Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2010/15.4 BELRS-S1
Secção:CT
Data do Acordão:12/20/2022
Relator:SUSANA BARRETO
Descritores:OPOSIÇÃO
REABERTURA DA FASE INSTRUTÓRIA
DESPACHO INTERLOCUTÓRIO
RECURSO
Sumário:I - Em processo tributário, com as alterações introduzidas pela Lei nº 118/2019, de 17 de setembro, os recursos de despacho interlocutório, regem-se pelo disposto no Código de Processo Civil (artigo 281º CPPT).
II - Mas mesmo antes das referidas alterações introduzidas ao artigo 285º CPPT, pela referida Lei nº 118/2019, de 17/09, se entendia que as decisões que contendiam com a aquisição processual de factos ou com a admissibilidade de meios de prova eram recorríveis, por aplicação da última parte do nº 2 do artigo 630º CPC.
III - O despacho que ordenou a reabertura da fase de instrução e determinou o aproveitamento da prova testemunhal produzida em outro processo é recorrível, com subida imediata e em separado.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a 2.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:


I - Relatório

A Autoridade Tributária e Aduaneira, não se conformando com o despacho proferido pela Mma. Juíza do Tribunal Tributário de Lisboa, que deferiu o pedido de aproveitamento da prova testemunhal produzida noutro processo de oposição com as mesmas partes e que corre termos no mesmo Tribunal, dele veio recorrer para este Tribunal Central Administrativo Sul.

Nas alegações de recurso apresentadas, a Recorrente formula as seguintes conclusões:

38. Vem o presente recurso interposto do douto despacho proferido em 02-03-2022, pela M. Juiz do Tribunal a quo no qual considerou ser de deferir a pretensão da oponente quanto ao aproveitamento da prova produzida no âmbito do processo n.º 1961/15.0BELRS.
39. Por requerimento de 10-01-2022 [note se que feito após a notificação para alegações nos termos do art.º 120º do CPPT sem que as tenha feito, e após despacho da M. Juiz para pronuncia do DMMP], requereu a oponente o aproveitamento da prova testemunhal produzida no processo de Oposição à execução fiscal que correu termos sob o n.º 1961/15.0BELRS, com sustento na argumentação de que entre aquele processo e os presentes autos existe total identidade quanto aos sujeitos, aos factos e às testemunhas arroladas.
40. Sobre o sobredito requerimento foi proferido o seguinte despacho “(…), não sendo manifesta a impertinência do aproveitamento de prova requerido, na medida em que, uma das causas de pedir respeita à ilegitimidade da Oponente (exercício da gerência de facto na sociedade devedora originária), ao abrigo do disposto nos artigos 13º, n.º 1 e 113º, n.º 1, ex vi, 211º, n.º 1, todos, do CPPT e 421º do CPC, este último aplicável, ex vi, do artigo 2º, alínea e) do CPPT, defiro o aproveitamento da prova produzida no âmbito do processo n.º 1961/15.0BELRS.
Notifique.”
41. Por requerimento de 14-05-2015 a oponente apresentou a Petição Inicial de Oposição à execução fiscal nº 3328201401084461 e apensos, onde arrolou quatro testemunhas.
42. Por despacho de 12-10-2021 [a fls. 202 do SITAF], e após requerimento apresentado pela oponente em 03-05-2021 [a fls. 199 do SITAF] onde esta prescinde de uma testemunha arrolada e identifica os factos a que as restantes testemunhas vão ser inquiridas, entendeu o D. Tribunal não ser “necessária a produção de prova adicional”.
43. Pelo mesmo despacho foi ainda ordenado a notificação das partes para “querendo, apresentarem alegações escritas [cfr. artigo 120.º do CPPT]” e findo o prazo para alegações a remessa dos mesmos ao DMMP [cfr. artigos 14.º, n.º 2 e 121.º, ambos do CPPT].
44. Por ofício de 13-10-2021 [fls. 205 e 206 do SITAF] foram as partes notificadas para alegações sem que nenhuma as tenha apresentado, não tendo a secretaria promovido a remessa dos autos ao DMMP.
45. Por requerimento de 10-01-2022 requereu a oponente o aproveitamento da prova testemunhal produzida no processo de Oposição à execução fiscal que correu termos sob o n.º 1961/15.0BELRS, tendo o mesmo sido deferido.
46. A questão subjacente ao presente recurso e com a qual discorda esta Representação da Fazenda Publica prende-se com o facto de a M. Juiz do Tribunal a quo deferir o aproveitamento de prova requerida pela oponente, após o terminus da fase de instrução dos autos, sem que fundamentasse a reabertura da fase instrutória, e analisasse os pressupostos para tal aproveitamento, uma vez que por despacho anteriormente proferido entendeu que os autos já carreavam prova necessária para a boa decisão da causa.
47. Ora, a apresentação de alegações, ou o terminus do prazo para as apresentar, constitui o encerramento da discussão da causa em 1ª instância, o que será o mesmo que dizer que se se encerra a fase instrutória dos autos.
48. Nos presentes autos, apesar de a M. Juiz do tribunal a quo entender e fundamentar que no despacho de 12-10-2021 [onde o Tribunal não considera necessária a produção de prova adicional] não se está perante a rejeição de um meio de prova, mas antes diante de um controlo processual do valor probatório que teria a inquirição de testemunhas, a verdade é que, como a mesma consagra no despacho ora recorrido “o Tribunal não rejeitou o rol de testemunhas, mas antes, no seu prudente critério, entendeu ser desnecessária a abertura de um período de produção de prova, por isso, não considerou necessária a produção de prova adicional. O Tribunal entendeu ser desnecessária a produção de qualquer tipo de prova. Tanto assim foi que ordenou a notificação das partes para apresentarem as alegações e, consequente e oportunamente, ordenou a vista ao Ministério Público”. [7º paragrafo a fls. 2]. (negrito nosso).
49. O que nos leva a questionar… se o tribunal julgou desnecessária a produção de prova adicional, quais os factos que o fizeram alterar essa valoração finda a fase instrutória para admitir nova junção de prova?
50. É que, como consta do 8º paragrafo a fls. 2 do dito despacho, a dispensa de produção de prova adicional, nomeadamente a inquirição de testemunhas “é admissível em face do princípio da gestão processual [artigo 6º do Código de Processo Civil (CPC), aplicável,ex vi, do artigo 2º, alínea e) do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT)] e do princípio do inquisitório (artigos 13º, n.º 1 e 113º, n.º 1, ambos do CPPT), incumbindo ao juiz a direção do processo e a realização das diligências que considere úteis ao apuramento dos factos carecidos de prova.” (negrito nosso)
51. O que nos leva de novo a perguntar: Se o D. Tribunal julgou não ser necessária a produção de prova testemunhal por ter feito uma valoração da prova já existente nos autos e a julgou suficiente para a boa decisão da causa, o que o fez mudar de opinião ao admitir o aproveitamento da prova requerida pela oponente num processo onde a inquirição já havia sido feita há três anos?
52. É que, e ao contrário do que entende o D. Tribunal, com o devido respeito por opinião distinta, o facto de o despacho de 12-10-2021 considerar não ser necessária a produção de prova adicional, embora não assuma força de caso julgado, é já uma valoração da prova por parte do D. Tribunal, pois, caso assim se não entenda, se estes despachados que têm sido proferidos em tantos processos de oposição judicial, não forem proferidos após uma análise atenta do M. Juiz, poder-se-á estar a coatar a defesa de qualquer uma das partes!
53. A ser assim, após ser proferido este despacho, que é já uma análise preliminar da prova carreada para os autos, e após encerrada a fase de instrução, para haver admissão de nova prova, ter-se-ia que reabrir a instrução dos autos, fundamentando de forma detalhada o porquê da sua reabertura. O que não logrou o tribunal a quo fazer!
54. Mas, mesmo que assim se não entendesse, e que se admitisse este meio de prova após encerrada a fase de instrução, o que apenas por mera cautela se concebe, ainda se acrescenta que, pelo despacho ora recorrido, não se percebe a análise que o tribunal a quo fez do requerimento apresentado pela oponente! Estão reunidos os pressupostos para a admissão do aproveitamento da prova requerida naqueloutro processo?
55. É que quando a Fazenda Publica exerceu o contraditório ao requerimento de aproveitamento da prova requerido pela oponente, ressalvou que “a inquirição das testemunhas não foi encaminhada no sentido de ter em conta o eventual aproveitamento da prova noutros processos, tendo-se cingido àquilo que, na altura em concreto, fazia sentido esclarecer” e que não se “encontram reunidos os pressupostos do art.º 421º do CPC, no que tange nomeadamente ao facto de estarem em causa impostos de natureza diferentes e de diferentes períodos!”
56. Ora, se está em causa a gerência ou a culpa da oponente, é de extrema importância, senão mesmo fulcral, o balizamento dos factos a determinados hiatos temporais! E essa resposta só se consegue inquirindo as testemunhas aos factos decorridos para determinado período!
57. Nestes termos, ao decidir como decidiu a M. Juiz do tribunal a quo violou nomeadamente as disposições dos artigos 120º do CPPT e art.º 421º do CPC, pelo que o despacho recorrido padece de erro de julgamento de facto e de direito, por infração das normas mencionadas.

