Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 1355/15.8BELSB |
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Secção: | CA |
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Data do Acordão: | 02/18/2021 |
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Relator: | DORA LUCAS NETO |
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Descritores: | DISCIPLINAR; PSP; POSSE DE ARMAS ILEGAIS; PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. |
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Sumário: | I. O princípio da proporcionalidade, no âmbito do processo disciplinar, diz respeito à adequação da pena imposta à gravidade dos factos reputados como ilícitos, constituindo, por isso, um limite interno ao poder discricionário da Administração na fixação da medida concreta da pena disciplinar; II. Os tribunais não podem substituir-se à Administração na fixação concreta da pena, pelo que a graduação da pena disciplinar, não sendo posta em causa a qualificação jurídico-disciplinar das infrações, não é contenciosamente sindicável, salvo erro grosseiro ou manifesto, ou seja, se a medida da pena for ostensivamente desproporcionada. |
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Votação: | UNANIMIDADE |
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Aditamento: | ![]() |
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:
I. Relatório O Ministério da Administração Interna interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, de 04.12.2016, que julgou procedente a ação administrativa especial contra si intentada por B..., através da qual impugnou a decisão de aplicação de sanção disciplinar de suspensão do exercício de funções por 179 dias.
Nas alegações de recurso que apresentou, culminou com as seguintes conclusões – cfr. fls. 194 e ss., ref. SITAF: «(…) A. A Sentença Recorrida padece de erro nos pressupostos de direito. B. Ao contrário do que foi decidido e considerando o teor do artigo 46° do RDPSP, a escolha da pena disciplinar de 179 dias suspensão além de ter sido adequada, encontra-se devidamente fundamentada. C. Com efeito, os factos pelos quais foi condenado revelam por parte o Recorrido “(...) negligência grave, acentuado desinteresse pelo cumprimento de deveres profissionais (...)” sem esquecer que afetou “(...) gravemente a dignidade e prestigio pessoal (...)” bem como o prestigio “(...) da função (...)” D. Na dosimetria da pena foi considerado que a simples detenção de armas proibidas põe por em causa os valores da ordem, segurança e tranquilidade públicas, e o facto de o Recorrido ser agente de autoridade, sobre quem recaem especiais deveres de cumprimento da lei, sobretudo quanto em matéria de detenção de armas ou objectos típico do cometimento de crimes. E. Sendo que, quanto “(...) à natureza e gravidade da infração, atendendo à características e quantidade de armas que o arguido detinha, deverá considerar-se elevada, até porque na sociedade se verifica uma proliferação de armas proibidas, flagelo que a PSP, tem vindo a combater deforma enérgica (...)” F. Acresce que, no que se refere à determinação da medida da pena disciplinar a aplicar, mais foi considerado que “(...) importa desde logo ter em conta todo o enquadramento dos acontecimentos, as circunstâncias em que ocorreram, todo o percurso profissional do arguido devendo as “...penas disciplinares ...” ser “ ...aplicadas com um fim e sentido pedagógicos e com uma finalidade corretiva, educativa e simultaneamente assegurar a prevenção, visando ao mesmo tempo a proteção dos bens jurídico-disciplinares, tendo em conta o principio da proporcionalidade (...)” G. Sobre o Recorrido, enquanto agente de autoridade, recaem especiais deveres de cumprimento da lei, principalmente quando está em causa a detenção de armas, H. Esteja ou não no exercício das suas funções, tal como decorre do dever de aprumo, o qual “(...) consiste em assumir, no serviço e fora dele, princípios, normas, atitudes e comportamentos que exprimam, reflictam e reforcem a dignidade da função policial e o prestígio da corporação (...)” - cfr. artigo 16.°n .° 1, do RDPSP. I. No que concerne ao facto de o Tribunal Criminal ter condenado o Recorrido em multa em nada releva para efeitos da determinação da pena disciplinar, J. Dada a autonomia existente no nosso ordenamento jurídico entre o ilícito criminal e o ilícito disciplinar - que o mesmo é dizer, entre o processo criminal e o processo disciplinar - persistindo em cada um deles uma capacidade autónoma de apreciação e valoração dos mesmos factos. k. Essa autonomia caracteriza-se, no essencial, pela coexistência de espaços valorativos e sancionatórios próprios, tendo em conta a diversidade dos interesses específicos a que se dirige cada um daqueles procedimentos sancionatórios, bem como dos fundamentos e fins das respectivas penas: o processo criminal dirigido a interesses e necessidades específicos da sociedade em geral; processo disciplinar dirigido ao interesse e necessidades do serviço ou da função (só as faltas cometidas no exercício da função ou susceptíveis de comprometer a dignidade desta podem ser objecto de repressão). L. Atenta a gravidade da conduta do Recorrido, outra não poderia ter sido a pena aplicada, a qual se escorou num processo disciplinar que respeitou escrupulosamente as normas do Regulamento Disciplinar da PSP. M. Pelo que não pode concluir a Sentença como o fez de que não foi dado integral cumprimento ao disposto no artigo 43.°, do RDPSP. N. Os factos pelos quais o Recorrido foi sancionado revestem extrema gravidade, quer do ponto de vista objetivo quer subjetivo, pois a sua conduta foi diametralmente oposta à que é exigível a um agente da PSP. O. A graduação da sanção disciplinar constitui uma atividade incluída na discricionariedade administrativa. P. Discricionariedade esta que confere ao órgão administrativo o poder- dever de escolher “(...) de entre uma série limitada ou ilimitada de comportamentos possíveis, aquele que lhe pareça em concreto mais adequado à satisfação da necessidade publica especifica prevista na lei (…)” Q. Desta maneira a fiscalização jurisdicional da atuação da administração no âmbito dos poderes discricionários só pode ser efetivada se a mesma se revestir de erro manifesto ou grosseiro, e aí, sim, podemos estar perante a violação do principio da proporcionalidade, R. O que nos presentes autos não se verificou, nem na Douta sentença foi identificado qualquer erro grosseiro ou manifesto, pois a entidade com competência disciplinar no âmbito do seu poder discricionário aplicou, fundamentadamente, a pena que entendeu ser a mais adequada à satisfação dos interesses quer da corporação quer do interesse público, o qual se traduz nomeadamente na confiança que a população em geral, deposita nas forças de segurança, a qual jamais pode ser abalada. S. Pelo que a sanção disciplinar aplicada, atentos os factos imputados ao recorrido, não se mostra desproporcionada, não violando o princípio da proporcionalidade, ao contrário do que é defendido na sentença recorrida (…).».
