Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1355/15.8BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:02/18/2021
Relator:DORA LUCAS NETO
Descritores:DISCIPLINAR;
PSP;
POSSE DE ARMAS ILEGAIS;
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE.
Sumário:I. O princípio da proporcionalidade, no âmbito do processo disciplinar, diz respeito à adequação da pena imposta à gravidade dos factos reputados como ilícitos, constituindo, por isso, um limite interno ao poder discricionário da Administração na fixação da medida concreta da pena disciplinar;
II. Os tribunais não podem substituir-se à Administração na fixação concreta da pena, pelo que a graduação da pena disciplinar, não sendo posta em causa a qualificação jurídico-disciplinar das infrações, não é contenciosamente sindicável, salvo erro grosseiro ou manifesto, ou seja, se a medida da pena for ostensivamente desproporcionada.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. Relatório

O Ministério da Administração Interna interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, de 04.12.2016, que julgou procedente a ação administrativa especial contra si intentada por B..., através da qual impugnou a decisão de aplicação de sanção disciplinar de suspensão do exercício de funções por 179 dias.

Nas alegações de recurso que apresentou, culminou com as seguintes conclusões – cfr. fls. 194 e ss., ref. SITAF:

«(…)

A. A Sentença Recorrida padece de erro nos pressupostos de direito.

B. Ao contrário do que foi decidido e considerando o teor do artigo 46° do RDPSP, a escolha da pena disciplinar de 179 dias suspensão além de ter sido adequada, encontra-se devidamente fundamentada.

C. Com efeito, os factos pelos quais foi condenado revelam por parte o Recorrido “(...) negligência grave, acentuado desinteresse pelo cumprimento de deveres profissionais (...)” sem esquecer que afetou “(...) gravemente a dignidade e prestigio pessoal (...)” bem como o prestigio “(...) da função (...)”

D. Na dosimetria da pena foi considerado que a simples detenção de armas proibidas põe por em causa os valores da ordem, segurança e tranquilidade públicas, e o facto de o Recorrido ser agente de autoridade, sobre quem recaem especiais deveres de cumprimento da lei, sobretudo quanto em matéria de detenção de armas ou objectos típico do cometimento de crimes.

E. Sendo que, quanto “(...) à natureza e gravidade da infração, atendendo à características e quantidade de armas que o arguido detinha, deverá considerar-se elevada, até porque na sociedade se verifica uma proliferação de armas proibidas, flagelo que a PSP, tem vindo a combater deforma enérgica (...)”

F. Acresce que, no que se refere à determinação da medida da pena disciplinar a aplicar, mais foi considerado que “(...) importa desde logo ter em conta todo o enquadramento dos acontecimentos, as circunstâncias em que ocorreram, todo o percurso profissional do arguido devendo as “...penas disciplinares ...” ser “ ...aplicadas com um fim e sentido pedagógicos e com uma finalidade corretiva, educativa e simultaneamente assegurar a prevenção, visando ao mesmo tempo a proteção dos bens jurídico-disciplinares, tendo em conta o principio da proporcionalidade (...)”

G. Sobre o Recorrido, enquanto agente de autoridade, recaem especiais deveres de cumprimento da lei, principalmente quando está em causa a detenção de armas,

H. Esteja ou não no exercício das suas funções, tal como decorre do dever de aprumo, o qual “(...) consiste em assumir, no serviço e fora dele, princípios, normas, atitudes e comportamentos que exprimam, reflictam e reforcem a dignidade da função policial e o prestígio da corporação (...)” - cfr. artigo 16.°n .° 1, do RDPSP.

I. No que concerne ao facto de o Tribunal Criminal ter condenado o Recorrido em multa em nada releva para efeitos da determinação da pena disciplinar,

J. Dada a autonomia existente no nosso ordenamento jurídico entre o ilícito criminal e o ilícito disciplinar - que o mesmo é dizer, entre o processo criminal e o processo disciplinar - persistindo em cada um deles uma capacidade autónoma de apreciação e valoração dos mesmos factos.

k. Essa autonomia caracteriza-se, no essencial, pela coexistência de espaços valorativos e sancionatórios próprios, tendo em conta a diversidade dos interesses específicos a que se dirige cada um daqueles procedimentos sancionatórios, bem como dos fundamentos e fins das respectivas penas: o processo criminal dirigido a interesses e necessidades específicos da sociedade em geral; processo disciplinar dirigido ao interesse e necessidades do serviço ou da função (só as faltas cometidas no exercício da função ou susceptíveis de comprometer a dignidade desta podem ser objecto de repressão).

L. Atenta a gravidade da conduta do Recorrido, outra não poderia ter sido a pena aplicada, a qual se escorou num processo disciplinar que respeitou escrupulosamente as normas do Regulamento Disciplinar da PSP.

M. Pelo que não pode concluir a Sentença como o fez de que não foi dado integral cumprimento ao disposto no artigo 43.°, do RDPSP.

N. Os factos pelos quais o Recorrido foi sancionado revestem extrema gravidade, quer do ponto de vista objetivo quer subjetivo, pois a sua conduta foi diametralmente oposta à que é exigível a um agente da PSP.

O. A graduação da sanção disciplinar constitui uma atividade incluída na discricionariedade administrativa.

P. Discricionariedade esta que confere ao órgão administrativo o poder- dever de escolher “(...) de entre uma série limitada ou ilimitada de comportamentos possíveis, aquele que lhe pareça em concreto mais adequado à satisfação da necessidade publica especifica prevista na lei (…)”

Q. Desta maneira a fiscalização jurisdicional da atuação da administração no âmbito dos poderes discricionários só pode ser efetivada se a mesma se revestir de erro manifesto ou grosseiro, e aí, sim, podemos estar perante a violação do principio da proporcionalidade,

R. O que nos presentes autos não se verificou, nem na Douta sentença foi identificado qualquer erro grosseiro ou manifesto, pois a entidade com competência disciplinar no âmbito do seu poder discricionário aplicou, fundamentadamente, a pena que entendeu ser a mais adequada à satisfação dos interesses quer da corporação quer do interesse público, o qual se traduz nomeadamente na confiança que a população em geral, deposita nas forças de segurança, a qual jamais pode ser abalada.

S. Pelo que a sanção disciplinar aplicada, atentos os factos imputados ao recorrido, não se mostra desproporcionada, não violando o princípio da proporcionalidade, ao contrário do que é defendido na sentença recorrida (…).».

O Recorrido B..., apresentou as suas contra-alegações, tendo ali concluído como se segue - cfr. fls. 222 e ss., ref. SITAF:
«(…)
a) A aplicação de uma pena disciplinar de suspensão é manifestamente desproporcional em face daquilo que verdadeiramente sucedeu,
b) A decisão que proferiu a aplicação de uma pena disciplinar de suspensão não foi devidamente fundamentada quanto à medida da culpa do A. na violação dos deveres funcionais dos quais foi acusado,
c) deveres esses que sempre cumpriu, executando as suas funções com elevado sentido de missão, com competência, dedicação, zelo e brio profissional, o que se impõe à classe que representa, e o A. reconhece.
d) Pelo que, por douta Sentença proferida a 4 de dezembro de 2016 foi proferida decisão, a julgar procedente, por provada, a ação administrativa especial interposta pelo A., ora Recorrido e, em consequência, anulou o acto que determinou a aplicação da pena disciplinar de suspensão, por 179 dias.
e) Porquanto considerou, e bem a nosso modesto ver, que o acto que fora impugnado pelo ora Recorrido incorria em violação de Lei, por violação do princípio da proporcionalidade e por falta de fundamentação da medida da culpa do A. relativamente à violação dos deveres funcionais de que foi acusado.
f) Andou bem o Tribunal a quo ao considerar que a decisão de aplicação da pena disciplinar de suspensão por 179 dias não foi, do leque das sanções disciplinares previstas no art.° 25° do RDPSP, a sanção adequada nem proporcional a aplicar ao caso concreto,
g) Sofrendo, deste modo, do vício de violação de lei, que é fundamento para a anulação daquele acto, nos termos do art.° 135° do CPA (então em vigor).
h) Andou de igual modo bem a douta decisão ao considerar que se verificou a falta de fundamentação da medida da culpa do A. relativamente à violação dos deveres funcionais de que foi acusado.
i) Não existindo qualquer ponderação e fundamentação que levassem a concluir que a pena aplicada era a mais adequada e proporcional para satisfazer o interesse público visado no caso concreto, verificou-se o vício de violação de Lei.