1- Mais ainda se requer subida imediata e efeito suspensivo nos termos do art.º 286º, nº 2 in fine do CPPT, pois, salvo o devido respeito, a RFP considera que, se o presente recurso apenas subir com o recurso da decisão final, tal recurso seria completamente esvaziado de qualquer efeito útil.
Porém V. Exas., Senhores Juízes
Desembargadores, apreciarão e farão a costumada JUSTIÇA.


A Recorrida não apresentou contra-alegações.


O recurso foi admitido com subida imediata, em separado, e efeito suspensivo.

Os autos foram com vista ao Ministério Público emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.


II – Fundamentação

Questão a decidir: é a de saber se a decisão recorrida padece de erro de julgamento ao ter deferido o pedido de aproveitamento da prova testemunhal produzida em outro processo, formulado pela ora Recorrida, e consequentemente determinado a reabertura da instrução.

Cumpre, assim, apreciar se o despacho recorrido se deve, ou não, manter ou se deve ser anulado por carência da fundamentação e, em caso de resposta negativa se padece de erro obre os pressupostos de facto e de direito ao ter deferido o aproveitamento da prova produzida em outro processo da mesma Recorrida.

Antes, porém, importa apreciar e decidir se o despacho em apreço, é ou não autonomamente recorrível.


II.1 – De Factos

Com interesse para a decisão a proferir, importa considerar o teor da decisão reclamada, que se transcreve de seguida:

Com interesse para a apreciação e decisão sobre o requerimento de aproveitamento de prova, importa considerar as seguintes ocorrências processuais:
Na petição inicial de Oposição, a Oponente arrola 4 (quatro) testemunhas.
Notificada para o efeito, em 03.05.2021, veio, entre o mais, indicar os factos a que pretendia a inquirição de prova testemunhal. – cfr. fls. 199 dos autos Sitaf;
Em 12.10.2021, foi proferido o seguinte despacho:
Compulsados os autos, cotejada a factualidade alegada pelas partes, os documentos juntos e o ónus da prova que impende sobre cada uma das partes, o Tribunal não considera necessária a produção de prova adicional.
Notifique.
*
Após, notifique as partes para, querendo, apresentarem alegações escritas [cfr. artigo 120.º do CPPT].
*
Decorridos os prazos supra, vão os autos ao DMMP [cfr. artigos 14.º, n.º 2 121.º, ambos do CPPT].”

