Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:290/24.3BEBJA
Secção:CA
Data do Acordão:01/09/2025
Relator:MARA DE MAGALHÃES SILVEIRA
Descritores:PROVIDÊNCIA CAUTELAR
TEMPESTIVIDADE
PROVA
Sumário:I - Atenta a celeridade e eficiência que devem pautar o processo cautelar, a produção de prova – e, portanto, o direito a esta - só tem lugar quando o juiz a considere necessária, devendo ler-se o n.º 1 do art.º 118.º do CPTA em conjugação com os seus n.ºs 3 e 5;
II - A necessidade da prova, não deixando de corresponder ao preenchimento de um conceito indeterminado cujo juízo decisório se situa na esfera do Tribunal, devendo restringir-se a uma prova sumária e perfunctória, encontra o seu objeto nos factos, relevantes para o exame e decisão da causa que devam considerar-se controvertidos e carecidos de prova, que são necessários para a decisão.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção COMUM
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes desembargadores da Subsecção Administrativa Comum, do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. Relatório

M......, Lda. (Requerente ou Recorrente) instaurou, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja, providência cautelar contra o Ministério da Coesão Territorial (doravante MCT, Entidade Requerida, Requerida ou Recorrida), peticionando a suspensão de eficácia do ato de 12.2.2024 proferido pela Comissão Diretiva do Programa Operacional do Alentejo 2020, que revogou o financiamento concedido à Requerente no âmbito do apoio ao projeto n.º ALT20-03-02B7-FEDER-069744 (MICRO ID-19.: Desenvolvimento de um consórcio de MICROrganismos como terapia coadjuvante para a COVID-19).

Por despacho de 27 de setembro de 2024 o TAF de Beja dispensou a produção de prova testemunhal arrolada com o requerimento inicial, bem como a prestação de declarações de parte e, bem assim, a requisição de informação à Linha de Apoio e ao IAPMEI. Na mesma data o Tribunal proferiu sentença pela qual indeferiu a providência cautelar.

Inconformada a Requerente, interpôs recurso jurisdicional dessa decisão para este Tribunal Central Administrativo, concluindo nos seguintes termos:

“i) O recurso da sentença de 27.09.2024 possui um duplo segmento:
a) é recorrida a decisão que julgou inverificado o fumus bonis iuris, por considerar que, sendo a ação principal intempestiva, tal conduziria à extinção da instância por se verificar a exceção prevista no artigo 89.° n.s 4, alínea k) do CPTA;
b) é recorrido o despacho de fls. 1 e 2 da sentença, que indeferiu o requerimento de meios de prova formulado pela recorrente na sua petição inicial;
ii) Com esta decisão global, o tribunal demitiu-se de apreciar os fundamentos invocados pela recorrente na sua petição inicial e que demonstram que, por facto não imputável a ela, não foi possível aceder ao conteúdo do projecto de revogação do financiamento [este datado de 16.01.2024] e da decisão final de revogação [esta datada de 12.02.2024], antes de 24.05.2024;
iii) O tribunal não analisou nem decidiu verdadeiramente a causa de pedir constante da petição inicial, que se encontrava nos artigos 20e a 52e da petição inicial, e que identificava a questão concreta a decidir pelo Tribunal como sendo a de saber se na plataforma eletrónica Balcão dos Fundos existia uma verdadeira impossibilidade de acesso à notificação do acto suspendendo,
datado de Fevereiro de 2024;

- da ilegalidade do despacho que indeferiu os meios de prova -
iv) O requerimento de prova formulado na petição inicial visava a comprovação do alegado quanto à falta de notificação do acto administrativo antes de 24.05.2024, sendo, portanto, essencial à boa decisão da causa;
v) O requerimento de produção de prova testemunhal, declarações de parte e de requisição à Linha de Apoio da Plataforma Balcão dos Fundos e ao IPAMEI - Agência para a Competitividade e Inovação IP, foi indeferido com base em fundamentação errada, fosse quanto à suficiência da prova documental junto aos autos, fosse também quanto à desnecessidade daqueles meios de prova para a boa decisão da lide;
vi) Ao decidir pelo indeferimento do requerimento de prova, o Tribunal, na prática, tornou impossível a demonstração do alegado quanto à tempestividade da acção, impedindo a recorrente de demonstrar as irregularidades informáticas da plataforma eletrónica e a consequente falta de notificação do acto suspendendo no mês de Fevereiro de 2024;
vii) O despacho de rejeição dos meios de prova é ilegal por violação do princípio da tutela jurisdicional efectiva [art. 2° ne1 do CPTA], da promoção do acesso à justiça [art. 7º - A do CPTA] e do dever de instrução quanto aos factos essenciais à descoberta da verdade material e à boa decisão da causa [art.s 90° 118° ne1, 3 e 5 do CPTA];
- da ilegalidade da decisão de indeferimento da providência cautelar -
viii) O tribunal não quis averiguar se em 2024 a notificação do acto suspendendo foi validamente efectuada, tendo-se bastado com a confirmação de que até 11.04.2023, a recorrente conseguia comunicar com a entidade requerida, apresentando requerimento e recebendo notificações, pelo que, perante esta constatação, reportou-a como válida também à notificação do acto suspendendo, praticado em 12.02.2024;
ix) O tribunal devia - mas não o fez - ter averiguado se em 2024 o acto suspendendo estava disponível para consulta na plataforma Balcão dos Fundos - a própria para o efeito - ou se por essa plataforma permitia-se o acesso ao seu conteúdo;
x) Nesta matéria, afigura-se irrelevante o facto de até 11.04.2023, a recorrente conseguir comunicar com a entidade requerida, apresentando requerimento e recebendo notificações, quando o que se discute nos autos é saber se em 2024 as notificações efectuadas do acto administrativo suspendendo na plataforma efectivamente podiam ser conhecidas da recorrente;
xi) É ilegal a decisão do Tribunal de atalhar caminho considerando que, pelo facto de até 2023 ter havido comunicações entre recorrente e recorrida, também em 2024 a notificação do acto administrativo suspendendo foi validamente efectuada [inclusive, porque não existem elementos de prova nesse sentido nem as regras de experiência comum permitem esta interpretação];
xii) Andou mal o Tribunal ao desaplicar o artigo 113e do CPA, na medida em que o mesmo é complementar do regime previsto no artigo 29e do DL 159/2014 e é aplicável a todas as relações administrativas, quando em causa se encontram entidades que exercem poderes e funções de natureza pública, como é o caso; art. 2e do CPA;
xiii) Se o artigo 29º do DL 159/2014 não regula expressamente as situações de imperfeição das notificações e a possibilidade do administrado demonstrar a sua não efectiva recepção, a tal matéria aplica-se o disposto no artigo 113° nº 6 do CPA;
xiv) A não se admitir a aplicação do artigo 113º do CPA, estar-se-ia a violar o princípio da igualdade e da legalidade pois nas relações administrativas que estivessem sujeitas ao CPA, os administrados teriam a prerrogativa de demonstrar a imperfeição da notificação enquanto que aquelas relações que não estivessem sujeitos a esse diploma, os respectivos sujeitos não teriam o direito de efectuar essa demonstração;
xv) Do mesmo modo, o disposto no artigo 29° nº3, al. a) do DL 159/2014, quando regula a data em que a notificação considera-se efectuada, não afasta a possibilidade que a lei geral administrativa [CPA] dá aos administrados de provarem que (i) apesar da notificação poder ter sido expedida pelo autor do acto (ii) a mesma não chegou ao efectivo conhecimento do seu destinatário, seja por erro da plataforma seja por esta não permitir, por qualquer modo, o acesso ao conteúdo da notificação;
xvi) Comportando o artigo 29º, nº 3, al. a) do DL 159/2014 nada mais do que uma presunção legal, ilidível, seja por não estar consagrada como "iuris et de iure", seja por natureza, errou o tribunal ao atribuir um valor absoluto e inafastável à ficção de notificação que parece emanar do normativo;
xvii) Só com a concessão dessa possibilidade se assegura um processo administrativo justo e garantístico dos direitos dos administrados;
xviii) A decisão recorrida coarctou o direito da recorrente de (i) demonstrar a impossibilidade de aceder à notificação do acto suspendendo em momento anterior ao dia 24.05.2024 e o de (ii) afastar as ficções de notificação plasmadas no artigo 29º, nº3 do DL 159/2014;
xix) Ao assim decidir, o tribunal incorreu em erro de julgamento quanto aos requisitos das notificações dos actos administrativos regulados nos artigos 29º do DL 159/2014, de 27.10, artigo 113º do CPA, donde decorre a violação destes preceitos bem como desrespeitou o regime das presunções, com a consequente violação do regime do artigo 350 do CC.”

