Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:446/16.2BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:02/06/2025
Relator:CRISTINA COELHO DA SILVA
Descritores:IRS
SEGUROS VIDA
RESGATE
Sumário:I– Determina o ponto 3 da alínea b) do n.º 3 do art.º 2.º do CIRS, que as importâncias despendidas pela entidade patronal com a constituição a favor dos seus trabalhadores de seguros de vida, ficarão sujeitas a tributação em sede de Categoria A de IRS, se os mesmos forem objeto de resgate antecipado pelos beneficiários.
II– No caso como o dos autos, para aferir da existência de antecipação do resgate de tais seguros, torna-se essencial, conhecer a opção efetuada pelo beneficiário no momento da adesão.
Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção Tributária Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Subsecção Comum da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul







I – RELATÓRIO


C........, com demais sinais nos autos, deduziu impugnação judicial contra o ato de indeferimento da reclamação graciosa deduzida contra as retenções na fonte realizadas pela sociedade “G........, S.A.”, referentes à apólice n.º …..1, respeitantes a rendimentos das categorias A e E de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“IRS”), auferidos no ano de 2013, no valor de € 63.336,64.



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O Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, por decisão de 18 de Outubro de 2023, julgou parcialmente procedente a impugnação, na parte respeitante aos rendimentos da Categoria “E”, e improcedente no mais.



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Inconformado com a decisão, o Recorrente interpôs recurso da mesma tendo formulado as seguintes conclusões:


“CONCLUSÕES


a) Entendeu-se na Douta Sentença sob escrutínio que a pretensão do ora Recorrente não era merecedora de provimento e para se decidir como se decidiu albergou-se a Douta Sentença totalmente em Douto Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, a que diz aderir integralmente e sem reservas o que, salvo o devido respeito por quem assim não pensa, resultou numa decisão incorrecta.


b) A aceitar-se como boa a tributação/retenção na fonte efectuada tal enferma de erro na interpretação e aplicação do vertido no artigo 2º do CIRS ao concluir pela tributação como rendimentos do trabalho os valores em causa, isto atento o consagrado no artigo 2º, nº 3, alínea b), nº 3 do CIRS.


c) Pois que no presente caso não só o segurado era a ZZZ na data da constituição do fundo, ou seja, uma entidade distinta da entidade patronal, como nenhum dos demais requisitos constantes daquele normativo se encontram preenchidos para a sujeitar a tributação, conclusão esta que nem pode sair beliscada pelo facto de a WWW se ter, posteriormente, em 1994, assumido como segurada, porque deste mesmo modo o exercício do direito dependeria, ou decorreria, do vínculo laboral, continuando a não constituir um direito adquirido do trabalhador, ora Recorrente, nem a contemplar a possibilidade de antecipação uma vez que não se verifica a possibilidade de antecipação do resgate antes de preenchidas as condições previstas no contrato.


d) O Recorrente ao atingir as condições previstas no contrato resgatou a parte que lhe cabia no aludido fundo mas se a resgatou nessa altura era aquela em que efectivamente o podia resgatar sem que houvesse uma antecipação de qualquer recebimento.


e) Como resulta do contrato, o recebimento era para ser colhido quando se encontrassem preenchidos os respectivos pressupostos apenas se devendo considerar antecipação se o Recorrente o tivesse feito antes, o que aquele não fez.


f) O preceito em apreciação, embora de leitura difícil, permite identificar duas situações matriz, a saber: I) A de direitos adquiridos e individualizados; II) A de não existência de direitos adquiridos e individualizados mas em que existe resgate, adiantamento, remição ou qualquer outra forma de antecipação da correspondente disponibilidade.


g) A acrescer a estes dois segmentos surge, efectivamente, o trecho que refere: «ou, em qualquer caso, de recebimento em capital, mesmo que estejam reunidos os requisitos exigidos pelos sistemas de segurança social obrigatórios aplicáveis para a passagem à situação de reforma ou esta se tiver verificado.»


h) Sucede que este trecho complementa os dois segmentos anteriores sendo tal o que resulta da expressão « em qualquer caso», querendo isto dizer que o mesmo não é autónomo como que valendo de per se.


