamento de Dublin. Veja-se a este propósito os considerandos 16, 19, 21, 22 e 39, sendo que neste último é claramente afirmado que “o presente regulamento respeita os direitos fundamentais e observa os princípios reconhecidos, nomeadamente, pela Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia”. Aliás, o mesmo considerando insiste e reforça que, “em particular, o presente regulamento visa assegurar o pleno respeito do direito de asilo garantido pelo artigo 18.º da Carta, bem como dos direitos nela reconhecidos nos artigos 1.º, 4.º, 7.º, 24.º e 47.º. Por conseguinte, o presente regulamento deverá ser aplicado em conformidade. Do que vem de explanar-se deriva, logicamente, que o cuidado na análise individualizada e aprofundada deve ter em conta as especiais características da situação pessoal do requerente de proteção internacional, que cumpre sopesar e ponderar, cuidado esse que deve ser reforçado se se tratarem de características de vulnerabilidade. Finalmente, debruçando-nos sobre as particularidades do caso posto e compulsada a factualidade que foi conduzida ao probatório da sentença recorrida- e que não foi impugnada em sede recursiva-, verifica-se que, em 25/03/2019, o Recorrido solicitou ao Reino da Dinamarca a retomada a cargo do Recorrente ao abrigo do preceituado no art.º 18.º, n.º 1, al. b) do Regulamento Dublin (cfr. ponto E do probatório). Constata-se, também (cfr. ponto F do probatório), que o Reino da Dinamarca respondeu àquela solicitação em 06/04/2019, assentindo na dita retomada a cargo do Recorrente, mas desta feita ao abrigo da al. d) do n.º 1 do mencionado art.º 18.º, uma vez que tinha já sido proferida decisão de indeferimento do pedido de asilo formulado pelo Recorrente, decisão esta definitiva em virtude do órgão jurisdicional especializado a ter confirmado em 19/12/2017[1]. Quer isto dizer, portanto, que a aceitação da retomada a cargo por parte da Dinamarca respalda-se na al. d) do n.º 1 do art.º 18.º, e não na al. b), como insiste o Recorrido não obstante a resposta da Dinamarca ser lapidar no que concerne a este aspeto. Quer isto significar, portanto, que após exame minucioso do caso posto, especialmente dos factos que derivam do processo administrativo apenso, com destaque para o teor das declarações prestadas pelo Recorrente em sede de entrevista individual e para o teor do pedido de transferência formulado pelo Recorrido ao Reino da Dinamarca, verifica-se que a situação em apreço não é suscetível de ser subsumida no art.º 3.º, n.º 2, 2.º parágrafo, do Regulamento Dublin, pois que, o indicado preceito refere-se, apenas, a casos em que, tendo sido apresentado um pedido de proteção internacional num Estado-Membro, tal pedido ainda não foi decidido. Ora, no caso versado, acontece, precisamente, que o pedido formulado pelo Recorrente na Dinamarca já se encontra indeferido. De resto, esta realidade foi assumida pelo Reino da Dinamarca, uma vez que tratou do pedido de retoma a cargo formulado pelo Recorrido ao abrigo do art.º 18.º, n.º 1, al. d) do Regulamento Dublin, tendo prestado informação expressa quanto à existência de decisão de indeferimento definitiva. Ademais, o Tribunal a quo conduziu tal factualidade ao probatório, concretamente, no ponto F), tendo este Tribunal de Apelação acolhido e replicado a mesma constelação factual. Quer isto dizer, por conseguinte, que não é aplicável ao caso dos autos o art.º 3.º, n.º 2 do Regulamento Dublin. A questão jurídica central que o vertente recurso coloca não é- diga-se- inédita, tendo já sido objeto de análise e tratamento por este Tribunal de apelação no processo n.º 1108/19.4BELSB, em Acórdão prolatado em 14/05/2020. Neste Aresto, este Tribunal afirmou que, “existindo já uma decisão tomada por um Estado Membro e tendo sido esta de indeferimento, a retoma a cargo pelo Estado Membro responsável – in casu, Itália – cfr. art. 18.º, n.º 1, alínea d), do Regulamento de Dublin III -, é inquestionável, atendendo a que a primeira regra nele estabelecida é a de que os pedidos serão analisados por um único Estado-Membro - cfr. n.º 1 do art. 3.º do Regulamento -, não havendo aqui lugar à apreciação da cláusula de salvaguarda prevista no 2§ do mesmo art. 3.º, por inaplicável, sem prejuízo do dever de apreciar a eventualidade de se estar perante um pedido subsequente, nos termos e nas condições previstas no art. 33.º da Lei do Asilo, e tendo sempre presente o cumprimento, direta e indiretamente, do princípio de non refoulement, ao abrigo do art. 33.º da Convenção de Genebra e art. 47.º da Lei do Asilo.” (sumário) Na senda da Jurisprudência citada antecedentemente, é de concluir, pois, que o caso agora em discussão impõe a indagação quanto à respetiva- e possível- subsunção no art.º 33.º da Convenção de Genebra, bem como no art.º 3.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e nos art.ºs 4.º e 19.º, n.º 2 da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia. Sendo assim, é nosso entendimento que o percurso fundamentador trilhado pela sentença agora recorrida, especialmente no tocante à afirmação de que a decisão de transferência o abrigo do Regulamento Dublin constitui “um ato estritamente vinculado” (a páginas 17 da sentença sob recurso), apresenta-se incorreto e desajustado, e conduz a uma decisão final igualmente incorreta. Enquadrado devidamente o caso posto, é de concluir, imediatamente, pela correção da decisão administrativa impugnada no que tange à consideração da inadmissibilidade do pedido de proteção internacional formulado pelo agora Recorrente em Portugal, visto que, nada indicando estar em causa, ou poder estar em causa, um pedido subsequente, o pedido de proteção internacional rececionou já uma decisão de indeferimento do Reino da Dinamarca, conforme deriva da conjugação dos normativos inscritos nos art.ºs 19.º-A, n.º 1, al. a) e 33.º da Lei de Asilo. Do que vem de explanar-se decorre, portanto, que somente é questionável a decisão de transferência do Recorrente para a Dinamarca, desta feita ao abrigo do preceituado nos já citados art.ºs 33.º da Convenção de Genebra, 3.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e 4.º e 19.º, n.º 2 da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia. Efetivamente, a questão que se coloca neste domínio é a da possibilidade do caso versado consubstanciar uma situação em que a devolução do Recorrido não deve suceder por força do princípio do non refoulement, que deve, inclusivamente, ser aplicado aos casos das transferências realizadas ao abrigo da regulação Dublin, sempre que o caso concreto seja alusivo à possibilidade do transferido vir a sofrer o risco sério de ficar sujeito a tratamentos degradantes ou desumanos, na aceção dos art.ºs 3.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (doravante, CEDH) e 4.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (neste sentido, veja-se, em especial, as considerações insertas nos pontos 341 a 359 do Acórdão promanado pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem em 21/01/2011, no processo M.S.S. vs Bélgica e Grécia, Queixa n.º 30696/09) (em diante, apenas CDFUE). III) A problemática que urge enfrentar de seguida é a da eventual aplicação do princípio da não repulsão. A indagação que cumpre levar a cabo assume uma dupla vertente: por um lado, considerar a arguição, por banda do Recorrente, de falta de condições de vida e de procedimentos que a Dinamarca aplica aos requerentes de proteção internacional, como sendo suscetíveis de subsunção nos art.ºs 3.º da CEDH[2] e 4.º da CDFUE[3]; por outro 3 Artigo lado, considerar a situação do Recorrente ao abrigo do disposto no art.º 33.º, n.º 1 da Convenção de Genebra relativa ao Estatuto de Refugiado[4] e art.º 19.º, n.º 2 da CDFUE[5] em termos de afastamento efetivo para o seu país de origem (Iraque). Vejamos, então. No caso hodiernamente em apreço, e tendo em conta as informações oferecidas pelo Recorrente no formulário atinente ao inquérito preliminar, bem como na entrevista pessoal, verifica-se que o Recorrente relatou que chegou à Dinamarca em 05/09/2015 e aí permaneceu até 11/01/2018, data em que foi para a Alemanha e onde esteve 8 meses. Relata também que na Alemanha, ao ser deportado, recusou sair do avião e, por isso, esteve detido dois dias, a que se seguiu um mês de prisão determinada pelo Tribunal. Em outubro foi devolvido à Dinamarca, tendo ficado um mês preso e, no dia 15 ou 20 de novembro de 2018, foi afastado para o Iraque. Permaneceu neste país cerca de três horas e, porque a polícia iraquiana não o aceitou, devolveram-no à Dinamarca. Voltou a permanecer neste país dois ou três meses e depois viajou com destino a Portugal (5 dias de viagem de comboio ate Badajoz e depois de autocarro até Lisboa, tendo aqui chegado no dia 28/02/2019). Declarou, ainda, o Recorrente na entrevista pessoal que “não quero regressar à Dinamarca porque sei que me vão prender”. Já em sede recursiva, veio o Recorrente salientar o recurso frequente à detenção por parte das autoridades dinamarquesas, bem como a existência de condições difíceis de vida nos campos dinamarqueses de refugiados, especialmente no campo para onde foi enviado- Kaershovedgard-, explicando que “é um campo de refugiados aberto, com condições humanas são nulas, excesso de pessoas, diversos tipos de criminalidade incluindo tráfico de droga, impossibilidade de desenvolver qualquer atividade laboral, sem condições básicas de higiene” e que se trata de uma “antiga prisão aberta que funciona como um centro de deportação”, sendo que se sente tratado como criminoso. Ora, os relatos fornecidos pelos requerentes de asilo devem, em nossa opinião, ser valorizados em termos de avaliação do risco do requerente de vir a ser sujeito, eventualmente, a tratamento desumano ou degradante, por ausência de suporte material que lhe assegure as mínimas condições de sobrevivência, mormente, em termos de assistência médica, alojamento e alimentação. Recorde-se, a este propósito, a pronúncia do Tribunal de Justiça da União Europeia, corporizada pelo Acórdão proferido em 19/03/2019, no processo n.