Após regular notificação, nenhuma das partes apresentou alegações.
Através de requerimento datado de 10.01.2022, a Oponente veio solicitar o aproveitamento da prova testemunhal produzida no processo de Oposição à execução fiscal que correu termos sob o n.º 1961/15.0BELRS, com sustento na argumentação de que entre aquele processo e os presentes autos existe total identidade quanto aos sujeitos, aos factos e às testemunhas arroladas, mais afirmando que o requerido aproveitamento evitaria “uma eventual diferença na apreciação da prova a produzir conduzindo, eventualmente, a decisões finais opostas quando existe total identidade de sujeitos, de factos e des testemunhas.”
Por despacho de 17.01.2022, foi ordenada a notificação da Fazenda Pública para se pronunciar quanto ao requerimento de aproveitamento de prova, tendo sido advertida de que o eventual silêncio seria valorado como não oposição.
Em resposta, por exposição datada de 31.01.2022, a Fazenda Pública manifestou a sua oposição tendo, no que respeita ao requerimento em apreciação, afirmado, desde logo, que, “a questão sobre a produção de prova adicional já foi analisada e valorada pelo D. Tribunal e plasmada no seu despacho de 12-10-2021 a fls. 202 do SITAF devidamente notificado às partes. Do mesmo consta que “o Tribunal não considera necessária a produção de prova adicional”, despacho este que não obteve qualquer reação por parte do contribuinte, sendo que a prova que agora requer que seja aproveitada neste processo foi produzida naquele outro em 21-01-2019. Ou seja, à data do despacho proferido pelo d. tribunal já o contribuinte tinha conhecimento do que sucedera naquele outro processo e optou por só dois anos depois vir requerer a seu aproveitamento neste processo de oposição. Assim, concluímos que o requerido não deve ser deferido.”
Mais sustentou que todos os processos têm as suas vicissitudes específicas, não podendo “mesclar-se uns nos outros” e que “o aproveitamento da prova poderá traduzir-se numa diminuição das garantias de defesa da Fazenda Publica”.
Peticionou, a final, o indeferimento do requerimento de aproveitamento da prova.
*

