Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:04827/11
Secção:CT - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:02/28/2012
Relator:EUGÉNIO SEQUEIRA
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL. IRS. RETENÇÃO. PRESTAÇÃO SERVIÇOS.
Sumário:Doutrina que dimana da decisão:
1. Os montantes pagos por sociedade com sede em território português por prestação de serviços a entidade não residente neste, encontrava-se sujeita a retenção na fonte de IRS à taxa liberatória de 15%, mas desde que tais contrapartidas tivessem sido realizadas ou utilizadas em território português;
2. Tendo a entidade beneficiária realizado as contrapartidas acordadas, exclusivamente, na região de Paris, não se encontram os pagamentos efectuados pela sociedade com sede em território português sujeitas a tal retenção.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário (2.ª Secção) do Tribunal Central Administrativo Sul:


A. O Relatório.
1. A...– Sociedade Exploradora de Pedreiras, SA, identificada nos autos, dizendo-se inconformada com a sentença proferida pela M. Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria na parte em que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida, veio da mesma recorrer para este Tribunal formulando para tanto nas suas alegações as seguintes conclusões e que na íntegra se reproduzem:


1ª A sentença recorrida julgou parcialmente improcedente a impugnação judicial deduzida contra as liquidações adicionais de IRS e juros compensatórios referentes aos anos
de 2001 a 2003, determinando a manutenção das liquidações adicionais de IRS e de juros compensatórios referentes aos anos de 2001 e de 2002, com fundamento no facto de os rendimentos em causa estarem sujeitos a tributação em território português, nos termos do artigo 18.º, n.º 1, alínea f), do Código do IRS e de não ter sido apresentada prova da residência fiscal do beneficiário dos rendimentos fora do território português, a qual, no entendimento do Tribunal a quo, apenas poderá consubstanciar uma declaração emitida pela autoridade fiscal estrangeira;
2ª A sentença recorrida não deve, desde logo, proceder, porquanto incorre em nulidade por falta de fundamentação de facto, decorrente da falta de discriminação dos factos não
provados e da falta de apreciação crítica das provas;
3ª Com efeito, não procedendo à discriminação dos factos não provados, a sentença recorrida incorre em nulidade, por força do disposto nos artigos 123.º, n.º 2 e 125.º, ambos do
CPPT, devendo ser anulada com esse fundamento;
4ª Também a falta de apreciação crítica da prova e a total ausência de valoração da mesma faz incorrer a sentença recorrida em nulidade, nos termos do disposto no artigo 205.º
da CRP, nos artigos 158.º e 659.º do CPC, aplicáveis ex vi artigo 2.º do CPPT e nos artigos 123.º e 125.º do CPPT, impondo-se também a sua anulação;
5ª Sendo declarada a nulidade da sentença, nos termos e condições acima mencionados, sempre se impõe, por força do disposto no artigo 712.º do CPC, aplicável ex vi artigo 2.º do CPC, que os autos baixem à 1.ª instância para ampliação da matéria de facto, caso esse Ilustre Tribunal considere que não dispõe de elementos que lhe permitam a reapreciação da matéria de facto, bem como que a sentença é omissa em sede do probatório quanto aos factos essenciais para a decisão da causa, por impossibilidade de o Tribunal ad quem julgar em substituição;
6ª Sem prejuízo do exposto, e admitindo-se que tal nulidade não seria procedente, o que apenas por dever de patrocínio se concebe, ainda assim seria de anular a sentença recorrida com fundamento em erro de julgamento decorrente da insuficiência da matéria de facto;
7ª Com efeito, não foram considerados pelo Tribunal a quo os factos decorrentes quer da prova documental, quer da prova testemunhal produzida, nomeadamente que a actividade desenvolvida por Amador B...implicava, para além da promoção da celebração de contratos, a cobrança de débitos dos clientes à Impugnante, a prestação de informação sobre a solvabilidade e grau de risco dos clientes e o esclarecimento de dúvidas e resolução de problemas surgidos no decurso do contrato e que aquele desenvolvia a sua actividade integralmente em França, onde residiu nos anos de 2001 a 2003;