Notificada das alegações, o Requerido/Recorrido, Ministério da Coesão Territorial, apresentou contra-alegações, nas quais, formulou as seguintes conclusões:

A) O Recorrente interpôs recurso da Sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja, proferida a 27 de setembro de 2024 no âmbito do processo cautelar n.° 290/24.3BEBJA.
B) A decisão do Tribunal a quo funda-se, em suma, no não preenchimento do pressuposto de fumus boni iuris, como consequência de se ter concluído pela intempestividade da ação principal, com a consequente absolvição da instancia.
C) O recurso incide sobre este fundamento único de decisão e sobre a correlacionada decisão de não admissão da produção de prova destinada a demonstrar a alegação de que a Recorrente não tomou conhecimento do ato impugnado por motivos que não lhe são imputáveis, o que teria como consequência a não intempestividade da açao.
D) De acordo com a jurisprudência constante dos tribunais administrativos superiores, "[n]os processos cautelares, a realização de diligências probatórias está na inteira disponibilidade do tribunal, ou seja, apenas terá lugar quando este a considere necessária (cfr. o artigo 118.°, n.°s 1 e 3, do CPTA e, ainda, o artigo 367.°, n.° 1, do Código de Processo Civil). Está, pois, aqui em causa o princípio da inquisitoriedade na busca da verdade material, que caracteriza os processos cautelares." (Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, proferido a 5 de novembro de 2017, no Processo n.° 01727/16.0BEBRG).
E) Uma vez que não foi arguida a falta de autenticidade dos documentos juntos como processo administrativo, ou a falsidade do seu conteúdo, produz-se prova plena quanto ao seu conteúdo, não podendo ser produzida prova testemunhal em sentido contrário (393.°, n. 2, do Código Civil).
F) Do conteúdo do Processo Administrativo resulta como provada a realização das notificação a Recorrente, pelo que só se pode concluir pela desnecessidade da produção de qualquer prova adicional quanto a este ponto.
G) Conforme resulta da matéria dada como provada, a Recorrente foi notificada nos termos legalmente previstos, ou seja, nos termos do no n.° 2 do artigo 11.° do Decreto-Lei n.° 159/2014, de 27 de outubro, com os efeitos previstos no artigo 29.°, n.° 3, alínea a) do mesmo ato, e do Aviso de abertura de concurso, porque não existe qualquer dúvida de que as notificações no âmbito de projetos financiados são feitas através da Plataforma de Acesso Simplificado (PAS), com entrada via Balcão dos Fundos.
H) Apesar de ser ónus da Recorrente a demonstração da necessidade de produção de prova adicional - atendendo a que foi produzida prova documental e a estarmos no âmbito de um processo cautelar -, a Recorrente não provou ou alegou nada capaz de por em crise o valor probatório dos documentos compreendidos no Processo Administrativo.
I) Consequentemente, andou bem o Tribunal ao não admitir a produção de prova testemunhal, não permitida para o efeito de ser ponderada contra prova documental, nem a produção de um relatório no âmbito de um processo urgente porque a necessidade da sua produção não resulta minimamente demonstrada pela Recorrente no âmbito de uma analise indiciária adequada a um processo cautelar.
J) Não está nada mais em causa que a eventual anulabilidade do ato, cujo prazo para impugnação contenciosa terminou em 14 de maio de 2024 (artigo 58.°, n.° 1 e 2, do CPTA), pelo que a ação principal será intempestiva, o que constitui uma exceção dilatória conducente a absolvição da instancia (artigo 89.°, n.° 2 e n.° 4, alínea k), do CPTA).
K) Não podendo a ação principal proceder, não está preenchido o pressuposto do fumus boni iuris.
Termos em que
Deve ser mantida a sentença recorrida e improceder integralmente o recurso interposto.”

O recurso foi admitido com subida imediata nos próprios autos e com efeito devolutivo.


O Ministério Público, junto deste Tribunal, emitiu parecer ao abrigo do disposto no artigo 146.º, n.º 1 do CPTA pugnando pela improcedência do recurso.

A Recorrente pronunciou-se sobre o parecer da D.M.M.P.

Com dispensa de vistos, atenta a natureza urgente do processo, foi o processo submetido à conferência para julgamento.


II. Delimitação do objeto do recurso

Conforme jurisprudência firmada, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do apelante, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso [cfr. artigos 144.º, n.º 2 e 146.º, n.º 4 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), 608.º, n.º 2, 635.º, nºs 4 e 5 e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC ex vi artigos 1.º e 140.º do CPTA].
Tendo em conta o exposto, as questões que a este Tribunal cumpre apreciar reconduzem-se a saber se
i. O despacho de dispensa de produção de prova enferma de erro de julgamento de direito;
ii. A sentença recorrida padece de erro de julgamento de direito.