Cumpre apreciar e decidir.
A primeira questão que se impõe dirimir respeita, desde logo, à força que assume o despacho, datado de 12.10.2021, porquanto, no entender da Fazenda Pública, o mesmo transitou em julgado, entendimento que decorre, aliás, da utilização da expressão “despacho este que não obteve qualquer reação por parte do contribuinte”.
Ora, o referido despacho consignou: “Compulsados os autos, cotejada a factualidade alegada pelas partes, os documentos juntos e o ónus da prova que impende sobre cada uma das partes, o Tribunal não considera necessária a produção de prova adicional. (…)”.
O despacho em causa, como decorre do elenco de ocorrências processuais, foi emitido na sequência de apresentação de requerimento pela Oponente com indicação dos factos relativamente aos quais pretendia a prova por testemunhas.
Com a prolação do descrito despacho, o Tribunal não rejeitou o rol de testemunhas, mas antes, no seu prudente critério, entendeu ser desnecessária a abertura de um período de produção de prova, por isso, não considerou necessária a produção de prova adicional. O Tribunal entendeu ser desnecessária a produção de qualquer tipo de prova. Tanto assim foi que ordenou a notificação das partes para apresentarem as alegações e, consequente e oportunamente, ordenou a vista ao Ministério Público.
Com a prolação deste despacho, não se está perante a rejeição de um meio de prova, mas antes diante de um controlo processual do valor probatório que teria a inquirição de testemunhas.
Esta tomada de posição é admissível em face do princípio da gestão processual [artigo 6º do Código de Processo Civil (CPC), aplicável, ex vi, do artigo 2º, alínea e) do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT)] e do princípio do inquisitório (artigos 13º, n.º 1 e 113º, n.º 1, ambos do CPPT), incumbindo ao juiz a direção do processo e a realização das diligências que considere úteis ao apuramento dos factos carecidos de prova.
Porque assim é, a circunstância de a Oponente não ter reagido contra o referido despacho não determina, como parece ser o entendimento da Fazenda Pública, o efeito de trânsito em julgado daquela decisão.
Neste sentido, veja-se o acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte (TCAN) de 14.01.2021, proferido no processo n.º 00940/17.8BEPRT-S1, em cujo sumário se consignou o entendimento que, por total concordância, sem reservas, se sufraga:
“II - Não estando em causa a rejeição de um meio de prova, o recurso do despacho que decide não realizar a inquirição de testemunhas, por o processo já conter todos os elementos necessários para decisão ou por ser a prova meramente documental, apenas pode ser interposto a final, nos termos do n.º 3 do artigo 644.º do CPC.
III – Assim, não cabe apelação autónoma, ao abrigo da alínea d) do n.º 2 do artigo 644.º do CPC, do despacho que dispensa a produção de prova testemunhal, por tal não corresponder à rejeição de um meio de prova.”
Em conclusão, o despacho de 12.10.2021 que considerou não ser necessária a produção de prova adicional não assume, assim, força de caso julgado, não constituindo, pois, obstáculo, ao aproveitamento da prova, objeto de apreciação.
A acrescer, e, em segundo lugar, ao contrário do ficcionado pela Fazenda Pública, não se evidencia que o aproveitamento de prova, ora requerido, constitua uma diminuição das suas garantias de defesa. E a Fazenda Pública, também, não concretiza tal alegado prejuízo.
O valor extraprocessual das provas, previsto no artigo 421º do CPC, respeita à eficácia extraprocessual da prova e, não, como parece ser o receio da Fazenda Pública, a eficácia extraprocessual dos factos tidos como provados.
Finalmente, não sendo manifesta a impertinência do aproveitamento de prova requerido, na medida em que, uma das causas de pedir respeita à ilegitimidade da Oponente (exercício da gerência de facto na sociedade devedora originária), ao abrigo do disposto nos artigos 13º, n.º 1 e 113º, n.º 1, ex vi, 211º, n.º 1, todos, do CPPT e 421º do CPC, este último aplicável, ex vi, do artigo 2º, alínea e) do CPPT, defiro o aproveitamento da prova produzida no âmbito do processo n.º 1961/15.0BELRS.
Notifique.
*
Com vista a dotar os presentes autos de uma completa instrução, proceda à junção de certidão da ata de inquirição de testemunhas do referido processo n.º 1961/15.0BELRS e respetivo suporte áudio da diligência de inquirição.
D.N.


II.2 Do Direito

O Tribunal a quo com base na factualidade já constante dos autos, considerou desnecessária a inquirição das testemunhas arroladas e dando por finda a fase de instrução, ordenou a notificação das partes para alegações escritas.

Posteriormente, a Opoente e ora Recorrida, através de requerimento veio peticionar o aproveitamento da prova testemunhal produzida em outro processo, com as mesmas partes e em que as testemunhas ouvidas eram as mesmas que constavam do rol de testemunhas apresentado nos presentes autos.

Após ouvir a Exequente e ora Recorrente, que se opôs ao requerido, foi proferido o despacho reclamado que ordenou a reabertura da fase de instrução e determinou o aproveitamento daquela prova testemunhal.

Inconformada com o decidido, veio a Fazenda Pública recorrer desta decisão, alegando, em suma, que o despacho que ordenou a reabertura da fase de instrução não se mostrar devidamente motivado, nomeadamente por não se fundamentar em o Mm.º Juiz a quo não se encontrar já suficientemente esclarecido e necessitar daquela prova para a decisão do processo.

Defende, pois que seria este o único fundamento admissível para a reabertura da fase de instrução e que poderia levar à decisão de aproveitamento da prova, visto o disposto no artigo 607/1 do Código de Processo Civil, aplicável ex vi 2.e) CPPT.

O recurso foi admitido, com subida imediata, em separado e com efeito suspensivo. Todavia e como é por demais consabido tal despacho não vincula o tribunal ad quem (cf. artigo 652º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 281º do CPPT).