O Recorrido B..., apresentou as suas contra-alegações, tendo ali concluído como se segue - cfr. fls. 222 e ss., ref. SITAF:
I. 1. Questões a apreciar e decidir As questões suscitadas pelo Recorrente, delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, traduzem-se em apreciar se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao ter considerado que a aplicação ao Recorrido da pena disciplinar de 179 dias suspensão além de ter sido desadequada, não se encontra devidamente fundamentada.
II. Fundamentação II.1. De facto A matéria de facto constante da sentença recorrida é aqui transcrita ipsis verbis: Artigo 1. No dia 3 de Julho de 2009, cerca das 19H30, o arguido guardava no interior da sua residência sita na Rua C..., em Odivelas, no seu quarto:a) Uma arma de descarga eléctrica, vulgarmente designada por “Taser”, de marca Stun Master, modelo 100-S, constituída por um sistema portátil alimentado por energia eléctrica e cuja única função é a de produzir descargas eléctricas para neutralização temporária da capacidade motora humana. Tal arma estava dotada de interruptor de segurança e anunciava no rótulo, por escrito, uma potência de 100.00v; b) Uma arma de descarga eléctrica, vulgarmente designada por “Taser” de marca Great Power, modelo 320, constituída por um sistema portátil alimentado por energia eléctrica e cuja única função é a de produzir descargas eléctricas para neutralização temporária da capacidade motora humana. Tal arma estava dotada de interruptor de segurança e anunciava no rótulo, por escrito, uma potência de 10.000.000 volts. Artigo 2.° Estas duas armas estavam em bom estado de funcionamento e aptas a produzir descargas eléctricas de voltagem não apurada.Artigo 3.° O arguido não possuía licença para o uso e porte ou para detenção das armas eléctricas, nem as manifestou.Artigo 4.° O arguido, apesar de saber que não o podia fazer, representou e quis deter os objectos acima descritos e agiu com intenção de os deter, o que concretizou.Artigo 5.° O arguido agiu de forma deliberada, livre, voluntária e consciente, sabendo que a sua conduta não lhe era permitida por lei.Artigo 6.° No âmbito do processo 457/10.1TDLSB, que decorreu no 5.° Juízo Criminal do Tribunal Criminal da Comarca de Lisboa, e cujo acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, transitou em julgado a 06-11-2013, foi o arguido condenado, pela prática, de um crime de detenção de arma proibida, p.e p. pelos art.°86.°, n.°1, alínea d) e n.°2 da Lei 5/2006, de 23.02, com referência aos artigos 2.°, n.°1, alínea o) e 3.°, do mesmo diploma, na pena de 300 (trezentos) dias de multa, à taxa diária de 7,00 (sete) euros, o que perfaz o total de 2.100,, (dois mil e cem euros) a que correspondem, nos termos e para os efeitos previstos no art.°49.° do Código Penal 200 (duzentos) dias de prisão subsidiária, caso não pague a multa em questão e não sendo possível obter o pagamento através da execução do seu património.Artigo 7.° O arguido não goza de nenhuma das circunstâncias dirimentes da responsabilidade disciplinar previstas no artigo 51.° da RD/PSP.Tem como circunstância atenuante da responsabilidade disciplinar as previstas nas alíneas b) e h), do n.°1 do artigo 52.° do RD/PSP - o bom comportamento anterior e boa informação de serviço do superior de que depende, respectivamente. E tem como circunstância agravante da responsabilidade disciplinar a prevista na alínea f) do n.°1 do artigo 53.° do RD/PSP - ser a infracção comprometedora do brio e decoro profissional. Artigo 8.° O arguido infringiu o Princípio Fundamental, previsto no artigo 6.° do RD/PSP, com referência ao art.° 86.°, n.°1, alínea d) e n.°2 da Lei 5/2006, de 23.02, com referência aos artigos 2.°, n.°1, alínea o) e 3.° do mesmo diploma, o Dever de Aprumo, previsto no artigo 16.°, n.°1 e 2 alínea f) do RD/PSP.Artigo 9.° A conduta tida pelo arguido, afecta gravemente a dignidade e o prestígio pessoal e da função, corresponde-lhe a pena de SUSPENSÃO, prevista no art.° 25.°, n.°1, al. e), conjugado com os art.° 43.° e 46.° do RD/PSP.”Cfr. documento de folhas 78 e 79 do processo administrativo.13) B... foi notificado da acusação em 2 de Abril de 2014. Cfr. folhas 85 do processo administrativo. 14) Em 29 de Abril de 2014 foram recepcionados pelo Comando Metropolitano de Polícia de Lisboa a petição de defesa escrita, na qual B... requeria a audição de uma testemunha e do interrogatório do arguido, além da suspensão da execução da pena de suspensão proposta pelo período de 12 meses e requerimento do representante legal do arguido, dirigido ao instrutor do processo disciplinar, no qual invoca o justo impedimento na apresentação da defesa do arguido, por motivos de doença do próprio, de 7 a 18 de Abril de 2014 (12 dias), anexando cópia de atestado médico. Cfr. documentos de folhas 88 e seguintes do processo administrativo. 15) Por despacho de 14 de Maio de 2014 foi pelo instrutor decidido o seguintefNão aceitar a defesa escrita, por ter sido interposta intempestivamente, na medida que ultrapassou o prazo de 10 (dez) dias concedidos para tal formalidade - vide art.° 81.°, n.°1 do RD/PSP, contados nos termos do art.° 71.° e 72.° do CPA; notificar o arguido e seu ilustre mandatário do teor do presente despacho, enviando-lhes cópia do mesmo. Cfr. documento de folhas 138 do processo administrativo. 16) Com data de 2 de Outubro de 2014foi elaborado relatório final (artigo 87, n.°1 RDPSP) com o seguinte teor:”1. INTRODUÇÃO Por despacho datado de 29-12-2011, constante a fls. 3, o Exmo. Senhor Comandante do Comando Metropolitano de Polícia de Lisboa, determinou a instauração do presente processo disciplinar ao Agente M/... - B..., colocado no Núcleo de Apoio Geral do COMETELIS, tendo por base o expediente remetido a coberto do ofício n.°1342, do DIAP - Unidade Especial de Combate ao Crime Especialmente Violento, datado de 21-11-2011, que comunica o despacho final. No inquérito com o NUIPC 457/10.1TDLSB foi deduzida acusação, em processo comum com intervenção de tribunal singular, por se ter constituído como autor material de um crime de detenção de arma proibida, na forma consumada, p.p. no artigo 86.