8ª Tais factos resultam de forma inequívoca quer do contrato de agência, quer da correspondência trocada com Amador B..., junta aos autos como docs. n.º1 e n.º6 da p.i., assim como dos depoimentos das testemunhas C..., D... e Amador B...;
9ª Pelo que, em suma, deverão ser relevados como factos provados todos os supra evidenciados e, em conformidade com o exposto, ser proferida uma nova decisão que julgue a impugnação judicial deduzida pela Recorrente integralmente procedente;
10ª Acresce que, sempre se impõe, por força do disposto no artigo 712.º do CPC, aplicável ex vi artigo 2.º do CPC, que os autos baixem à 1.ª instância para ampliação da matéria de facto, caso esse Ilustre Tribunal considere que não dispõe de elementos que lhe permitam a reapreciação da matéria de facto, por impossibilidade de o Tribunal ad quem julgar em substituição;
11ª Sem prejuízo do acima exposto, e ainda que não se considerem procedentes os vícios acima invocados, o que apenas por cautela e dever de patrocínio se concede, cumpre
referir que a decisão recorrida incorre também em erro de julgamento na matéria de direito, porquanto os fundamentos em que a mesma se alicerça são improcedentes;
12ª Com efeito, e desde logo, é evidente que os rendimentos em causa não estão sujeitos a tributação em território português, uma vez que, pese embora lhes seja abstractamente aplicável o disposto no artigo 18.º, n.º 1, alínea f) do Código do IRS, certo é que, por força do disposto no n.º 4 do artigo 4.º do Código do IRC, aplicável ex vi artigo 18.º, n.º 3, do Código do IRS, os mesmos não são sujeitos a IRS, em virtude de a prestação de serviços ter sido integralmente realizada fora do território português;
13ª Razão pela qual, atento o exposto, não poderá deixar de se concluir que a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento, devendo ser anulada e, em consequência, ser julgada integralmente procedente a impugnação judicial deduzida;
14ª Ainda que se admita, sem conceder e apenas a título de patrocínio, que aqueles rendimentos podem estar sujeitos a imposto em Portugal, e de ter de se aferir da eventual aplicabilidade da Convenção para Evitar a Dupla Tributação celebrada entre Portugal e França, sempre se diria, ainda assim, que as liquidações impugnadas são ilegais e que devem
ser anuladas, enfermando, também e nessa medida, a sentença recorrida de um evidente erro de julgamento, ao não ter sancionado esse mesmo entendimento;
15ª Isto porque, à data do pagamento dos rendimentos em causa, não eram exigidas por lei à entidade pagadora a observância de especiais formalidades probatórias relativamente ao pagamento desses rendimentos, razão pela qual as liquidações impugnadas são ilegais e, por conseguinte, também a sentença recorrida;
16ª Mas mesmo admitindo, no limite, que no caso em apreço seria de algum modo exigível ao ora Recorrente que fizesse prova da residência do beneficiário dos rendimentos
em questão, o que só a benefício de raciocínio se pode aceitar, ainda assim tal residência ficou inequivocamente demonstrada através do certificado de residência junto com a petição (doc. n.º 7) e com o depoimento de Amador B...;
17ª Com efeito, inexistindo à data em que os rendimentos em apreço foram pagos, qualquer norma que impusesse um meio probatório específico, a prova da residência fiscal de Amador B... pode ser efectuada por qualquer um dos meios de prova legalmente admissíveis, designadamente, através de qualquer documento e, inclusive, com recurso à prova testemunhal;
18ª Pelo que, ainda que improcedessem todas as outras razões e argumentos supra invocados, por força desta inequívoca comprovação da residência do beneficiário dos rendimentos em França encontrar-se-á plenamente justificada a não tributação daqueles em Portugal;
19ª Assim, incorre a sentença recorrida em manifesto erro de julgamento ao admitir um único meio de prova para a comprovação da residência do beneficiário dos rendimentos,
razão pela qual deverá ser anulada, bem como, em consequência, as liquidações adicionais sub judice.

Por todo o exposto, e o mais que o ilustrado juízo desse Tribunal suprirá, deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, com a consequente revogação da sentença recorrida, na parte ora em recurso, e, nessa medida, as liquidações adicionais em crise nos termos peticionados,
assim cumprindo com o DIREITO e a JUSTIÇA.


Foi admitido o recurso para subir imediatamente, nos próprios autos e no efeito meramente devolutivo.