i) O referido trecho legislativo só admite a seguinte interpretação/leitura:

I) As importâncias despendidas, obrigatória ou facultativamente, pela entidade patronal com seguros e operações do ramo «Vida», contribuições para fundos de pensões, fundos de poupança-reforma ou quaisquer regimes complementares de segurança social, desde que constituam direitos adquiridos e individualizados dos respectivos beneficiários e em que haja recebimento de capital;

II) Não constituindo direitos adquiridos e individualizados dos respectivos beneficiários, sejam por estes objecto de resgate, adiantamento, remição ou qualquer outra forma de antecipação da correspondente disponibilidade e em que haja recebimento de capital.

j) Ou seja, o recebimento do capital tem de, cumulativamente, articular-se com qualquer uma das duas situações atrás referidas e assim sendo, como inegavelmente o é, tem SEMPRE de se ver se esse recebimento se reporta ou não a uma situação de direitos adquiridos e individualizados ou a uma situação em que não existem direitos adquiridos e individualizados dos respectivos beneficiários.


k) A situação não é de direitos adquiridos e individualizados do beneficiário mas para se aplicar a segunda hipótese referida teria que existir SEMPRE uma antecipação do recebimento pois que o preceito legal refere: «sejam por estes objecto de resgate, adiantamento, remição ou qualquer outra forma de antecipação da correspondente disponibilidade


l) Sendo assim evidente de concluir que o resgate só seria passível de cair sob a alçada da norma de incidência se houvesse uma antecipação do recebimento em relação à data prevista no contrato, mas não foi isso que se passou pois o ora Recorrente só recebeu na data prevista no contrato pelo que embora tendo ocorrido resgate não foi com antecipação em relação à data prevista pelo que não se está, efectivamente, perante a ocorrência de facto tributário.


m) Cumpre compaginar o Douto Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo em que a Douta Sentença se alcandora com o probatório fixado; De acordo com o probatório fixado consta,– facto D), que o Recorrente poderia efectuar o resgate ao perfazer 60 anos de idade e foi isso, e em tal momento temporal, que aquele o fez, não constando, e bem pois o Recorrente a elas não aderiu, do probatório fixado a adesão do Recorrente a quaisquer condições do contrato que estabeleciam a data do vencimento como sendo aos 65 anos e só se tal se tivesse dado como provado é que se poderia considerar aplicável a doutrina que emana do Douto Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo.


n) Pois que no mesmo se escreveu: «Foi o que sucedeu no caso sub judice: sendo certo que o resgate do capital se deu antes de o ora recorrente ter 65 anos – que era a idade estabelecida nas condições particulares do contrato de seguro como data de vencimento do certificado individual de cada pessoa segura –, não releva, para os pretendidos efeitos fiscais, que o resgate tenha ocorrido nas condições permitidas pelo contrato de seguro nem que o tomador do seguro estivesse já reformado. A lei considera que, nessas circunstâncias, porque houve antecipação da sua disponibilidade, o montante recebido pelo resgate do seu certificado individual de seguro fica sujeito a tributação em IRS, categoria A.» «Nos termos do ponto 3 da alínea b) do n.º 3 do art. 2.º do CIRS (na redacção vigente ao tempo), as importâncias despendidas pela entidade patronal com a constituição a favor dos seus trabalhadores de seguros de vida, se estes forem objecto de resgate antecipado pelos beneficiários são considerados rendimentos do trabalho dependente sujeitos a tributação (categoria A) ainda que os beneficiários, à data do resgate antecipado, reúnam os requisitos legais para passarem à situação de reforma ou se encontrem, efectivamente, nessa situação.»


o) Pelo que, e bem ao contrário do decidido, a correcta leitura do Douto Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, quando no mesmo se faz alusão às condiçõesparticulares e aos 65 anos como sendo a data do vencimento, só faria sentido se do probatório fixado constasse tal facto mas não só não consta como o que consta é diverso, é o de que o resgate podia ser feito quando o Recorrente atingisse os 60 anos de idade.


p) É que a entrega dos valores ao Recorrente tem por fundamento a perda de licença de voo após perfazer 60 anos de idade.