Em processo tributário, com as alterações introduzidas pela Lei nº 118/2019, de 17 de setembro, os recursos de despacho interlocutório, i. é, de um despacho proferido antes da decisão final regem-se pelo disposto no Código de Processo Civil.

Diz o artigo 281º do CPPT:
Os recursos das decisões proferidas pelos tribunais tributários, ainda que interlocutórias, regem-se pelo disposto no Código de Processo Civil, salvo o disposto no presente título.

Mas mesmo antes das referidas alterações introduzidas ao artigo 285º CPPT, pela já referida Lei nº 118/2019, de 17/09, se entendia que as decisões que contendiam com a aquisição processual de factos ou com a admissibilidade de meios de prova eram recorríveis, como decorria já da última parte do nº 2 do artigo 630º CPC. Nesse sentido veja-se Cristina Flora e Margarida Reis, RECURSOS NO CONTECIOSO TRIBUTÁRIO, Quid Juris, pág. 91.

Nos termos do artigo 644º CPC, que tem por epígrafe Apelações autónomas, cabe recurso de apelação do despacho de admissão ou de rejeição de algum articulado ou meio de prova [artigo 644/1.d) CPC].

O despacho em causa admite, pois, recurso imediato, a subir em separado.


Vejamos, agora:

Nos presentes autos, após ter sido considerado desnecessária a abertura de instrução e de ter sido dispensada a inquirição das testemunhas arroladas por os autos conterem já os elementos necessários à decisão as partes foram notificadas para alegações, em cumprimento do disposto no artigo 120º CPPT.

Como admite a Recorrente nas conclusões das alegações de recurso, aquele primeiro despacho não assumiu força de caso julgado (cf. conclusão 52 das alegações de recurso).

Com efeito, sobre a natureza do primeiro despacho que decide dispensar a inquirição de testemunhas, recaiu já inúmera jurisprudência deste Tribunal Central Administrativo Sul, no sentido de se não estar perante a rejeição de um meio de prova e de que este apenas admite recurso a final, nos termos do nº 3 do artigo 644º CPC, aplicável.

Desta jurisprudência citamos apenas a mais recente de 2022.01.27, Proc nº 56/19.2BEALM-S1, de 2022.02.10, Proc nº 1630/14.9BELRA-S1, 2022.06.30 e Proc nº 220/19.4BELRS-S1.

Tendo sido ordenada a abertura de vista ao Ministério Público, deu entrada requerimento da Opoente e ora Recorrida em que esta solicitava o aproveitamento da prova testemunhal produzida em outro processo, ao que foi deferido, após audição da parte contrária.

Sendo certo que ao juiz tributário tem o dever de apurar a verdade material será que o despacho recorrido se pode manter ou deve ser revogado?

A Recorrente nas suas alegações e o Ministério Público no parecer proferido, defendem que depois de encerrada a fase de instrução e notificadas as partes para alegações, não deveria ter sido atendido o requerimento da parte e ora Recorrida, em que solicitava o aproveitamento da prova testemunhal produzida em outro processo que correu termos no mesmo Tribunal.

Defende a Fazenda Pública e ora Recorrente que o despacho que ordenou a reabertura da fase de instrução, sem que fundamentasse a reabertura da fase instrutória, e analisasse os pressupostos para tal aproveitamento, uma vez que por despacho anteriormente proferido entendeu que os autos já carreavam prova necessária para a boa decisão da causa (cf. conclusão 46 das alegações de recurso).

Com efeito, nos termos do nº 1 do artigo 607º CPC, aplicável, se, aquando da elaboração da sentença, o juiz não se julgar suficientemente esclarecido quanto à matéria de facto que lhe incumbe julgar, assiste-lhe o poder de determinar oficiosamente a reabertura da audiência final e determinar as diligências instrutórias que entenda necessárias para completar a prova antes produzida e assim, afastar essas suas dúvidas, fazendo com que o processo retroaja à fase da instrução, sem que daqui decorra qualquer prejuízo para as partes, uma vez que reaberta a audiência, o processo retorna à fase instrutória, onde a prova suplementar que venha a ser produzida se encontra sujeita a audiência contraditória, com a produção de novas alegações (…). [Ac. TRG, proferido no Proc nº 899/18.4T8VCT.G1, disponível em wwwdgsi.pt].