A Exma Representante do Ministério Público (RMP), junto deste Tribunal, no seu parecer, pronuncia-se por ser negado provimento ao recurso, por a sentença recorrida recorrida não padecer dos vícios formais que lhe são assacados, que os autos contém os elementos suficientes para conhecer das questões suscitadas e que a mesma fez extrair da matéria de facto provada, as devidas implicações jurídicas.


Foram colhidos os vistos dos Exmos Adjuntos.


B. A fundamentação.
2. A questão decidenda. Sãs as seguintes as questões a decidir: Se as importâncias pagas por uma sociedade com sede em território português, a título de execução de um acordo celebrado com entidade não residente neste, consistente na prática de diversos actos incluídos no objecto social da pagadora (angariação de clientes, colocação dos produtos e recebimento dos clientes), todos praticados na região de Paris (em exclusivo), não sujeita os mesmos à retenção na fonte à taxa de 15%; E respondendo-se afirmativamente e revogando-se a sentença recorrida que em contrário decidiu, se não são de conhecer dos demais vícios assacados à sentença recorrida, por prejudicados.


3. A matéria de facto.
Em sede de probatório a M. Juiz do Tribunal “a quo” fixou a seguinte factualidade, a qual igualmente na íntegra se reproduz:
A) Entre a impugnante e B.... - Amador B... ..., foi celebrado o contrato de agência de fls. 26 a 28, datado de 15 de Outubro de 2001, que se dá por integralmente reproduzido e do qual se destaca o seguinte:
«(...)
-QUINTA- Constituem obrigações específicas do Segundo Outorgante, nomeadamente:
a) - proceder de boa fé
b) - zelar pelas interesses da Primeira Outorgante;
c) - desenvolver as actividades adequadas à realização plena do fim do presente contrato;
d) - respeitar as instalações da Primeira Outorgante que não ponham em causa a sua autonomia;
e) - fornecer à Primeira Outorgante as informações que lhe forem pedidas ou que se mostrem necessárias a uma boa gestão, mormente as respeitantes t solvabilidade dos clientes;
f) esclarecer a Primeira Outorgante sobre a situação do mercado e perspectivas de evolução;
g) - não utilizar ou revelar a terceiros, mesmo após a cessação deste contrato, segredos da Primeira outorgante que lhe hajam sido confiados ou de que tenha tomado conhecimento no exercício da sua actividade;
h) - comunicar á Primeira Outorgante, de imediato, a sua impossibilidade de cumprir o presente contrato, no todo ou em parte;
i) - suportar todos os custos e riscos inerentes à actividade desenvolvida no âmbito do presente contrato;
j) - promover a imagem comercial da Primeira nas sobreditas regiões;
k) - informar-se e informar a Primeira outorgante sobre a solvabilidade e grau de risco dos clientes, e sobre o estado da concorrência;
I) - informar a Primeira Outorgante sobre as normas e costumes, quer jurídicos, quer comerciais, vigentes nas sobreditas regiões;
m) zelar, com o maior cuidado, por todos os elementos de trabalho que lhe forem confiados pela Primeira outorgante, entregando-os a esta em boas condições sempre que solicitados;
n) - agir por todos os meios junto dos clientes, com vista a cobrar quaisquer débitos destes à Primeira, mas apenas se tal lhe for solicitado, por escrito, pela Principal;
o) - visitar os clientes com os responsáveis da Primeira Outorgante, sempre que tal se mostrar necessário, pagando cada uma das partes os respectivos custos.
(...)
-SÉTIMA - A Primeira Outorgante pagará ao Segundo uma comissão de 6 % sobre o preço, IVA excluído, de cada venda que efectue a clientes das sobreditas regiões, desde que o negócio haja sido promovido pelo Agente.
-OITAVA - O Segundo Outorgante adquire o direito à comissão referida no artigo anterior no momento em que o cliente cumpra o contrato ou devesse tê-lo cumprido, se a Primeira Contraente á houver cumprido a sua obrigação.
-NONA - A comissão será paga até ao 90 dias subsequente àquele em que o Agente adquire o direito à mesma.
- DÉCIMA - As partes acordaram na sobredita percentagem de comissão de modo a incluírem na mesma o valor da indemnização de clientela, pelo que, findo este contrato, em caso algum haverá lugar a essa indemnização.
(...).»
B) Nos anos de 2001, 2002 e 2003, a impugnante pagou a Amado B..., por força dos serviços prestados no âmbito do contrato referido na alínea antecedente, os montantes de, respectivamente, 37.532,62€, 45.757,95€ e 50.000,00€ - fls. 195 a 243.
C) A impugnante foi alvo de uma acção de inspecção que incidiu sobre IRS, IRC e IVA dos anos de 2000 a 2003, no âmbito da qual foi elaborado o relatório de fls. 104 a 114, que se dá por integralmente reproduzido e do qual se destaca o seguinte:
«(...)
II.2. Motivo, âmbito e incidência temporal
A ordem de serviço inicialmente emitida abrangia o exercício de 2003.
Posteriormente foi alargada a extensão da acção aos exercícios de 2000, 2001 e 2002, em virtude de terem sido detectadas irregularidades, (NIF's Inválidos: FR 38408060730 e ES NO28347282, falta de retenção nas comissões pagas a não residentes modelo 130 ­exercícios de 2000, 2001 e 2002; não acresceu no quadro 7 da modelo 22 as amortizações não aceites como custo nos termos do art. 32º nº1 g) do CIRC e ainda incorrecto apuramento das mais valias fiscais apuradas no exercício de 2000), tendo o contribuinte tomado conhecimento desta última a 21/05/2003. Assim foi emitida nova ordem de serviço com o n° 64472 com o PNAIT - 221.40 - Pessoas Colectivas - Diversos (Despacho do Director).
(...)
III. Descrição dos factos e fundamentos das correcções meramente aritméticas à matéria tributável
A) Falta de retenção nas comissões sobre as vendas e cobranças pagas a não residentes
Em 2000 foi estabelecido um contrato, renovável, entre a A...e uma empresa francesa a E...com o NIPC FR 84410666887, no qual esta última se responsabiliza pelo recebimentos dos clientes da A...em todo o território francês mediante o pagamento de uma comissão. Os valores destas comissões foram no exercício de 2001 contabilizadas na conta 62.228 - comissões, passando a partir de 2002 a ser contabilizadas na conta 68.812 – comissões de pagamento.
Durante os exercícios de 2000, 2001, 2002 e 2003 o sujeito passivo pagou comissões sobre as vendas a pessoas singulares e colectivas, não residentes, valores que registou na conta 62.228- comissões.
Tanto num caso como no outro não foi feita a retenção do imposto.
As comissões por intermediação na celebração de contratos pagas a pessoas singulares e colectivas estão sujeitas a retenção na fonte à taxa de 15% - respectivamente art. 71.º nº4 b) do CIRS e art. 80º nº2 e) do CIRC, devendo ser entregues nos cofres do Estado até ao dia 20 do mês seguinte àquele em que foram deduzidas - art. 98. nº3 CIRS e art. 88. nº6 CIRC.
O momento da obrigação de retenção ocorre no momento do pagamento ou colocação à disposição art. 98. nº1 CIRS e art. 88. nº6 CIRC. Ao não fazer a retenção a empresa é responsável originária pelo imposto não arrecadado, sendo responsável pelos juros compensatórios resultantes do atraso no encaixe da receita devida ao Estado, conforme dispõe o art. 106º nº2 do CIRC e art. 35º da LGT.
A entidade devedora de rendimentos pagos a não residentes está ainda obrigada a entregar uma declaração anual modelo 130 até:
. 31 de Maio de 2001 para os rendimentos pagos durante o exercício de 2000 - art. 119º nº6 CIRS e 120º do CIRC,
. ao último dia útil de Junho de 2002 e 2003 respectivamente para os rendimentos pagos a não residentes durante o exercício de 2001 e 2002 (art. 119º nº6 CIRS e 120º do CIRC).
Relativamente ás situações encontradas:
. não foi exibido certificado residência fiscal emitido pela administração fiscal do país de origem - departamento do imposto sobre o rendimento;
. não foi entregue a modelo 130,
. não foi feita a retenção do imposto.
A1) Pessoas singulares
Resumem-se nos quadros seguintes as comissões pagas em cada um dos exercícios, repartidas pelo respectivo mês de pagamento e ainda a retenção que deveria ter sido efectua e que está em falta:
. Exercício de 2001
Mês Comissão venda Imposto falta
Janeiro €1.173.46 €17602
Abril € 308,24 € €46,24
Maio € 2.32307 €348,46
Julho €1.45250 €217,88
Setembro €100,08 €15,01
Outubro €11.192,67 €1.678,90
Novembro €10.000 00 €1.500,00
Dezembro €10.982,60 €1.64739
Total €37.532, €5.629,90
.Exercício de 2002
Mês Comissão venda Imposto falta
Março €75,30 €11,30
Maio €15.302,00 €2.295,30
Junho €16.313,63 €2.447,04
Julho €13.686,37 €2.05296
Outubro €3.380,65 €507,10
Total €45.75795 €7.313,70
.Exercício de 2003
Mês Comissão venda Imposto falta
Janeiro €10.000,0 €1.500,00
Fevereiro €10.000,0 €1.500,00
Março €10.000,00 €1.500,00
Abril €22.581,73 €3.378,26
Maio €10.000,00 €1.500,00
Total €50.000,00 €9.387,26
(...»>
O) Consequentemente, foram emitidas as liquidações de IRS, respeitante a comissões por intermediação em quaisquer contratos, dos anos de 2001, 2002 e 2003 e respectivos juros compensatórios, de fls. 44, 46 e 48, que se dão por integralmente reproduzidas.
E) Em 21/04/2003, a Receita Municipal dos Impostos de Montreau, emitiu a declaração de fls. 87, traduzida a fls. 257, segundo a qual Amador B... ..., está registado junto daquela administração fiscal a qual, em 04/10/2001, lhe atribuiu um número fiscal CEE.