q) Ora se o podia fazer nessa idade e não constando do probatório fixado a adesão, por parte dos Recorrente, a quaisquer condições particulares, então o Douto Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo lido a contrario leva à conclusão que o Recorrente defende, ou seja, só se estivesse provada uma antecipação no recebimento em relação à data prevista, que não está, é que o raciocínio da Douta Sentença seria passível de sustentação, pois que de outro modo não a é.


r) E foi exactamente isto, e numa situação com contornos iguais à presente, que, com enorme lucidez e espírito critico, se entendeu em bem recente Acórdão do TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL, de 09/07/2020, tirado no Processo nº 896/07.5BEALM, citado no corpo alegatório e também aí parcialmente transcrito.


s) A isto acresce que o Recorrente não fez uma opção de continuar a voar após atingir os 60 anos de idade.


t) Com efeito é verdade que desde 2007 os pilotos aviadores passaram a poder voar até perfazer 65 anos de idade e acordo com aquele novo regime, os pilotos comandantes ou os co-pilotos que tenham atingido os 60 anos de idade passaram a poder continuar a exercer, até aos 65 anos, as suas funções em transporte público comercial de passageiros, carga ou correio desde que preencham, cumulativamente, algumas condições operacionais e de certificação médica.


u) Designadamente e para continuarem a exercer até aos 65 anos seria necessário que cumprissem as suas funções apenas como membro de uma tripulação múltipla e fossem o único membro da tripulação técnica de voo, piloto comandante ou co-piloto, que tenha atingido os 60 anos de idade.


v) Além disso, teriam ainda de obter uma certificação médica, com validade de seis meses, realizada por uma entidade certificada e em acrescento o poderem continuar a exercer funções até aos 65 anos dependia de uma opção nesse sentido que tinha de ser expressamente formulada.


w) Ou seja, a regra é de que os pilotos aviadores mantinham a idade de reforma como sendo os 60 anos e só se preenchessem determinadas condições e fizessem essa expressa opção é que podiam voar até aos 65 anos de idade.


x) Dito de outro modo, o Recorrente ao ir para a reforma aos 60 anos não fez qualquer opção nesse sentido, nem nada antecipou.


y) Pois que opção havia de fazer se pretendesse continuar a exercer funções até aos 65 anos de idade, que é algo que não se coloca nos autos.


z) Violou a Douta Sentença recorrido o artigo 2º, nº 3, alínea b), nº 3 do CIRS, não se podendo, assim, manter e devendo ser revogado e substituído por uma decisão que dê provimento à pretensão do Recorrente consistente na anulação total do acto tributário questionado.

Nestes termos e nos melhores de Direito deverá o presente recurso merecer provimento e, em consequência, ser revogada a Douta Sentença e substituída a mesma por uma decisão que dê integral provimento à pretensão do Recorrente, tudo o mais com as consequências legais.”


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O Recorrido, Fazenda Pública, devidamente notificado, não apresentou contra-alegações.



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O Exmo. Procurador-Geral Adjunto do Ministério Público junto deste Tribunal Central Administrativo, devidamente notificado para o efeito, ofereceu aos autos o seu parecer no sentido da procedência do recurso da Fazenda Pública.



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Colheram-se os vistos dos Juízes Desembargadores adjuntos.



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DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO


Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, em consonância com o disposto no art. 635º do CPC e art. 282º do CPPT, são as conclusões apresentadas pelo recorrente nas suas alegações de recurso, a partir da respetiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objeto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer, ficando, deste modo, delimitado o âmbito de intervenção do Tribunal ad quem.


No caso que aqui nos ocupa, as questões a decidir consistem em saber se a sentença recorrida enferma de erro de julgado ao ter considerado que as quantias recebidas devem ser consideradas como sujeitas a IRS.