III. Fundamentação de facto

III.1. Na decisão recorrida foi julgada indiciariamente provada a seguinte factualidade:

“Com base na documentação junta aos autos e na posição assumida pelas Partes, considero indiciariamente assente a seguinte factualidade e ocorrências processuais com relevância para a decisão:
A. A Requerente é uma sociedade comercial que tem por objeto “a fabricação de produtos farmacêuticos de base, a fabricação de medicamentos bem como de outras preparações e de artigos farmacêuticos; a investigação e desenvolvimento em biotecnologia, nomeadamente a investigação em microbiota e o desenvolvimento de produtos terapêuticos baseados em microbiota; o comércio por grosso e a retalho deprodutos farmacêuticos, nomeadamente por correspondência ou via internet; a realização de análises clínicas, a recolha e conservação de sangue e de órgãos; a organização e participação em cursos, feiras, congressos e outros eventos científicos e a consultadoria nas áreas de atividade” [cf. fls. 77-79 dos autos];
B. Em 20.04.2020, foi publicado o aviso de concurso n.° 15/SI/2020 no âmbito do “ SISTEMA DE INCENTIVOS ATIVIDADES DE INVESTIGAÇÃO E DESENVOLVIMENTO E INVESTIMENTO EM INFRAESTRUTURAS DE ENSAIO E OTIMIZAÇÃO (UPSCALING) NO CONTEXTO DO COVID-19”, do qual consta o seguinte teor, por extrato [cf. fls. 80-96 dos autos]:
“(…)
1. Enquadramento do Aviso e identificação dos Objetivos e Prioridades (…)
O presente AAC tem o seguinte enquadramento:
Objetivo Temático (OT): 01 - Reforçar a investigação, o desenvolvimento tecnológico e a inovação.
(...)
5. Âmbito setorial
São elegíveis projetos de investigação e desenvolvimento em todas as áreas de atividade associada ao COVID-19.
(...)
16. Identificação dos indicadores de realização e resultado
Para além de ponderado no âmbito do processo de seleção estabelecido no presente Aviso, são objeto de monitorização e contratualização com os beneficiários, os seguintes indicadores:
a) Indicadores de realização: «Número de soluções disponibilizadas pelo projeto»;
b) Indicadores de resultado: «Número de soluções disponibilizadas relevantes para utilização no âmbito do COVID-19 / Número de soluções disponibilizadas pelo projeto (%)»
17. Divulgação de resultados e pontos de contato
No portal Portugal 2020 (www.portugal2020.pt) e na Plataforma de Acesso Simplificado (PAS), os candidatos, têm acesso:
a. As outras peças e informações relevantes, nomeadamente legislação enquadradora e formulário de candidatura;
b. Ao suporte técnico e ajuda ao esclarecimento de dúvidas no período em que decorre o concurso;
c. A pontos de contato para obter informações adicionais;
d. Aos resultados do presente concurso.
(…)”.
C. Em 29.05.2020, a Requerente apresentou candidatura ao concurso referido no ponto antecedente, com a designação “MICRO ID-19: Desenvolvimento de um consórcio de MICROrganismos como terapia coadjuvante para a COVID-19", tendo sido atribuído ao projeto o n.° 69744 [cf. fls. 458-858 (página 40 e 41) dos autos];
D. Em 04.08.2020, o IAPMEI proferiu Parecer no sentido de ser aceite a candidatura da Requerente referida no ponto antecedente [cf. fls. 458-858 (página 81 a 110) dos autos];
E. Em 07.09.2020, a Comissão Diretiva da Autoridade de Gestão do Programa Operacional Regional do Alentejo deliberou no sentido de aprovar a candidatura referida no ponto C supra [cf. fls. 458-858 (página 113) dos autos];
F. Em 08.09.2020, o Organismo Intermédio (IAPMEI) remeteu para a Requerente, através de plataforma eletrónica, ofício comunicando a decisão final referida no ponto antecedente [cf. fls. 458-858 (página 113) dos autos];
G. Do sistema eletrónico consta que o ofício referido no ponto antecedente foi lido em 08.09.2020 [cf. fls. 458-858 (página 113) dos autos];
H. Em 23.09.2020, a Requerente subescreveu documento intitulado “SISTEMA DE INCENTIVOS ÀS EMPRESAS. I&D COVID-19. TERMO DE ACEITAÇÃO", do qual consta o seguinte teor, por extrato [cf. fls. 163-172 dos autos]:
“(…)