º C-163/17, na parte em que explicita o grau de gravidade relevante para efeitos de obstaculizar a uma transferência ao abrigo do Regulamento Dublin, e que afirma, entre o mais, o seguinte: “92. Esse limiar de gravidade particularmente elevado é alcançado quando a indiferença das autoridades de um Estado‑Membro tiver por consequência que uma pessoa completamente dependente do apoio público se encontre, independentemente da sua vontade e das suas escolhas pessoais, numa situação de privação material extrema, que não lhe permita fazer face às suas necessidades mais básicas, como, nomeadamente, alimentar‑se, lavar‑se e ter alojamento, e que atente contra a sua saúde física ou mental ou a coloque num estado de degradação incompatível com a dignidade humana (v., neste sentido, TEDH, 21 de janeiro de 2011, M.S.S. c. Bélgica e Grécia, E:ECHR:2011:0121JUD003069609, §§ 252 a 263). 93. Como tal, o referido limiar não pode abranger situações que se caracterizem por uma grande precariedade ou uma forte degradação das condições de vida da pessoa em causa, quando estas não impliquem uma privação material extrema que coloque a pessoa numa situação de gravidade tal que possa ser equiparada a um trato desumano ou degradante.” (sublinhado nosso) E esta asserção, quanto à relevância das declarações do requerente de asilo, ainda que assumam um cariz genérico, não queda invalidada pela circunstância do pedido de proteção internacional já se encontrar indeferido, como sucede nestes autos. Na verdade, na situação agora em apreço, caso se venha a concluir positivamente pela verificação de uma situação espoletante da proibição de refoulement, cabe à República Portuguesa extrair as devidas consequências da decisão de indeferimento do pedido de proteção internacional, maxime, a execução do afastamento do Recorrente para o respetivo país de origem, se nada obstar a tanto. Assinale-se que, em acolhimento desta visão, foi proferido por este mesmo Tribunal o Acórdão no processo n.º 1108/19.4BELSB, em 14/05/2020. Por último, refira-se que aos órgãos jurisdicionais dos Estados-Membros compete, por um lado, indagar, mesmo oficiosamente, da observância e adequada aplicação do direito da União Europeia, em concretização do princípio da efetividade do direito europeu- e seus corolários, incluindo as inerentes consequências processuais-, e, por outro lado, assegurar a concretização do preceituado no art.º 47.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia. Realça-se, nesta mesmíssima direção, a Jurisprudência editada pelo Tribunal de Justiça da União Europeia no que se refere à substanciação do direito a um recurso efetivo, inscrito no art.º 47.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, preceito este que norteia a interpretação que aquele Tribunal tem conferido ao art.º 46.º da Diretiva 2013/32/EU, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, e que é diretamente aplicável ao Regulamento Dublin, conforme dimana dos considerandos 12 e 19 deste Regulamento e do considerando 54 daquela Diretiva. Com efeito, a Instância da União Europeia tem vindo a afirmar que os órgãos jurisdicionais dos Estados-Membros devem proceder a uma “análise exaustiva e ex nunc da matéria de facto e de direito” do caso, aqui se incluindo a avaliação do risco dos transferidos ao abrigo do Regulamento Dublin virem a sofrer tratamento desumano ou degradante no Estado-Membro responsável (entre vários outros, Acórdãos proferidos em 19/03/2020, nos processos C-564/18, LH vs BMH, e C-406/18, PG vs BMH, e em 29/07/2019, no processo C-556/17, Torubarov). Refira-se, aliás, que esta Jurisprudência do Tribunal de Justiça no que se refere à intensidade e amplitude dos deveres dos órgãos jurisdicionais dos Estados-Membros em matéria de asilo constitui, simplesmente, uma apropriação da linha jurisprudencial anteriormente firmada pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, citando-se, exemplificativamente, o Acórdão desta Instância de 28/11/2011, Sufi e Elmi vs Reino Unido, Queixas n.º 8319/07 e 11449/07 (especialmente, as considerações contidas nos pontos 212 a 219). Tendo em conta a obrigação dos órgãos jurisdicionais dos Estados-Membros de efetuar a análise exaustiva do caso, e sob uma perspetiva ex nunc, impera ressaltar que tal obrigação corporiza-se, em bom rigor, no escrutínio detalhado dos factos e do direito em discussão em cada caso posto, relevando, nesta matéria- e nomeadamente-, o manancial informativo de que os tribunais devem dispor, seja por ter sido fornecido pelas partes, seja por ter sido oficiosamente adquirido para o processo. Neste ensejo, entendemos destacar a metodologia estabelecida pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, e sufragada pelo Tribunal de Justiça da União Europeia, no que tange ao escrutínio e minucioso exame dos aspetos e meandros legais que enfrentam os requerentes de asilo, bem como das condições materiais que os mesmos vivenciam, e das que provavelmente vivenciarão, para efeitos de determinação do risco de submissão a tratamento desumano ou degradante, seja nos casos de repulsão para o país de origem, seja no caso de transferência realizada ao abrigo do Sistema Dublin (Acórdãos do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem de 21/01/2011, M.S.S. vs Bélgica e Reino Unido, Queixa n.º 30696, e de 28/11/2011, Sufi e Elmi vs Reino Unido, Queixas n.º 8319/07 e 11449/07; Acórdãos do Tribunal de Justiça da União Europeia de 21/12/2011, C-411/10, N.S. vs Secretary of State for the Home Department (em especial, considerandos 85 a 96), e de 19/93/2019, C-163/17, Jawo vs República da Alemanha (em especial, considerandos 90 e 98). Neste contexto, surgem, com primacial relevância, os relatórios e informações publicitados por agências internacionais, independentes ou institucionais, que devem obedecer a condições de objetividade, fiabilidade e profundidade para que possam ser credibilizados e, assim, valorizados como prova demonstrativa dos factos pertinentes. Munido das necessárias informações factuais, deveria, então, o Recorrido escrutinar a eventual violação dos mencionados art.ºs 3.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e 4.º e 19.º, n.º 2 da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia no caso de vir a ser executada a transferência do Recorrente para a Dinamarca. É que, subsiste no Direito da União Europeia um princípio de non-refoulement, derivado do art.º 4.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e do art.º 3.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, que constitui uma barreira de absoluta intransponibilidade, e da qual resulta a proibição de transferência de qualquer pessoa para outro Estado se essa transferência acarreta o risco de tortura, ou de tratamento humano ou degradante. Atentando na Jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem e do Tribunal de Justiça da União Europeia, bem como considerando os específicos contornos do caso posto, é nosso entendimento que, face à informação disponível nos autos e no processo administrativo, bem como a outra informação pública[6] de que nos socorremos, não é possível afirmar que o Recorrente corre o risco sério de vir a sofrer tratamento desumano ou degradante caso venha a ser transferido para o Reino da Dinamarca. Com efeito, as instalações de Kaershovedgard localizam-se a 13 quilómetros de Ikast, na Jutelândia, na região Noroeste da Dinamarca, sendo um dos dois centros onde a Dinamarca aloja os requerentes de asilo que, tendo visto os seus pedidos de proteção internacional indeferidos, ou aguardam a respetiva deportação, ou não podem ser deportados para o seu país de origem, nomeadamente, por não terem voluntariamente consentido na sua deportação para o país de origem. É comummente designado informalmente como “centro de deportação”. É de anotar que as instalações de Kaershovedgard situam-se ainda a sete quilómetros da loja mais próxima, não são servidas por nenhum transporte público, nem existem casas ou edifícios por perto. A polícia realiza um controlo apertado de quem entra ou sai das instalações. Ademais, as específicas características destas instalações enquadram-na no tipo carcerário, pois que, em boa verdade, tratam-se de instalações onde funcionou uma antiga prisão. Ora, ponderando o que vem de dizer-se, importa concluir que as condições e características das instalações de Kaershovedgard situam-se num patamar bem mais elevado do que aquele que é suposto pelo Tribunal de Justiça da União Europeia para efeitos de considerar a hipótese da existência de sério risco de o requerente de asilo vir a sofrer tratamento desumano ou degradante. É certo que as características assinaladas e as vivências relatadas nas notícias públicas sobre o centro de Kaershovedgard são indicadoras de um isolamento social, de sobrelotação clara e de dificuldade no acesso a determinados bens, serviços ou atividades. No entanto, mesmo assim, a verdade é que ao requerente de asilo são propiciadas as condições básicas e essenciais para a sua sobrevivência, não se encontrando notícias atinentes à ausência de alojamento, alimentação, higiene e cuidados de saúde básicos no que àquele centro diz respeito. Por conseguinte, as alegações do Recorrente no que concerne às instalações de kaershovedgard não podem