°, n.°1 al. d), por referência aos artigos 2.°, n.°1 als. A) e o), 3.° n.°s2 als. H) e j) e 7.° al. b) todos da Lei 5/2006 de 23 de Fevereiro. 2.INSTRUÇÃO 2.1. Prova documental 2.1.1. Oficio n.°1342 do DIAP - UECCEV, que remete cópia da acusação - fls. 3 a 8; 2.1.2. Nota de assentos - fls. 22 a 24; 2.1.3. Oficio n.°7359365, do 5.° Juízo Criminal de Lisboa - 1.a Secção, que remete cópia da Acusação, cópia da Acta de Debate Instrutório e cópia do Despacho que designa data de Audiência de Julgamento - fls. 26 a 39; 2.1.4 Email que remete a decisão final, transitada em julgado, a 16-11-2013, incluindo o acórdão do Tribunal da Relação de lisboa - fls. 43 a 72. 2.1.5. Informação sobre conduta moral e profissional - fl. 76; 2.2. Prova testemunhal 2.2.1. Arguido - fl. 19/19v; 3. INQUIRIÇÕES: 3.1. A fls. 19/19v, o arguido, aquando do interrogatório optou por não prestar declarações. Enquanto, o seu ilustre mandatário, requereu a consideração do Sr. Instrutor para que o processo fosse suspenso até que o processo crime estivesse concluído. 4. ACUSAÇÃO 4.1. Nos termos do disposto nos artigos 79.°, n.°2 e 80.° do Regulamento Disciplinar da PSP, aprovado pela Lei n.°7/90, de 20 de Fevereiro, a 08 de Janeiro de 2014, foi-lhe deduzida acusação, tendo sido notificado da mesma em 02 de Abril de 2014 e foi-lhe concedido i prazo de defesa de 10 dias para apresentar defesa escrita (cfr. art.° 81.°, n.°1 do RD/PSP) fls. 78/78v, 79 e 86/86v. 5. DEFESA 5.1. Notificado da acusação a 02 de Abril de 2014 e de que a falta de resposta dentro do prazo marcado vale como efectiva audiência do arguido, para todos os efeitos legais, nos termos do artigo 51.°, n.°7 do Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que Exercem Funções Públicas, aprovado pela Lei n.°58/2008 de 09 de Setembro, aplicado subsidiariamente por força do disposto no art.° 66.° do RDPSP - fls. 86; 5.2. Em 29 de Abril de 2014 foi recepcionado um requerimento do mandatário do arguido, a invocar o justo impedimento na apresentação da defesa do arguido, por motivos de doença - fls. 88 a 102; 5.3. Por despacho, constante a fls. 138 e 138v, a referida defesa escrita não foi aceite, por ter sido interposta intempestivamente, tendo o arguido e o seu mandatário sido devidamente notificados, conforme verificada a fls. 141 e 149. 6. DA PROVA 6.1. Assim, da leitura e análise crítica dos elementos de prova e tendo em vista o disposto no art.°127 do C.P. Penal, aplicável por força do art.° 66 do RD/PSP, constata- se o seguinte: 6.1.1. Deverão ser dados como provados todos os factos constantes da acusação, que lhe foi deduzida. 6.1.2. No âmbito do processo 457/10.1TDLSB, que decorreu no 5.° Juízo Criminal do Tribunal Criminal da Comarca de Lisboa, e cujo acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, transitou em julgado a 06-11-2013, foi o arguido condenado, pela prática, de um crime de detenção de arma proibida, p.e p. pelos art.° 86.°, n.°1, alínea d) e n.°2 da Lei n.°5/2006, de 23.02, com referência aos artigos 2.°, n.°1, alínea o) e 3.° do mesmo diploma, na pena de 300 (trezentos) dias de multa, à taxa diária de 7,00 (sete) euros, o que perfaz o total de 2,100 (dois mil e cem euros) a que correspondem, nos termos e para os efeitos previstos no art.° 49.° do Código Penal, 200 (duzentos) dias de prisão subsidiária, caso não pague a multa em questão e não sendo possível obter o pagamento através da execução do seu património. 6.1.3. Tal sentença foi alvo de recurso, tendo sido confirmada, por acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa. 6.1.4. Ora, o Instrutor do processo disciplinar não se pode olvidar de ter em conta e de carrear para o processo uma decisão de tal peso, afirmada pelo tribunal superior. 6.1.5. A decisão penal condenatória, transitada em julgado, vincula a decisão disciplinar, no que respeita à verificação da existência material dos factos e dos seus autores, sem o prejuízo da sua valoração e enquadramento jurídico, para efeitos disciplinares - Cfr. Acórdão STA proc. 01058/06 de 19/06/2007. 6.1.6. Na verdade, somos de referir que, de acordo com o consagrado no artigo 205.°, n.°2 da Constituição da República Portuguesa, não se pode afrontar a prática dos mesmos pois estes foram provados em sede de processo crime, exigindo-se por aprte da Administração, o respeito pelas decisões judiciais no que se reporta à factualidade apurada, porquanto estas assumem força de caso julgado material - (Cfr. Acórdão do STA de 15-10-1991, BMJ, 410-846. 6.1.7. Sendo a infracção disciplinar uma sequência da sentença criminal, remete- se para os fundamentos da motivação em tudo o que ficou dito na sentença condenatória. 6.2. Factos provados: - No dia 3 de Julho de 2009, cerca das 19H30, o arguido guardava no interior da sua residência sita na Rua C..., em Odivelas, no seu quarto: a) Uma arma de descarga eléctrica, vulgarmente designada por “Taser”, de marca Stun Master, modelo 100-S, constituída por um sistema portátil alimentado por energia eléctrica e cuja única função é a de produzir descargas eléctricas para neutralização temporária da capacidade motora humana. Tal arma estava dotada de interruptor de segurança e anunciava no rótulo, por escrito, uma potência de 100.00v; b) Uma arma de descarga eléctrica, vulgarmente designada por “Taser”, de marca Great Power, modelo 320, constituída por um sistema portátil alimentado por energia eléctrica e cuja única função é a de produzir descargas eléctricas para neutralização temporária da capacidade motora humana. Tal arma estava dotada de interruptor de segurança e anunciava no rótulo, por escrito, uma potência de 10.000.000 volts. - Estas duas armas estavam em bom estado de funcionamento e aptas a produzir descargas eléctricas de voltagem não apurada. - O arguido não possuía licença para o uso e porte ou para detenção das armas eléctricas, nem as manifestou. - O arguido, apesar de saber que não o podia fazer, representou e quis deter os objectos acima descritos e agiu com intenção de os deter, o que concretizou. - O arguido agiu de forma deliberada, livre, voluntária e consciente, sabendo que a sua conduta não lhe era permitida por lei. - No âmbito do processo 457/10.1TDLSB, que decorreu no 5.