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II – FUNDAMENTAÇÃO


- De facto


A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:


“Com relevância para a decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos:

A. O Impugnante, C........, foi piloto aviador da WWW, sendo associado do ZZZ (facto não controvertido);

B. Em 31.12.1990, o ZZZ celebrou com a G........, S.A. um contrato de seguro de grupo, sob a forma de complemento de reforma, destinado a cobertura do risco de perda de licença de voo, titulado pela apólice n.º ... (provado por documento junto com o requerimento a fls. 140, numeração sitaf);

C. O seguro referido na alínea antecedente passou a ser titulado pela apólice n.º …..1, da Companhia de Seguros “G........, S.A.”, sendo a WWW a tomadora do mesmo (provado por documento, a fls. 37 do PAT apenso);

D. Nas condições gerais desse contrato de seguro consta:

«ARTº 1- DEFINIÇÕES 1.1 (…) f) DATA DE VENCIMENTO DO CERTIFICADO INDIVIDUAL - 1º dia do trimestre civil seguinte ao da data em que cada Pessoa Segura atinge os 60 ou 65 anos, consoante a opção efetuada na data de adesão ao contrato».

(…)

ARTº 17 – RESGATE

(…)

[O] Tomador do Seguro tem o direito de pedir, a qualquer momento, e até à data do vencimento do Certificado Individual (data do início do complemento de reforma), o pagamento por parte da Companhia do valor do resgate, sendo este igual ao montante da poupança constituída e inscrita na conta da Pessoa Segura. (…) Esse pagamento será feito ao Tomador do Seguro ou a quem o Tomador do Seguro indicar, consoante opção inserida nas Condições Particulares.» (provado por documento junto com o requerimento a fls. 140, numeração sitaf);

E. O Impugnante era beneficiário do referido contrato de seguro (facto não controvertido);

F. Em 05.09.2013, o Impugnante solicitou o resgate total do seguro referido na alínea antecedente, no valor de € 196.988,00, após perfazer os 60 anos de idade (provado por documento, a fls. 8 verso do PRG apenso);

G. Na sequência da referida operação, a “G........, S.A.” procedeu à retenção na fonte sobre rendimentos de capitais (Categoria E), no valor de € 5.542,93, e sobre rendimentos da categoria A, no valor de € 57.793,71, no montante total de € 63.336,34 (provado por documento - recibo de quitação de resgate, a fls. 8-verso, do processo de reclamação graciosa (PRG) apenso);

H. Em 26.03.2014, o Impugnante entregou a declaração de rendimentos Modelo 3 (35222013-02330-71), referente ao ano de 2013, não tendo declarado o rendimento pago pela “G........, S.A.” (cfr. fls. 5 a 9 do PAT apenso);

I. A referida declaração originou a liquidação de IRS n.º …..33, que foi cancelada manualmente pela Administração Tributária (cfr. fls. 5 e 10 do PAT apenso);

J. Em 23.04.2014, o Impugnante apresentou reclamação graciosa contra o ato de retenção na fonte de IRS sobre rendimentos das categorias A e E colocados à sua disposição pela sociedade “G........, S.A.” (provado por documento, de fls. 3 a 8 do PRG apenso);

K. A reclamação graciosa foi indeferida por despacho da Chefe de Divisão de Justiça Administrativa, de 18.12.2015, com a seguinte fundamentação: “(…) O facto gerador do imposto não se verifica, in casu, no momento em que é feita a contribuição por parte da entidade patronal, mas sim, na data em que a importância é paga ao beneficiário. Perante esta factualidade, o contribuinte tem a obrigação de declarar os valores pagos pela “G........, S.A.” na sua Dec. Mod. 3 de IRS e, pelo que nos foi dado a observar, designadamente, na declaração constante de fls. 35, 36, não o fez, sendo assim, há que considerar com a liquidação da declaração em sistema, que pode ser apresentada nova reclamação, e que o pedido efetivo desta reclamação, é a não consideração como rendimento tributável do valor auferido através da “G........, S.A.”, e não o erro de cálculo ou aplicação na Retenção na Fonte. (…)”. (provado por documento, a fls. 65 a 67 do PRG apenso).”


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A decisão recorrida consignou como factualidade não provada o seguinte:


FACTOS NÃO PROVADOS


Não existem factos que importe registar como não provados.”



