Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 01661/07 |
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Secção: | CT - 2.º JUÍZO |
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Data do Acordão: | 05/22/2007 |
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Relator: | LUCAS MARTINS |
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Descritores: | SISA -TRANSMISSÃO DO DIREITO DE PROPRIEDADE - TRANSMISSÃO DA POSSE - PROMESSA DE COMPRA E VENDA -PERMUTA DE BENS IMÓVEIS |
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Sumário: | 1. Nos termos conjugados dos art.ºs 874.º e 875.º, do CC, resulta evidente que a compra e venda, realizada por escritura pública, enquanto formalidade “ad substantiam” de tal negócio, de bens certos e determinados, transfere, de imediato e por si só, o direito de propriedade do vendedor para o comprador. 2. Do mesmo modo, nos termo do art.º 807.º, do CC, a transferência da propriedade não implica, necessariamente, a transmissão da posse para o comprador, mas apenas a obrigação de a vir a transferir, obviamente se outras circunstâncias posteriores não conduzirem à solução inversa. 3. Portanto, formalizado que foi o negócio de compra e venda de bem certo e determinado transmitiu-se, de imediato, a propriedade do mesmo, para a recorrente, enquanto compradora, pelo que, como é axiomático, é ela a responsável pelo pagamento do imposto devido e apurado, a final, em resultado da avaliação a que o bem foi sujeito. |
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Aditamento: | ![]() |
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Decisão Texto Integral: | - A..., com os sinais dos autos , por se não conformar com a decisão proferida pela Mm.ª juiz do TAF de Almada e que lhe julgou improcedente a presente impugnação judicial contra a liquidação de Sisa , na importância de € 6.499,44, dela veio interpor recurso formulando , para o efeito , as seguintes conclusões; 1 – A recorrente não concorda com a decisão proferida pelo Tribunal a quo porquanto a mesma não tem em conta a efectiva realidade do caso sub judice. 2 – Com efeito, a recorrente reconheceu desde sempre ter celebrado escritura de compra e venda do terreno em causa, mas fê-lo por erro. 3 – Descoberto o erro, foram trocados os bens entre as duas compradores com vista a adequar a realidade formal à material. 4 – E isto porque a recorrente nunca tomou posse de um terreno que não era seu, não exerceu quaisquer poderes de facto sobre o mesmo. 5 – A prova produzida permitiu ilidir a presunção de que houve transmissão do bem uma vez que não houve tradição do mesmo, como se provou. 6 – A tradição é um efeito essencial da compra e venda que, não se verificando, impede que a mesma possa ser considerada completa, como é o caso dos autos. 7 – Por não ter havido tradição do bem, e porque a actuação das partes, como supra se explicou – com a apresentação da mod. 129, com assinatura de contrato promessa de compra e venda e posterior permuta do bem – assim o conforma, foi ilidida judicialmente a transmissão do bem. 8 – E não havendo transmissão do bem, não há lugar a liquidação de qualquer sisa adicional pelo que a mesma é ilegal. - Conclui que , pela procedência do recurso , se revogue a decisão recorrida , com arquivamento da execução. - Não houve contra-alegações. - O EMMP , junto deste Tribunal , emitiu o douto parecer de fls. 193 pronunciando-se , a final , no sentido de ser negado provimento ao recurso já que tendio sido celebrado contrato de compra e venda , por escritura pública , se transmitiu a propriedade do bem , independentemente da posterior permuta do mesmo , pelo que a recorrente é responsável pelo imposto resultante de avaliação do imóvel enquanto o mesmo se manteve na sua titularidade. ***** - Colhidos os vistos legais , cabe DECIDIR. - A sentença recorrida , com suporte na prova documental carreada para estes autos e para a constante do processo administrativo apenso , e referenciada nas distintas e subsequentes alíneas , deu , por provada , a seguinte; - MATÉRIA DE FACTO - A). A impugnante adquiriu por escritura pública outorgada em 26/05/1999, pelo preço de Esc. 2.875.000 uma parcela de terreno para construção com área de 2.490 m2, omisso na matriz, prédio a desanexar do descrito na 1.