° Juízo Criminal do Tribunal Criminal da Comarca de Lisboa, e cujo acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, transitou em julgado a 06-11-2013, foi o arguido condenado, pela prática, de um crime de detenção de arma proibida, p.e p. pelos art.°86.°, n.°1, alínea d) e n.°2 da Lei 5/2006, de 23.02, com referência aos artigos 2.°, n.°1, alínea o) e 3.°, do mesmo diploma, na pena de 300 (trezentos) dias de multa, à taxa diária de 7,00 (sete) euros, o que perfaz o total de 2.100,, (dois mil e cem euros) a que correspondem, nos termos e para os efeitos previstos no art.°49.° do Código Penal 200 (duzentos) dias de prisão subsidiária, caso não pague a multa em questão e não sendo possível obter o pagamento através da execução do seu património. - O arguido não goza de nenhuma das circunstâncias dirimentes da responsabilidade disciplinar previstas no artigo 51.° da RD/PSP. - Tem como circunstância atenuante da responsabilidade disciplinar as previstas nas alíneas b) e h), do n.°1 do artigo 52.° do RD/PSP - o bom comportamento anterior e boa informação de serviço do superior de que depende, respectivamente. - E tem como circunstância agravante da responsabilidade disciplinar a prevista na alínea f) do n.°1 do artigo 53.° do RD/PSP - ser a infracção comprometedora do brio e decoro profissional. 6.3. Factos não provados. - Inexistência de factos não provados. 7. APRECIAÇÃO JURIDICO-DISCIPLINAR DOS FACTOS PROVADOS 7.1. O arguido infringiu o Princípio Fundamental, previsto no artigo 6.° do RD/PSP, com referência ao art.° 86.°, n.°1, alínea d) e n.°2 da Lei 5/2006, de 23.02, com referência aos artigos 2.°, n.°1, alínea o) e 3.° do mesmo diploma, o Dever de Aprumo, previsto no artigo 16.°, n.°1 e 2 alínea f) do RD/PSP. 7.2. Ficando como ficou provado, que o arguido detinha os objectos constantes na acusação e que segundo a sentença criminal, preenchem integralmente o conceito de “arma eléctrica”, os quais se encontravam contemplados nos artigos 2.°, n.°1 alínea o) e 3.° da Lei n.°5/2006 de 23-02, infringiu pois o Princípio Fundamental acima referido, na certa medida de não ter acatado com o disposto naquela Lei. 7.3. Na verdade, o arguido detinha as duas armas eléctricas, sem se encontrar autorizado especificamente para tal e sem as ter manifestado. 7.4. Além disso, infringiu, também, o dever de aprumo previsto no artigo 16.°, n.°1 e n.°2 alínea ) do RDPSP, na certa medida em que, no serviço ou fora dele, não praticar acções contrárias á ética, à deontologia funcional, ao brio ou ao decoro da corporação. De resto a detenção de tais armas não lhe era permitida por lei, todavia não se privou de praticar tais factos. 7.5. A infracção cometida afecta gravemente a dignidade e o prestígio da função que o arguido exerce, corresponde-lhe a pena de SUSPENSÃO, prevista no art.° 25.° , n.°1, al. e),, conjugado com os art.° 43.° e 46.° do RD/PSP. 8. REGISTO BIOGRÁFICO DO ARGUIDO 8.1. O arguido foi alistado na Polícia de Segurança Pública em 11-10-2009, tendo cerca de 14 anos de serviço; 8.2. Consta como habilitações o 12.° ano de escolaridade; 8.3. Não tem averbado quaisquer penas ou recompensas. 9. MEDIDA E GRADUAÇÃO DA PENA 9.1. Os critérios gerais, enunciados nos artigos 43.°, 44.° a 50.° do RDPSP, relaciona-se com os factos a que, em abstracto, devem corresponder as penas para eles previstos; 9.2. Ora, estando determinados os factos dados como assentes e o tipo de infracção pela qual o arguido deverá ser punido, como acima ficou descrito, importa determinar o “quantum” da pena a aplicar. 9.3. A infracção pela qual vai ser punido é aplicável a pena de suspensão de 121 a 240 dias. 9.4. Na dosimetria da pena a aplicar há de observar-se os critérios do artigo 43.° do RDPSP. Começando então por referir, Primeiramente, do ponto de vista de protecção dos bens jurídicos atingidos, podemos focar-nos que a simples detenção, possa pôr em causa os valores da ordem, segurança e tranquilidade públicas, além de que se valorar negativamente o facto de ser agente de autoridade, sobre quem recaem especiais deveres de cumprimento da lei, sobretudo quanto em matéria de detenção de armas ou objectos típicos de cometimento de crimes. 9.5. Quanto à natureza e gravidade da infracção, atendendo às características e quantidade de armas que o arguido detinha, deverá considerar-se elevada, até porque na sociedade se verifica uma proliferação de armas proibidas, flagelo que a PSP, tem vindo a combater de forma enérgica. A culpa terá que ser balizada por cima da ilicitude dos factos, por se entender que as funções do arguido fazem recair sobre si um juízo de censura acrescido. 9.6. Não se verifica qualquer causa que justifique a ilicitude do arguido, ou da exclusão da culpa; 9.7. Tem como circunstâncias atenuantes da responsabilidade disciplinar, as previstas nas alíneas b) e h) do n.°1 do artigo 52.° do RD/PSP. 9.8. Assim, importa desde logo ter em conta todo o enquadramento dos acontecimentos, as circunstâncias em que ocorreram, todo o percurso profissional do arguido e o comportamento desde a prática da infracção. 9.9. As penas disciplinares devem ser aplicadas com um fim e sentido pedagógico e com uma finalidade correctiva e simultaneamente assegurar a prevenção, visando ao mesmo tempo a protecção dos bens jurídico-disciplinares, tendo em conta o princípio da proporcionalidade. 9.10. A pena de suspensão, prevista no art.° 25.° n.°1 alínea e) do RDPSP é aplicável ao caso concreto. 10. PROPOSTA DA PENA 10.1. Tendo em conta o disposto no artigo 43.