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Sustentou a matéria de facto fixada do seguinte modo:


MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO


A decisão da matéria de facto foi realizada com base na análise crítica das alegações das Partes e dos documentos, que constam dos autos e dos PRG e PAT apenso, não impugnados, conforme referido em cada uma das alíneas do probatório.”



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III . Do Direito


Na presente sede recursiva, o Recorrente sustenta que a decisão recorrida enferma de erro de julgamento de Direito ao ter considerado como sujeitos a IRS, no âmbito da Categoria A de IRS, as quantias por si recebidas a título de resgate do contrato de seguro do ramo vida, considerando que as mesmas se encontram enquadradas no art. 2º, nº3, alínea b), nº 3 do CIRS.


Argui que os pilotos da WWW deixam de puder exercer o seu múnus aos 60 anos o que os possibilita receber o aludido seguro sem que o mesmo seja sujeito a qualquer tributação em sede de IRS.


Apreciemos.


In casu, está a celebração de um seguro de vida efetuado entre o ZZZ com a seguradora G........, S.A. que mais tarde se veio a designar G........, S.A., seguro este que veio a ser assumido pela WWW, a cargo da qual estavam as contribuições para o aludido fundo que se destinava aos pilotos aviadores da sociedade, válido até aos 65 anos de idade, e que estes poderiam resgatar quando atingissem 60 anos, por impossibilidade de exercício da profissão. De salientar que por força do artigo 1º das condições gerais desse seguro a data de vencimento do certificado individual corresponderia ao 1º dia do trimestre civil seguinte ao da data em que a Pessoa Segura atinge os 60 ou 65 anos, consoante opção efetuada na data da adesão ao contrato.


Vejamos agora qual o quadro legal aplicável, à data dos factos – 2013.


Determinava o artigo 2.º n.º 3 al. b) n.º 3 do CIRS que se consideravam rendimentos do trabalho dependente “As importâncias despendidas, obrigatória ou facultativamente, pela entidade patronal com seguros e operações do ramo «Vida», contribuições para fundos de pensões, fundos de poupança-reforma ou quaisquer regimes complementares de segurança social, desde que constituam direitos adquiridos e individualizados dos respectivos beneficiários, bem como as que, não constituindo direitos adquiridos e individualizados dos respectivos beneficiários, sejam por estes objecto de resgate, adiantamento, remição ou qualquer outra forma de antecipação da correspondente disponibilidade, ou, em qualquer caso, de recebimento em capital, mesmo que estejam reunidos os requisitos exigidos pelos sistemas de segurança social obrigatórios aplicáveis para a passagem à situação de reforma ou esta se tiver verificado”


Estamos aqui perante direitos, benefícios ou regalias não incluídos na remuneração principal que são auferidos devido à prestação de trabalho ou em conexão com esta e constituem para o respectivo beneficiário uma vantagem económica.


São duas as situações contempladas neste preceito, a saber:


- Aquelas em que as importâncias despendidas pelas entidades patronais constituem direitos adquiridos, sendo que estas estão sujeitas a IRS e;


- Aquelas em que tais montantes não constituem direitos adquiridos, sendo que, neste caso, apenas ficam sujeitas a imposto as que vierem a ser objecto de resgate adiantamento, remição, de forma antecipada.


No caso em apreço, não se discute se estamos perante direitos adquiridos ou não, sendo que o pomo da discórdia entre o decidido e o Recorrente centra-se, apenas, na circunstância de saber se ocorreu alguma antecipação no recebimento do prémio do seguro ou não.


O Tribunal a quo considerou que as quantias se encontram sujeitas a IRS, ao abrigo do aludido preceito, já o Recorrente defende que não tendo ocorrido qualquer antecipação no recebimento, nunca as mesmas cairiam no âmbito de incidência.


Adiantamos, desde já, que assiste razão ao Recorrente.


Na verdade, para que as quantias aqui em dissidio se possam considerar como sujeitas a IRS no âmbito da categoria A de IRS, é necessário que estejamos perante montantes que tenham sido colocados à disposição do Recorrente de forma antecipada, ou seja, antes de verificadas as condições do contrato.