CLÁUSULA PRIMEIRA
(Objeto)
1. O presente termo de aceitação tem por objeto a concessão de um incentivo financeiro para aplicação na execução, pelo beneficiário, do projeto de investimento n.° 069744 com um montante de investimento elegível global de 398.837,35 euros (trezentos e noventa e outo mil, oitocentos e trinta e sete euros e trinta e cinco cêntimos), nos termos em que foi aprovado e que se considera parte integrante do presente termo de aceitação.
2. O período de execução deste investimento decorre entre 2020-09-22 e 2021-06-21. (...)
CLÁUSULA TERCEIRA
(Incentivo)
1. O incentivo total a atribuir, conforme definido nos termos da decisão de aprovação da respetiva concessão, reveste a forma de incentivo não reembolsável no montante de 365.642,35 Euros (trezentos e sessenta e cinco mil, seiscentos e quarenta e dois euros e trinta e cinco cêntimos), que corresponde à aplicação da taxa de 91,68% sobre o montante das despesas elegíveis, de acordo com o estabelecidos no artigo 12.° do Regulamento I&D COVID-19.
CLÁUSULA QUARTA
(Indicadores de Realização e Resultado)
Os resultados a alcançar no âmbito do projeto, objeto do presente termo de aceitação, são os seguintes:
a) Número de soluções disponibilizadas pelo projeto: 1;
b) Número de soluções disponibilizadas relevantes para utilização no âmbito do COVID-19/Número de soluções disponibilizadas pelo projeto: 100%.
(…)
CLÁUSULA SEXTA
(Obrigações do Beneficiário)
1. Em conformidade com o disposto no artigo 17.° do Regulamento I&D COVID-19, o beneficiário compromete-se a:
a) Executar o projeto nos termos e condições aprovados;
(...)
CLÁUSULA NONA
(Redução e Revogação do Incentivo)
1. Constitui fundamento para redução do incentivo, nomeadamente:
a) O incumprimento parcial das obrigações do beneficiário, incluindo dos resultados contratados;
(...)
2. A decisão de concessão do apoio pode ser revogada pela autoridade de gestão quando se verifique a manutenção, com caráter definitivo, de uma das causas previstas no número anterior ou quando se verifique umas das seguintes condições, imputáveis ao beneficiário:
a) O incumprimento dos objetivos essenciais previstos na candidatura;
b) A não execução integral da candidatura nos termos em que foi aprovada;
(...)".
I. Em 22.10.2020, a Requerente apresentou, através de plataforma eletrónica, pedido Pagamento a Título de Adiantamento (PTA) no âmbito do concurso identificado no ponto B supra [cf. fls. 458-858 (página 168) dos autos];
J. Em 29.10.2020, o IAPMEI proferiu decisão no sentido de deferimento do pedido referido no ponto antecedente do montante não reembolsável de 182.821,18 Euros [cf. fls. 173-174 dos autos];
K. Em 29.10.2020, o Organismo Intermédio (IAPMEI) remeteu para a Requerente, através de plataforma eletrónica, ofício comunicando a decisão final referida no ponto antecedente [cf. fls. 458-858 (página 200) dos autos];
L. Em 30.10.2020, o IAPMEI - Agência para a Competitividade e Inovação, I.P. emitiu “Ordem de Pagamento” da qual consta que foi ordenada a transferência de 182.821,18 Euros para a Requerente [cf. fls. 458-858 (página 203) dos autos];
M. Do sistema eletrónico consta que o ofício referido no ponto K supra foi lido no dia 11.05.2021 [cf. fls. 458-858 (página 200) dos autos];
N. Em 21.06.2021, a Requerente apresentou requerimento, em plataforma eletrónica, para prorrogação do prazo de execução do projeto por 9 meses, e, “Ajustamentos à configuração do Investimento”, indicando como fundamento “motivos de força maior: situação epidemiológica do novo Corona-vírus - COVID 19” [cf. fls. 458-858 (página 208 a 2017 e 305 a 320) dos autos];
O. Em 15.09.2021, o Organismo Intermédio (IAPMEI) remeteu para a Requerente, através de plataforma eletrónica, ofício do qual consta o seguinte, por extrato [cf. fls. 458-858 (página 204) dos autos]:
“(…)
Informamos que, até presente data, ainda não foi rececionado no Balcão do Projeto, a comprovação do Pedido de Adiantamento já pago.
(…)
Caso o prazo para a certificação do adiantamento ou submissão do PTRF já se encontre ultrapassado, e a situação não venha a ser regularizada até ao final do corrente mês de setembro, implicará a devolução do incentivo já recebido.
Assim, vimos solicitar a vossa colaboração no sentido de comprovarem o valor da despesa já executada, através da submissão do pedido de pagamento (PTA Certificação, PTRI ou PTRF).
(…)”.
P. Do sistema eletrónico consta que o ofício referido no ponto antecedente foi lido no dia 15.09.2021 [cf. fls. 458-858 (página 204) dos autos];
Q. Em 29.09.2021, a Requerente respondeu ao ofício referido no ponto O supra, através de mensagem remetida em plataforma eletrónica, da qual se extrai que a Requerente informa que se encontra a preparar a apresentação de um pedido de Pagamento a Título de Reembolso Intercalar (PTRI), e alerta para a falta de resposta quanto ao pedido de prorrogação do prazo de execução referido no ponto N supra [cf. fls. 458-858 (página 204) dos autos];
R. Em 19.11.2021, a Requerente apresentou, através de plataforma eletrónica, o pedido de Pagamento a Título de Reembolso Intercalar (PTRI) no âmbito do concurso identificado no ponto B supra [cf. fls. 458-858 (página 329) dos autos];
S. Em 16.01.2023, o Organismo Intermédio (IAPMEI) remeteu para a Requerente, através de plataforma eletrónica, ofício informando que procedia à devolução do pedido referido no ponto antecedente [cf. fls. 861-1409 (página 251) dos autos];
T. Em 23.01.2023, a Requerente apresentou requerimento, em plataforma eletrónica, para prorrogação do prazo da entrega do pedido de Pagamento a Título de Reembolso Final (PTRF) pelo período de 30 dias úteis [cf. fls. 458-858 (324 a 326) dos autos];
U. Em 28.01.2023, o Organismo Intermédio (IAPMEI) remeteu para a Requerente, através de plataforma eletrónica, ofício do qual consta que o pedido de prorrogação referido no ponto antecedente foi autorizado [cf. fls. 458-858 (página 327) dos autos];
V. Do sistema eletrónico consta que o ofício referido no ponto S supra foi lido no dia 13.03.2023 [cf. fls. 861-1409 (página 251) dos autos];
W. Do sistema eletrónico consta que o ofício referido no ponto U supra foi lido em 15.03.2023 [cf. fls. 458-858 (página 327) dos autos];
X. Em 15.03.2023, a Requerente apresentou, através de plataforma eletrónica, a documentação referente ao Pagamento a Título de Reembolso Final (PTRF) no âmbito do concurso identificado no ponto B supra [cf. fls. 861-1409 (página 548) dos autos];
Y. Em 10.04.2023, o Organismo Intermédio (IAPMEI) remeteu para a Requerente, através de plataforma eletrónica, ofício do qual consta “após validação do anexo ao pedido final submetido, procede-se à sua devolução por se ter verificado o seguinte: Procedeu-se à Devolução do PTRF por incorreta instrução do mesmo. Consequentemente, procedeu-se à devolução dos Anexos PF e do RTC Final" [cf. fls. 861-1409 (página 462) dos autos];
Z. Do sistema eletrónico consta que o ofício referido no ponto antecedente foi lido em 11.04.2023 [cf. fls. 861-1409 (página 462) dos autos];
AA. Em 11.04.2023, a Requerente apresentou, através de plataforma eletrónica, novo pedido de Pagamento a Título de Reembolso Final (PTRF) no âmbito do concurso identificado no ponto B supra [cf. fls. 861-1409 (página 463) dos autos];