j) A pena de suspensão aplicada, além de ser injusta, colide com um princípio estruturante do ordenamento jurídico, que, ao cabo, reside no facto de a escolha da sanção dever ser adequada e proporcional à factualidade em apreço, a gravidade da infração e o grau de culpa do alegado infractor.
k) Decidiu bem o Tribunal a quo ao decidir que a necessidade de aplicação de uma pena disciplinar de 179 dias de suspensão não se encontrava devidamente fundamentada,
l) Nem a mesma se mostra proporcional face aos factos provados, cujo grau de culpa também não foi devidamente fundamentado,
m) Entendeu bem o tribunal a quo que a decisão de suspensão aplicada pelo ora Recorrente não fora devidamente fundamentada nem proporcional e necessária face aos factos dados como provados uma vez que apenas aplicou a referida sanção por ter ocorrido uma detenção de tais armas e não pelo seu concreto e efectivo desempenho nas funções policiais.
n) Não se provando de igual modo no respectivo processo disciplinar - e bem - pelo Tribunal a quo, que tais armas tenham alguma vez saído do quarto do A., nem que tenham sido usadas por este, muito menos no exercício de funções policiais.
o) Tendo sido dado como não provado que tais armas tenham alguma vez sido usadas pelo ora Recorrido e que alguma vez tenham saído do quarto onde foram apreendidas, nem dado como provado que a propriedade das mesmas seriam deste, nunca poder-se-ia considerar que tenha alguma vez existido violação do dever de aprumo, como agora invoca o Recorrente.
p) Deste modo, não foi devidamente fundamentada, a adequação, necessidade e proporcionalidade da concreta sanção aplicada ao ora Recorrido.
q) Pelo que, como bem decidiu o Tribunal a quo, verificou-se a violação do principio da proporcionalidade,
r) Tal violação consubstancia um vício de violação de lei, que é fundamento para anulação daquele acto nos termos do art.° 135° do CPA (então em vigor).
s) Não incorrendo o Douto Tribunal a quo em qualquer erro na aplicação ou nos pressupostos do direito.».

Neste tribunal, a DMMP emitiu parecer no sentido do provimento do recurso.

Colhidos os vistos legais, importa apreciar e decidir.

I. 1. Questões a apreciar e decidir

As questões suscitadas pelo Recorrente, delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, traduzem-se em apreciar se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao ter considerado que a aplicação ao Recorrido da pena disciplinar de 179 dias suspensão além de ter sido desadequada, não se encontra devidamente fundamentada.

II. Fundamentação

II.1. De facto

A matéria de facto constante da sentença recorrida é aqui transcrita ipsis verbis:
«(…)
1) B... é agente da Polícia de Segurança Pública - Agente 3..., do efectivo da 3.a Divisão policial, tendo sido alistado em 11 de Outubro de 1999. Acordo das partes e documentos do processo administrativo.
2) B... reside na rua C..., 2675-587 Odivelas. Acordo das partes.
3) Pelo Departamento de Investigação e Acção Penal - Unidade Especial de Combate ao Crime Especialmente Violento foi enviado ao Director Nacional da PSP com data de 21 de Novembro de 2011 comunicação de despacho final proferido no inquérito NUIPC.457/10.1TD.LDSB. Cfr. folhas 3 do processo administrativo.
4) Naquele despacho refere-se designadamente o seguinte: ”O Ministério Público deduz acusação, em processo comum com intervenção do tribunal singular, contra:
B..., Agente da Polícia de Segurança Pública (...)
Porquanto, resulta suficientemente indicado que:
No dia 3 de Julho de 2009, cerca das 19H30, o arguido guardava no interior da sua residência sita na Rua C..., em Odivelas:
No seu quarto
a) uma arma de descarga eléctrica, vulgarmente designada por “Taser”, de marca Stun Master, modelo 100 - S, a qual era constituída por um sistema portátil alimentado por energia eléctrica e cuja função era a de produzir descargas eléctricas para neutralização temporária da capacidade motora humana. Tal arma estava dotada de interruptor de segurança e tinha uma potência de 100.000 volts;
b) Uma arma de descarga eléctrica, vulgarmente designada por “taser” de marca Great Power, modelo 320, a qual era constituída por um sistema portátil alimentado por energia eléctrica e cuja única função era a de produzir descargas eléctricas para neutralização temporária da capacidade motora humana. Tal arma estava dotada de interruptor de segurança e tinha uma potência de 1.000.000 volts.
Estas duas armas estavam em bom estado de funcionamento e aptas a produzir descargas eléctricas de 1000.000 volts (a arma de marca Stun Master, modelo 100 - S) e de 1.000.000 volts (a arma marca Great Power, modelo 320).

no quadro da electricidade
a) uma embalagem de aerossol, com as inscrições “Original TW 1000 professional CS Reizgas”, de cor preta e mecanismo de pulverização, a qual continha no seu interior gás comprimido com propriedades lacrimogéneas, com princípio activo clorobenzalmalononitrilo (CS), vulgarmente designado por “gás pimenta”. A única finalidade deste objecto era pulverizar o gás contido no seu interior e, assim, anular a capacidade de agressão de qualquer pessoa;
b) uma embalagem de aerossol, com as inscrições “Defenol CS KO super”, de cor vermelha e amarela e mecanismo de pulverização, a qual continha no seu interior gás comprimido com propriedades lacrimogéneas, com princípio activo clorobenzalmalononitrilo (CS), vulgarmente designado por “gás pimenta”. A única finalidade deste objecto era pulverizar o gás contido no seu interior e, assim, anular a capacidade de agressão de qualquer pessoa.

O arguido não tinha qualquer razão justificativa para ter na sua posse tais objectos, os quais, para além, da agressão, não tinham outra aplicação definida.
O arguido não possuía licença para uso e porte das embalagens aerossol, nem para uso e/ou detenção da arma eléctrica.
O mesmo arguido, apesar de saber que não o podia fazer, representou e quis deter todos os objectos acima descritos e agiu com intenção de concretizar tal desiderato, o que concretizou.
O arguido agiu de forma deliberada, livre, voluntária e consciente, sabendo que a sua conduta não lhe era permitida por lei.
Assim agindo, constituiu-se o arguido: - como autor material de um crime de detenção de arma proibida, na forma consumada, p.p. no art.° 86.°, n.°1 al. d9, por referência aos arts. 2.°, n.°1 als. a) e o), 3.° n.°s 2 als. h) e j) e 7 al. b), todos da Lei n.°5/2006 de 23 de Fevereiro” Cfr. documento de folhas 5 a 7 do processo administrativo.

5) Por despacho de 23 de Novembro de 2011 foi do Comandante em Exercício do Comando Metropolitano de Polícia de Lisboa determinada a organização do processo disciplinar ao Agente M/... - B..., do efectivo da 3.ª Divisão Policial, por ter sido indiciado da prática de factos que, eventualmente, integram ilícitos de natureza disciplinar, porquanto: Em 03-07-2009, cerca das 19H00, o arguido guardava no interior da residência, sita na Rua C..., Odivelas, uma arma eléctrica “TASER” e outros objectos proibidos - NUIPC 457/10.1TDLSB” Cfr. documento de folhas 9 do processo administrativo.

6) Em 3 de Janeiro de 2012 pelo instrutor foi autuado aquele despacho do que o requerente B... foi notificado em 17 de Janeiro de 2012. Cfr. documento de folhas 13 do processo administrativo.

7) Em 3 de Maio de 2012 do seu registo biográfico nada constava em “Penas Disciplinares e Sanções acessórias”. Cfr. documento de folhas 22 e 23 do processo administrativo.

8) B... foi condenado pelo 5.° Juízo Criminal do Tribunal Criminal da Comarca de Lisboa por sentença de 4 de Março de 2012 “pela prática de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo artigo 86.°, n.°1, alínea d) e n.°2 da Lei n.°5/2006, de 23 .02, com referência aos artigos 2.°, n.°1, alínea o) e 3.° do mesmo diploma, na pena de 300 (trezentos) dias de multa, à taxa diária de 7.00 (sete) euro, o que perfaz o total de 2.100,00€ (dois mil e cem euros), a que correspondem, nos termos e para os efeitos previstos no art.°49.° do Código Penal, 200 (duzentos) dias de prisão subsidiária, caso não pague a multa em questão e não sendo possível obter o pagamento através da execução do seu património.”Cfr documento de folhas 44 a 58 do processo administrativo.

