Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1510/21.1BELRA-S1
Secção:CT
Data do Acordão:04/24/2024
Relator:TÂNIA MEIRELES DA CUNHA
Descritores:DISTRIBUIÇÃO
IRREGULARIDADE
RECLAMAÇÃO
Sumário:I - As regras de distribuição previstas na Leis n.ºs 55/2021 e 56/2021, de 16 de agosto, careciam de regulamentação, que veio a ser operada pela Portaria n.º 86/2023, de 27 de março.
II - A irregularidade da distribuição não configura nem nulidade de acórdão nem nulidade processual secundária e deve ser reclamada por qualquer interessado até à decisão final.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção Tributária Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
Acórdão

I. RELATÓRIO

A…, Unipessoal, Lda (doravante Recorrente) veio, na sequência da notificação do Acórdão de 19.12.2023, proferido nos presentes autos, arguir a nulidade do mesmo.

No requerimento apresentado, alegou o seguinte:

“Vem, desde já, arguir para os devidos e legais efeitos, a nulidade do mesmo, porquanto:

Compulsados os autos,

Primacialmente do momento da apresentação da predita peça processual, de 29.05.2023, em diante,

Verifica-se que,

Foi integralmente violado, na constituição do Coletivo que preside aos presentes autos, o disposto na Portaria n.º 86/2023, de 27 de março,

Mais concretamente o disposto no art.3º de tal Portaria n.º 86/2023, de 27 de março,

Que alterou os artigos 13.º e 15.º da Portaria n.º 380/2017, de 19 de dezembro, na redação vigente.

Mais se enfatiza que,

Tal Portaria n.º 86/2023, de 27 de março, de acordo com o que decorre do disposto no seu art.8º, encontrava-se em vigor à data da apresentação de tal peça processual.

Consequente, deve julgar-se verificada a presente nulidade do Acordão em questão, por preterição das formalidades legais elencadas, e das demais que resultam do disposto na Lei n.º 55/2021, de 13 de agosto, e na Lei n.º 56/2021, de 16 de agosto, bem como nos artigos 204.º, 208.º, 213.º e 216.º do Código de Processo Civil.

Tudo o que se deixa arguido, igualmente por ter inexistido distribuição, entre outros, nos termos dos arts.195º, nº1 e 199º, do Código de Processo Civil”.

Notificada para efeitos de exercício do contraditório, a Fazenda Pública nada disse.

Foram os autos com vista ao Ilustre Magistrado do Ministério Público, que emitiu parecer, no sentido da improcedência do requerido.

Com dispensa dos vistos legais, atenta a simplicidade da matéria [cfr. art.º 657.º, n.º 4, do CPC, ex vi art.º 281.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT)], vem o processo à conferência (cfr. art.º 666.º, n.º 2, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT).

II. FUNDAMENTAÇÃO

A Requerente vem arguir a nulidade do Acórdão de 19.12.2023, proferido nos presentes autos, alegando, em suma, preterição das regras da distribuição.

Vejamos.

Nos termos do art.º 125.º, n.º 1, do CPPT:

“1 - Constituem causas de nulidade da sentença a falta de assinatura do juiz, a não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, a oposição dos fundamentos com a decisão, a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer”.

Por seu turno, prescreve o n.º 1 do art.º 615.º do CPC, aplicável ex vi art.º 666.º, n.º 1, do mesmo código:

“1 - É nula a sentença quando:

a) Não contenha a assinatura do juiz;

b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;

c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;

d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;

e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido”.

Ou seja, em bom rigor, não foi invocada qualquer nulidade do Acórdão.

O que é suscitada é uma irregularidade na distribuição, que, aliás, a Recorrente enquadra no âmbito dos art.ºs 195.º, n.º 1, e 199.º do CPC, ou seja, enquanto nulidade processual secundária.

Vejamos, então.

As regras da distribuição, em sede de recurso, estão previstas nos art.ºs 203.º e seguintes do CPC, aplicável ex vi art.º 287.º, n.º 1 do CPPT, sendo a distribuição efetuada por meios eletrónicos.