BB. Em 16.01.2024, o Organismo Intermédio (IAPMEI) remeteu para a Requerente, através de plataforma eletrónica, ofício comunicando que “pela avaliação do painel de peritos é possível concluir que efetivamente não foram concretizados os objetivos previstos com o projeto, nomeadamente, o medicamento inovador biológico e o teste PCR" e a intenção de “revogação da decisão de concessão do apoio, com fundamento no incumprimento definitivo da obrigação do beneficiário”, e do prazo de 10 dias para exercício de audiência de interessados pela Requerente [cf. fls. 861-1409 (página 526 a 530) dos autos];
CC. Em 31.01.2024 foi proferido pelo Organismo Intermédio (IAPMEI) parecer quanto ao pedido de prorrogação e de ajustamentos à configuração do investimento, referido no ponto N supra, do qual se extrai que, “tendo em consideração que a avaliação final do painel de peritos concluiu pelo não cumprimento dos objetivos previstos do projeto, é emitido parecer desfavorável à presente formalização” [cf. fls. 458-858 (página 303 e 321) dos autos];
DD. Em 31.01.2024, o Organismo Intermédio (IAPMEI) remeteu para a Requerente, através de plataforma eletrónica, ofício comunicando que o pedido de Alteração ao Projeto, referido no ponto N supra, não foi autorizado [cf. fls. 458-858 (página 322) dos autos];
EE. Em 31.01.2024, o IAPMEI emitiu documento intitulado “Informação", sob o assunto "M......, LDA Candidatura n° 69.744 P-2020/15 - Projetos Individuais (I&DT) - COVID-19 Revogação da Decisão”, do qual se extrai que é dada “sequência à anulação pós contrato com fundamento no incumprimento definitivo da obrigação do beneficiário'’", o que dá lugar à “Revogação da decisão de apoio"" e “Descativação do incentivo não reembolsável aprovado no valor de 365.642,35 euros"" [cf. fls. 861-1409 (página 532 a 535) dos autos];
FF. Em 09.02.2024, o Secretário Técnico do Programa Operacional Regional do Alentejo proferiu Parecer, do qual consta o seguinte teor, por extrato [cf. fls. 70-71 dos autos]:
2. De acordo com o parecer do Organismo Intermédio IAPMEI de 31/01/2024 disponibilizado em SGO é possível ler-se:
«Decorrente do parecer do painel de peritos, foi dada sequência à anulação pós- contrato notificada à entidade beneficiária em 2024-01-16, nos termos e para os efeitos dos artigos 121° e 122° do Código do Procedimento Administrativo, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido, e que resumidamente refere:
- Não obstante a execução material muito baixa, 22,49% da despesa elegível aprovada, o painel de peritos considerou louvável a preocupação da empresa no sentido de maximizar a rentabilidade dos produtos desenvolvidos e, nesse sentido, aposta no pós-projeto a continuação de alguns dos objetivos não concretizados e que possam ser indicados para a aplicação noutras terapias.
- Da análise dos resultados obtidos face ao proposto em sede de candidatura, não é possível considerar que a empresa concretizou os objetivos propostos. Assim, apesar do esforço desenvolvido, não foi possível realizar ensaios da terapia imunomoduladora, nem a aplicação dos testes PCR, dificuldades de aprovação atempada do INFARMED.
- Os produtos criados de raiz pelo projeto deveriam ser uma terapia imunomoduladora para atenuar os efeitos da infeção por SARS-CoV-2 e um teste PCR baseado na análise das fezes. Como já referido estes possíveis protótipos não foram validados no âmbito do projeto.
- Relativamente à característica, o «Novo medicamento experimental», não foi possível alcançar o objetivo pretendido, mas no final do projeto foi alcançado o «desenho do ensaio clínico e sua submissão para aprovação» (que está dependente da aprovação de uma comissão de ética).
Pela avaliação do painel de peritos é possível concluir que efetivamente não foram concretizados os objetivos previstos com o projeto, nomeadamente, o medicamento inovador biológico e o teste PCR embora a investigação possa vir a contribuir futuramente para o desenvolvimento de produtos/soluções para o combate e mitigação do Covid-19, o projeto não foi executado como previsto nem atingiu os objetivos previstos por via da não disponibilização efetiva de um produto no mercado perdendo, por esta via, o enquadramento no Aviso 15/SI/2020, no ponto 2. Modalidade de candidatura e tipologia dos projetos I&D Empresas, conducentes à criação de novos produtos, processos ou sistemas, ou à introdução de melhorias significativas em produtos, processos ou sistemas, pertinentes no contexto do combate do COVID-19.»;
3. Da análise efetuada aos elementos existentes e ao parecer emitido pelo OI e por consulta a esta data ao Balcão dos Fundos, verifica-se a informação prestada pelo OI IAPMEI, pelo que se concluiu do incumprimento dos objetivos essenciais previstos na candidatura e da inexecução integral da candidatura nos termos em que foi aprovada, nos termos das alíneas a) e b), n.° 3 do artigo 23.° do Decreto-Lei n.° 159/2014, de 27/10, na sua redação atual.
Mais se afere do parecer do IAPMEI que o beneficiário foi ouvido em Audiência de Interessados, não tendo a entidade beneficiária exercido o seu direito de contraditório pelo que se confirmam os fundamentos de facto e de direito que fundamentam a anulação pós-contrato.
4. Neste contexto, propõe-se a decisão final de revogação do apoio ao projeto n.° ALT20-03-02B7-FEDER-069744, com a consequente descativação de incentivo no valor de 365.642,35 e devolução de incentivo pago no valor de 182.821,18, devendo o beneficiário ser notificado dos termos dessa revogação.”
GG. Em 12.02.2024, a Comissão Diretiva do Programa Operacional do Alentejo 2020 proferiu deliberação de concordância com o parecer referido no ponto antecedente [cf. fls. 70-71 dos autos];
HH. Do sistema eletrónico consta que o ofício referido no ponto DD supra foi lido em 12.02.2024 [cf. fls. 458-858 (página 322) dos autos];
II. Em 14.02.2024, o Organismo Intermédio (IAPMEI) remeteu para a Requerente, através de plataforma eletrónica, ofício comunicando a deliberação referida no ponto GG supra [cf. fls. 861-1409 (página 536) dos autos];
JJ. A Agência para o Desenvolvimento e Coesão, IP remeteu ofício para a Requerente, datado de 29.04.2024, com a referência UGF/NGRF/03/PT2020, sob o assunto “Notificação de Reposição de Verbas. Guia de Reposição n.° 1261/2024/FEDER- PO ALT20 - Operação ALT20-03-02B7-FEDER-069744/Dívida ALT20-02B7-FEDER-069744-D01-2020”, de onde se extrai que foi comunicado o prazo de 30 dias úteis para a Requerente restituir 182.821,18 Euros referentes ao incentivo identificado no ponto J supra [cf. fls. 72-76 dos autos];
KK. Do sistema eletrónico consta que o ofício referido no ponto BB supra foi lido em 24.05.2024 [cf. fls. 861-1409 (página 526) dos autos];
LL. Do sistema eletrónico consta que o ofício referido no ponto II supra foi lido em 24.05.2024 [cf. fls. 861-1409 (página 536) dos autos];
MM. Em 14.06.2024, a Requerente ordenou ao Banco S........ a transferência para a Agência para o Desenvolvimento e Coesão, IP do montante de 92.908,74 Euros [cf. fls. 305-309 (página 5) dos autos];
NN. No dia 14.06.2024, a conta bancária à ordem - Empresas, titulada pela Requerente, tinha um saldo contabilístico de 169,70 Euros [cf. fls. 414 dos autos];
OO. Em 18.06.2024, a Requerente apresentou requerimento inicial neste Tribunal dando origem aos presentes autos [cf. fls. 62-66 dos autos].”