9) Naquela sentença deram-se como provados os seguintes factos:”2.1. FACTOS PROVADOS:
a) No dia 3 de Julho de 2009, cerca das 19h30, o arguido guardava no interior da sua residência sita na Rua C..., em Odivelas, no seu quarto:
1. - Uma arma de descarga eléctrica, vulgarmente designada por “Taser” de marca Stun Master, modelo 100 - S, constituída por um sistema portátil alimentado por energia eléctrica e cuja única função é a produzir descargas eléctricas para neutralização temporária da capacidade motora humana. Tal arma estava dotada de interruptor de segurança e anunciava no rótulo, por escrito, uma potência de 100.000v.;
2 - Uma arma de descarga eléctrica, vulgarmente designada por “Taser" de marca Great Power, modelo 320, constituída por um sistema portátil alimentado por energia eléctrica e cuja única função é a de produzir descargas eléctricas para neutralização temporária da capacidade motora humana. Tal arma estava dotada de interruptor de segurança e anunciava no rótulo, por escrito, uma potência de 1.000.000 volts.
b) Esta duas armas estavam em bom estado de funcionamento e aptas a produzir descargas eléctricas de voltagem não apurada.
c) O arguido não possui licença para uso e porte ou para detenças das armas eléctricas, nem as manifestou.
d) O arguido, apesar de saber que não o podia fazer, representou e quis deter os objectos acima descritos e agiu com intenção de os deter, o que concretizou.
e) O arguido agiu de forma deliberada, livre, voluntária e consciente, sabendo que a sua conduta não lhe era permitida por lei.
f) O arguido não tem antecedentes criminais.
g) O arguido é agente da PSP, divorciado, vive com os pais em casa destes, e foi suspenso do exercício de funções, no âmbito de medida de coacção imposta no proc.° n.°37/09.4BLSB, que corre termos na 3.ª Vara Criminal de Lisboa, por despacho de 05.07.2009.
2.2. FACTOS NÃO PROVADOS
Não se provou que:
1. As armas detidas pelo arguido produziam descargas eléctricas, respectivamente de 100.000 volts (a arma da marca Stun Master, modelo 100 -S) e de 1.000.000 volts ( a arma da marca Great Power, modelo 320).
2.3. MOTIVAÇÃO DA DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO E EXAME CRÍTICOD AS PROVAS:
Para fundamentar a sua decisão acerca dos factos provados e não provados, o Tribunal alicerçou-se, resumidamente, no teor da prova por declarações do arguido, conjugadas com os depoimentos dos seus progenitores e dos Srs. Inspectores da PJ que realizaram a busca a sua casa, no decurso da qual foram encontradas as armas objecto dos autos.
Antes da dissecação das versões apresentadas em audiência no que concerne à propriedade/posse das armas, cumpre esclarecer que as características dos objectos em causa foram apuradas com recurso ao teor do relatório pericial (fs. 133 e seguintes) a que as mesmas foram sujeitas, que, detalhou a sua aparência e mecanismo de funcionamento, mas não determinou a voltagem concreta que cada uma das armas estava apta a produzir, razão pela qual se exara como provado que se tratavam de objectos aptos a produzir descargas eléctricas de voltagem não apurada, e como não provada a voltagem concreta que vem descrita no despacho de pronuncia.
No que concerne à propriedade/Posse das armas em causa, á audiência foram trazidas duas versões contraditórias:
A do arguido, corroborada pelos depoimentos de seus pais, no sentido de que as armas não lhe pertenciam, que haviam sido transportadas para a casa de seus pais, onde residia e reside, após o falecimento da avó, sem o seu conhecimento ou acordo. Em suma, que as armas não lhe pertenciam.
Mais afirmou que, tomando conhecimento da existência de tais objectos em casa, em meados do ano de 2008, tal circunstancia deu origem a desavença entre pai e filho, na sequência do que instou o pai a desfazer-se delas, não sem antes manifestar o seu desagrado.
Que depois desta data “perdeu o rasto” aos objectos.
Tomado depoimento ao pai do arguido - A... - corroborou genericamente a versão do filho, dando conta que na sequência da discussão com o filho, escondeu as armas no quadro de electricidade, mas que passado algum tempo constatou que estas haviam desaparecido.
Tomado depoimento à mãe do arguido - M... - confirma genericamente a versão do filho e do marido, esclarecendo que, na sequência da discussão entre pai e filho motivada pela presença das armas em casa, concertada com a ex-companheira do filho, decidiu esconde-las, por forma a evitar novos conflitos entre pai e filho.
Feito o resumo da versão apresentada pelo arguido, num primeiro momento, apresenta-se com alguma coerência.
Porém, e a despeito do Tribunal ser avesso a qualquer preconceito acerca da (im)parcialidade de depoimentos de familiares directos, a verdade é que no caso dos autos e sem embargo das declarações do pai terem fluido com alguma naturalidade, o seu conteúdo aparentemente credível, cai por terra quando conciliado com o depoimento da mãe, mais concretamente com o local onde esta afirma ter “escondido”, as armas e onde as armas foram encontradas - no quarto do arguido, dentro de uma mochila.
Ora, é incompatível com o mais elementar juízo de experiência comum admitir-se que a mãe do arguido, pretendendo esconder as armas do olhar do filho, as vá colocar justamente no seu quarto.
E este argumento, mais concretamente esta absurda contradição para a qual a testemunha - M... (mãe do arguido) não conseguiu fornecer explicação plausível, foi mais do que suficiente para determinar a convicção do Tribunal, no sentido de que toda a historia relatada pelo arguido e seus familiares não se aproxima minimamente da verdade.
Acresce que, o depoimento em causa (da mãe do arguido), ao contrário do da testemunha A..., foi, ora pejado de hesitações perante algumas questões colocadas, ora antecipava respostas a questões que não lhe eram colocadas, revelando insegurança e inconsistência nas palavras.
Por outro lado, em reforço desta convicção, referem-se os depoimentos dos senhores Inspectores da PJ - J..., R..., F... e P..., todos intervenientes na busca fruto da qual foram apreendidas as armas em causa, que confirmaram integralmente o teor do auto de fls.40 e seguintes, destacando-se os depoimentos de R... e F..., sendo que este último detalhou com pormenor o local onde se encontravam as armas - numa mochila no chão, junto à cama do arguido.
Em face do exposto, não sobreveio ao Tribunal qualquer dúvida acerca da pertença das armas, dado que, não sendo minimamente credível a versão do arguido e de seus familiares, o domínio dos objectos estava na sua disponibilidade e tanto basta para concluir pela sua detenção.
No mais, os factos relacionados com a situação pessoal, profissional, familiar e antecedentes criminais do arguido resultaram das declarações do próprio, do teor do expediente junto a fs. 237 e seguintes e do certificado de registo criminal de fs.383.
Foram ainda relevante, de forma instrumental, os documentos fotográficos juntos a fls. 49, 50, 57 e 60, e essencial o teor do autor de apreensão de fs. 40 e seguintes, cujo teor e assinatura foram confirmados em audiência pelos seus autores” Cfr. documento de folhas 44 a 58 do processo administrativo.

10) Interposto recurso jurisdicional daquela sentença foi por Acórdão de 1 de Outubro de 2013 do Tribunal da Relação de Lisboa negado provimento ao mesmo, mantendo-se a sentença proferida em primeira instância nos seus precisos termos. Cfr. documento de folhas 63 a 72 do processo administrativo.

11) Com data de 7 de Janeiro de 2014 foi pelo Chefe do Núcleo de Apoio Geral do Comando Metropolitano de Lisboa da Polícia de Segurança Pública prestada a seguinte informação: ”Relativamente à Comunicação de Serviço de referência, informo V. Ex.a que o Agente n.°M/..., B..., colocado no NAG-S. Correspondência. É um elemento assíduo, tem capacidade de relacionar-se de forma salutar em equipa, pelo que julgo beneficiar da circunstância da alínea h), n.°1 do Art.° 52.° do Regulamento Disciplinar da Polícia de Segurança Pública, aprovado pela Lei n.°7/90, de 20 de Fevereiro.”Cfr. documento de folhas 76 do processo administrativo.

12) Em 8 de Janeiro de 2013 foi pelo Instrutor Subcomissário N...deduzida Acusação com o seguinte teor: ”De harmonia com o n.°2 do artigo 79.° e nos termos do artigo 80.°, ambos do Regulamento disciplinar da Polícia de Segurança pública (RDPSP), aprovado pela Lei n.°7/90 de 20 de Fevereiro, deduzo acusação ao Agente M/... - B..., do Núcleo de Apoio Geral (NAG) do Comando Metropolitano de Polícia de Lisboa, arguido no processo disciplinar em epígrafe, de harmonia com o articulado seguinte:

Artigo 1.
No dia 3 de Julho de 2009, cerca das 19H30, o arguido guardava no interior da sua residência sita na Rua C..., em Odivelas, no seu quarto:
a) Uma arma de descarga eléctrica, vulgarmente designada por “Taser”, de marca Stun Master, modelo 100-S, constituída por um sistema portátil alimentado por energia eléctrica e cuja única função é a de produzir descargas eléctricas para neutralização temporária da capacidade motora humana. Tal arma estava dotada de interruptor de segurança e anunciava no rótulo, por escrito, uma potência de 100.00v;
b) Uma arma de descarga eléctrica, vulgarmente designada por “Taser” de marca Great Power, modelo 320, constituída por um sistema portátil alimentado por energia eléctrica e cuja única função é a de produzir descargas eléctricas para neutralização temporária da capacidade motora humana. Tal arma estava dotada de interruptor de segurança e anunciava no rótulo, por escrito, uma potência de 10.000.000 volts.
Artigo 2.°
Estas duas armas estavam em bom estado de funcionamento e aptas a produzir descargas eléctricas de voltagem não apurada.
Artigo 3.°
O arguido não possuía licença para o uso e porte ou para detenção das armas eléctricas, nem as manifestou.
Artigo 4.°
O arguido, apesar de saber que não o podia fazer, representou e quis deter os objectos acima descritos e agiu com intenção de os deter, o que concretizou.
Artigo 5.°
O arguido agiu de forma deliberada, livre, voluntária e consciente, sabendo que a sua conduta não lhe era permitida por lei.
Artigo 6.°
No âmbito do processo 457/10.1TDLSB, que decorreu no 5.° Juízo Criminal do Tribunal Criminal da Comarca de Lisboa, e cujo acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, transitou em julgado a 06-11-2013, foi o arguido condenado, pela prática, de um crime de detenção de arma proibida, p.e p. pelos art.°86.°, n.°1, alínea d) e n.°2 da Lei 5/2006, de 23.02, com referência aos artigos 2.°, n.°1, alínea o) e 3.°, do mesmo diploma, na pena de 300 (trezentos) dias de multa, à taxa diária de 7,00 (sete) euros, o que perfaz o total de 2.100,, (dois mil e cem euros) a que correspondem, nos termos e para os efeitos previstos no art.°49.° do Código Penal 200 (duzentos) dias de prisão subsidiária, caso não pague a multa em questão e não sendo possível obter o pagamento através da execução do seu património.
Artigo 7.°
O arguido não goza de nenhuma das circunstâncias dirimentes da responsabilidade disciplinar previstas no artigo 51.° da RD/PSP.
Tem como circunstância atenuante da responsabilidade disciplinar as previstas nas alíneas b) e h), do n.°1 do artigo 52.° do RD/PSP - o bom comportamento anterior e boa informação de serviço do superior de que depende, respectivamente.
E tem como circunstância agravante da responsabilidade disciplinar a prevista na alínea f) do n.°1 do artigo 53.° do RD/PSP - ser a infracção comprometedora do brio e decoro profissional.
Artigo 8.°
O arguido infringiu o Princípio Fundamental, previsto no artigo 6.° do RD/PSP, com referência ao art.° 86.°, n.°1, alínea d) e n.°2 da Lei 5/2006, de 23.02, com referência aos artigos 2.°, n.°1, alínea o) e 3.° do mesmo diploma, o Dever de Aprumo, previsto no artigo 16.°, n.°1 e 2 alínea f) do RD/PSP.
Artigo 9.°
A conduta tida pelo arguido, afecta gravemente a dignidade e o prestígio pessoal e da função, corresponde-lhe a pena de SUSPENSÃO, prevista no art.° 25.°, n.°1, al. e), conjugado com os art.° 43.° e 46.° do RD/PSP.”Cfr. documento de folhas 78 e 79 do processo administrativo.
13) B... foi notificado da acusação em 2 de Abril de 2014. Cfr. folhas 85 do processo administrativo.
14) Em 29 de Abril de 2014 foram recepcionados pelo Comando Metropolitano de Polícia de Lisboa a petição de defesa escrita, na qual B... requeria a audição de uma testemunha e do interrogatório do arguido, além da suspensão da execução da pena de suspensão proposta pelo período de 12 meses e requerimento do representante legal do arguido, dirigido ao instrutor do processo disciplinar, no qual invoca o justo impedimento na apresentação da defesa do arguido, por motivos de doença do próprio, de 7 a 18 de Abril de 2014 (12 dias), anexando cópia de atestado médico. Cfr. documentos de folhas 88 e seguintes do processo administrativo.
15) Por despacho de 14 de Maio de 2014 foi pelo instrutor decidido o seguintefNão aceitar a defesa escrita, por ter sido interposta intempestivamente, na medida que ultrapassou o prazo de 10 (dez) dias concedidos para tal formalidade - vide art.° 81.°, n.°1 do RD/PSP, contados nos termos do art.° 71.° e 72.° do CPA; notificar o arguido e seu ilustre mandatário do teor do presente despacho, enviando-lhes cópia do mesmo. Cfr. documento de folhas 138 do processo administrativo.
16) Com data de 2 de Outubro de 2014foi elaborado relatório final (artigo 87, n.°1 RDPSP) com o seguinte teor:”1. INTRODUÇÃO
Por despacho datado de 29-12-2011, constante a fls. 3, o Exmo. Senhor Comandante do Comando Metropolitano de Polícia de Lisboa, determinou a instauração do presente processo disciplinar ao Agente M/... - B..., colocado no Núcleo de Apoio Geral do COMETELIS, tendo por base o expediente remetido a coberto do ofício n.°1342, do DIAP - Unidade Especial de Combate ao Crime Especialmente Violento, datado de 21-11-2011, que comunica o despacho final.
No inquérito com o NUIPC 457/10.1TDLSB foi deduzida acusação, em processo comum com intervenção de tribunal singular, por se ter constituído como autor material de um crime de detenção de arma proibida, na forma consumada, p.p. no artigo 86.°, n.°1 al. d), por referência aos artigos 2.°, n.°1 als. A) e o), 3.° n.°s2 als. H) e j) e 7.° al. b) todos da Lei 5/2006 de 23 de Fevereiro.
2.INSTRUÇÃO
2.1. Prova documental
2.1.1. Oficio n.°1342 do DIAP - UECCEV, que remete cópia da acusação - fls. 3 a 8;
2.1.2. Nota de assentos - fls. 22 a 24;
2.1.3. Oficio n.°7359365, do 5.° Juízo Criminal de Lisboa - 1.a Secção, que remete cópia da Acusação, cópia da Acta de Debate Instrutório e cópia do Despacho que designa data de Audiência de Julgamento - fls. 26 a 39;
2.1.4 Email que remete a decisão final, transitada em julgado, a 16-11-2013, incluindo o acórdão do Tribunal da Relação de lisboa - fls. 43 a 72.
2.1.5. Informação sobre conduta moral e profissional - fl. 76;
2.2. Prova testemunhal
2.2.1. Arguido - fl. 19/19v;
3. INQUIRIÇÕES:
3.1. A fls. 19/19v, o arguido, aquando do interrogatório optou por não prestar declarações. Enquanto, o seu ilustre mandatário, requereu a consideração do Sr. Instrutor para que o processo fosse suspenso até que o processo crime estivesse concluído.
4. ACUSAÇÃO
4.1. Nos termos do disposto nos artigos 79.°, n.°2 e 80.° do Regulamento Disciplinar da PSP, aprovado pela Lei n.°7/90, de 20 de Fevereiro, a 08 de Janeiro de 2014, foi-lhe deduzida acusação, tendo sido notificado da mesma em 02 de Abril de 2014 e foi-lhe concedido i prazo de defesa de 10 dias para apresentar defesa escrita (cfr. art.° 81.°, n.°1 do RD/PSP) fls. 78/78v, 79 e 86/86v.
5. DEFESA
5.1. Notificado da acusação a 02 de Abril de 2014 e de que a falta de resposta dentro do prazo marcado vale como efectiva audiência do arguido, para todos os efeitos legais, nos termos do artigo 51.°, n.°7 do Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que Exercem Funções Públicas, aprovado pela Lei n.°58/2008 de 09 de Setembro, aplicado subsidiariamente por força do disposto no art.° 66.° do RDPSP - fls. 86;
5.2. Em 29 de Abril de 2014 foi recepcionado um requerimento do mandatário do arguido, a invocar o justo impedimento na apresentação da defesa do arguido, por motivos de doença - fls. 88 a 102;
5.3. Por despacho, constante a fls. 138 e 138v, a referida defesa escrita não foi aceite, por ter sido interposta intempestivamente, tendo o arguido e o seu mandatário sido devidamente notificados, conforme verificada a fls. 141 e 149.
6. DA PROVA
6.1. Assim, da leitura e análise crítica dos elementos de prova e tendo em vista o disposto no art.°127 do C.P. Penal, aplicável por força do art.° 66 do RD/PSP, constata- se o seguinte:
6.1.1. Deverão ser dados como provados todos os factos constantes da acusação, que lhe foi deduzida.
6.1.2. No âmbito do processo 457/10.1TDLSB, que decorreu no 5.° Juízo Criminal do Tribunal Criminal da Comarca de Lisboa, e cujo acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, transitou em julgado a 06-11-2013, foi o arguido condenado, pela prática, de um crime de detenção de arma proibida, p.e p. pelos art.° 86.°, n.°1, alínea d) e n.°2 da Lei n.°5/2006, de 23.02, com referência aos artigos 2.°, n.°1, alínea o) e 3.° do mesmo diploma, na pena de 300 (trezentos) dias de multa, à taxa diária de 7,00 (sete) euros, o que perfaz o total de 2,100 (dois mil e cem euros) a que correspondem, nos termos e para os efeitos previstos no art.° 49.° do Código Penal, 200 (duzentos) dias de prisão subsidiária, caso não pague a multa em questão e não sendo possível obter o pagamento através da execução do seu património.
6.1.3. Tal sentença foi alvo de recurso, tendo sido confirmada, por acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa.
6.1.4. Ora, o Instrutor do processo disciplinar não se pode olvidar de ter em conta e de carrear para o processo uma decisão de tal peso, afirmada pelo tribunal superior.
6.1.5. A decisão penal condenatória, transitada em julgado, vincula a decisão disciplinar, no que respeita à verificação da existência material dos factos e dos seus autores, sem o prejuízo da sua valoração e enquadramento jurídico, para efeitos disciplinares - Cfr. Acórdão STA proc. 01058/06 de 19/06/2007.
6.1.6. Na verdade, somos de referir que, de acordo com o consagrado no artigo 205.°, n.°2 da Constituição da República Portuguesa, não se pode afrontar a prática dos mesmos pois estes foram provados em sede de processo crime, exigindo-se por aprte da Administração, o respeito pelas decisões judiciais no que se reporta à factualidade apurada, porquanto estas assumem força de caso julgado material - (Cfr. Acórdão do STA de 15-10-1991, BMJ, 410-846.
6.1.7. Sendo a infracção disciplinar uma sequência da sentença criminal, remete- se para os fundamentos da motivação em tudo o que ficou dito na sentença condenatória.
6.2. Factos provados:
- No dia 3 de Julho de 2009, cerca das 19H30, o arguido guardava no interior da sua residência sita na Rua C..., em Odivelas, no seu quarto:
a) Uma arma de descarga eléctrica, vulgarmente designada por “Taser”, de marca Stun Master, modelo 100-S, constituída por um sistema portátil alimentado por energia eléctrica e cuja única função é a de produzir descargas eléctricas para neutralização temporária da capacidade motora humana. Tal arma estava dotada de interruptor de segurança e anunciava no rótulo, por escrito, uma potência de 100.00v;
b) Uma arma de descarga eléctrica, vulgarmente designada por “Taser”, de marca Great Power, modelo 320, constituída por um sistema portátil alimentado por energia eléctrica e cuja única função é a de produzir descargas eléctricas para neutralização temporária da capacidade motora humana. Tal arma estava dotada de interruptor de segurança e anunciava no rótulo, por escrito, uma potência de 10.000.000 volts.
- Estas duas armas estavam em bom estado de funcionamento e aptas a produzir descargas eléctricas de voltagem não apurada.
- O arguido não possuía licença para o uso e porte ou para detenção das armas eléctricas, nem as manifestou.
- O arguido, apesar de saber que não o podia fazer, representou e quis deter os objectos acima descritos e agiu com intenção de os deter, o que concretizou.
- O arguido agiu de forma deliberada, livre, voluntária e consciente, sabendo que a sua conduta não lhe era permitida por lei.
- No âmbito do processo 457/10.1TDLSB, que decorreu no 5.° Juízo Criminal do Tribunal Criminal da Comarca de Lisboa, e cujo acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, transitou em julgado a 06-11-2013, foi o arguido condenado, pela prática, de um crime de detenção de arma proibida, p.e p. pelos art.°86.°, n.°1, alínea d) e n.°2 da Lei 5/2006, de 23.02, com referência aos artigos 2.°, n.°1, alínea o) e 3.°, do mesmo diploma, na pena de 300 (trezentos) dias de multa, à taxa diária de 7,00 (sete) euros, o que perfaz o total de 2.100,, (dois mil e cem euros) a que correspondem, nos termos e para os efeitos previstos no art.°49.° do Código Penal 200 (duzentos) dias de prisão subsidiária, caso não pague a multa em questão e não sendo possível obter o pagamento através da execução do seu património.
- O arguido não goza de nenhuma das circunstâncias dirimentes da responsabilidade disciplinar previstas no artigo 51.° da RD/PSP.
- Tem como circunstância atenuante da responsabilidade disciplinar as previstas nas alíneas b) e h), do n.°1 do artigo 52.° do RD/PSP - o bom comportamento anterior e boa informação de serviço do superior de que depende, respectivamente.
- E tem como circunstância agravante da responsabilidade disciplinar a prevista na alínea f) do n.°1 do artigo 53.° do RD/PSP - ser a infracção comprometedora do brio e decoro profissional.
6.3. Factos não provados.
- Inexistência de factos não provados.
7. APRECIAÇÃO JURIDICO-DISCIPLINAR DOS FACTOS PROVADOS
7.1. O arguido infringiu o Princípio Fundamental, previsto no artigo 6.° do RD/PSP, com referência ao art.° 86.°, n.°1, alínea d) e n.°2 da Lei 5/2006, de 23.02, com referência aos artigos 2.°, n.°1, alínea o) e 3.° do mesmo diploma, o Dever de Aprumo, previsto no artigo 16.°, n.°1 e 2 alínea f) do RD/PSP.
7.2. Ficando como ficou provado, que o arguido detinha os objectos constantes na acusação e que segundo a sentença criminal, preenchem integralmente o conceito de “arma eléctrica”, os quais se encontravam contemplados nos artigos 2.°, n.°1 alínea o) e 3.° da Lei n.°5/2006 de 23-02, infringiu pois o Princípio Fundamental acima referido, na certa medida de não ter acatado com o disposto naquela Lei.
7.3. Na verdade, o arguido detinha as duas armas eléctricas, sem se encontrar autorizado especificamente para tal e sem as ter manifestado.
7.4. Além disso, infringiu, também, o dever de aprumo previsto no artigo 16.°, n.°1 e n.°2 alínea ) do RDPSP, na certa medida em que, no serviço ou fora dele, não praticar acções contrárias á ética, à deontologia funcional, ao brio ou ao decoro da corporação. De resto a detenção de tais armas não lhe era permitida por lei, todavia não se privou de praticar tais factos.
7.5. A infracção cometida afecta gravemente a dignidade e o prestígio da função que o arguido exerce, corresponde-lhe a pena de SUSPENSÃO, prevista no art.° 25.° , n.°1, al. e),, conjugado com os art.° 43.° e 46.° do RD/PSP.
8. REGISTO BIOGRÁFICO DO ARGUIDO
8.1. O arguido foi alistado na Polícia de Segurança Pública em 11-10-2009, tendo cerca de 14 anos de serviço;
8.2. Consta como habilitações o 12.° ano de escolaridade;
8.3. Não tem averbado quaisquer penas ou recompensas.
9. MEDIDA E GRADUAÇÃO DA PENA
9.1. Os critérios gerais, enunciados nos artigos 43.°, 44.° a 50.° do RDPSP, relaciona-se com os factos a que, em abstracto, devem corresponder as penas para eles previstos;
9.2. Ora, estando determinados os factos dados como assentes e o tipo de infracção pela qual o arguido deverá ser punido, como acima ficou descrito, importa determinar o “quantum” da pena a aplicar.
9.3. A infracção pela qual vai ser punido é aplicável a pena de suspensão de 121 a 240 dias.
9.4. Na dosimetria da pena a aplicar há de observar-se os critérios do artigo 43.° do RDPSP. Começando então por referir, Primeiramente, do ponto de vista de protecção dos bens jurídicos atingidos, podemos focar-nos que a simples detenção, possa pôr em causa os valores da ordem, segurança e tranquilidade públicas, além de que se valorar negativamente o facto de ser agente de autoridade, sobre quem recaem especiais deveres de cumprimento da lei, sobretudo quanto em matéria de detenção de armas ou objectos típicos de cometimento de crimes.
9.5. Quanto à natureza e gravidade da infracção, atendendo às características e quantidade de armas que o arguido detinha, deverá considerar-se elevada, até porque na sociedade se verifica uma proliferação de armas proibidas, flagelo que a PSP, tem vindo a combater de forma enérgica. A culpa terá que ser balizada por cima da ilicitude dos factos, por se entender que as funções do arguido fazem recair sobre si um juízo de censura acrescido.
9.6. Não se verifica qualquer causa que justifique a ilicitude do arguido, ou da exclusão da culpa;
9.7. Tem como circunstâncias atenuantes da responsabilidade disciplinar, as previstas nas alíneas b) e h) do n.°1 do artigo 52.° do RD/PSP.
9.8. Assim, importa desde logo ter em conta todo o enquadramento dos acontecimentos, as circunstâncias em que ocorreram, todo o percurso profissional do arguido e o comportamento desde a prática da infracção.
9.9. As penas disciplinares devem ser aplicadas com um fim e sentido pedagógico e com uma finalidade correctiva e simultaneamente assegurar a prevenção, visando ao mesmo tempo a protecção dos bens jurídico-disciplinares, tendo em conta o princípio da proporcionalidade.
9.10. A pena de suspensão, prevista no art.° 25.° n.°1 alínea e) do RDPSP é aplicável ao caso concreto.
10. PROPOSTA DA PENA
10.1. Tendo em conta o disposto no artigo 43.° do Regulamento Disciplinar da Polícia de Segurança Pública, a gravidade dos factos e o seu grau de culpa, que no primeiro caso, consideramos elevada, atendendo ao número e características dos objectos que detinha, sendo que a culpa terá que ser nivelada por cima, em relação a factos, dada a condição de agente de autoridade, proponho a V. Ex.a que ao arguido seja aplicada, nos termos do artigo 25.°, n.°1, alínea e), conjugado com o artigo 46.° , a PENA DISCIPLINAR DE SUSPENSÃO na medida que for mais adequada e justa, não só se fará justiça, como, ao mesmo tempo, se acautelarão as necessidades de prevenção geral e especial.
10.2 Nos termos do artigo 18.° n.°1 do RDPSP, e de acordo com o Quadro Anexo B, Anexo VI, do Estatuto de Pessoal da PSP, aprovado pelo Decreto-Lei n.°299/2009, de 14 de Outubro, a competência para aplicação da pena proposta é da competência de Sua Excelência o Director Nacional da PSP.” Cfr. documento de folhas 153 a 155 do processo administrativo.