proceder. O Recorrente alude também, neste contexto, ao frequente recurso da detenção de requerente de asilo por parte das autoridades dinamarquesas. Sobre esta matéria importa referir que o Recorrente realiza uma alegação genérica, sendo que não se encontrou nas fontes internacionais credíveis (das quais salientamos o European Council on Refugees and Exiles (doravante, ECRE), a Asylum Information Database (em diante, apenas AIDA), o Conselho da Europa- Comité Europeu para a Prevenção de Tortura e das Penas ou Tratamento Desumano ou Degradante, o Danish Refugee Council, o Swiss Refugee Council, a European Database of Asylum Law (EDAL, em diante), a European Legal Network on Asylum (doravante, ELENA), a European Asylum Support Office (EASO, em diante), United Kingdom Home Office e o Department of State of the United States) qualquer tratamento factual e/ou estatístico relativamente à utilização da detenção dos requerentes de asilo por banda das autoridades dinamarquesas. Na verdade, a única informação relevante a que acedemos é tangente ao Relatório publicado em 07/01/2020 pelo Conselho da Europa, elaborado pelo Comité Europeu para a Prevenção da Tortura e das Penas ou Tratamentos Desumanos ou Degradantes na sequência de uma visita realizada por este Comité à Dinamarca nos dias 3 a 12 de abril de 2019 (publicado na íntegra no sítio https://www.coe.int/en/web/cpt/-/council-of-europe-anti-torture-committee-publishes-report-on-denma-1). De acordo com este Relatório, foram realizadas visitas a dois centros de detenção de migrantes, incluindo requerentes de asilo: Nykobing Falster Arrest e Ellebaek Centre for Foreigners. As condições existentes nesses Centros observadas pelo Comité Europeu motivaram violentas observações e críticas por parte desta instituição, que qualificou como inaceitáveis as condições e procedimentos existentes naqueles centros em aspetos respeitantes às condições materiais, de higiene, cuidados de saúde, e respeito pela dignidade e direitos dos detidos[7]. Anote-se que o Reino da Dinamarca teve já ocasião de emitir respostas ao sobredito Relatório, a primeira vez em 03/03/2020, em que descreveu os melhoramentos materiais realizados e a realizar nos centros de Nykobing Falster Arrest e Ellebaek Centre for Foreigners, e a segunda vez em 01/09/2020, em que justifica a existência de detenção e o regime de detenção e as restrições de direitos e liberdades aplicadas aos requerentes de asilo, incluindo transferidos de Dublin, que estão detidos[8]. No que interessa para o caso posto, é de realçar que o agora Recorrente não só assinala que já foi alvo de detenção na Dinamarca e, precisamente, no centro de detenção de Ellebaek, como alega ter receio de ser preso se for efetivamente transferido para este país. Assim, não pode deixar de ser ponderada a possibilidade de o Recorrente vir a ser detido, importando avaliar o seu destino neste caso, e, se tal se vier a revelar necessário, solicitar garantias ao Reino da Dinamarca no tocante à detenção do Recorrente, especificamente, período máximo da detenção, fim visado, e condições da mesma. Sendo assim, e não obstante as notícias sobre os dois centros de detenção- sendo certo que foram já envidados esforços no sentido de melhorar as condições materiais daqueles centros-, no que tange às condições de acolhimento dos requerentes de asilo na Dinamarca não se vislumbra razão suficiente para sustar a transferência do Recorrente, uma vez que, de acordo com a informação disponível, não se encontra atingido o “limiar de gravidade particularmente elevado” e que consequencie uma “situação de privação material extrema”, que não permita ao requerente de asilo “fazer face às suas necessidades mais básicas, como, nomeadamente, alimentar‑se, lavar‑se e ter alojamento, e que atente contra a sua saúde física ou mental ou a coloque num estado de degradação incompatível com a dignidade humana” (Acórdão proferido pelo TJUE em 19/03/2019, no processo n.º C-163/17). Dissolvida a primeira problemática colocada nos autos quanto à eventual atuação do princípio da não repulsão, cumpre agora escrutinar a segunda das elencadas vertentes respeitantes à eventual operatividade da proibição de repulsão do Recorrente para a Dinamarca, e que implica a avaliação da situação do Recorrente ao abrigo do disposto no art.º 33.º, n.º 1 da Convenção de Genebra relativa ao Estatuto de Refugiado e art.º 19.º, n.º 2 da CDFUE em termos de afastamento efetivo para o seu país de origem (Iraque). Com efeito, ressuma da análise dos autos que o Reino da Dinamarca indeferiu, definitivamente, o pedido de proteção internacional do Recorrente, quer na modalidade de asilo, quer na modalidade de proteção subsidiária. Pelo que, relembre-se, estando o pedido de proteção internacional decidido, nada mais há a decidir nesta matéria, revelando-se, por isso, acertada a decisão do Recorrido na parte em que entendeu que ocorria uma situação de inadmissibilidade do pedido, em conformidade com o previsto no art.º 19.º-A, n.º 1, al. a) da Lei do Asilo. A questão coloca-se agora em termos de extração dos efeitos da decisão de inadmissibilidade do pedido de asilo. É que, tendo sido rejeitada a concessão de proteção internacional ao Recorrente, o mesmo passou a encontrar-se em situação irregular em território dinamarquês, o que conduz, logicamente, ao afastamento do Recorrente para o seu país de origem. E tanto assim é, que é precisamente o que terá, de acordo com o seu relato, sucedido ao Recorrente. Efetivamente, o Recorrente terá sido afastado da Dinamarca para o Iraque em novembro de 2018, tendo acabado por regressar a território dinamarquês porque a sua entrada em território iraquiano foi impedida pelas autoridades iraquianas. O Recorrente não chegou, sequer, a sair do aeroporto. Sendo assim, à luz desta factualidade, apresenta-se absolutamente razoável e lógica a conclusão de que o Recorrente, caso seja transferido para a Dinamarca, voltará a ser afastado coercivamente para o Iraque. Quer isto significar que, não pode deixar de ser equacionada a possibilidade de ocorrer uma situação de proibição de refoulement, entendida no sentido de que o recâmbio do Recorrente para o seu país de origem pode acarretar um sério risco de o colocar na posição de ser sujeito a tratamento desumano ou degradante, nos moldes configurados pelos art.ºs 33.º, n.º 1 da Convenção de Genebra e 19.º, n.º 2 da CDFUE. É que, é de crucial importância salientar que o Recorrente tem nacionalidade iraquiana, sendo, de acordo com as suas próprias declarações, proveniente de Mossul, na província de Nínive, precisamente, o bastião do Estado Islâmico nos anos de 2014 a julho de 2017 e a última região a ser reconquistada pelas forças iraquianas[9]. Em resultado de tal ocupação e do esforço militar de reconquista, a cidade de Mossul foi severamente bombardeada, encontrando-se, ainda hoje, praticamente destruída, especialmente, a zona mais antiga e central da cidade (contabilizam-se mais de 138.000 habitações destruídas, a maioria permanecendo, ainda atualmente, nesse estado, uma vez que o esforço de reconstrução tem sido diminuto, lento e dificultado). Em consequência, as condições de vida na província de Nínive e, em particular, na cidade de Mossul, são extraordinariamente difíceis, registando-se graves problemas de acesso a alojamento, alimentação, acesso a educação e cuidados de saúde primários, bem como uma evidente falta de trabalho e de emprego, que providencie a possibilidade de angariação de meios de subsistência. Em termos de segurança, a situação continua deveras periclitante, constituindo a província de Nínive uma das regiões em que ocorre maior número de ataques terroristas, perpetrados pelo Estado islâmico e outras organizações de caráter tribal ou talibanizadas, registando-se anualmente um número de vítimas, civis e militares, que ultrapassam os milhares, embora com tendência visível para diminuir (Nínive é, ainda hoje, a província que regista o maior número de mortes e feridos entre a população civil, sendo em Mossul que o pico estatístico de baixas civis é atingido. É de registar que a maioria dos incidentes na província de Nínive em 2018 envolveu execuções sumárias (44,7%), seguida de disparos de armas (32,3%) e dispositivos explosivos improvisados (18,9%)). A atuação das forças de segurança não é isenta de observações quanto à violação de direitos fundamentais básicos, mormente pelo consabido recurso a tortura, prisão sem culpa formada, detenção aleatória, uso generalizado de violência e abuso da força. A existência de fragmentação das forças de autoridade, em que o corpo militar iraquiano é apenas uma entre várias, não contribui para uma atuação sistemática e constitucional das forças de autoridade e, muito menos, para a eliminação de preconceitos e do intuito persecutório subjacente a diversas destas forças (v.g., perseguição a sunitas ou simpatizantes ou colaboradores do Estado Islâmico, ou de pessoas percecionadas como tal, no passado ou no presente). Outra das enormes dificuldades que se regista atualmente no Iraque é o gigante constrangimento à mobilidade interna, seja por razões de segurança, seja por falta de documentação de identificação civil. De facto, subsistem obstáculos legais e de facto à mobilidade de pessoas entre regiões e províncias iraquianas, especialmente, se a pessoa não tiver documentos ou os mesmos não forem válidos (v.g. como sucede no caso dos documentos de identificação emitidos durante a ocupação do Estado Islâmico pelas suas forças, e que não são reconhecidos pelo atual Estado Iraquiano). Por outro lado, a renovação dos documentos de identificação ou o acesso aos mesmos encontra-se