III.2. Mais se consignou na sentença recorrida quanto a factos não provados:

“Não ficaram por provar indiciariamente factos relevantes para a decisão.”

III.3. Foi a seguinte a motivação quanto à matéria de facto:

“A convicção deste Tribunal, quanto à matéria de facto, formou-se com base na prova documental junta aos autos pelas partes, conforme indicado em cada ponto do probatório.”

IV. Fundamentação de direito

1. Do erro de julgamento quanto à desnecessidade de produção de prova


Resulta dos autos que, em conformidade com o artigo 114.º, n.º 3 al. g) do CPTA, a Requerente apresentou requerimento de prova por declarações de parte (indicando fazê-lo a toda a matéria), testemunhal e solicitou para prova do alegado nos artigos 19.º a 42.º do r.i. que fosse “oficiada a Linha de Apoio da Plataforma Balcão dos Fundos, no sentido de elaborar relatório técnico de análise, onde se informe e certifique se as notificações do projecto de decisão de 16.01.2024 e do acto final de 12.02.2024, que revogou o financiamento concedido à requerente no âmbito do programa ALT20-03-02B7-FEDER-069744 [MICRO ID-19.: Desenvolvimento de um consórcio de MICROrganismos como terapia coadjuvante para a COVID-19] foram efectuadas - ou não – na plataforma informática Balcão dos Fundos” e com vista à demonstração do alegado em 38.º, 40.º e 41.º que o Tribunal oficiasse o IAPMEI “para certificar em que dia é que ocorreu o primeiro acesso da requerente, no site da PAS – Plataforma de Acesso Simplificado (https://pas.compete2020.gov.pt/pas2/acesso/app/Login.php] às notificações referente ao projecto de decisão de 16.01.2024 e do acto final de 12.02.2024 proferidas no âmbito do programa ALT20-03-02B7-FEDER-069744 [MICRO ID-19.: Desenvolvimento de um consórcio de MICROrganismos como terapia coadjuvante para a COVID-19]”.
Requerimento probatório esse que o Tribunal a quo, por despacho de 27.9.2024, indeferiu por considerar, em suma, que os factos podiam ser aferidos nos documentos junto aos autos, que a matéria constante dos artigos 10.°, 18.°, 25.° a 27.°, 33.°, 35.° a 37.°, 42.°, 64.°, 66.°, 67.°, 74.°, 76.°, 96.°, 112.°, 130.°, 136.° a 140.°, 159.°, 160.°.°, 174.°, 177.°, 224.° e 226.° do requerimento inicial representam juízos meramente conclusivos, sem relevo para a boa decisão da causa e que, quanto ao requerimento de requisição de informação à Linha de Apoio e ao IAPMEI, “além de não ter sido alegado ou demonstrado nos presentes autos que a informação pretendida foi, inicialmente, solicitada pela Requerente e a esta negada” a informação é passível de ser extraída da prova documental junta aos autos.
A Recorrente insurge-se contra este entendimento, imputando-lhe erro de julgamento, aduzindo que alegou no requerimento inicial, concretamente nos pontos 20.º a 52.º, que as notificações do projeto de revogação do financiamento e decisão final de revogação, efetuadas eletronicamente para a plataforma eletrónica Balcão dos Fundos, não lograram ser efetivadas porquanto, tendo acedido à plataforma Balcão dos Fundos, não era possível entrar na página do projeto e do ato, nem constava na plataforma qualquer notificação referente a estes atos.
Sustenta que a referida factualidade era essencial à decisão da causa, visando determinar se na plataforma eletrónica existia uma verdadeira impossibilidade de acesso à notificação do ato administrativo de revogação do incentivo, naquele período de janeiro e fevereiro de 2024, e que afastaria qualquer presunção ou ficção de notificação do ato naquele período e permitiria concluir pela tempestividade da ação principal e, consequentemente, da providência cautelar.
Invoca que, opostamente ao decidido, o Tribunal não podia bastar-se com a mera consulta dos documentos juntos nos articulados e do processo administrativo porque deles não é possível verificar se a notificação do ato não constava na plataforma e/ou era impossível informaticamente aceder àquele, o que apenas se atingiria pelos meios de prova requeridos.
Entende que ao decidir pelo indeferimento do requerimento de prova, o Tribunal tornou impossível a demonstração do alegado quanto à tempestividade da ação, violando o dever de ordenar as diligências de prova necessárias para o apuramento da verdade e boa decisão da causa [art. 90º, 118º, nº1, 3 e 5 do CPTA], o princípio da tutela jurisdicional efetiva [art. 2º, nº1 do CPTA] e a promoção do acesso à justiça [art. 7º - A do CPTA].
É inegável que o direito à prova é parte essencial do direito fundamental de acesso ao direito (artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa1), na vertente do direito a um processo equitativo, constituindo-se como peça fundamental para a realização efetiva do direito de ação judicial. Assim, “o direito fundamental à prova implica que as partes tenham liberdade para demonstrar quaisquer factos, mesmo que não possuam o respetivo ónus da prova, desde que entendam que a sua comprovação diminuirá os seus riscos processuais” (Ac. do Tribunal da Relação de Guimarães de 23.5.2019, proferido no proc. 1345/18.9T8CHV-A.G1).
No entanto, como qualquer direito, o direito à prova não é um direito absoluto na sua essência, isto é, não é um direito ilimitado. De tal forma que pode comportar restrições, designadamente colocadas em função de interesses atinentes à lógica e à finalidade do processo.
Em conformidade, refira-se que, no âmbito das providências cautelares, dispõe-se nos n.ºs 1, 3 e 5 do art.º 118.º do CPTA que,
1 - Juntas as oposições ou decorrido o respetivo prazo, o processo é concluso ao juiz, podendo haver lugar a produção de prova, quando este a considere necessária.
3 - O juiz pode ordenar as diligências de prova que considere necessárias, não sendo admissível a prova pericial.
5 - Mediante despacho fundamentado, o juiz pode recusar a utilização de meios de prova quando considere assentes ou irrelevantes os factos sobre os quais eles recaem ou quando entenda que os mesmos são manifestamente dilatórios.
Como resulta deste normativo, atenta a celeridade e eficiência que devem pautar o processo cautelar, a produção de prova – e, portanto, o direito a esta - só tem lugar quando o juiz a considere necessária, devendo ler-se o n.º 1 do art.º 118.º do CPTA em conjugação com os seus n.ºs 3 e 5.
O n.º 3 deste normativo concretiza o princípio do inquisitório “na dimensão de que o juiz não tem de satisfazer-se com as provas carreadas pelas partes, podendo ordenar oficiosamente a produção de outros meios de prova (cfr. artigo 367.º, n.º 1 do CPC) e promover diligências que não lhe tenham sido requeridas, mas que considere necessárias. (…) [C]abendo ao juiz determinar, em função do caso concreto, quais devem ser utlizadas para se obter o adequado esclarecimento das questões colocadas. Cumpre, em todo o caso, ter presente que este esclarecimento deve ser o estritamente necessário, atendendo ao caráter sumário da apreciação que, em sede cautelar, cumpre realizar, atenta a celeridade exigida na resolução do processo, devendo ser evitada a promoção oficiosa da produção de prova inútil ou, em todo o caso, excessiva.” (Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 4.ª edição, Almedina, pp. 1009-1010).
Por sua vez, o n.º 5 do art.º 118.º do CPTA “explicita, entretanto, que, tal como em processo civil, o juiz não está limitado à possibilidade de ordenar a produção dos meios de prova requeridos pelas partes, mas pode, pelo contrário, recusar diligências que lhe tenham sido requeridas, quando “considere assentes ou irrelevantes os factos sobre os quais eles recaem ou quando entenda que os mesmos são manifestamente dilatórios” (Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 4.ª edição, Almedina, pp. 1009-1010).
Cumprindo ao julgador, no âmbito das providências cautelares, ponderar se a produção de prova é ou não necessária para o apuramento da matéria de facto pertinente, há que ter em conta que, por um lado, a prova é sumária [art.º 114.º, n.º 2 al. g) do CPTA], feita com base perfunctória e, por outro, que incidindo a prova sobre factos concretos que permitam dar como verificados os requisitos de que depende o decretamento da providência, ela excluirá conceitos, proposições normativas ou juízos jurídico-conclusivos.
Por outro lado, refira-se que o juiz está sempre limitado pela proibição de prática de atos inúteis prevista no art.º 130.º do CPC, pelo que a necessidade da prova, não deixando de corresponder ao preenchimento de um conceito indeterminado cujo juízo decisório se situa na esfera do Tribunal, devendo restringir-se a uma prova sumária e perfunctória (prova simplesmente informatória, como refere Manuel de Andrade, em “Noções Elementares de Processo Civil”, 1979, pág. 193), encontra o seu objeto nos factos, relevantes para o exame e decisão da causa que devam considerar-se controvertidos e carecidos de prova, que são necessários para a decisão.