17) Pelo Director Nacional da Polícia de Segurança Pública foi em 22 de Outubro de 2014 proferido despacho com o seguinte teor:”1 - Acolho e concordo com o relatório fnal do Sr. Instrutor, elaborado nos termos do n.°1, do artigo 87.° do Regulamento Disciplinar da Polícia de Segurança Pública, aprovado pela Lei n.°7/90, de 20 de Fevereiro (RD/PSP), de fls. 153 a 155, que também mereceu a concordância do Sr. Comandante Metropolitano de Lisboa, de fls. 156.
2 - Está provado no processo disciplinar que o arguido cometeu o crime de detenção de arma proibida, infracção essa que consubstancia:
a) A violação do princípio fundamental previsto no artigo 6.° do RD/PSP, com referência ao artigo 86.°, n.°1, alínea d) e n.°2 da Lei n.°5/2006, de 13 de Fevereiro, e artigos 2.°, n.°1, alínea o) e 3.° do mesmo diploma;
b) A violação do dever de aprumo, previsto no artigo 16.°, n.°s 1 e2 alínea f) do RD/PSP.
3 - A favor do arguido há a considerar as circunstâncias atenuantes da responsabilidade disciplinar, previstas nas alíneas b) (Bom comportamento anterior), e h) (A boa informação de serviço do superior de que depende), do n.°1 do artigo 52.° do RD/PSP.
4 - Tem como circunstância agravante da responsabilidade disciplinar a constante na alínea f) (Ser a infracção comprometedora do brio, do decoro profissional e prejudicial à ordem ou ao serviço) do n.°1 do artigo 53.° do RD/PSP.
5 - Tendo em conta o artigo 43.° do RD/PSP, onde são enunciados os critérios para a aplicação e graduação concreta das penas disciplinares, temos a considerar os seguintes factores:
a) A natureza e gravidade da infracção - A infracção é grave, porque a condenação do arguido pelo crime de detenção de arma proibida afecta a dignidade e o prestígio pessoal e da função;
b) A sua categoria - Apesar de ser Agente, já tem cerca de 15 anos de serviço, sendo, por isso, exigível comportamento diverso;
c) O seu grau de culpa - É elevado, dada a sua condição de Agente de autoridade;
d) A sua personalidade - Até ao cometimento desta infracção não parecia ter uma personalidade propensa ao cometimento de infracções, porque não tem punições;
e) O seu nível cultural (12.° ano) - As suas habilitações não pressupõem maior ou menor discernimento para o afastar do cometimento de infracções;
f) A todas as circunstâncias que militem contra ou a favor - Tem as atenuantes e a agravante referida nos §3 e 4.
6 - Tudo ponderado, e contabilizadas duas atenuantes e uma agravante, a pena justa a aplicar será de 179 dias de suspensão.
7 - Pelo exposto, aplico ao Agente M/..., B..., do Comando Metropolitano de Polícia de Lisboa, arguido no processo disciplinar nUP2011LSB00717DIS, a pena disciplinar de 179 (cento e setenta e nove) dias de suspensão, prevista nos artigos 25.°, n.°1, alínea e) e 46.°, ambos do RD/PSP.
8 - Notifique-se o arguido e o seu ilustre mandatário, nos termos e para os efeitos dos artigos 89.° e 93.° do RD/PSP e do seu artigo 68.° do Código de Procedimento Administrativo.” Cfr documento de folhas 157 e 158 do processo administrativo.