dificultado, seja porque os arquivos civis foram destruídos em inúmeros locais, seja porque, sem os documentos de identificação, não é possível viajar até ao local onde funcionam os serviços que os emitem. Não é demais salientar que o Iraque tem ainda hoje mais de 1.400.000 de desalojados da guerra com o Estado Islâmico (segundo dados apresentados neste mês de setembro de 2020 pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas, sendo que, em dezembro de 2018, este número ascendia 1.806.832). Aliás, o conflito com o Estado Islâmico provocou, só na cidade de Mossul, mais de 1.000,000 de desalojados, sendo que a província de Nínive mantém ainda cinco campos de acolhimento de desalojados, em extremo estado de sobrelotação e em que falta quase tudo. E não obstante as medidas tomadas pelo governo Iraquiano em 2019 no sentido de compelir os desalojados a regressarem a suas casas, a verdade é que uma parte significativa destes desalojados retornaram aos campos de acolhimento por impossibilidade de sobrevivência nos locais de origem, fosse por razões de insegurança, fosse por ausência de condições materiais de sobrevivência. Na província de Nínive, das cerca de 37.000 pessoas que em 2019 retornaram às respetivas residências em Mossul, 25.000 regressaram aos campos de desalojados. De resto, ainda não é possível o retorno a algumas áreas de Mossul. No que toca ao retorno ao Iraque de requerentes de asilo cujos pedidos foram indeferidos, várias instituições internacionais apontam no sentido de que esse retorno não deve ser realizado se o retornado não tiver uma rede de suporte, familiar ou outra, uma vez que não há lugar nos abrigos, não há casas disponíveis (e o alojamento nas existentes é muito caro), não há trabalho e, por isso, as pessoas acabam por não ter qualquer meio de sobrevivência. A recomendação negativa dirige-se, especialmente, às províncias de Nínive, Anbar, Salah al-Din e Dyala e aos retornados indocumentados, principalmente os oriundos de Mossul, atenta a presunção de afiliação no Estado islâmico que ainda prevalece atualmente na sociedade iraquiana e entre as forças de autoridade civil, policial e militar. Ora, sopesando o manancial informativo exposto, impera concluir que o retorno do Recorrente ao Iraque pode, efetivamente, constituir um sério risco de o colocar em situação de sujeição a tratamento desumano ou degradante, ou de ameaça à sua vida ou integridade física, não estando, sequer, afastado o risco de vir a sofrer tortura ou mesmo a morte, dependendo do respetivo perfil individual, nomeadamente, sendo árabe, se for sunita, ou se pertencer a alguma outra minoria étnica ou religiosa. Similarmente, o risco de tortura, morte, ou tratamento desumano ou degradante não pode ser afastado do horizonte de possibilidades, tendo em atenção a área geográfica donde o Recorrente é oriundo, bem como de outras particularidades que possam conduzir a que o Recorrente possa ser percecionado como simpatizante, ou opositor, ao Estado Islâmico. Aliás, neste ensejo, cumpre citar a conclusão vertida na página 117 do relatório elaborado pelo European Asylum Support Office- Country Guidance: Iraq- Guidance note and common analysis, The country guidance represents the common assessment of the situation in the country of origin by EU Member States, publicado em junho de 2019, referente ao retorno de requerentes de asilo à província de Nínive: “(…) Observando os indicadores, pode-se concluir que a 'mera presença' na área não seria suficiente para estabelecer um risco real de dano grave, nos termos do Artigo 15 (c) DQ, na província de Nínive. No entanto, a violência indiscriminada atinge um nível elevado, e, portanto, é necessário um nível mais baixo de elementos individuais para mostrar motivos substanciais para acreditar que um civil, retornado ao território, enfrentaria um risco real de danos graves na aceção do Artigo 15 (c) DQ.(…)” (tradução nossa) Revertendo ao caso posto, e tomando em conta todas as considerações realizadas antecedentemente sobre a situação no Iraque e, particularmente na província de Nínive e na zona de Mossul, constata-se que os elementos factuais disponibilizados nos autos e no processo administrativo não permitem, sequer indiciariamente, averiguar da possibilidade de retorno do Recorrente ao Iraque e à província de Nínive, para efeitos de avaliação do grau do risco do Recorrente poder vir a ser sujeito a tortura ou a tratamentos desumanos ou degradantes, ou avaliar, até, se poderá sofrer risco de morte. Efetivamente, tal avaliação implica um conhecimento aprofundado- tanto quanto possível- do perfil pessoal do Recorrente, mormente, em termos geográficos, religiosos, políticos, económicos e sociais, incluindo background familiar, apoio familiar existente no Iraque, competências profissionais, etc. Sucede, todavia, que os autos, bem como o processo administrativo, são muitíssimo parcos no que concerne a outra informação que não seja a atinente aos registos Eurodac e à tramitação essencial para proferimento da decisão de transferência do Recorrente para a Dinamarca. Quer isto significar, portanto, que não é possível a realização do escrutínio e labor imprescindíveis à avaliação da concreta situação pessoal do Recorrente e, consequentemente, da subsistência, ou não, de uma proibição de repulsão do Recorrente para o Iraque, seu país de origem. Sendo assim, cumpre proceder a uma adequada instrução do procedimento agora em discussão, por forma a que o Recorrido adquira toda a informação relevante sobre a situação e perfil pessoal do Recorrente, bem como sobre a situação vivenciada atualmente no Iraque, com especial destaque e relevância para a informação e orientação fornecida pelas agências internacionais na matéria, incluindo a agência europeia vocacionada para esta matéria- o Gabinete Europeu de Apoio em Matéria de Asilo (EASO- European Asylum Support Office), e que constitui uma agência europeia, que atua como um centro de conhecimento especializado em matéria de asilo, prestando igualmente apoio aos Estados Membros-, bem como o Conselho Português para os Refugiados- que, entre outras entidades, coopera com o ACNUR- Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados, e que é membro do Conselho Europeu para os Refugiados e Exilados (ECRE- European Council on Refugees and Exiles). Ou seja, salvaguardada a decisão de inadmissibilidade do pedido de asilo, deve o Recorrido retomar o procedimento administrativo, realizando uma instrução apta a clarificar toda a situação pessoal e perfil do Recorrente, bem como a informação relevante do país de origem do Recorrente, por forma a aquilatar da aplicabilidade do princípio da não repulsão ao caso do Recorrente. Ora, a ausência de procedimento justo e individualizado para efeitos de concessão de asilo, ou o impedimento de acesso ao mesmo, pode acabar por constituir também uma infração ao art.º 4.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, ou ao art.º 3.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, conduzindo à anulação da decisão de transferência de um requerente de asilo no domínio do Regulamento Dublin, como aliás foi já firmado pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem no Acórdão promanado em 21/01/2011, M.S.S. vs Bélgica e Grécia, queixa n.º 30696/09. Como já se expôs em momento anterior, existe no Direito da União Europeia um princípio de non-refoulement, derivado do art.º 4.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e do art.º 3.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, que constitui uma barreira de absoluta intransponibilidade, e da qual resulta a proibição de transferência de qualquer pessoa para outro Estado se essa transferência acarreta o risco de tortura, ou de tratamento humano ou degradante. Este princípio tem sido afirmado desde há muito, tendo o Tribunal de Justiça da União Europeia reiterado o sobredito valor principiológico no Acórdão proferido em 16/02/2017 no processo C-578/16 PPU, C.K. vs Republika Slovenija, e explicitado que deve admitir-se outras circunstâncias fundamentadoras de uma proibição de transferência de um requerente de asilo para o Estado responsável para além das falhas sistémicas que neste Estado possam existir: “(…) Neste contexto, carece de fundamento o argumento da Comissão segundo o qual decorre do artigo 3.o, n.o 2, do Regulamento Dublim III que apenas a existência de falhas sistémicas no Estado-Membro responsável seria suscetível de afetar a obrigação de transferência de um requerente de asilo para esse Estado-Membro. Com efeito, nada na redação desta disposição indica que a intenção do legislador da União tenha sido a de regular outra circunstância que não seja a das falhas sistémicas que impedem a transferência do requerente de asilo para um Estado-Membro determinado. Por conseguinte, a referida disposição não pode ser interpretada no sentido de que exclui que considerações associadas aos riscos reais e comprovados de tratos desumanos ou degradantes, na aceção do artigo 4.o da Carta, possam, em situações excecionais como as descritas no presente acórdão, ter consequências na transferência de um requerente de asilo em especial. Além disso, tal leitura do artigo 3.o, n.o 2, do Regulamento Dublim III seria, por um lado, incompatível com o caráter geral do artigo 4.o da Carta, que proíbe os tratos desumanos ou degradantes sob todas as suas formas. Por outro lado, seria manifestamente incompatível com o caráter absoluto dessa proibição que os Estados-Membros pudessem ignorar um risco real e comprovado de tratos desumanos ou degradantes que afetem um requerente de asilo sob pretexto de que esse risco não resulta de uma falha sistémica no