Com interesse para a decisão, não se provou que:
a. Nos anos de 2001 e 2002, Amador B... teve domicílio fiscal em França.

A convicção do tribunal baseou-se no teor dos documentos mencionados em cada uma das alíneas antecedentes.


4. Para julgar improcedente a impugnação judicial e na parte em que o foi, relativa às não retenções de IRS nos exercícios de 2001 e de 2002 dos montantes pagos, considerou a M. Juiz do Tribunal “a quo” em síntese, que tais pagamentos se encontravam sujeitos a tal retenção na fonte, por pagos a entidade sobre que não foi feita prova pela autoridade competente da residência em França da entidade beneficiária, como aconteceu quanto ao exercício de 2003, em que julgou procedente a impugnação, desta forma tendo mantido aquelas liquidações.

Para a impugnante e ao recorrente é contra esta e (outra) fundamentação que vem esgrimir argumentos tendentes a reapreciar a sentença recorrida em ordem a sobre ela ser emitido um juízo de censura conducente à declaração da sua nulidade, da sua anulação ou da sua revogação, pugnando desde logo por a mesma se encontrar enfermada por diversos vícios formais, por a mesma padecer de deficiente julgamento da matéria de facto designadamente ao nível da sua suficiência, bem como tal prestação de serviços integralmente realizada fora do território português não se encontrar sujeita a tal retenção na fonte e ainda que, se o estivesse, sempre a mesma poderia fazer a prova por qualquer meio, de a entidade beneficiária desses pagamentos, ter o seu domicílio fiscal em França.