Considerando o exposto, importa considerar que a questão a dirimir respeitava ao apuramento da data de notificação do ato suspendendo, relativamente à qual a Recorrente sustentava, em síntese, que da plataforma informática – que aduz corresponder à designada Balcão dos Fundos – não constava a referida notificação, a que apenas veio a ter acesso em 24.5.2024. Sendo que o objeto sobre o qual a Recorrente entende que se impunha a produção de prova por si requerida respeita, nos termos alegados, aos pontos 20.º a 52.º do r.i.
Em primeiro lugar, porque só os factos materiais são suscetíveis de prova, ao passo que as conclusões, envolvam elas juízos valorativos ou um juízo jurídico, devem decorrer dos factos provados, afigura-se como patente que a matéria inscrita nos pontos 23.º, 25.º a 27.º, 34.º - quanto à confirmação de não notificação - , 36.º - “quando deveria, ao invés, estar depositada na plataforma do Balcão dos Fundos, o que não aconteceu” -, 39.º a 42.º e 47.º a 52.º, consubstanciam meros juízos conclusivos ou opinativos e que, por isso, não poderiam ser objeto de prova. Com efeito, o que está em causa em tais pontos é, no essencial, a afirmação conclusiva pela Requerente de que não foi notificada do ato, só que a essa conclusão o Tribunal só pode chegar à luz das concretas ocorrências da vida real e de eventos ocorridos no mundo exterior que, tendo sido alegados e provados, sejam subsumidos ao regime legal das notificações de atos administrativos que for aplicável.
Donde permitir que a prova recaísse sobre tal matéria, determinaria que fosse dada em sede de fundamentação de facto a resposta à questão jurídica a decidir.
Em segundo lugar, porque a prova incide apenas sobre matéria de facto e não sobre matéria de direito, naturalmente que não se poderia aceitar que fosse produzida prova sobre os pontos 43.º a 46.º do requerimento inicial, que respeitam ao enquadramento jurídico em que a Recorrente ancora a sua posição.
Quanto aos pontos 20.º, 29.º a 32.º e 38.ºa prova é de natureza documental e corresponde, como a própria Recorrente indica, aos documentos 2 e 8 junto ao requerimento inicial, e aos documentos contidos no processo administrativo, concretamente nas suas folhas 526 e 536, tal como foi dado como provado nos pontos KK. e LL. da sentença também recorrida. Também o ponto 36.º - “que se encontrava unicamente depositada nessa plataforma PAS” – consta do documento de fls. 549 do p.a.
O ponto 28.º que se reporta aos alegados problemas técnicos que a plataforma Balcão dos Fundos tem experienciado, não se mostram necessários à decisão da causa, na medida em que o que releva é saber como foi levado ao conhecimento da Requerente o ato suspendendo – através de que plataforma informática (Balcão dos Fundos e/ou Plataforma de Acesso Simplificado) – e se esse meio de comunicação eletrónica efetivamente possibilitou esse conhecimento.
Mas já a factualidade contida nos pontos 21.º a 22.º e 24.º, que respeitam à circunstância alegada de na plataforma informática – pelo menos na ótica do utilizador – não constar a notificação, não sendo possível aceder à mesma, em termos que possibilitassem o reconhecimento da sua existência e o acesso à mesma, e nos pontos 33.º a 35.º, 37.º que se reportam às circunstâncias em que a Recorrente “descobriu” a notificação da decisão, mostram-se, efetivamente, necessários à decisão da causa(1).
Com efeito, importa considerar que à luz das soluções plausíveis de direito não há que, sem mais, afastar a aplicação seja das regras referentes à notificação previstas no CPA, designadamente as constantes do artigo 113.º do CPA, por força da sua aplicação subsidiária nos termos do n.º 5 do artigo 2.º do CPA, seja das regras do justo impedimento. Institutos esses que possibilitam dar relevância a circunstâncias que possam obstar a que se possa considerar, nos termos do artigo 29.º, n.º 3 al. a) do Decreto-Lei n.º 159/2014, de 27 de outubro, realizada a notificação na data da respetiva expedição, quando efetuada através de meio de transmissão escrita e eletrónica de dados, quando esse meio (alegadamente) não permitiu ao utilizador aferir a existência dessa notificação e permitir o seu conhecimento.
Ora, o Tribunal a quo assentou a sua decisão em documentos extraídos de uma plataforma informática que não identifica e que apenas revelam que a notificação terá sido inserida naquela (vg. ponto II), mas que não demonstram que a mesma ficou visível ou acessível ao utilizador, problemática essa levantada pela Requerente.
Acresce que a falta de identificação da plataforma informática através da qual eram realizadas as interações entre a autoridade de gestão e a Recorrente – identificação essa que não é possível recolher dos elementos documentais juntos aos autos (o que, de resto, terá levado o Tribunal a quo a referir-se à mesma sem designação) -, obsta a que se possa aceitar a conclusão retirada a fls. 26 da sentença de que “a Requerente não era desconhecedora, sem prejuízo do que resulta do ponto 17 do aviso de abertura do concurso, que identifica a Plataforma de Acesso Simplificado como o ponto de contato para efeitos do programa de incentivos a que a Requerente se candidatou (cf. factos provados B), que a plataforma eletrónica era a forma de comunicação e interação com a autoridade gestora”.
Note-se que uma questão que se discute nos autos é, efetivamente, a de saber qual a plataforma informática que constitui, para efeitos do n.º 2 do artigo 29.º do DL 159/2014, o ponto de contato entre a autoridade gestora e a Recorrente e os termos em que nessa plataforma informática é realizado o acesso à área do projeto e às correspondentes notificações (vg. os pontos 42.º a 49.º da oposição).
Dúvida essa que emerge, por um lado, da circunstância de o ponto 17 do Aviso para apresentação de candidaturas n.º 15/SI/2020, cuja aplicação à fase de execução do projeto objeto de financiamento se poderá mostrar discutível, referir duas plataformas informáticas distintas - o portal Portugal 2020 (www.portugal2020.pt) e a Plataforma de Acesso Simplificado (PAS) – e, por outro, de constar do artigo 18.º, n.º 2 da Portaria 96/2020 que os pedidos de pagamento são apresentados no Balcão 2020 (substituído pelo Balcão dos Fundos no fim do período de programação 2014-2020) e não na PAS.
Estas duas plataformas informáticas, Balcão dos Fundos, acessível através de https://balcaofundosue.pt/, e Plataforma Simplificado de Acesso, acessível por https://pas.compete2020.gov.pt/, são distintas, mas parecem mostrar-se interconectadas – refira-se que o Balcão dos Fundos, é uma plataforma online que permite a submissão de candidaturas a avisos, a gestão de projetos e a submissão de pedidos de pagamentos e que gerencia operações oriundas de vários Fundos e Programas e, nesse sentido, suporta várias plataformas, incluindo a PAS, a qual é uma plataforma específica para a submissão de pedidos de pagamento de projetos financiados pelos FEEI de forma simplificada, gerida pelo Compete 2020 -, designadamente no que se reporta ao acesso possibilitado na área reservada do Balcão dos Fundos à gestão dos projetos.
Ora, a prova documental sumária existente nos autos não possibilita, sequer perfunctoriamente, aferir qual foi a plataforma informática (Balcão dos Fundos ou PAS) através da qual se processaram essas notificações e comunicações entre as partes, como se processavam essas interações, e se, como alega a Recorrente, tudo era realizado através do Balcão dos Fundos – em termos tais que não se mostrasse exigível o acesso à plataforma PAS - e se, assim sendo, esta plataforma, efetivamente, não continha – no perfil do utilizador/beneficiário ou na área especifica do projeto - a notificação do ato suspendendo em termos que possibilitem ter a notificação do ato suspendendo ocorrido na data considerada pelo Tribunal a quo.
Neste sentido, mostrava-se, efetivamente, necessária a realização das diligências de prova destinadas a apurar se as notificações e comunicações entre as partes eram realizadas (apenas) através do Balcão dos Fundos e/ou (também) através da PAS, como se processavam essas interações no Balcão dos Fundos, se o Balcão dos Fundos não continha (no perfil do beneficiário) a notificação do ato suspendendo, não sendo possível visualizar e aceder ao mesmo e quando a Recorrente tomou conhecimento de que a notificação se encontrava na PAS.
Concretamente, mostrava-se adequada a prestação de declarações de parte, a audição de testemunhas com conhecimento de tal factualidade e, bem assim, a solicitação à Linha de Apoio da Plataforma Balcão dos Fundos, mostrando-se desnecessário o pedido ao IAPMEI porquanto tal respeita ao ponto 38.º do r.i. relativamente ao qual já existia prova sumária nos autos.
Consequentemente, conclui-se que, efetivamente, o Tribunal a quo incorre em erro de julgamento ao recusar a produção de prova requerida pela Recorrente (com exceção do pedido ao IPMEI), porquanto, efetivamente, os autos não contêm a prova sumária necessária à decisão da causa, designadamente no que respeita ao apuramento da tempestividade da instauração da ação principal, violando o disposto no artigo 118.º, n.ºs 1, 3 e 5 do CPTA.