° do Regulamento Disciplinar da Polícia de Segurança Pública, a gravidade dos factos e o seu grau de culpa, que no primeiro caso, consideramos elevada, atendendo ao número e características dos objectos que detinha, sendo que a culpa terá que ser nivelada por cima, em relação a factos, dada a condição de agente de autoridade, proponho a V. Ex.a que ao arguido seja aplicada, nos termos do artigo 25.°, n.°1, alínea e), conjugado com o artigo 46.° , a PENA DISCIPLINAR DE SUSPENSÃO na medida que for mais adequada e justa, não só se fará justiça, como, ao mesmo tempo, se acautelarão as necessidades de prevenção geral e especial. 10.2 Nos termos do artigo 18.° n.°1 do RDPSP, e de acordo com o Quadro Anexo B, Anexo VI, do Estatuto de Pessoal da PSP, aprovado pelo Decreto-Lei n.°299/2009, de 14 de Outubro, a competência para aplicação da pena proposta é da competência de Sua Excelência o Director Nacional da PSP.” Cfr. documento de folhas 153 a 155 do processo administrativo. 17) Pelo Director Nacional da Polícia de Segurança Pública foi em 22 de Outubro de 2014 proferido despacho com o seguinte teor:”1 - Acolho e concordo com o relatório fnal do Sr. Instrutor, elaborado nos termos do n.°1, do artigo 87.° do Regulamento Disciplinar da Polícia de Segurança Pública, aprovado pela Lei n.°7/90, de 20 de Fevereiro (RD/PSP), de fls. 153 a 155, que também mereceu a concordância do Sr. Comandante Metropolitano de Lisboa, de fls. 156. 2 - Está provado no processo disciplinar que o arguido cometeu o crime de detenção de arma proibida, infracção essa que consubstancia: a) A violação do princípio fundamental previsto no artigo 6.° do RD/PSP, com referência ao artigo 86.°, n.°1, alínea d) e n.°2 da Lei n.°5/2006, de 13 de Fevereiro, e artigos 2.°, n.°1, alínea o) e 3.° do mesmo diploma; b) A violação do dever de aprumo, previsto no artigo 16.°, n.°s 1 e2 alínea f) do RD/PSP. 3 - A favor do arguido há a considerar as circunstâncias atenuantes da responsabilidade disciplinar, previstas nas alíneas b) (Bom comportamento anterior), e h) (A boa informação de serviço do superior de que depende), do n.°1 do artigo 52.° do RD/PSP. 4 - Tem como circunstância agravante da responsabilidade disciplinar a constante na alínea f) (Ser a infracção comprometedora do brio, do decoro profissional e prejudicial à ordem ou ao serviço) do n.°1 do artigo 53.° do RD/PSP. 5 - Tendo em conta o artigo 43.° do RD/PSP, onde são enunciados os critérios para a aplicação e graduação concreta das penas disciplinares, temos a considerar os seguintes factores: a) A natureza e gravidade da infracção - A infracção é grave, porque a condenação do arguido pelo crime de detenção de arma proibida afecta a dignidade e o prestígio pessoal e da função; b) A sua categoria - Apesar de ser Agente, já tem cerca de 15 anos de serviço, sendo, por isso, exigível comportamento diverso; c) O seu grau de culpa - É elevado, dada a sua condição de Agente de autoridade; d) A sua personalidade - Até ao cometimento desta infracção não parecia ter uma personalidade propensa ao cometimento de infracções, porque não tem punições; e) O seu nível cultural (12.° ano) - As suas habilitações não pressupõem maior ou menor discernimento para o afastar do cometimento de infracções; f) A todas as circunstâncias que militem contra ou a favor - Tem as atenuantes e a agravante referida nos §3 e 4. 6 - Tudo ponderado, e contabilizadas duas atenuantes e uma agravante, a pena justa a aplicar será de 179 dias de suspensão. 7 - Pelo exposto, aplico ao Agente M/..., B..., do Comando Metropolitano de Polícia de Lisboa, arguido no processo disciplinar nUP2011LSB00717DIS, a pena disciplinar de 179 (cento e setenta e nove) dias de suspensão, prevista nos artigos 25.°, n.°1, alínea e) e 46.°, ambos do RD/PSP. 8 - Notifique-se o arguido e o seu ilustre mandatário, nos termos e para os efeitos dos artigos 89.° e 93.° do RD/PSP e do seu artigo 68.° do Código de Procedimento Administrativo.” Cfr documento de folhas 157 e 158 do processo administrativo. 18) Daquela decisão B... interpôs em 17 de Novembro de 2014 recurso hierárquico para o Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Administração Interna. Cfr. documento de folhas 163 a 192 do processo administrativo. 19) Na Direcção de Serviços de Assessoria Jurídica da Secretaria Geral do Ministério da Administração Interna foi com data de 26 de Janeiro de 2015 elabora o parecer n.°47-FC/2015 no qual se refere designadamente o seguinte:” (...) IV Face ao exposto, formulam-se as seguintes conclusões: 1. O processo disciplinar em que é arguido B..., agente da PSP, não padece de qualquer nulidade ou invalidade, tendo-lhe sido garantido ao arguido o exercício do direito de audiência e defesa. 2. A infracção disciplinar constante do libelo acusatório foi dada como provada tendo o arguido vindo aos autos apresentar a sua defesa que, na parte que impugna a prática destes, não consegue afrontar a materialidade contante dos autos provenientes da prova efectuada em processo-crime. 3 - O acto administrativo punitivo, atendendo ao seu conteúdo, encontra-se devidamente fundamentado de facto e de direito. 4 - Face a todos os elementos constantes dos autos, respeitando a legalidade substantiva e adjectiva aplicável, considera-se adequada, justa e necessária à conduta - gravidade objectiva e subjectiva dos ilícitos disciplinares cometidos - do arguido a pena aplicada pelo Senhor Director Nacional da PSP, motivo pelo qual esta é legítima e isenta de censura. Termos em que, caso Vossa Excelência se digne concordar com o que antecede poderá: - negar provimento ao recurso hierárquico mantendo inalterada a pena aplicada ao agente da PSP B.... - Comunicar o despacho que recair sobre o presente Parecer ao senhor Director Nacional da PSP que notificará o arguido bem como o ilustre mandatário.” Cfr. documento de folhas 208 a 220 do processo administrativo. 