Vejamos então.
Pese embora a enorme dificuldade em lobrigar qual a redacção das normas dos diversos códigos potencialmente aplicáveis ao tempo em que os factos tributários ocorreram, e numa análise pormenorizada das muitas alterações por que essas normas passaram ao longo do tempo, podemos concluir que a redacção aplicável no que a tal questão da retenção diz respeito, se reporta à redacção introduzida pelo art.º 26.º, n.º2 da Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro (que não na Lei n.º 32/2003, como se fundamentou na sentença recorrida), que foi a Lei por cujo art.º 1.º aprovou o Orçamento do Estado para 2003, sendo que no art.º 71.º do CIRS introduziu a seguinte redacção no Código que então se encontrava vigente e que fora republicado e renumerado pelo Dec-Lei n.º 198/2001, de 3 de Julho, sobre a epígrafe “Taxas liberatórias”, cujo n.º4 previa as taxas liberatórias de 15%:
a)...
b) Os rendimentos previstos na alínea f) do n.º1 do artigo 18.º, com excepção dos abrangidos pela alínea c) do n.º2 deste artigo, pagos ou colocados à disposição de não residentes em território português;
...
Sendo que, por sua vez, a norma do art.º 18.º, n.º1, alínea f), na redacção introduzida pela mesma Lei dispunha:
Os rendimentos que não se encontrem previstos na alínea anterior decorrentes de actividades profissionais e de outras prestações de serviços, incluindo as de carácter científico, artístico, técnico e de intermediação na celebração de quaisquer contratos, realizadas ou utilizadas em território português, com excepção das relativas a transportes, telecomunicações e actividades financeiras, desde que devidos por entidades que nele tenham residência, sede, direcção efectiva ou estabelecimento estável a que deva imputar-se o pagamento;
...
Esta norma do art.º 18.º do CIRS elencava, nas suas diversas alíneas e números os rendimentos considerados como obtidos em território português, a que o art.º 71.º depois elencava como aqueles que se encontravam sujeitos à retenção na fonte a título liberatório e bem assim quais as respectivas taxas aplicáveis, regime este que era o aplicável também aos sujeitos passivos de IRC, nos termos do disposto nos art.ºs 80.º, n.º2, alínea e) e 4.º, n.º3 e alínea c), n.º7 e n.º4 do CIRC.

Como nesta parte bem se fundamenta na sentença recorrida, a redacção destas normas ainda que posteriores à data em que ocorreram os respectivos factos tributários, são-lhe aplicáveis, por fora do disposto no art.º 26.º, n.º4 da mesma Lei, que expressamente qualificou a mesma com natureza interpretativa, que, nos termos do disposto no art.º 13.º, n.º1 do Código Civil(1), se integra na lei interpretada e cujos efeitos se produzem desde a entrada em vigor desta, salvo os casos já estabilizados, nos termos da mesma norma.

Comparando as redacções destas diversas normas, antes da alteração introduzida pela citada Lei n.º 32-B/2002 com a por esta introduzida, parece-nos poder concluir que da letra e do espírito do legislador esteve presente a clarificação dos casos em a taxa de retenção era de 15% nos pagamentos efectuados por ente com sede ou estabelecimento estável em Portugal a ente com sede ou estabelecimento estável fora deste território, separando aqueles rendimentos directamente derivados da actividade empresarial e profissional imputáveis a esse estabelecimento estável situado em Portugal, das demais fontes de rendimento que antes se encontravam também abrangidas pela norma do art.º 18.º, n.º1, alínea e) do CIRS, como rendimentos obtidos em Portugal, ainda que sujeitas também a retenção, mas não à mesma taxa de retenção, tendo na citada Lei vindo aquele normativo vindo a ser separado por duas alíneas, as alíneas e) e f), esta primeira contendo o que na primeira parte da anterior alínea e) se continha, exactamente com a mesma redacção, como dela se pode colher, e a segunda, contendo o remanescente da mesma, mas já com diferente redacção, de qualquer modo, vindo conferir-lhe uma maior clareza, e sobretudo fazer subsumir a retenção à taxa de 15% apenas quanto aos pagamentos agora previstos na alínea f) do citado art.º 18.º, n.º1, ou sejam os directamente derivados de prestações de serviços, desde que realizados ou utilizados em Portugal (requisito este que a anterior redacção também já continha), o que aliás é próprio da leis interpretativas em que se visa clarificar uma solução de direito controvertida ou incerta, consagrando um entendimento a que a jurisprudência, pelos seus próprios meios, poderia ter chegado(2).

Por outro lado, como decorre desde logo do n.º1 do citado art.º 71.º do CIRS, todos os rendimentos previstos nos seus quatro números seguintes, em que são de diferente grandeza os montantes dessas taxas, têm como denominador comum, que os mesmos tenham sido obtidos em território português, limitando-se a redacção da alínea f) do n.º1 do art.º 18.º do mesmo CIRS a precisar e a especificar, que essas contrapartidas provenientes dessas prestações de serviços, para a tal retenção se encontrarem sujeitas à taxa de 15%, por serem rendimentos considerados como obtidos em território português, teriam de ter sido realizados ou utilizados em território português, pelo sujeito passivo dessa retenção, caso contrário, não se podem subsumir a tal norma de incidência dessa retenção, o mesmo sendo de dizer que tal retenção não é devida no caso.