Neste sentido, tem sido abundante e uniforme a jurisprudência emanada do STA, donde destacamos o seu recente Acórdão de 03/07/2024, proferido no proc. nº 0733/18.5BELRS, bem como o Aresto de 13/12/2017, tirado no proc. nº 0303/17, onde se sumariou o seguinte:


Nos termos do ponto 3 da alínea b) do n.º 3 do art. 2.º do CIRS (na redacção vigente ao tempo), as importâncias despendidas pela entidade patronal com a constituição a favor dos seus trabalhadores de seguros de vida, se estes forem objecto de resgate antecipado pelos beneficiários são considerados rendimentos do trabalho dependente sujeitos a tributação (categoria A) ainda que os beneficiários, à data do resgate antecipado, reúnam os requisitos legais para passarem à situação de reforma ou se encontrem, efectivamente, nessa situação.”


Também este Tribunal já se pronunciou sobre a mesma questão, designadamente no seu Aresto de 15/02/2024, no processo nº 396/20.8BESNT, onde se sumariou o seguinte:


“I - De acordo com o ponto 3 da alínea b) do n.º 3 do art.º 2.º do CIRS (na redacção vigente ao tempo), as importâncias despendidas pela entidade patronal com a constituição a favor dos seus trabalhadores de seguros de vida, se estes forem objecto de resgate antecipado pelos beneficiários são considerados rendimentos do trabalho dependente sujeitos a tributação (categoria A).


II - Nos termos da mesma norma legal, a incidência mantém-se ainda que os beneficiários, à data do resgate antecipado, reúnam os requisitos legais para passarem à situação de reforma ou se encontrem, efectivamente, nessa situação.


III - Para efeitos da norma de incidência não relevam as situações de resgate que tenham ocorrido nas condições permitidas pelo contrato de seguro na modalidade escolhida na data de adesão, pressupostos que no caso se verificam.”


Resulta assim da jurisprudência mencionada que o que releva para efeitos de tributação em Categoria A de IRS é saber se o resgate ocorreu nas condições permitidas no contrato, designadamente nas condições particulares, ou, pelo contrário, de forma antecipada.


Ora, e voltando ao caso sub judice, resultando do probatório que a data de vencimento do certificado individual será o 1º dia do trimestre civil seguinte ao da data em que a pessoa segura, neste caso o Recorrente, atinge os 60 ou 65 anos, consoante a opção efetuada na data da adesão ao contrato, impunha-se apurar qual havia sido a opção que o Recorrente havia efetuado no momento da sua adesão ao contrato.


Impugna-se, assim, que o Tribunal a quo, no âmbito dos seus poderes de inquisitório (art. 13º do CPPT), tivesse curado de apurar tais factos, uma vez que essa matéria de facto se revela essencial para a decisão, sendo inegável que os factos que o Tribunal a quo levou ao probatório são insuficientes para a boa decisão do litígio, segundo as possíveis soluções jurídicas do mesmo, pelo que a decisão recorrida padece do vício de insuficiência de matéria de facto que permita proferir uma decisão de mérito sobre as questões suscitadas pelo Recorrente.


Acresce que nem dos autos, nem do processo instrutor, constam elementos probatórios que permitam a este Tribunal, ao abrigo do disposto no artigo 662º do CPC, aditar matéria de facto, pelo que se impõe a baixa dos autos à 1ª instância, por forma a obter os elementos necessários a uma decisão.


Em consequência, a sentença sob recurso deve ser anulada [art. 662º, nº 2, alínea c) do CPC] e ordenada a baixa do processo ao TAF de Sintra para que este proceda à ampliação da matéria de facto nos sobredito termos.



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CUSTAS


Sem custas.



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III- Decisão


Face ao exposto, acordam, em conferência, os Juízes da Subsecção de Contencioso Tributário Comum deste Tribunal Central Administrativo Sul conceder provimento ao recurso, anular a sentença recorrida e ordenar a baixa dos autos ao TAF de Sintra para cumprimento do que ficou explicitado acima e, subsequentemente, seja proferida nova decisão.


Lisboa, 06 de Fevereiro de 2025


Cristina Coelho da Silva (Relatora)


Ângela Cerdeira


Maria da Luz Cardoso