*


Considerando a procedência do erro de julgamento, deve ser revogado o despacho de 27.9.2024 que indeferiu a produção da prova e, por consequência, anulada a sentença proferida, devendo os autos retornar à 1.ª Instância para a realização das diligências instrutórias nos termos referidos no presente Acórdão, sem prejuízo, sendo caso disso, das que se mostrem necessárias ao apuramento do preenchimento dos pressupostos de adoção da providência cautelar, seguindo-se a prolação de nova decisão. Consequentemente, mostra-se prejudicada a apreciação do erro de julgamento imputado à sentença recorrida.

2. Da condenação em custas


Vencida, é a Entidade Recorrida condenada nas custas do recurso (art.ºs 527.º n.ºs 1 e 2 do CPC, 7.º, n.º 2 e 12.º, n.º 2 do RCP e 189.º, n.º 2, do CPTA).

V. Decisão

Nestes termos, acordam os juízes desembargadores da Subsecção Administrativa Comum, do Tribunal Central Administrativo Sul, em conceder provimento ao recurso e, em consequência,
a. Revoga-se o despacho de 27.9.2024 e anula-se a sentença de 27.9.2024 recorridos e determina-se a baixa dos autos à 1.ª Instância para que aí sejam realizadas as diligências de prova requeridas considerando o fixado no presente Acórdão, seguindo-se a prolação de decisão;
b. Condena-se a Entidade Recorrida nas custas do presente recurso.

Mara de Magalhães Silveira
Marcelo Mendonça
Ana Cristina Lameira
*

(1)Adiantando-se, desde já, que porque a apreciação do preenchimento das condições de procedência das medidas cautelares requeridas depende de não se verificar causa de extinção dos processos cautelares, o preenchimento do requisito do fumus boni iuris só poderá ser apreciado se não se mostrar preenchida a previsão do art.º 123.º, n.º 1 al. a) do CPTA.