18) Daquela decisão B... interpôs em 17 de Novembro de 2014 recurso hierárquico para o Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Administração Interna. Cfr. documento de folhas 163 a 192 do processo administrativo.

19) Na Direcção de Serviços de Assessoria Jurídica da Secretaria Geral do Ministério da Administração Interna foi com data de 26 de Janeiro de 2015 elabora o parecer n.°47-FC/2015 no qual se refere designadamente o seguinte:” (...) IV Face ao exposto, formulam-se as seguintes conclusões:
1. O processo disciplinar em que é arguido B..., agente da PSP, não padece de qualquer nulidade ou invalidade, tendo-lhe sido garantido ao arguido o exercício do direito de audiência e defesa.
2. A infracção disciplinar constante do libelo acusatório foi dada como provada tendo o arguido vindo aos autos apresentar a sua defesa que, na parte que impugna a prática destes, não consegue afrontar a materialidade contante dos autos provenientes da prova efectuada em processo-crime.
3 - O acto administrativo punitivo, atendendo ao seu conteúdo, encontra-se devidamente fundamentado de facto e de direito.
4 - Face a todos os elementos constantes dos autos, respeitando a legalidade substantiva e adjectiva aplicável, considera-se adequada, justa e necessária à conduta - gravidade objectiva e subjectiva dos ilícitos disciplinares cometidos - do arguido a pena aplicada pelo Senhor Director Nacional da PSP, motivo pelo qual esta é legítima e isenta de censura.
Termos em que, caso Vossa Excelência se digne concordar com o que antecede poderá: - negar provimento ao recurso hierárquico mantendo inalterada a pena aplicada ao agente da PSP B....
- Comunicar o despacho que recair sobre o presente Parecer ao senhor Director Nacional da PSP que notificará o arguido bem como o ilustre mandatário.” Cfr. documento de folhas 208 a 220 do processo administrativo.

20) Em 18 de Fevereiro de 2015 o Secretário de Estado Adjunto da Ministra da Administração Interna profere despacho exarado naquele parecer com o seguinte teor: ”Concordo com os termos e fundamentos do presente parecer. Proceda-se em conformidade. Cfr. folhas 208 do processo administrativo.» (negritos e sublinhados nossos).


II.2. De direito

Dos erros de julgamento em que incorreu o tribunal a quo ao ter considerado que a aplicação ao Recorrido da pena disciplinar de 179 dias suspensão é desadequada e que não se encontra devidamente fundamentada.

Atentemos no discurso fundamentador da decisão recorrida sobre estes concretos aspetos:

«(…) Alega o autor que o acto impugnado incorre em violação de lei por violação do princípio da proporcionalidade e por falta de fundamentação da medida da culpa do autor relativamente à violação dos deveres funcionais de que foi acusado.

E tem razão.

A Constituição estabelece no seu artigo 266.° n.° 2 que “Os órgãos e agentes administrativos estão subordinados à Constituição e à lei e devem actuar, no exercício das suas funções, com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa-fé.”

O princípio da proporcionalidade encontra previsão no artigo 268.°, n.° 2, da CRP e, bem assim, no artigo 5.°, n.° 2, do CPA que, densificando a previsão constitucional, estabeleceu que «As decisões da Administração que colidam com direitos subjectivos ou interesses legalmente protegidos dos particulares só podem afectar essas posições em termos adequados e proporcionais aos objectivos a realizar».

Aquele princípio da proporcionalidade impõe que a Administração actue de modo adequado, necessário e proporcional em sentido estrito, mas apenas quando se encontre a actuar no exercício de poderes discricionários, não estando por isso vinculada a um único sentido decisório.

“O princípio da proporcionalidade da actuação administrativa (...) exige que a decisão seja: - adequada (princípio da adequação): a lesão de posições jurídicas dos administrados tem de revelar-se adequada, apta à prossecução do interesse público visado; necessária (princípio da necessidade): a lesão daquelas posições tem que se mostrar necessária ou exigível (por qualquer outro meio não satisfazer o interesse público visado); proporcional (princípio da proporcionalidade em sentido estrito): a lesão sofrida pelos administrados deve ser proporcional e justa em relação ao benefício alcançado para o interesse público (proporcionalidade custo/benefício).”

A suspensão do ora autor por 179 dias é apta, em abstracto, a prosseguir o interesse público de o agente prosseguir com a sua conduta individual no sentido de dignificar e prestigiar o seu exercício de funções enquanto agente da PSP. Não se vê é a razão pela qual os 179 dias de suspensão são em concreto necessários para satisfazer aquele interesse público visado.

O artigo 25.° do Regulamento Disciplinar da Polícia de Segurança Pública com a epígrafe “penas disciplinares” estatui, no n.°1, o seguinte:”1- As penas aplicáveis aos funcionários e agentes com funções policiais que cometerem infracções disciplinares são:

a) Repreensão verbal;

b) Repreensão escrita;

c) Multa até 30 dias;

d) Suspensão de 20 a 120 dias;

e) Suspensão de 121 a 240 dias;

f) Aposentação Compulsiva;

g) Demissão.”