A Lei n.º 55/2021, de 13 de agosto, e a Lei n.º 56/2021, de 16 de agosto, vieram prever novos mecanismos de controlo da distribuição eletrónica dos processos judiciais e dos processos da jurisdição administrativa e fiscal, remetendo para o Governo a sua regulamentação

Para o caso da jurisdição administrativa e fiscal, a necessidade de tal regulamentação estava prevista no art.º 5.º da Lei n.º 56/2021, de 16 de agosto, prevendo-se que a mesma deveria ocorrer num prazo de 30 dias a contar da publicação do diploma legal em causa.

Sucede, porém, que a mencionada regulamentação só veio a ser aprovada através da Portaria n.º 86/2023, de 27 de março, que, designadamente, alterou a Portaria n.º 380/2017, de 19 de dezembro. Esta regulamentação entrou em vigor 45 dias após a publicação da portaria (cfr. art.º 8.º, n.º 1), ou seja, a 11.05.2023.

Apliquemos os presentes conceitos ao caso dos autos.

Antes de mais, como decorre de forma clara do art.º 205.º do CPC, refira-se que “[a] falta ou irregularidade da distribuição não produz nulidade de nenhum ato do processo” (n.º 1, 1.ª parte), pelo que a configuração jurídica feita pela Recorrente, enquanto nulidade processual secundária, não encontra respaldo na letra da lei [v., v.g., o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 01.02.2023 (Processo: 158/18.2T9VNF-A-A.S1)].

In casu, o recurso foi remetido a este TCAS a 25.01.2023, tendo sido distribuído a 01.02.2023, como resulta da plataforma SITAF, i.e., antes mesmo da publicação da Portaria mencionada. Ou seja, a data mencionada pela Recorrente (29.05.2023) respeita à data em que apresentou reclamação para a conferência da decisão sumária proferida pela então relatora e não à data em que o processo deu entrada neste TCAS.

Tratando-se as normas previstas nas Leis n.ºs 55/2021, de 13 de agosto, e 56/2021, de 16 de agosto dependentes de regulamentação, só com a sua existência foi possível passar a fazer a distribuição de acordo com as novas regras instituídas, ainda que a referida regulamentação tenha ocorrido em momento ulterior ao inicialmente previsto pelo legislador [cfr., a este propósito, v.g., os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 13.07.2022 (Processo: 101/12.2TAVRM-F.G1-A.S1) e de 06.07.2023 (Processo: 34/13.5TELSB.L1.S1)].

Como tal, o alegado carece de materialidade, porquanto o recurso foi distribuído em momento anterior ao da entrada em vigor da regulamentação atualmente vigente, tendo sido efetuada de acordo com as regras à época aplicáveis.

Ademais e acima de tudo, a irregularidade da distribuição, não sendo sequer uma nulidade processual, pode ser “reclamada por qualquer interessado até à decisão final” (art.º 205.º, n.º 1, do CPC), o que igualmente não foi feito, uma vez que já foi proferido acórdão, após reclamação para a conferência da decisão sumária, sobre a pretensão da Recorrente expressa no seu recurso. Ou seja, a irregularidade da distribuição foi suscitada após a decisão final do presente recurso.

Apenas até à decisão final poderia ter sido a alegada irregularidade invocada, o que não sucedeu, votando, por si só, ao insucesso o requerido [cfr., v.g., o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 19.04.2023 (Processo: 964/16.2PBLSB.L2-A.S1)].

Logo, não assiste razão à Requerente.

III. DECISÃO

Face ao exposto, acorda-se em conferência na Subsecção Tributária Comum da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

a) Indeferir a arguição da nulidade do Acórdão proferido a 19.02.2023;

b) Custas pela Requerente, fixando-se a taxa de justiça em 2 (duas) UC (tabela II-A do RCP);

c) Registe e notifique.


Lisboa, 24 de abril de 2024

(Tânia Meireles da Cunha)

(Ana Cristina Carvalho)

(Cristina Coelho da Silva)