Estado-Membro responsável. Do mesmo modo, a interpretação do artigo 4.o da Carta constante do presente acórdão não é infirmada pelo acórdão de 10 de dezembro de 2013, Abdullahi (C-394/12, EU:C:2013:813, n.o 60), no qual o Tribunal de Justiça declarou, em substância, no que se refere ao Regulamento Dublim II, que, em circunstâncias como as do processo que deu origem a esse acórdão, um requerente de asilo só pode pôr em causa a sua transferência se invocar a existência de falhas sistémicas no Estado-Membro responsável. Com efeito, para além do Tribunal de Justiça ter declarado, como recordado no n.o 62 do presente acórdão, que, no que se refere aos direitos conferidos aos requerentes de asilo, o Regulamento Dublim III difere, em aspetos essenciais, do Regulamento Dublim II, há que recordar que o referido acórdão foi proferido num processo que envolvia um nacional que não invocou no Tribunal de Justiça nenhuma circunstância especial suscetível de indicar que a sua transferência seria, em si, contrária ao artigo 4.o da Carta. Por conseguinte, o Tribunal de Justiça mais não fez do que recordar o seu anterior acórdão de 21 de dezembro de 2011, N. S. e o. (C-411/10 e C-493/10, EU:C:2011:865), relativo à impossibilidade de proceder a qualquer transferência de requerentes de asilo para um Estado-Membro cujo processo de asilo ou condições de acolhimento conhecem falhas sistémicas. Por último, a referida interpretação respeita plenamente o princípio da confiança mútua uma vez que, longe de afetar a existência de uma presunção de respeito dos direitos fundamentais em cada Estado-Membro, garante que as situações excecionais descritas no presente acórdão são devidamente tidas em conta pelos Estados-Membros. De resto, se um Estado-Membro procedesse à transferência de um requerente de asilo em tais situações, o trato desumano e degradante que daí resultaria não seria imputável, direta ou indiretamente, às autoridades do Estado-Membro responsável, mas unicamente ao primeiro Estado-Membro. (…).” Esta visão é partilhada, entre nós, por A. SOFIA PINTO OLIVEIRA (Direito de Asilo, in Tratado de Direito Administrativo Especial, Volume VII, coord. Paulo Otero e Pedro Gonçalves, abril, 2017, Almedina, pp. 5 a 131), que salienta, neste ensejo, o Acórdão proferido pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem em 07/03/2000, TI vs Reino Unido, como tendo sido o primeiro em que aquela Instância afirmou que “a aplicação dos critérios de Dublin não dispensa os Estados de verificarem se a transferência dos requerentes pode ou não iniciar uma cadeia de transferências dos requerentes que venha no final a resultar numa violação dos direitos da Convenção Europeia dos Direitos do Homem que os Estados tinham o dever de proteger.” Numa nota publicada mais recentemente, em 30 de novembro de 2018, o European Council on Refugees and Exiles[10] (doravante, ECRE), após relatar o aparecimento, desde 2017, de casos de deportação indevida sequentes à adoção de procedimentos de transferência[11], findava a sua avaliação com recomendações dirigidas aos Estados-Membros, concretamente: que as respetivas autoridades, com base em indícios objetivos, deveriam adotar instruções claras no sentido de impedir a transferência de requerentes de asilo para outros Estados-Membros nos quais enfrentariam o risco de devolução direta ou indireta; que os Estados-Membros deveriam elaborar instruções respeitantes à avaliação do contexto sociopolítico dos requerentes de asilo e refugiados no Estado para o qual serão transferidos, na medida da relevância para efeitos de aplicação do art.º 3.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem; nas situações em que o Estado-Membro considera ocorrer o risco de devolução em cadeia, em violação do citado art.º 3.º da Convenção, deve cessar ou não iniciar o procedimento de transferência ao abrigo do Regulamento Dublin e socorrer-se da cláusula de soberania inscrita no art.º 17.º do Regulamento Dublin. Ressalte-se, a este propósito, que o sistema Dublin tem sido alvo de ferozes ataques, quer de índole política, quer de natureza jurídica, quer por introduzir desequilíbrios óbvios entre os Estados-Membros no que se refere à organização e gestão do Sistema Europeu Comum de Asilo (SECA), quer por dar azo a procedimentos muitas vezes mais complexos e morosos do que aqueles que se destinam a indagar dos requisitos para a concessão de asilo, para além das constatadas divergências de interpretação e aplicação do sistema Dublin por banda dos Estados-Membros[12]. Seja como for, a consideração do princípio de non refoulement e a respetiva importância para o sistema Dublin está já estabelecida pela Jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, especificamente, nos Acórdãos promanados em 21/01/2011, M.S.S. vs Bélgica e Grécia, Queixa n.º 30696/09, e em 04/11/2014, Tarakhel vs Suíça, Queixa n.º 29217/12. Referindo- se aos mencionados Acórdãos, PATRÍCIA CABRAL (Construção de uma Responsabilidade Europeia Além-Fronteiras, Dissertação apresentada para obtenção do Grau de Mestre, julho de 2015, Faculdade de Direito da Universidade Nova, consultável no Repositório da Universidade Nova, em www.run.unl.pt., pp. 36 e 37) explica: “(…) No primeiro, o TEDH construiu o princípio segundo o qual perante a existência de falhas sistémicas que apresentem um risco de violação do artigo 3.º no Estado que seria responsável pela análise de um pedido de asilo, o Estado-Membro onde o requerente se encontra fica impedido de o transferir para esse país. (…) Por fim no julgamento Tarakhel o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem veio reforçar que esta proteção não se limita a situações de falhas sistémicas, sendo refutada a presunção de cumprimento do artigo 3.º da CEDH sempre que existam razões sérias para crer que a pessoa enfrentaria um risco de tratamento contrário a esta mesma norma. Os Estados-Membros encontram-se efetivamente adstritos ao nível de proteção mais elevado concedido por decisões como Tarakhel e M.S.S., incorrendo em responsabilidade internacional sempre que tomarem uma posição restritiva que reduza os direitos fundamentais do requerente. Por parte dos tribunais nacionais, estes deverão sempre optar pela mais ampla proteção conferida pelos instrumentos supranacionais, como principais responsáveis pela aplicação do direito da União e sob pena de violar as suas obrigações internacionais, sujeitando-se aos mecanismos de responsabilidade implementados. Ora da perspetiva do Tribunal de Justiça, o artigo 3.º da CEDH e o artigo 4.º da CDFUE são correspondentes, de tal forma que contêm um texto idêntico. Seguindo a interpretação exigida pelo artigo 6.º do TUE e pelos artigos 52.º e 53.º da CDFUE, o tribunal do Luxemburgo não pode descurar a interpretação que tem sido tomada e crescentemente consolidada por Estrasburgo e encontra-se igualmente obrigado a conferir a mais ampla das proteções concedidas pelo direito da União ou pela CEDH. A posição defendida em Tarakhel permite a extensão da suspensão de transferências a mais situações além daquelas em que sejam provadas falhas sistémicas, bastando a existência de um risco real para o requerente no caso concreto. Abre ainda caminho para que seja dada relevância a outros direitos fundamentais além da proibição de pena ou tratamentos desumanos ou degradantes, não sendo o artigo 3.º da CEDH o único invocável para efeitos de suspensão de transferência. (…)”. Assim, atento todo o expendido, assoma força a conclusão de que, a necessidade de completar adequadamente a instrução procedimental conduz à parcial procedência do recurso do Recorrente, na medida em que pode subsistir motivo válido para aplicar o princípio da não repulsão, na sua dimensão indireta- denominado de “refoulement indireto”- e não realizar a transferência do Recorrente para a Dinamarca, em virtude de ser razoável, credível e expectável que este país venha a deportar o Recorrente para o Iraque. Ora, como decorre imediata e logicamente do enquadramento jurídico e factual conferido aos presentes autos, bem como da decisão de conceder procedência parcial ao presente recurso jurisdicional e, por via disso, ser o Recorrido condenado a proceder à adequada instrução dos autos, este Tribunal de Apelação não está em condições de realizar a apreciação e julgamento da pretensão do Recorrente quanto à concessão do estatuto de proteção internacional. Com efeito, é necessário para tal desiderato que seja clarificado o acervo factual relevante, nos moldes já expostos supra. Seja como for, cumpre esclarecer que, também nos termos do já decidido supra, a decisão de inadmissibilidade do pedido de asilo mantém-se inatacável, uma vez que a pretensão do Recorrente já se encontra decidida pela Dinamarca, tendo sido indeferida. Pelo que, não pode sobre o mesmo pedido recair nova decisão. É certo que este status quo não obsta a que, caso o Recorrido entenda estarem preenchidos os requisitos, seja concedida proteção subsidiária ao agora Recorrente, nos moldes descritos no art.º 7.º da Lei do Asilo, ou até que reverta a decisão de inadmissibilidade do pedido, por considerar que a situação do Recorrente é manifestamente merecedora de um tratamento diverso daquele que lhe foi conferido pelo Reino da Dinamarca. Todavia, a verdade é que, de todo o modo, atenta a ausência de informação relevante sobre o Recorrente, este Tribunal não pode proceder à averiguação do preenchimento dos requisitos para concessão do estatuto de proteção internacional, do mesmo modo que não pode julgar da aplicabilidade do princípio da não repulsão ao caso do Recorrente. Por estas razões, improcede, nesta parte, o presente recurso jurisdicional.