ª Conservatória do registo predial de Setúbal sob o n.º 33.146 (Cfr. documento a fls. 25 e 26 dos autos, cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido para todos os efeitos legais). B). Em 25/05/1999 foi apresentada a declaração para efeitos de liquidação de Sisa no Serviço de Finanças de Setúbal 2, com base no preço declarado de Esc. 2.875.000, tendo sido pago imposto de Sisa no montante de € 1.434,04 (Cfr.documento a fls. 63 do processo de reclamação graciosa apenso). C). O prédio mencionado em A). foi objecto de procedimento de avaliação n.º 329/1999, nos termos do disposto nos art.ºs 96.º e 97.º do CIMSISSD, no âmbito do qual foi atribuído o valor patrimonial de € 74.520,04 (Cfr. documento a fls. 62 e ss do processo de reclamação graciosa apenso). D). Na sequência da avaliação mencionada na alínea anterior foi liquidado adicionalmente, em 03/09/2003, imposto de Sisa no montante de € 6.499,44 e imposto de selo no montante de € 481,44 (Cfr. documento a fls. 65 do processo de reclamação graciosa apenso). E). A impugnante foi notificada da liquidação mencionada na alínea anterior em 03/09/2002, para efectuar o pagamento do imposto no prazo de 30 dias a contar desta data (Cfr. documento a fls. 66 e 67 do processo de reclamação graciosa apenso). F). Em 09/01/2003 a impugnante apresentou reclamação graciosa da liquidação mencionada na alínea anterior (Cfr. documento a fls. 2 e ss do processo de reclamação graciosa apenso). G). A reclamação mencionada na alínea anterior foi indeferida por despacho do Chefe do Serviço de Finanças de Setúbal datado de 20/08/2003 (Cfr. documento a fls. 83 do processo de reclamação graciosa apenso). H). A impugnante recebeu o ofício que a notifica do despacho mencionado na alínea anterior em 29/08/2003 (Cfr. documento a fls. 84 e 85 do processo de reclamação graciosa apenso). I). Em 30/09/1999 a impugnante outorga escritura de permuta do lote mencionado em A). por um prédio rústico descrito na Conservatória do registo predial de Setúbal sob o n.º 33.146, do qual aquele havia sido destacado (Cfr. documentos de fls. 34 e 35 dos autos, cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido para todos os efeitos legais). J). A impugnação foi apresentada em 16/09/2003 (Cfr. fls.2 dos autos). ***** - ENQUADRAMENTO JURÍDICO - - A questão decidenda consiste em saber se a decisão recorrida padece de ilegalidade ao ter dado cobertura à actuação da AF , quando liquidou adicionalmente , à recorrente , Sisa decorrente da avaliação efectuada a um imóvel objecto de uma escritura de compra e venda em que , aquela , outorgou como compradora , em virtude , como alega , tal formalizado negócio jurídico correspondeu a um equívoco na identificação do bem objecto do mesmo , o que motivou que , posteriormente , se tivesse procedido a uma permuta de bens imóveis , no sentido de fazer coincidir a realidade formal com a substancial , sem que , para a recorrente , se tenha dado a tradição daquele primeiro , objecto da liquidação ora em causa; e , daqui , extrapola que , por nunca ter tomado posse do referido bem , em resultado de tradição necessária como efeito essencial da compra e venda , pelo que considera estar ilidida a presunção da transferência , para si , da propriedade do dito imóvel , em resultado da aludida escritura de compra e venda , não sendo , por isso , devida qualquer Sisa. - Enunciada a questão decidenda , desde já se pode afirmar como patenet a sem razão da recorrente. - O revogado Código da Sisa , que ninguém dissente ser o diploma legal a considerar tendo em linha de conta a data do facto tributário (1999) , dispunha , no seu art.º 2.º , que aquele imposto incidia sobre as transmissões , a título oneroso , do direito de propriedade , ou de figuras parcelares desse direito , referentes a bens imóveis. - Por seu turno , os §§ 1.