20) Em 18 de Fevereiro de 2015 o Secretário de Estado Adjunto da Ministra da Administração Interna profere despacho exarado naquele parecer com o seguinte teor: ”Concordo com os termos e fundamentos do presente parecer. Proceda-se em conformidade. Cfr. folhas 208 do processo administrativo.» (negritos e sublinhados nossos). II.2. De direito Dos erros de julgamento em que incorreu o tribunal a quo ao ter considerado que a aplicação ao Recorrido da pena disciplinar de 179 dias suspensão é desadequada e que não se encontra devidamente fundamentada. Atentemos no discurso fundamentador da decisão recorrida sobre estes concretos aspetos: «(…) Alega o autor que o acto impugnado incorre em violação de lei por violação do princípio da proporcionalidade e por falta de fundamentação da medida da culpa do autor relativamente à violação dos deveres funcionais de que foi acusado. E tem razão. A Constituição estabelece no seu artigo 266.° n.° 2 que “Os órgãos e agentes administrativos estão subordinados à Constituição e à lei e devem actuar, no exercício das suas funções, com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa-fé.” O princípio da proporcionalidade encontra previsão no artigo 268.°, n.° 2, da CRP e, bem assim, no artigo 5.°, n.° 2, do CPA que, densificando a previsão constitucional, estabeleceu que «As decisões da Administração que colidam com direitos subjectivos ou interesses legalmente protegidos dos particulares só podem afectar essas posições em termos adequados e proporcionais aos objectivos a realizar». Aquele princípio da proporcionalidade impõe que a Administração actue de modo adequado, necessário e proporcional em sentido estrito, mas apenas quando se encontre a actuar no exercício de poderes discricionários, não estando por isso vinculada a um único sentido decisório. “O princípio da proporcionalidade da actuação administrativa (...) exige que a decisão seja: - adequada (princípio da adequação): a lesão de posições jurídicas dos administrados tem de revelar-se adequada, apta à prossecução do interesse público visado; necessária (princípio da necessidade): a lesão daquelas posições tem que se mostrar necessária ou exigível (por qualquer outro meio não satisfazer o interesse público visado); proporcional (princípio da proporcionalidade em sentido estrito): a lesão sofrida pelos administrados deve ser proporcional e justa em relação ao benefício alcançado para o interesse público (proporcionalidade custo/benefício).” A suspensão do ora autor por 179 dias é apta, em abstracto, a prosseguir o interesse público de o agente prosseguir com a sua conduta individual no sentido de dignificar e prestigiar o seu exercício de funções enquanto agente da PSP. Não se vê é a razão pela qual os 179 dias de suspensão são em concreto necessários para satisfazer aquele interesse público visado. O artigo 25.° do Regulamento Disciplinar da Polícia de Segurança Pública com a epígrafe “penas disciplinares” estatui, no n.°1, o seguinte:”1- As penas aplicáveis aos funcionários e agentes com funções policiais que cometerem infracções disciplinares são: a) Repreensão verbal; b) Repreensão escrita; c) Multa até 30 dias; d) Suspensão de 20 a 120 dias; e) Suspensão de 121 a 240 dias; f) Aposentação Compulsiva; g) Demissão.” Ora, o ora autor é agente da PSP desde 1999. Está provado que B... é agente da Polícia de Segurança Pública - Agente 3..., do efectivo da 3.ª Divisão policial, tendo sido alistado em 11 de Outubro de 1999. E no seu registo biográfico inexistem registos de prévias punições disciplinares. Está provado que em 3 de Maio de 2012 do seu registo biográfico nada constava em “Penas Disciplinares e Sanções acessórias”. Está também provado que as referências do directo superior hierárquico do autor são positivas e favoráveis no que ao seu desempenho profissional dizem respeito. Está ainda provado que com data de 7 de Janeiro de 2014 foi pelo Chefe do Núcleo de Apoio Geral do Comando Metropolitano de Lisboa da Polícia de Segurança Pública prestada a seguinte informação: ”Relativamente à Comunicação de Serviço de referência, informo V. Ex.a que o Agente n.°M/..., B..., colocado no NAG-S. Correspondência. É um elemento assíduo, tem capacidade de relacionar-se de forma salutar em equipa, pelo que julgo beneficiar da circunstância da alínea h), n.°1 do Art.° 52.° do Regulamento Disciplinar da Polícia de Segurança Pública, aprovado pela Lei n.°7/90, de 20 de Fevereiro.” Está também provado que a infracção em causa não teve lugar no âmbito do exercício e desempenho das suas funções enquanto agente policial. A infracção pela qual o autor foi sancionado disciplinarmente prende-se com a detenção no quarto onde dormia de 2 armas para as quais não tinha licença de uso e porte e não com o concreto e efectivo desempenho das funções policiais. Está provado que o ora autor tinha no seu quarto 2 armas de descarga eléctrica, ambas com a função de produzir descargas eléctricas para neutralização temporária da capacidade motora humana para as quais não dispunha de licença de uso e porte. E está provado que o ora autor foi, por isso, condenado pela prática do crime de detenção de arma proibida em pena de multa. Não se provou contudo, nem tal constava da acusação, que tais armas tenham alguma vez saído do quarto do ora autor, nem que tenham sido usadas por este. Muito menos no exercício de funções policiais. Pelo que se o Tribunal Criminal entendeu punir o ora autor com pena de multa, não se vê porque é que em termos disciplinares se agravou a medida da pena para a suspensão do exercício de funções (policiais) mais grave (quando os factos em causa nem ocorreram no exercício de funções policiais nem está provado que tenham afectado o concreto desempenho de tais funções). Não está assim demonstrada a necessidade daquela concreta pena disciplinar. Razão porque há que concluir pela violação do princípio da proporcionalidade. A violação de tal princípio pelo acto impugnado inquina-o com o vício de violação de lei, que é fundamento para a anulação daquele acto nos termos do artigo 135.° do CPA (então em vigor). (…)».