Destarte, e em suma, o vertente recurso jurisdicional procede, ainda que parcialmente, devendo o Recorrido completar a instrução do procedimento administrativo, nos termos indicados e explicitados, sem prejuízo da manutenção da decisão de inadmissibilidade do pedido de asilo. Pelo exposto, acordam, em Conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal Central Administrativo Sul em conceder parcial provimento ao recurso e, consequentemente: I- Revogar a sentença recorrida no que concerne ao ato que ordena a transferência do Recorrente para a Dinamarca, mantendo-a contudo, no que tange à decisão de inadmissibilidade do pedido de asilo formulado pelo Recorrente em Portugal em 28/02/2019; II- Condenar o Recorrido a completar a instrução do procedimento, nos termos explicitados no presente Acórdão, devendo, após, prosseguir a tramitação procedimental até emissão de nova decisão. Sem custas, atenta a gratuitidade prevista no art.º 84.º da Lei n.º 27/2008, de 30 de junho, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 26/2014, de 5 de maio. Remeta cópia do presente acórdão ao Conselho Português para os Refugiados. **** Lisboa, 10 de setembro de 2020, ____________________________ Paula Cristina Oliveira Lopes de Ferreirinha Loureiro ____________________________ Jorge Pelicano- com voto de vencido anexo ____________________________ Celestina Castanheira *** *** Voto vencido na parte em que se procede à revogação da sentença e se determina instruir o procedimento com informação relativa ao perfil pessoal do Recorrente, por, em síntese, entender que as autoridades portuguesas, ao transferirem o Recorrente para a Dinamarca, não estão a violar o princípio da não repulsão, dado que este país também está obrigado a cumprir as regras de direito comunitário e de direito internacional que proíbem a repulsão (n.º 1 do art.º 33º da Convenção Relativa ao Estatuto dos Refugiados de 1951, art.º 78.º, n.º 1, do TFUE, art.º 19º, n.º 2 da CDFUE, art.º 21.º, n.º 1 da Directiva 2011/95/EU do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13/12/2011) e, portanto, a ponderar as mesmas no âmbito de qualquer procedimento que venha a abrir com vista ao afastamento do Recorrente para o seu país de origem. O Recorrente, caso discorde da decisão que eventualmente vier a ser tomada, sempre a poderá impugnar judicialmente.
Jorge Pelicano _______________________________ [1] texto do ato de aceitação, redigido em inglês, possui, além do mais, a seguinte redação: “Acceptance in accordance with the Dublin Regulation With reference to your request of 25th March 2019 in wich Denmark, pursuant to Article 18 (1) (b) of the Dublin Regulation, is requested to take back Citizen of Iraq In Denmark known as ….., born 19-11-1990, M In Portugal known as ….., born 19-11-1990, M The Danish Immigration Service advises that Denmark agrees to take back the abovementioned person according to Article 18 (1) (d) of the Dublin Regulation, as a final negative decision regarding said person’s asylum application in Denmark was reached by the Refugee Appeals Board on 19th December 2017. [2] Artigo 3.º Proibição da Tortura [3] Artigo 4.º Proibição da Tortura e dos tratos ou penas desumanos ou degradantes [4] Artigo 33.º Proibição de expulsar e de repelir 1- Nenhum dos Estados Contratantes expulsará ou repelirá um refugiado, seja de que maneira for, para as fronteiras dos territórios onde a sua vida ou a sua liberdade sejam ameaçadas em virtude da sua raça, religião, nacionalidade, filiação em certo grupo social ou opiniões políticas. [5] Artigo 19.º Proteção em caso de afastamento, expulsão ou extradição 1. São proibidas as expulsões coletivas. [6] Notícia de 06/04/2020, Aljazeera: “Denmark refugees feel left out from lauded coronavirus policies” Aarhus, Denmark - For Daniel Christiansen, lockdown measures amid the coronavirus measures simply mean another form of isolation. Originally from Iraq, he lives in one of Denmark's two udrejsecentrene - "departure centres" for rejected asylum seekers. The Kaershovedgard facility in the country's northwest is located just over seven kilometres (four miles) from the nearest shop, has no public transport access, and houses people like him, whose applications for asylum have failed. Some are separated from their families. Police control who enters and leaves. While the centre's activities and common spaces have closed as part of lockdown measures implemented on March 11 as the country battles the coronavirus pandemic, Christiansen says he does not feel life has changed. "We are already [outside of] society," he told Al Jazeera, explaining that they are not allowed to learn Danish, earn money, or even cook their own food. Christiansen's sense of abandonment grew as Denmark's response to the pandemic was hailed worldwide as a leading example, especially its economic measures. The social democratic welfare state ordered the closure of public institutions and shut its borders relatively early on. It was one of the first countries which offered to pay 75 percent of private companies' employee salaries to avoid mass layoffs. While these measures were extensive, uncertainty mounted among refugees and migrants. Shakira, who did not want to share her last name, stays at another departure centre north of Copenhagen, Sjaelsmark, with her 11-year old son who has grown up shuttled between various asylum and detention centres. As a result, he suffers from depression, and especially fears police. Shakira's days now are spent helping her son with his school lessons online. "It's so hard," she told Al Jazeera. "If you have a child, it's really, really very hard ... The children here have been through a lot of trauma." Social distancing, meanwhile, is almost impossible. Shakira lives close to other families, and while common spaces and group activities have been shut down, residents continue to share bathrooms like at Kaershovedgard. "I'm worried if this coronavirus comes in the centre," she said, explaining she was unsure whether adequate medical treatment would be provided. "What is going to happen to our lives? Are we going to die?" While the Danish Foreign Affairs and Integration Ministry has not issued information about coronavirus-related protocols at specific departure centres, it has made broad statements about measures at asylum centres overall, such as banning the use of public transport and travel between facilities. By the time of publishing, Tesfaye had not responded to Al Jazeera's request for comment. Some refugees and migrants have received support from civil society. Charlotte Slente, secretary-general of the Danish Refugee Council (DRC), told Al Jazeera that the group provides language training, mentoring and advisory services to people online. "Many of the refugees that have come to Denmark [have had] traumatic experiences," she said. "They might be emotionally, mentally ... affected by the situation. [They have] a bigger need for continuing normality than the rest of us." Christiansen and Shakira have had their claims to seek asylum rejected, but both claimed to have escaped dangerous situations in their home countries. While Shakira did not want to give details, Christiansen says he would have been killed had he stayed in Iraq. Anne La Cour, who leads the Danish Red Cross's asylum department, said when newcomers arrive, they are taken to the Cross's reception centre and are required to isolate for two weeks, "same as if a Dane came home from a foreign country". La Cour said so far there have been no infections at these centres. But should there be, she is confident an outbreak could be controlled due to record-low numbers of asylum seekers to Denmark in recent years. Sharing information about how to limit an outbreak, in as many languages as possible, was a key priority, said both La Cour and Slente. Meanwhile, the Danish Green Card Association, which advocates for migration, is raising awareness about how the pandemic could affect immigrants on temporary visas, green card holders, and those applying for permanent residency (PR). People in these groups need to show a minimum annual income in order to extend visas or apply for PR, but with income lost due to coronavirus shutdowns, many risk being unable to do so. Naqib Khan, the organisation's spokesperson, said the government's economic plan does not include those who have been fired, an unfortunate reality for many migrants. "It has hit the immigrant community here in Denmark a lot," he told Al Jazeera. "And it has consequences for years to come." A Pakistani mother of two young sons living in Copenhagen, who wished to remain anonymous, told Al Jazeera that two of her three employers have been unable to keep giving her part-time work with public institutions closed down. The loss of work means she no longer meets the income requirement for PR. "I know all the workers like us [are having] the same problem," she told Al Jazeera. "All of us are struggling." Khan has called on the Danish government to waive at least three months of the annual income requirement for these immigrants. Countries have been varied in their responses to migration issues since the start of the pandemic. Portugal temporarily granted migrants and asylum seekers full citizenship rights. Canada said it would turn away asylum seekers at the Canada-US border. In the US, a federal judge ordered the release of migrant children in federal detention due to fears of coronavirus spreading. "Our main advice is that the refugees that get displaced are taken into account in international response plans," Slente said. In recent days, Denmark, where more than 4,500 people have been infected and 179 have died with coronavirus, has signalled it might ease lockdown restrictions to avoid economic recession. Back in Kaershovedgard, Christiansen said he hopes Danes who have been in self-isolation remember people like him who will continue to be "forcibly isolated" when their lockdown ends. "Maybe they can come to think about [the pain we feel]," he said, "when they themselves cannot do anything and are just sitting in the house."” (https://www.aljazeera.com/indepth/features/denmark-refugees-feel-left-lauded-coronavirus-policies-200403131644645.html)