Ora, o ora autor é agente da PSP desde 1999. Está provado que B... é agente da Polícia de Segurança Pública - Agente 3..., do efectivo da 3.ª Divisão policial, tendo sido alistado em 11 de Outubro de 1999.

E no seu registo biográfico inexistem registos de prévias punições disciplinares.

Está provado que em 3 de Maio de 2012 do seu registo biográfico nada constava em “Penas Disciplinares e Sanções acessórias”.

Está também provado que as referências do directo superior hierárquico do autor são positivas e favoráveis no que ao seu desempenho profissional dizem respeito.

Está ainda provado que com data de 7 de Janeiro de 2014 foi pelo Chefe do Núcleo de Apoio Geral do Comando Metropolitano de Lisboa da Polícia de Segurança Pública prestada a seguinte informação: ”Relativamente à Comunicação de Serviço de referência, informo V. Ex.a que o Agente n.°M/..., B..., colocado no NAG-S. Correspondência. É um elemento assíduo, tem capacidade de relacionar-se de forma salutar em equipa, pelo que julgo beneficiar da circunstância da alínea h), n.°1 do Art.° 52.° do Regulamento Disciplinar da Polícia de Segurança Pública, aprovado pela Lei n.°7/90, de 20 de Fevereiro.”

Está também provado que a infracção em causa não teve lugar no âmbito do exercício e desempenho das suas funções enquanto agente policial.

A infracção pela qual o autor foi sancionado disciplinarmente prende-se com a detenção no quarto onde dormia de 2 armas para as quais não tinha licença de uso e porte e não com o concreto e efectivo desempenho das funções policiais.

Está provado que o ora autor tinha no seu quarto 2 armas de descarga eléctrica, ambas com a função de produzir descargas eléctricas para neutralização temporária da capacidade motora humana para as quais não dispunha de licença de uso e porte.

E está provado que o ora autor foi, por isso, condenado pela prática do crime de detenção de arma proibida em pena de multa.

Não se provou contudo, nem tal constava da acusação, que tais armas tenham alguma vez saído do quarto do ora autor, nem que tenham sido usadas por este. Muito menos no exercício de funções policiais.

Pelo que se o Tribunal Criminal entendeu punir o ora autor com pena de multa, não se vê porque é que em termos disciplinares se agravou a medida da pena para a suspensão do exercício de funções (policiais) mais grave (quando os factos em causa nem ocorreram no exercício de funções policiais nem está provado que tenham afectado o concreto desempenho de tais funções).

Não está assim demonstrada a necessidade daquela concreta pena disciplinar.

Razão porque há que concluir pela violação do princípio da proporcionalidade.

A violação de tal princípio pelo acto impugnado inquina-o com o vício de violação de lei, que é fundamento para a anulação daquele acto nos termos do artigo 135.° do CPA (então em vigor). (…)».

Contra tal entendimento insurge-se o Recorrente Ministério da Administração Interna (MAI), alegando, em suma, que «(…) 5. Ao contrário do que foi decidido e considerando o teor do artigo 46° do RDPSP, a escolha da pena disciplinar de 179 dias suspensão além de ter sido adequada, encontra-se devidamente fundamentada.

6. Com efeito, o Recorrido foi condenado pela prática de um crime de detenção de arma proibida, conduta esta que se integra no leque daquelas que revelam por parte do agente infrator negligência grave, acentuado desinteresse pelo cumprimento de deveres profissionais sem esquecer que afetou gravemente a dignidade e prestigio pessoal bem como o prestigio “|L.) da função (...)”x

7. Tal como é referido no Relatório Final Na dosimetria da pena a aplicar há que observar-se os critérios do artigo 43°do RDPSP. Começando então por referir; Primeiramente, do ponto de vista da proteção dos bens jurídicos atingidos, podemos focar-nos que a simples detenção, possa por em causa os valores da ordem, segurança e tranquilidade públicas, além de se valorar negativamente o facto de ser agente de autoridade, sobre quem recaem especiais deveres de cumprimento da lei, sobretudo quanto em matéria de detenção de armas ou objectos típico do cometimento de crimes ()”- Cfr artigo 46.°, do RDPSP.

8. Sendo que, quanto “ (...) à natureza e gmvidcule da infração, atendendo à características e quantidade de armas que o arguido detinha, devem considerar-se elevada, até porque na sociedade se verifica uma proliferação de armas proibidas, -flagelo que a PSP, tem vindo a combater deforma enérgica (...)”

9. Acresce que, no que se refere à determinação da medida da pena disciplinar a aplicar, mais foi considerado que “(...) importa desde logo ter em conta todo o enquadramento dos acontecimentos, as circunstâncias em que ocorreram, todo o percurso profissional do arguido ...” devendo as “...penas disciplinares...” ser “ ...aplicadas com um fim e sentido pedagógicos e com uma finalidade corretiva, educativa e simultaneamente assegurar a prevenção, visando ao mesmo tempo a proteção dos bens jurídico-disciplinares, tendo em conta o principio da proporcionalidade (...)”

10. Incorre, também, o Douta Sentença Recorrida em erro ao concluir que nao está demonstrada a necessidade daquela concreta pena disciplinar, porquanto:

10.1. a infração em causa não teve lugar no âmbito do exercício e desempenho das suas funções enquanto agente policial;

10.2. não se provou que tais armas tenham alguma vez saído do quarto do ora autor, nem que tenham sido usadas por este. Muito menos no exercício de funções policiais; e

10.3. se o Tribunal Criminal entendeu punir o autor com pena de multa, não se vê porque é que em termos disciplinares se agravou a medida da pena para a suspensão para o exercício de funções.

Pois,

11. Sobre o Recorrido, enquanto agente de autoridade, recaem especiais deveres de cumprimento da lei, principalmente quando está em causa a detenção de armas,

12. Esteja ou não no exercício das suas funções, tal como decorre do dever de aprumo, o qual “(...) consiste em assumir, no serviço e fora dele, princípios, normas, atitudes e comportamentos que exprimam, reflictam e reforcem a dignidade da função policial e o prestígio da corporação cfr. artigo 16.°n .° 1, do RDPSP.

13. No que concerne ao facto de o Tribunal Criminal ter condenado o Recorrido em multa em nada releva para efeitos da determinação da pena disciplinar,

14. Dada a autonomia existente no nosso ordenamento jurídico entre o ilícito criminal e o ilícito disciplinar - que o mesmo é dizer, entre o processo criminal e o processo disciplinar - persistindo em cada um deles uma capacidade autónoma de apreciação e valoração dos mesmos factos. (…)».

Desde já se adianta que não se acompanha a decisão recorrida.

Vejamos porquê.

No procedimento disciplinar considerou-se que se verificava violação do princípio fundamental de acatamento das leis, previsto no art. 6.º do RD/PSP, aprovado pela Lei n.º 7/90, de 20.02. -, com referência ao art.86.º n.º 1, alínea d) e n.º 2 da Lei n.º 5/2006, de 23.02. – que aprovou o novo regime jurídico das armas e suas munições- ao dispor que «1 - Quem, sem se encontrar autorizado, fora das condições legais ou em contrário das prescrições da autoridade competente, detiver, transportar, exportar, importar, transferir, guardar, reparar, desativar, comprar, adquirir a qualquer título ou por qualquer meio ou obtiver por fabrico, transformação, importação ou transferência, usar ou trouxer consigo: (…) d) Arma branca dissimulada sob a forma de outro objeto, faca de abertura automática ou ponta e mola, estilete, faca de borboleta, faca de arremesso, cardsharp ou cartão com lâmina dissimulada, estrela de lançar ou equiparada, boxers, outras armas brancas ou engenhos ou instrumentos sem aplicação definida que possam ser usados como arma de agressão e o seu portador não justifique a sua posse, as armas brancas constantes na alínea ab) do n.º 2 do artigo 3.º, aerossóis de defesa não constantes da alínea a) do n.º 7 do artigo 3.º, armas lançadoras de gases, bastão, bastão extensível, bastão elétrico, armas elétricas não constantes da alínea b) do n.º 7 do artigo 3.º, quaisquer engenhos ou instrumentos construídos exclusivamente com o fim de serem utilizados como arma de agressão, artigos de pirotecnia, exceto os fogos-de-artifício das categorias F1, F2, F3, T1 ou P1 previstas nos artigos 6.º e 7.º do Decreto-Lei n.º 135/2015, de 28 de julho, e bem assim as munições de armas de fogo constantes nas alíneas q) e r) do n.º 2 do artigo 3.º, é punido com pena de prisão até 4 anos ou com pena de multa até 480 dias; (…) 2 - A detenção de arma não registada ou manifestada, quando obrigatório, constitui, para efeitos do número anterior, detenção de arma fora das condições legais.» -, por sua vez, com referência ao art. 2.º, n.º 1, alínea o) e art. 3.º do mesmo diploma, ao disporem que «(…) Para efeitos do disposto na presente lei e sua regulamentação, entende-se por: 1 - Tipos de armas: (…) o) «Arma elétrica» todo o sistema portátil alimentado por fonte energética e destinado unicamente a produzir descarga elétrica momentaneamente neutralizante da capacidade motora humana, não podendo ter a configuração de arma de fogo ou dissimular o fim a que se destina;(…) Artigo 3.º - Classificação das armas, munições e outros acessórios (…)», e a violação do dever de aprumo, previsto no art. 16.º, n.ºs 1 e 2, alínea f) do RD/PSP, no sentido de que «(…) 1 - O dever de aprumo consiste em assumir, no serviço e fora dele, princípios, normas, atitudes e comportamentos que exprimam, reflictam e reforcem a dignidade da função policial e o prestígio da corporação. 2 - No cumprimento do dever de aprumo deverão os funcionários e agentes da PSP: (…) f) Não praticar, no serviço ou fora dele, acções contrárias à ética, à deontologia funcional, ao brio ou ao decoro da corporação;(…)».