º e 2.º desse mesmo normativo , elencavam , depois , uma série de situações que , nos termos do referido Código , eram havidas como transferência de propriedade imobiliária para efeitos de tributação em sede de Sisa , entre as quais e ao que , aqui , agora nos importa , se englobavam as promessas de compra e venda ou de permuta de bens imóveis , logo que verificada a tradição para os promitentes comprador ou permutante , ou quando eles estivessem já a usufruir dos bens. - O que daqui ressalta logo , à evidência , é que o Código da Sisa , para efeitos de tributação , considerou como actos adequados à transferência do direito de propriedade sobre bens imobiliários , e como bens imobiliários , não apenas os como tal considerados pela lei civil , mas também os que elenca naqueles mencionados §§ e que caem no âmbito da previsão daquela , ou seja e dito de outra forma , o Código da Sisa , ao não considerar como esgotados nos conceitos dados pela lei civil , o que eram bens imóveis e quais os actos adequados á transferência da respectiva titularidade , não criou no entanto e a tal respeito , conceitos novos e diferentes daqueles e , do mesmo passo , deles excludentes. - Por isso que , se do ponto de vista da lei civil , se tiver de considerar como transferido o direito de propriedade , sobre um bem imóvel , mediante uma contraprestação a título de preço , obviamente que se não pode deixar de concluir que tal negócio jurídico se caía no âmbito de aplicação das regras de incidência real do CSisa; Questão diversa é a de um hipotético negócio que , não sendo de qualificar como de transferência de propriedade imobiliária imobiliária , a título oneroso , à luz da lei civil , ser , cair , no entanto e ainda assim , na mencionada regra de incidência real , questão que, no entanto , aqui não cabe ponderar , já que a situação factual controvertida não lhe é subsumível. - Ora , estando concretizada a escritura pública de compra e venda do imóvel , relativamente ao qual foi liquidada a Sisa adicional impugnada em resultado de avaliação a que o mesmo foi sujeito , e sendo intocável a validade substancial de tal negócio jurídico, não se vislumbra , sequer , como é possível sustentar a tese da recorrente. - De facto , nos termos conjugados dos art.ºs 874.º e 875.º do CC resulta evidente que , a compra e venda , realizada por escritura pública , enquanto formalidade “ad substantiam” de tal negócio , de bens certos e determinados , transfere , de imediato e por si só , o direito de propriedade ao mesmo , do vendedor para o comprador. - Do “(...) artigo 874.º resulta claramente a atribuição ao contrato de natureza real, e não apenas obrigacional, (...). Trata-se da concepção já tradicional entre nós (...) segundo a qual a transmissão da coisa (ou hoje do direito) tem por causa o próprio contrato, mesmo que por circunstâncias várias, possa o objecto ficar dependente de determinação, se se trata de coisa futura, ou haja reserva de propriedade.”(1). - Daí que , como resulta do art.º 807.º do CC , a transferência da propriedade não implique a transferência imediata da coisa para o comprador , mas apenas a obrigação de a vir a transferir , obviamente se outras circunstâncias posteriores não conduzirem à solução inversa como seja , por exemplo e màxime , o caso de resolução do contrato precisamente por falta de entrega da coisa comprada. - Citando, uma vez mais , os mestres já acima parcialmente transcritos “ a transmissão da propriedade não importa , necessariamente , a transmissão da posse.Esta, para que seja adquirida pelo comprador, tem de fundar-se em alguns dos factos referidos no art.º 1263.º , designadamente na tradição material ou simbólica da coisa (...). Ao lado da sua natureza real,a compra e venda tem também natureza obrigatória ou obrigacional, pois fica o vendedor, por um lado, obrigado a entregar a coisa (...) e o comprador, por outro, a pagar o preço (...).A transmissão de propriedade não fica, porém, (...), dependente do cumprimento destas obrigações, embora em alguns casos, o não cumprimento possa dar lugar à possibilidade de resolução do contrato.”