Notícia de 08/10/2018, Souciant: “Surviving Denmark‟s Open Prisons for „undeportables‟ “COPENHAGEN – Khoshnaw Nameq has watched his son grow up on the screen of his phone. It‟s been nine years since he left his home in Iraq to escape a death threat. It‟s been six years since his application for asylum was rejected in Denmark, three years since he married his Danish girlfriend, Christina, and nearly 18 months since his son, Kevin, was born. Today the young father lives reluctantly in Italy, separated from his wife and child and trying to escape a particularly Danish form of limbo. Khoshnaw is among around 1,000 asylum seekers rejected by the Danish authorities. Many of them, like Khoshnaw, cannot be deported because their countries, including Iraq, will accept only voluntary returns, not deportations. The “undeportables” are bound over to live in one of two “open departure centres.” In October 2016, Khoshnaw was sent to Kaershovedgard, a facility set among the forests and cornfields of Jutland, northwest Denmark. Police control who goes in and out and a sign outside warns those approaching that the “area is monitored by video”. It‟s not a prison, nor has Khoshnaw been convicted of any crime. In 2012, the Danish authorities rejected his asylum claim. While lodging an appeal, he was sent to an asylum centre near the capital, Copenhagen. There he met Christina and they dated for three years. During their courtship, Khoshnaw was sent to another open departure centre, Sjaelsmark, in the north of Copenhagen, close to where she lived. In 2015, the couple got married and after a few months, they were expecting their first child. As Christina neared the end of her first trimester, the couple received a letter from the Danish Immigration Services informing them that Khoshnaw was being transferred to Kaershovedgard, 220 miles (350km) away. The rules dictate that after 5 p.m. no guests are accepted at Kaershovedgard, so Khoshnaw had to request permission to sleep at his wife‟s home. He had to give five days‟ notice. He cycled 5 miles (8km) to the train station then took a five-hour train ride to Copenhagen. Asked what Europe means, he says it is a place where you don‟t fear “that someone is coming to kill you.” In December 2016, when Christina was pregnant, Khoshnaw applied unsuccessfully for special permission to get out of the centre at any time. “I explained that I couldn‟t know which day my wife was going to give birth, but nothing.” To give himself a chance, he borrowed his wife‟s car and on 1 April, 2017, he got the call from the hospital. He managed to get there before Kevin was born. “I was lucky. I stayed five days with them, without permission, and then came back to the centre.” Having a Danish wife and a Danish son does not automatically entitle you to remain in Denmark. The application for family reunification needs to be submitted from the home country, not from Denmark. “The possibility of staying in Denmark is not guaranteed even if you are married and even if you have a child,” says Eva Singer from the Danish Refugee Council. “Iraq is not my country anymore,” says Khoshnaw. He speaks perfect Danish and defines his way of thinking as “European.” Asked what Europe means, he says it is a place where you don‟t fear “that someone is coming to kill you.” Khoshnaw‟s father was an officer in a Kurdish anti-terrorist unit under the wing of the US Army in Iraq. But when in 2008 Iraq‟s parliament released thousands of prisoners, Khoshnaw‟s family became a target. That year, their house in Kirkuk was attacked. In 2010, his father was shot and wounded by suspected terrorists while driving home. When Khoshnaw visited him in the hospital, his father told him, “Tomorrow you are getting out of Iraq.” He had received a letter that read: “We can‟t get you, but we can kill your son Khoshnaw.” Khoshnaw crossed Turkey, Greece, Italy and Germany and arrived in Denmark, planning to reach friends of his father‟s in Finland and claim asylum there. But a police raid in Copenhagen cut short the plan. “The police asked me for my passport (and) I said I didn‟t have anything,” he remembers. The Danish police took his fingerprints and he applied for asylum in Denmark. According to the Dublin regulation, an asylum seeker has to apply for asylum in the first country where the fingerprints are registered. For a year and a half, he lived in a house paid for by the Danish government while waiting for an interview with the asylum service. Then in 2012, he was rejected. They told him it was safe for him to go to the north of Iraq. “Had it been a safe place for me, my father wouldn‟t have sent me to Europe,” he points out. Under the Danish Aliens Act, rejected asylum seekers who do not volunteer to return are sent to a detention centre. But when the return is “not foreseeable,” the alien is obliged to remain indefinitely in one of the open departure centres until they volunteer to leave the country. The EU‟s Returns Directive established a six-month maximum period of detention, but the Danish government does not consider people like Khoshnaw to be detained because “they are free to leave the departure centre at any time as long as they fulfil their obligations (for instance, reporting to the police),” according to an email from the Danish ministry of immigration. Asked about the rejected asylum seekers who stay for years in these centres, the immigration ministry said that if rejected asylum seekers stayed, “it was because they refused to comply with the authority‟s decision to leave the country.” Khoshnaw lived in Kaershovedgard for over a year and got the message. The centre was “designed to make us feel depressed,” he says. According to the ministry of immigration, the purpose of the centres is “to send a clear signal to the aliens that they do not have a future in Denmark, and to motivate them to contribute to their return.” Khoshnaw lived in Kaershovedgard for over a year and got the message. The centre was “designed to make us feel depressed,” he says. Every month, Khoshnaw would have an interview with the police. They would threaten to put him in jail if he did not return to Iraq and he would answer, “Whatever you do, I don‟t care, I am not giving up.” Eventually, he had to give up. After a year of requesting permits to cross Denmark to stay a few hours with his wife and son, Khoshnaw could not take it anymore. “Without my son, I couldn‟t live in Denmark like that,” he says. During the winter, when Kevin or Christina was sick, he would overstay at her home, which led immigration services to restrict his leave permits. Had he kept disobeying the rules, he risked prison. In December 2017 he absconded from the centre, making his way to Italy, where he has once again applied for asylum. Under the Dublin regulation, Italy should send him back to Denmark – where his fingerprints were first recorded. But his lawyer has lodged an appeal in Rome while they await a decision. In Italy, unlike Denmark, asylum seekers can work. Khoshnaw got a job in a hotel bar. After eight years in Denmark being unable to work and languishing in a departure centre, he has regained some sense of normality. He gets up in the morning at a home provided by a Catholic charity and heads to work. “The only thing I don‟t have is my family,” he says. “Every time I asked him, „Kevin do you want to give me a hug?‟ he is always, like, opening his arms and hugging.” They talk every day, Khoshnaw says. Three days after Khoshnaw left Denmark, Kevin started crawling. Last July, Christina and Kevin visited Khoshnaw in Italy and for a week they lived like a normal family. When he met them at the airport, Khoshnaw asked Kevin, “Do you want to come to your father?” Kevin gave him his hand. “It was very nice to know that he did not forget me.” “Every time I asked him, „Kevin do you want to give me a hug?‟ he is always, like, opening his arms and hugging,” says Khoshnaw. He misses holding him. The future is uncertain and Italy could send him back to Denmark. Khoshnaw is scared of ending up in prison. A death threat separated him from his family in Iraq. Migration laws separate him from his family in Denmark. Still, he keeps a positive attitude: “One day everything will be good … just nobody knows when.” Until that day comes, he watches his son grow up on the screen of his phone. Despite being forcibly separated from his wife and son, Khoshnaw is still thankful for his safe life in Europe. Earlier this year, after so-called Islamic State militants launched an attack on Kirkuk, his parents sought refuge in Turkey.” (http://souciant.com/2018/10/surviving-denmarks-open-prisons-for-undeportables/)
Notícia de 21/10/2017, The Local, dk: “Denmark rejected asylum seekers hunger strike against “intolerable” circumstances” “The hunger strikers hope to call attention to what they feel is an intolerable situation with no clear solution, a resident at Departure Centre Kærshovedgård, where the hunger strike is taking place, told The Local. “When we were moved [to the centre], we didn‟t know what it would be like. After a few months we lost hope. Everything is just getting worse and worse,” Iranian resident Kamran Mohammadi said. Kærshovedgård, a so-called udrejsecenter (departure or expulsion centre), houses rejected asylum seekers who have not yet left Danish territory, for example due to being stateless or because no readmission arrangement exists between Denmark and their home country. Others do not agree with the outcome of their asylum application or are unable to be voluntarily returned to their home countries due to the danger they believe that will place them under. Mohammadi, a rejected asylum seeker who has lived in Denmark since 2008, initially at the Sandholm refugee facility and now at Kærshovedgård, said that he and others at the centre had been made to feel like criminals, despite not having broken any laws. “We respect the rules but we feel as though we have committed a crime. It creates a bad atmosphere,” he said. The 30-year-old Iranian, who spoke to The Local‟s reporter in fluent Danish over the telephone, said that he had spent his “prime years” in the Sandholm and other refugee centres, having come to Denmark as a refugee at the age of 21. Mohammadi said that his background as a political dissident made it impossible for him to return to his homeland. “Some of us have cooperated and gone back to Iran, but for others, it‟s not possible. We have no help here. No Danish lessons, no activities. We have to sign