Contra tal entendimento insurge-se o Recorrente Ministério da Administração Interna (MAI), alegando, em suma, que «(…) 5. Ao contrário do que foi decidido e considerando o teor do artigo 46° do RDPSP, a escolha da pena disciplinar de 179 dias suspensão além de ter sido adequada, encontra-se devidamente fundamentada. 6. Com efeito, o Recorrido foi condenado pela prática de um crime de detenção de arma proibida, conduta esta que se integra no leque daquelas que revelam por parte do agente infrator negligência grave, acentuado desinteresse pelo cumprimento de deveres profissionais sem esquecer que afetou gravemente a dignidade e prestigio pessoal bem como o prestigio “|L.) da função (...)”x 7. Tal como é referido no Relatório Final Na dosimetria da pena a aplicar há que observar-se os critérios do artigo 43°do RDPSP. Começando então por referir; Primeiramente, do ponto de vista da proteção dos bens jurídicos atingidos, podemos focar-nos que a simples detenção, possa por em causa os valores da ordem, segurança e tranquilidade públicas, além de se valorar negativamente o facto de ser agente de autoridade, sobre quem recaem especiais deveres de cumprimento da lei, sobretudo quanto em matéria de detenção de armas ou objectos típico do cometimento de crimes (…)”- Cfr artigo 46.°, do RDPSP. 8. Sendo que, quanto “ (...) à natureza e gmvidcule da infração, atendendo à características e quantidade de armas que o arguido detinha, devem considerar-se elevada, até porque na sociedade se verifica uma proliferação de armas proibidas, -flagelo que a PSP, tem vindo a combater deforma enérgica (...)” 9. Acresce que, no que se refere à determinação da medida da pena disciplinar a aplicar, mais foi considerado que “(...) importa desde logo ter em conta todo o enquadramento dos acontecimentos, as circunstâncias em que ocorreram, todo o percurso profissional do arguido ...” devendo as “...penas disciplinares...” ser “ ...aplicadas com um fim e sentido pedagógicos e com uma finalidade corretiva, educativa e simultaneamente assegurar a prevenção, visando ao mesmo tempo a proteção dos bens jurídico-disciplinares, tendo em conta o principio da proporcionalidade (...)” 10. Incorre, também, o Douta Sentença Recorrida em erro ao concluir que nao está demonstrada a necessidade daquela concreta pena disciplinar, porquanto: 10.1. a infração em causa não teve lugar no âmbito do exercício e desempenho das suas funções enquanto agente policial; 10.2. não se provou que tais armas tenham alguma vez saído do quarto do ora autor, nem que tenham sido usadas por este. Muito menos no exercício de funções policiais; e 10.3. se o Tribunal Criminal entendeu punir o autor com pena de multa, não se vê porque é que em termos disciplinares se agravou a medida da pena para a suspensão para o exercício de funções. Pois, 11. Sobre o Recorrido, enquanto agente de autoridade, recaem especiais deveres de cumprimento da lei, principalmente quando está em causa a detenção de armas, 12. Esteja ou não no exercício das suas funções, tal como decorre do dever de aprumo, o qual “(...) consiste em assumir, no serviço e fora dele, princípios, normas, atitudes e comportamentos que exprimam, reflictam e reforcem a dignidade da função policial e o prestígio da corporação cfr. artigo 16.°n .° 1, do RDPSP. 13. No que concerne ao facto de o Tribunal Criminal ter condenado o Recorrido em multa em nada releva para efeitos da determinação da pena disciplinar, 14. Dada a autonomia existente no nosso ordenamento jurídico entre o ilícito criminal e o ilícito disciplinar - que o mesmo é dizer, entre o processo criminal e o processo disciplinar - persistindo em cada um deles uma capacidade autónoma de apreciação e valoração dos mesmos factos. (…)». Desde já se adianta que não se acompanha a decisão recorrida. Vejamos porquê.
No procedimento disciplinar considerou-se que se verificava violação do princípio fundamental de acatamento das leis, previsto no art. 6.º do RD/PSP, aprovado pela Lei n.º 7/90, de 20.02. -, com referência ao art.86.º n.º 1, alínea d) e n.º 2 da Lei n.º 5/2006, de 23.02. – que aprovou o novo regime jurídico das armas e suas munições- ao dispor que «1 - Quem, sem se encontrar autorizado, fora das condições legais ou em contrário das prescrições da autoridade competente, detiver, transportar, exportar, importar, transferir, guardar, reparar, desativar, comprar, adquirir a qualquer título ou por qualquer meio ou obtiver por fabrico, transformação, importação ou transferência, usar ou trouxer consigo: (…) d) Arma branca dissimulada sob a forma de outro objeto, faca de abertura automática ou ponta e mola, estilete, faca de borboleta, faca de arremesso, cardsharp ou cartão com lâmina dissimulada, estrela de lançar ou equiparada, boxers, outras armas brancas ou engenhos ou instrumentos sem aplicação definida que possam ser usados como arma de agressão e o seu portador não justifique a sua posse, as armas brancas constantes na alínea ab) do n.º 2 do artigo 3.º, aerossóis de defesa não constantes da alínea a) do n.º 7 do artigo 3.º, armas lançadoras de gases, bastão, bastão extensível, bastão elétrico, armas elétricas não constantes da alínea b) do n.º 7 do artigo 3.º, quaisquer engenhos ou instrumentos construídos exclusivamente com o fim de serem utilizados como arma de agressão, artigos de pirotecnia, exceto os fogos-de-artifício das categorias F1, F2, F3, T1 ou P1 previstas nos artigos 6.º e 7.º do Decreto-Lei n.º 135/2015, de 28 de julho, e bem assim as munições de armas de fogo constantes nas alíneas q) e r) do n.º 2 do artigo 3.º, é punido com pena de prisão até 4 anos ou com pena de multa até 480 dias; (…) 2 - A detenção de arma não registada ou manifestada, quando obrigatório, constitui, para efeitos do número anterior, detenção de arma fora das condições legais.» -, por sua vez, com referência ao art. 2.º, n.º 1, alínea o) e art. 3.º do mesmo diploma, ao disporem que «(…) Para efeitos do disposto na presente lei e sua regulamentação, entende-se por: 1 - Tipos de armas: (…) o) «Arma elétrica» todo o sistema portátil alimentado por fonte energética e destinado unicamente a produzir descarga elétrica momentaneamente neutralizante da capacidade motora humana, não podendo ter a configuração de arma de fogo ou dissimular o fim a que se destina;(…) Artigo 3.º - Classificação das armas, munições e outros acessórios (…)», e a violação do dever de aprumo, previsto no art. 16.º, n.ºs 1 e 2, alínea f) do RD/PSP, no sentido de que «(…) 1 - O dever de aprumo consiste em assumir, no serviço e fora dele, princípios, normas, atitudes e comportamentos que exprimam, reflictam e reforcem a dignidade da função policial e o prestígio da corporação. 2 - No cumprimento do dever de aprumo deverão os funcionários e agentes da PSP: (…) f) Não praticar, no serviço ou fora dele, acções contrárias à ética, à deontologia funcional, ao brio ou ao decoro da corporação;(…)».