(29. - Portanto , formalizado que foi o negócio de compra e venda de bem certo e determinado , no caso vertente , transmitiu-se , de imediato , a propriedade do mesmo para a recorrente , enquanto compradora , pelo que , como é axiomático , é ela a responsável pelo pagamento do imposto devido e apurado a final em resultado da avaliação a que o bem foi sujeito. - A ter ocorrido erro no objecto negocial determinante para a respectiva concretização , o que a recorrente deveria ter feito era obter a respectiva anulação em sede civil e , subsequentemente , solicitar a restituição da Sisa , com fundamento de indevidamente paga , a coberto do preceituado no art.º 179.º do revogado CSisa; Ao invés, o procedimento referenciado na sentença , na tentativa de fazer coincidir a realidade substancial com a formal , o que acaba é por consubstanciar dois actos de transmissão de bens imobiliários. - E , ao invés do que sustenta a recorrente , como bem se disse na sentença recorrida e decorre do que acima referimos , a ocorrência , ou não , da tradição do bem objecto da escritura pública referenciada em A). do probatório para a recorrente é absolutamente irrelevante á sujeição a Sisa do negócio titulado por tal escritura. - A tradição , em termos civis , não passa de uma forma de aquisição derivada da posse , na dupla e indispensável componente de “corpus” e “animus” , quando o que aqui está em causa , não é a transferência da posse do bem , posse essa que , enquanto tal , se pode reportar a quaisquer direitos reais de gozo , mas antes e apenas a transmissão do direito real de propriedade , independentemente de tal direito comportar , como princípio, o direito do proprietário usar , fruir e dispor de modo exclusivo do bem a que corresponde aquele referido direito de propriedade (rt.º 1.305.º do CC)(3). - Por isso que , por força da natureza real do contrato de compra e venda devidamente formalizado e aqui em causa , se tem de ter por transmitido , de imediato e por força do mesmo , para a recorrente , a propriedade do bem objecto do mesmo , independentemente da respectiva tradição , questão que , por isso , não importa aqui indagar , uma vez verificados todos os pressupostos exigidos pela regra de incidência e , designadamente , entrar em linha de consideração com qualquer presunção que pudesse ter sido ilidida , já que , consistindo as presunções nas ilações que a lei , ou o julgador , extraem de factos conhecidos para firmarem factos desconhecidos (cfr. art.º 349.º do CC) , não estamos , reafirma-se , perante qualquer presunção susceptível de ser ilidida , quando se afirma a transferência da propriedade por mero efeito do contrato , devidamente formalizado , de compra e venda uma vez que é a lei que estipula , como , necessário , certo e inquestionável , esse mesmo efeito , pelo que inexiste qualquer facto desconhecido que importe firmar. - Por consequência , reafirma-se a total improcedência das conclusões de recurso , na esteira , aliás , do discurso jurídico e da decisão que , em consequência , se tomou , na sentença recorrida que , aqui se acolhe. ***** - D E C I S Ã O - - Nestes termos acordam ,os juizes da secção de contencioso tributário do TCAS , em negar provimento ao recurso , assim se conformando a decisão recorrida que , nessa medida , se mantém na ordem jurídica. - Custas pela recorrente fixando-se a taxa de justiça em quatro (4) UC’s. LISBOA, 22/05/2007 LUCAS MARTINS PEREIRA GAMEIRO VALENTE TORRÃO (1) Cfr. Código Civil anotado dos Porfs. Pires de Lima e A. Varela , vol. II , 118; No mesmo sentido , ainda que no domínio da legislação anterior , cfr. Cunha Gonçalves , Dos Contratos em Especial , 256/257. (2) Obra cit. , 123. (3) Cfr. , por todos , “A Posse” do Prof. M. Rodrigues e e Dt.ºs. Reais , Lições do Curso de 66/67 , do Prof. Henrique Mesquita . designadamente a fls. 65 e segs.. |