Sendo que a pena aplicada foi fundamentada, por remissão, nos seguintes termos – cfr. factos 19 e 20 da matéria de facto -: «(…) Na dosimetria da pena a aplicar há de observar-se os critérios do artigo 43.g do RDPSP. Começando então por referir, primeiramente, do ponto de vista de protecção dos bens jurídicos atingidos, podemos focar- nos que a simples detenção, possa pôr em causa os valores da ordem, segurança e tranquilidade públicas, além de que se valorar negativamente o facto de ser agente de autoridade, sobre quem recaem especiais deveres de cumprimento da lei, sobretudo quanto em matéria de detenção de armas ou objectos típicos de cometimento de crimes (...) Quanto à natureza e gravidade da infracção, atendendo às características e quantidade de armas que o arguido detinha, deverá considerar-se elevada, até porque na sociedade se verifica uma proliferação de armas proibidas, flagelo que a PSP, tem vindo a combater de forma enérgica. A culpa terá que ser balizada por cima da ilicitude dos factos, por se entender que os funções do arguido fazem recair sobre si um juízo de censura acrescido (...) Não se verifico qualquer causa que justifique a ilicitude do arguido, ou da exclusão da culpo (...) Tendo em conta o disposto no artigo 43.º do Regulamento Disciplinar da Polícia de Segurança Público, o gravidade dos factos e o seu grau de culpa, que no primeiro caso, consideramos elevada, atendendo ao número e características dos objectos que detinha, sendo que a culpa terá de ser nivelada por cima, em relação aos factos, dada a condição do agente de autoridade (...)» assim concluindo que deveria ser aplicada, nos termos do art. 25.º, n.º 1, alínea e), conjugado com o art. 46.º , do referido RD-PSP, a pena disciplinar de suspensão, tendo em consideração não só as invocadas circunstâncias atenuantes, mas também as seguintes circunstâncias agravantes – cfr. factos 19 e 20 idem - «(...) A infracção é grave, porque a condenação do arguido pelo crime de detenção de arma proibida afecta a dignidade e o prestígio pessoal e da função (...) A sua categoria - Apesar de ser Agente, já tem cerca de 15 anos de serviço, sendo, por isso, exigível comportamento diverso (...) o seu grau de culpa - É elevado, dada a sua condição de Agente de autoridade (…)».

Assim como por se ter concluído que a atuação do Recorrido era manifestação de uma conduta eivada de «(...) negligência grave, acentuado desinteresse pelo cumprimento dos deveres profissionais (...) sem esquecer que afetou (...) gravemente a dignidade e prestígio pessoal (...) bem como o prestígio da função" (...), "pondo em causa os valores da ordem, segurança e tranquilidade públicas, e o facto de ser agente de autoridade, sobre quem recaem especiais deveres de cumprimento da lei, sobretudo em matéria de detenção de armas ou objetos típicos do cometimento dos crimes".».

A Administração Pública goza de larga margem de valoração das provas, apenas incumbindo ao controlo judicial, em matéria probatória, os casos de erro manifesto de apreciação e o desvio de poder no âmbito da discricionariedade volitiva, conforme é jurisprudência dominante, mostrando-se devidamente ponderado e fundamentado o ato impugnado.

Sobre a proporcionalidade devida na aplicação de sanções disciplinares e os correspondentes limites de apreciação impostos às decisões jurisdicionais que recaiam sobre tal juízo, veja-se, por todos, o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 25.02.2016, P.0541/15 (1), cuja doutrina é inteiramente aplicável ao caso em apreço: «(…) Este princípio, no âmbito do processo disciplinar, diz respeito à adequação da pena imposta à gravidade dos factos reputados como ilícitos, constituindo, por isso, um limite interno ao poder discricionário da Administração na fixação da medida concreta da pena disciplinar.

Sendo que, como resulta do acórdão do STA de 03.11.2004, processo n.º 0329/04 «os tribunais não podem substituir-se à Administração na fixação concreta da pena, pelo que a graduação da pena disciplinar, não sendo posta em causa a qualificação jurídico-disciplinar das infrações, não é contenciosamente sindicável, salvo erro grosseiro ou manifesto, ou seja, se a medida da pena for ostensivamente desproporcionada, uma vez que tal atividade se insere na chamada atividade discricionária da Administração»”.

Neste mesmo sentido, decidiu-se no proc. n.º 0412/05 de 16/02/2006 deste STA:

“...Em todo o caso, sempre anuiremos que a graduação da sanção disciplinar de suspensão, dentro dos limites legalmente estabelecidos, é uma actividade incluída na discricionariedade imprópria (justiça administrativa), podendo sofrer os vícios típicos do exercício do poder discricionário, designadamente o desrespeito pelo princípio da proporcionalidade, na sua vertente da adequação (Ac. do STA, de 3/11/2004, Proc. nº 0329/04).

Contudo, nas hipóteses em que a medida tomada se situa dentro de um círculo de medidas possíveis, deve considerar-se proporcionada e adequada aquela de que a Administração se serviu (Esteves de Oliveira e outros, in Código de Processo Administrativo anotado, pags. 1904/105; tb. cit. Ac. do STA de 3/11/2004).

Assim, perante todo o circunstancialismo factual apurado, e não se nos deparando qualquer erro manifesto na dosimetria concreta da pena, não vemos como possa afirmar-se a violação dos princípios da proporcionalidade e adequação ou, tão-pouco, que a pena pudesse, subsidiariamente, ser outra.”

Não cabe, pois, ao tribunal, em princípio, apreciar a medida concreta da pena aplicada a não ser em caso de erro manifesto e grosseiro ou seja, apenas quando a medida aplicada se situa fora de um círculo das medidas possíveis aplicáveis ao caso concreto.

É que, desde que a medida tomada pela Administração se situe dentro de um círculo de medidas possíveis, e com isto quer-se dizer aquela amplitude de medidas que seriam suscetíveis de se poderem considerar ajustadas à situação, deve considerar-se que a escolhida pela administração é a que melhor defende o interesse público por essa ser uma tarefa da Administração que se insere na chamada discricionariedade técnica ou administrativa.

Pelo que, só no caso concreto é que se pode fixar qual o alcance invalidante da exigência constitucional e legal da proporcionalidade, ou seja, se a pena aplicada é adequada à gravidade dos factos apurados, de modo que a pena seja idónea aos fins a atingir, e a menos gravosa para o arguido, em decorrência ou emanação também do princípio da intervenção mínima ligado ao princípio do "favor libertatis".

Isto é, aferir se aquela medida que foi aplicada é uma daquelas que se devem aceitar como possíveis dentro do que é adequado ao caso concreto. (…)».

Atento todo o exposto, imperioso se torna concluir que não se verificou a falta de fundamentação apontada pelo tribunal a quo, tendo as razões da aplicação da pena de suspensão sido abundantemente explicitadas na fundamentação do ato impugnado, assim como não se nos afigura existir erro grosseiro sobre os pressupostos de facto e de direito na aplicação da pena disciplinar concretamente aplicada, nem se verifica desproporcionalidade da mesma relativamente à conduta demonstrada, atendendo às funções de agente de autoridade desempenhadas pelo Recorrido.

Nestes termos, e face a todo o exposto, imperioso se torna conceder provimento ao recuso.

III. Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes da secção do contencioso administrativo deste Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso, revogar a decisão recorrida e julgar a ação improcedente.

Custas pelo Recorrido.

Lisboa, 18.02.2021.

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Dora Lucas Neto

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A relatora consigna e atesta, que nos termos do disposto no art. 15.°- A do Decreto-Lei n.° 10- A/2020, de 13.03., aditado pelo art. 3.° do Decreto-Lei n.° 20/2020, de 01.05., têm voto de conformidade com o presente acórdão os senhores magistrados integrantes da formação de julgamento, os Senhores Desembargadores Pedro Nuno Figueiredo e Ana Cristina Lameira.

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(1) Disponível em www.dgsi.pt