Sendo que a pena aplicada foi fundamentada, por remissão, nos seguintes termos – cfr. factos 19 e 20 da matéria de facto -: «(…) Na dosimetria da pena a aplicar há de observar-se os critérios do artigo 43.g do RDPSP. Começando então por referir, primeiramente, do ponto de vista de protecção dos bens jurídicos atingidos, podemos focar- nos que a simples detenção, possa pôr em causa os valores da ordem, segurança e tranquilidade públicas, além de que se valorar negativamente o facto de ser agente de autoridade, sobre quem recaem especiais deveres de cumprimento da lei, sobretudo quanto em matéria de detenção de armas ou objectos típicos de cometimento de crimes (...) Quanto à natureza e gravidade da infracção, atendendo às características e quantidade de armas que o arguido detinha, deverá considerar-se elevada, até porque na sociedade se verifica uma proliferação de armas proibidas, flagelo que a PSP, tem vindo a combater de forma enérgica. A culpa terá que ser balizada por cima da ilicitude dos factos, por se entender que os funções do arguido fazem recair sobre si um juízo de censura acrescido (...) Não se verifico qualquer causa que justifique a ilicitude do arguido, ou da exclusão da culpo (...) Tendo em conta o disposto no artigo 43.º do Regulamento Disciplinar da Polícia de Segurança Público, o gravidade dos factos e o seu grau de culpa, que no primeiro caso, consideramos elevada, atendendo ao número e características dos objectos que detinha, sendo que a culpa terá de ser nivelada por cima, em relação aos factos, dada a condição do agente de autoridade (...)» assim concluindo que deveria ser aplicada, nos termos do art. 25.º, n.º 1, alínea e), conjugado com o art. 46.º , do referido RD-PSP, a pena disciplinar de suspensão, tendo em consideração não só as invocadas circunstâncias atenuantes, mas também as seguintes circunstâncias agravantes – cfr. factos 19 e 20 idem - «(...) A infracção é grave, porque a condenação do arguido pelo crime de detenção de arma proibida afecta a dignidade e o prestígio pessoal e da função (...) A sua categoria - Apesar de ser Agente, já tem cerca de 15 anos de serviço, sendo, por isso, exigível comportamento diverso (...) o seu grau de culpa - É elevado, dada a sua condição de Agente de autoridade (…)». Assim como por se ter concluído que a atuação do Recorrido era manifestação de uma conduta eivada de «(...) negligência grave, acentuado desinteresse pelo cumprimento dos deveres profissionais (...) sem esquecer que afetou (...) gravemente a dignidade e prestígio pessoal (...) bem como o prestígio da função" (...), "pondo em causa os valores da ordem, segurança e tranquilidade públicas, e o facto de ser agente de autoridade, sobre quem recaem especiais deveres de cumprimento da lei, sobretudo em matéria de detenção de armas ou objetos típicos do cometimento dos crimes".».
A Administração Pública goza de larga margem de valoração das provas, apenas incumbindo ao controlo judicial, em matéria probatória, os casos de erro manifesto de apreciação e o desvio de poder no âmbito da discricionariedade volitiva, conforme é jurisprudência dominante, mostrando-se devidamente ponderado e fundamentado o ato impugnado. Sobre a proporcionalidade devida na aplicação de sanções disciplinares e os correspondentes limites de apreciação impostos às decisões jurisdicionais que recaiam sobre tal juízo, veja-se, por todos, o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 25.02.2016, P.0541/15 (1), cuja doutrina é inteiramente aplicável ao caso em apreço: «(…) Este princípio, no âmbito do processo disciplinar, diz respeito à adequação da pena imposta à gravidade dos factos reputados como ilícitos, constituindo, por isso, um limite interno ao poder discricionário da Administração na fixação da medida concreta da pena disciplinar. Sendo que, como resulta do acórdão do STA de 03.11.2004, processo n.º 0329/04 «os tribunais não podem substituir-se à Administração na fixação concreta da pena, pelo que a graduação da pena disciplinar, não sendo posta em causa a qualificação jurídico-disciplinar das infrações, não é contenciosamente sindicável, salvo erro grosseiro ou manifesto, ou seja, se a medida da pena for ostensivamente desproporcionada, uma vez que tal atividade se insere na chamada atividade discricionária da Administração»”. Neste mesmo sentido, decidiu-se no proc. n.º 0412/05 de 16/02/2006 deste STA: “...Em todo o caso, sempre anuiremos que a graduação da sanção disciplinar de suspensão, dentro dos limites legalmente estabelecidos, é uma actividade incluída na discricionariedade imprópria (justiça administrativa), podendo sofrer os vícios típicos do exercício do poder discricionário, designadamente o desrespeito pelo princípio da proporcionalidade, na sua vertente da adequação (Ac. do STA, de 3/11/2004, Proc. nº 0329/04). Contudo, nas hipóteses em que a medida tomada se situa dentro de um círculo de medidas possíveis, deve considerar-se proporcionada e adequada aquela de que a Administração se serviu (Esteves de Oliveira e outros, in Código de Processo Administrativo anotado, pags. 1904/105; tb. cit. Ac. do STA de 3/11/2004). Assim, perante todo o circunstancialismo factual apurado, e não se nos deparando qualquer erro manifesto na dosimetria concreta da pena, não vemos como possa afirmar-se a violação dos princípios da proporcionalidade e adequação ou, tão-pouco, que a pena pudesse, subsidiariamente, ser outra.” Não cabe, pois, ao tribunal, em princípio, apreciar a medida concreta da pena aplicada a não ser em caso de erro manifesto e grosseiro ou seja, apenas quando a medida aplicada se situa fora de um círculo das medidas possíveis aplicáveis ao caso concreto. É que, desde que a medida tomada pela Administração se situe dentro de um círculo de medidas possíveis, e com isto quer-se dizer aquela amplitude de medidas que seriam suscetíveis de se poderem considerar ajustadas à situação, deve considerar-se que a escolhida pela administração é a que melhor defende o interesse público por essa ser uma tarefa da Administração que se insere na chamada discricionariedade técnica ou administrativa. Pelo que, só no caso concreto é que se pode fixar qual o alcance invalidante da exigência constitucional e legal da proporcionalidade, ou seja, se a pena aplicada é adequada à gravidade dos factos apurados, de modo que a pena seja idónea aos fins a atingir, e a menos gravosa para o arguido, em decorrência ou emanação também do princípio da intervenção mínima ligado ao princípio do "favor libertatis". Isto é, aferir se aquela medida que foi aplicada é uma daquelas que se devem aceitar como possíveis dentro do que é adequado ao caso concreto. (…)».
Atento todo o exposto, imperioso se torna concluir que não se verificou a falta de fundamentação apontada pelo tribunal a quo, tendo as razões da aplicação da pena de suspensão sido abundantemente explicitadas na fundamentação do ato impugnado, assim como não se nos afigura existir erro grosseiro sobre os pressupostos de facto e de direito na aplicação da pena disciplinar concretamente aplicada, nem se verifica desproporcionalidade da mesma relativamente à conduta demonstrada, atendendo às funções de agente de autoridade desempenhadas pelo Recorrido.
Nestes termos, e face a todo o exposto, imperioso se torna conceder provimento ao recuso.
III. Decisão Pelo exposto, acordam os juízes da secção do contencioso administrativo deste Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso, revogar a decisão recorrida e julgar a ação improcedente.
Custas pelo Recorrido.
Lisboa, 18.02.2021. ____________________________ Dora Lucas Neto * A relatora consigna e atesta, que nos termos do disposto no art. 15.°- A do Decreto-Lei n.° 10- A/2020, de 13.03., aditado pelo art. 3.° do Decreto-Lei n.° 20/2020, de 01.05., têm voto de conformidade com o presente acórdão os senhores magistrados integrantes da formação de julgamento, os Senhores Desembargadores Pedro Nuno Figueiredo e Ana Cristina Lameira. ---------------------------------------------------------------------------------------------------- (1) Disponível em www.dgsi.pt |