Pese embora a reabertura da instrução não tenha partido da iniciativa do Tribunal a quo, tendo sido despoletada por requerimento da Opoente e ora Recorrida, a decisão é do Tribunal a quo.
Na motivação da decisão recorrida, além de se ponderar que a anterior decisão de dispensar a inquirição das testemunhas não ter a força de caso julgado formal, considerou-se que na petição a Opoente alega não ser gerente de facto da sociedade no período em causa e ter arrolado as testemunhas precisamente para prova do articulado nos artigos 7º a 18º e 21º a 22º da pi.

Embora não o afirmando expressamente, no despacho recorrido não deixa de se efetuar um juízo de ponderação sobre a suficiência da prova produzida para o julgamento da matéria de facto.

Certo é que a lei permite o aproveitamento da prova testemunhal produzida num outro processo e que as testemunhas cujo depoimento se pretende aproveitar foram ouvidas em audiência contraditória das mesmas partes (artigo 421/1 CPC).

Já quanto ao argumento da Recorrente de se tratar da reversão de dívidas de diferentes tributos, apenas se dirá que a apreciação das condições e o modo de exercício da gerência e da ausência de culpa é transversal aos diferentes tributos. Com efeito na resposta a esta pergunta interessa sim o modo de atuação, o comportamento concreto do sujeito e quer se trate de IVA, IRC ou IRS, este praticou ou não atos de gerência de facto, teve ou não culpa na diminuição do património social da empresa para a satisfação dos créditos tributários, é ou não responsável pelo não pagamento atempado dos tributos, pela sua entrada nos Cofres do Estado?

Todavia, a Recorrente suscita ainda a questão relativa ao período temporal em causa. Efetivamente, no processo 1961/15.0BELRS que consultamos via SITAF, estavam em causa dívidas de imposto relativas ao ano de 2011 e nos presentes autos as dívidas de retenção de imposto sobre o rendimento das pessoas singulares e coimas respeitam aos anos de 2013 e 2014.

Não havendo coincidência do período temporal em que a gerência terá sido exercida, em abstrato, tendemos a partilhar das dúvidas da Recorrente sobre a utilidade da decisão de aproveitamento da prova produzida no processo 1691/15.0BELRS.

Em face do exposto, improcedem todas as conclusões de recurso.

*

Relativamente à condenação em custas importa considerar que nos termos dos artigos 527/1 CPC: a decisão que julgue a ação ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa (…).

Assim, atento o princípio da causalidade, consagrado no artigo 527/2, do CPC, aplicável por força do artigo 2º, alínea e), do CPPT, custas do incidente são pela Recorrente.


Sumário/Conclusões:

I. Em processo tributário, com as alterações introduzidas pela Lei nº 118/2019, de 17 de setembro, os recursos de despacho interlocutório, regem-se pelo disposto no Código de Processo Civil (artigo 281º CPPT).
II. Mas mesmo antes das referidas alterações introduzidas ao artigo 285º CPPT, pela referida Lei nº 118/2019, de 17/09, se entendia que as decisões que contendiam com a aquisição processual de factos ou com a admissibilidade de meios de prova eram recorríveis, por aplicação da última parte do nº 2 do artigo 630º CPC.
III. O despacho que ordenou a reabertura da fase de instrução e determinou o aproveitamento da prova testemunhal produzida em outro processo é recorrível, com subida imediata e em separado.


III - DECISÃO

Nos termos expostos, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao presente recurso e confirmar a decisão recorrida.

Custas pela Recorrente, nos termos expostos.

Lisboa, 20 de dezembro de 2022

Susana Barreto

Tânia Meireles da Cunha

Jorge Cortês