forms three times a week and speak to police who ask every time why we haven‟t returned home. They say „why don‟t you leave, you have no opportunities in Denmark‟. It‟s making people mentally ill,” the Iranian said. Martin Lemberg-Pedersen, assistant professor in Global Refugee Studies at Aalborg University‟s Department of Culture and Global Studies, told The Local that the circumstances at the centre, where rejected asylum seekers exist in a state of limbo, had been proven by studies to cause psychological illness. “This is a very serious situation, due in part to the very rationale behind such expulsion centres. They are built on a logic that people can be motivated to leave the country. This means that the centre‟s main function is to impose living conditions so intolerable that people will leave. Consequently, [the centres] are not created in a way that allows for a normal, healthy life,” Lemberg-Pedersen said. Located 13 kilometres from Ikast in Jutland, the Kærshovedgård facility is one of two deportation centres in Denmark used to house rejected male and female asylum seekers who have not agreed to voluntary return, as well as persons with so-called „tolerated stay‟ (tålt ophold) status, who do not have permission to reside in Denmark but cannot be deported. Persons with a deportation sentence are also held at the facilty. The three groups are not separated during day time, according to information provided to The Local. The centre opened in March 2016 following the approval of the so-called „asylum package‟ by the Danish government in a motion led by immigration minister Inger Støjberg in 2015. That law provided for the opening of the expulsion centre – a type of facility that did not previously exist in Denmark – based on the 2008 EU Returns Directive. Denmark had previously chosen not to implement the use of such centres due to the foreseen consequences for those detained in them, Lemberg-Pedersen said. This changed once Denmark‟s first expulsion centre at Sjælsmark was opened by the previous Social Democrat-led government in 2013, he added. There are no fences or bars to keep people inside or outside the facility, but the nearest shop is seven kilometres away in the town of Bording. There are no public transport connections. People living at the centre are not permitted to make their own food and must spend every night at the centre unless special permission is granted. Rejected asylum seekers who have not agreed to be returned to their own countries are also barred from taking on voluntary work within the centre. Lemberg-Pedersen echoed comments made by Mohammadi – that conditions are similar to those usually detained for being convicted of crimes. “These things contribute to making conditions intolerable. This kind of camp technology places already-vulnerable people in intolerable situations, and centres like this have a track record of breaking people down. Research tells us that people reach a threshold after which they begin to break down, with a range of severe psychological and psychosomatic consequences,” the assistant professor said. “They are allowed to do none of the basic activities that are most important for all of us – because these activities show perspective and a future. Therefore, they end up taking desperate measures like these,” Lemberg-Pedersen said in reference to the hunger strike. Tone Olaf Nielsen, programme and traineeships co-ordinator at Trampoline House, a Copenhagen independent citizens' centre for asylum seekers and refugees, told The Local that hunger strikers hoped to shine light on their situation and, in some cases, have their cases reopened. Nielsen visited Kærshovedgård on a number of occasions before the protest began. “It‟s a problem that these deportation centres are opened with such awful conditions, because [residents] have not committed any crime, other than being unable to leave,” she said. “The ministry‟s position is that they can leave, but in reality, they can‟t,” she added. A number of asylum seekers whose cases were rejected by both the Danish Immigration Service (Udlændingestyrelsen) and Refugee Board (Flygtningenævnet), with which appeals can be lodged, have previously succeeded in having their cases reopened after receiving legal assistance, Nielsen said. This shows that incorrect decisions can be made by both boards, despite the contention of authorities that this is not possible, she added. “People are desperate to be heard and are living under these conditions, so this is their last option – having control over their own deaths,” she said. Many of the centre‟s residents have – like Mohammadi – lived in Denmark long enough to establish a strong connection to the country, Nielsen said. “The interned people can have connections to Denmark related to their long stays – they have families and children. It takes a long time – sometimes seven to nine years – to come through the system. But now it‟s not possible for them to buy an ice cream for their children,” she said. [9] A informação factual apresentada no texto deste Acórdão, respeitante ao Iraque e, mais concretamente, a Nínive e a Mossul, e referente à situação social, militar e económica atual, foi colhida junto de instituições internacionais, que as sistematizaram com vista ao tratamento das matérias de proteção internacional e da situação vivenciada em termos de grau de respeito pelos direitos humanos. As fontes de informação consultadas são as seguintes: 1) European Asylum Support Office:
- Country Guidance: Iraq- Guidance note and common analysis, The country guidance represents the common assessment of the situation in the country of origin by EU Member States- junho de 2019; - Country of Origin Information Report- Iraq- Security situation- março de 2019; - Country of Origin Information Report- Iraq- Targeting of Individuals- março de 2019; - Country of Origin Information Report- Iraq- Security situation (supplement)- Iraq Body Count- civilian deaths 2012, 2018- 2018- fevereiro de 2019; - Data trends and profiles in EU+- Applicants from Iraq, their main destination countries, profiles and types of decision issued on these cases- setembro de 2019; - Information on Mosul including: current security situation; treatment of Kurds; & availability of schools/services/housing for returnees- elaborado por Refugee Documentation Centre (Ireland), Legal Aid Board- novembro de 2019; - Information on current ISIS/Islamic State/Daesh/ISIL activity- elaborado por Refugee Documentation Centre (Ireland), Legal Aid Board- setembro de 2019; Todos os documentos consultados encontram-se disponíveis no sítio www.easo.europe.eu. 2) United Kingdom Home Office:
- Country Policy and Information Note- Iraq: Internal relocation, civil documentation and returns- fevereiro de 2019. Documento disponível no sítio www.gov.uk/topic/immigration-operational-guidance/asylum-policy. 3) Ministry of Immigration and Integration of Denmark, The Danish Immigration Service:
- Northern Iraq- Security situation and the situation for internally displaced persons (IDPs) in the disputed areas, incl. possibility to enter and access the Kurdistan Region of Iraq (KRI)- novembro de 2018. Documento disponível no sítio www.nyidanmark.dk. 4) United States Department of State:
- 2019 Country Reports on Human Rights Practices: Iraq- 11 de março de 2020. Documento disponível em https://www.state.gov/reports/2019-country-reports-on-human-rights-practices/. 5) EPIC- Enabling Peace in Iraq Centre:
- ISHM Reference Guide- maio 2020. Documento disponível no sítio https://enablingpeace.org/ishm-reference-guide/. 6) Al-Monitor:
- Notícia: Islamic State conducts attacks near Iraq‟s Syrian and Iranian borders- publicada em 28/04/2020. Documento disponível no sítio https://www.al-monitor.com/pulse/originals/2020/04/iraq-isis-diyala-jelawla-terrorism-security.html. 7) The New Humanitarian:
- Notícia: Nowhere to go: Mosul residentes in limbo as camps close- publicada em 11/03/2020. Documento disponível no sítio www.thenewhumanitarian.org/news-feature/2020/03/11. 8) Security Council Report, United Nations Security Council: - Iraq (UNITAD)- September 2020 Monthly Forecast- setembro 2020. [11] “(…) One area where policy choices on the application of Dublin come into tension with human rights law relates to onward deportation. Since 2017, a fresh body of case law has emerged on the suspension of Dublin transfers to Member States where an asylum seeker would unfairly be denied international protection and would face removal to his or her country of origin. Such suspensions on account of indirect refoulement have been most prominent vis-à-vis applicants from Afghanistan: domestic courts have ruled against transfers of individuals to Germany, Austria, Belgium, Sweden, Finland and Norway, due to human rights risks stemming from their unduly strict policy on granting protection to Afghan claims. Some courts have taken a similar line towards asylum seekers at risk of onward return to Sudan upon transfer to Italy. Here, the deficiencies identified by courts in the receiving Member States are not capacity-related: these countries have generally well-resourced asylum systems and reception arrangements to cater for applicants‟ subsistence needs. The suspension of Dublin transfers results rather from the persisting discrepancies in national decision-making outcomes, due to which Afghan asylum seekers – like many others – continue to face an “asylum lottery” in Europe. As of October 2018, first-instance protection rates for nationals of Afghanistan ranged from 98% in Italy and 71% in Greece, to 51% in Germany, 32% in Sweden and 7% in Bulgaria according to latest statistics. Similarly, Iraqi nationals have a 95% chance of getting protection at first instance in Italy but no more than 26% in Sweden and 8% in Bulgaria. As there is no evidence to indicate variations in the profiles of applicants from these countries, the conclusion has to be that the extreme disparities in recognition rates are to a large extent a product of conscious policy choices. For example, in some countries authorities are instructed to refuse protection based on the “internal protection alternative” or even on a presumption of “manifest unfoundedness” for claims lodged by applicants from countries such as Afghanistan or Iraq, while others do not systematically apply such concepts. |