No caso, como nunca se encontrou em causa, as contrapartidas prestadas à ora recorrente pelo citado Amador B... ..., no âmbito do citado contrato cuja cópia consta de fls 26 a 28 dos autos, e pelas quais aquela pagou as importâncias em causa nos referidos exercícios, apenas se limitaram às regiões de Paris (em exclusividade) – cfr. sua cláusula 3.ª - como a AT nem coloca em causa – cfr. transcrição do relatório da inspecção vertida na matéria da alínea c) do probatório fixado na sentença recorrida (ainda que, indevidamente, se lhe refira como abrangendo todo o território francês, o que para o caso, irreleva) – pelo que lhe faltando aquele pressuposto que essas contrapartidas tenham sido realizadas ou utilizadas em território português, para se encontrarem sujeitas a tal retenção à taxa de 15%, como a AT entendeu e procedeu à correspondente liquidação adicional, a qual assim, padece do erro sobre os pressupostos de facto, gerador da sua anulação.

É certo que a AT, no citado relatório, também fez mencionar que “não foi exibido certificado residência fiscal emitido pela administração fiscal do país de origem - departamento do imposto sobre o rendimento”, mas não havendo lugar a tal retenção por falta, desde logo, daquele requisito supra, não temos de curar saber se tal certificado era necessário ou poderia ser substituído por outro meio de prova legalmente admissível, já que tais requisitos sempre seriam cumulativos e faltando um deles, tanto basta para que a respectiva norma de sujeição se não encontre preenchida, desta forma enfermando a posterior liquidação do citado vício conducente à respectiva anulação, e muito menos, se tal situação fáctica seria subsumível em qualquer uma outra alínea do mesmo art.º 71.º do CIRC, a que seria aplicável uma diferente taxa, já que não cabe ao tribunal fazer administração e nem substituir-se à AT nas competências que para o efeito legalmente lhe estão conferidas.

Desde a sua petição inicial que a impugnante e ora recorrente vem pugnando que tais pagamentos não se encontravam sujeitos à retenção objecto das liquidações em causa – cfr. art.ºs 24.º a 33.º da mesma petição – como agora vem secundar – cfr. matéria das conclusões 12.ª e 13.ª das suas alegações recursivas – em virtude de a prestação de serviços ter sido integralmente realizada fora do território português, o que, como acima se acolheu, conduz, necessariamente, à revogação da sentença recorrida que em contrário decidiu e à procedência da impugnação judicial também quanto às liquidações relativas aos exercícios dos anos de 2001 e de 2002.


Com o provimento do recurso pela procedência do citado fundamento de erro sobre os pressupostos de facto dos actos impugnados, obteve a recorrente um vencimento da causa que por nenhum dos outros invocados seria superior em termos de mais eficaz tutela do seu direito à anulação das mesmas liquidações, pelo que deles, no presente recurso, se não conhecem, por prejudicados, nos termos do disposto nos art.ºs 124.º do CPPT e 660.º, n.º2, ex vi do art.º 713.º, n.º2, ambos do CPC.


É assim de conceder provimento ao recurso pelo fundamento supra e de, por ele, revogar a sentença recorrida, e de não conhecer dos demais fundamentos, por prejudicados.


C. DECISÃO.
Nestes termos, acorda-se, em conceder provimento ao recurso e em revogar a sentença recorrida, julgando procedente a impugnação também quanto ao IRS relativo aos exercícios dos anos de 2001 e de 2002, cujas liquidações se anulam.


Custas pela AT, mas apenas na 1.ª Instância, já que não contra-alegou.


Lisboa, 28/02/2012

EUGÉNIO SEQUEIRA
ANÍBAL FERRAZ
LUCAS MARTINS


1- Nestes casos em que o próprio legislador define com carácter interpretativo certa lei, equivale a nela lhe colocar um cláusula de retroactividade – cfr. Baptista Machado, in Sobre a aplicação no tempo do novo Código Civil, pág, 286.
2- Cfr. neste sentido, Baptista Machado, ob. cit., págs. 286/287.