Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 1487/09.1BESNT |
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Secção: | CT |
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Data do Acordão: | 02/20/2025 |
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Relator: | ISABEL VAZ FERNANDES |
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Descritores: | OPOSIÇÃO REVERSÃO GERÊNCIA EFECTIVA PROVA. |
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Sumário: | I – A responsabilidade subsidiária do gerente, por dívidas da executada originária, tem por pressuposto o exercício efectivo do cargo de gerente. II – A alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º da LGT exige para responsabilização subsidiária a gerência efectiva ou de facto, ou seja, o efectivo exercício de funções de gerência, não se satisfazendo com a mera gerência nominal ou de direito. III – É à AT que cabe demonstrar e provar que o revertido exerceu, efectivamente, as funções de gerente da devedora originária, no período relevante. |
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Votação: | Unanimidade |
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Indicações Eventuais: | Subsecção de Execução Fiscal e Recursos Contraordenacionais |
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Aditamento: | ![]() |
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais do Tribunal Central Administrativo Sul I – RELATÓRIO V.... , nos autos melhor identificada, deduziu oposição à execução fiscal n.º ... 665 e apensos, contra si revertidos, instaurados pelo Serviço de Finanças de Amadora 3, originariamente contra a sociedade S... , Ldª, identificada nos autos, para cobrança da quantia exequenda no montante total de €31.525,93, relativa a dívidas de IVA, referentes aos anos de 2005 e 2006, e a dívida de coima. O Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, por decisão de 15 de fevereiro de 2017, julgou parcialmente procedente a oposição, decidindo «(…) a extinção da reversão contra a oponente do processo de execução fiscal n.º 3611200701053868» e absolvendo «(…) a Fazenda Pública quanto ao demais pedido» «A) O presente recurso vem interposto da decisão de 15/02/2017 onde julga parcialmente procedente a oposição apresentada no processo de execução fiscal n° ... 665 e apensos. B) Nomeadamente na impugnação da matéria de facto dada como provada por incorrecta apreciação da prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento no que diz respeito à ilegitimidade da oponente/revertida, e na falta de prova da efectiva gerência por parte da oponente, onde o Tribunal a quo deu como provado a existência da gerência de facto. C) Bem como a falta de prova da existência/inexistência de bens da devedora originária para proceder ao pagamento da divida exequenda, onde o Tribunal a quo deu como provado que não existiu bens na esfera da devedora originária que pudesse fazer face às dividas fiscais revertidas. D) Analisada a prova testemunhal produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, o entendimento da ora recorrente é absolutamente o oposto. E) Impugnando-se a matéria de facto dada como provada por incorrecta apreciação da prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento no que diz respeito à ilegitimidade da oponente/revertida, e na falta de prova da efectiva gerência por parte da oponente, bem como na existência/inexistência de bens da devedora originária para proceder ao pagamento da divida exequenda, onde o Tribunal a quo deu como provado que não existiu bens na esfera da devedora originária que pudesse fazer face às dividas fiscais revertidas. F) Da prova testemunhal produzida em sede de audiência de discussão e julgamento pelas testemunhas A.... e M.... , prova transcrita nas presentes alegações, resulta claro que a recorrente não exerceu qualquer acto de gerência de facto da sociedade, bem como a devedora originária tinha bens para fazer face às dívidas fiscais revertidas. G) Pelo que a douta sentença deveria ir pela procedência da oposição fiscal apresentada, o que não aconteceu. TERMOS EM QUE; Deverá o presente recurso ser liminarmente deferido, revogando-se a sentença proferida pelo douto tribunal a quo, e em consequência deve ser proferido acórdão onde; • Deve ser a presente oposição à execução fiscal considerada totalmente procedente por provada, absolvendo-se a ora oponente. • Deve ser julgado procedente por provado a falta de pressupostos da responsabilidade subsidiária da ora oponente, no caso o não exercício de facto das funções de gerente na devedora originária e a falta de prova da existência/inexistência de bens da devedora originária para proceder ao pagamento da divida exequenda. Devendo o processo de reversão fiscal ser considerado nulo, por falta de fundamentação da insuficiência de bens da devedora originária, violando o preceituado no artigo 23° n° da LGT.» * Não foram apresentadas contra-alegações. * O DMMP junto deste Tribunal Central Administrativo emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso. * Não obstante a AT ter vindo informar que o PEF a que respeitam os presentes autos se encontra extinto, por pagamento, a verdade é que, na sequência de notificação, a Recorrente manifestou interesse no prosseguimento dos autos, nos termos do previsto no nº 3 do artigo 176º do CPPT.Efectivamente, dispõe a referida norma que o disposto na alínea a) do n.º 1 não prejudica o controlo jurisdicional da actividade do órgão de execução fiscal, nos termos legais, caso se mantenha a utilidade da apreciação da lide, pelo que, estando em causa a legitimidade da ora Recorrente, deverão os presentes autos prosseguir, com o conhecimento do mérito do recurso. * Com dispensa de vistos, vem o processo submetido à conferência da Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais do Tribunal Central Administrativo Sul para decisão. * - De facto A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos: «Compulsados os autos e analisada a prova documental e testemunhal encontram-se assentes, por provados, os seguintes factos com interesse para a decisão do mérito: A) . A 12.03.2002 foi registada na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa, a constituição da sociedade designada como “S... , LDA.”, com objecto social de prestação de serviços de higiene e limpeza, afagamentos e polimentos, limpeza de fachadas e monumentos e limpezas industriais, tendo como sócias a oponente e M.... , tendo sido a primeira nomeada gerente, e vinculando-se a sociedade com a sua intervenção [cf. fls. 114 e 115 dos autos]. B) . A 09.11.2004 foi efectuado um depósito no montante de €15.311,99, em nome da sociedade “S... , LDA.”, para pagamento de dívida de IVA referente ao período 04.6T, montante que em 18.02.2005 foi aplicado no correspondente processo de execução fiscal n.º 3166200401555391 [cf. fls. 15, 16 e 145 dos autos]. C) . A 23.03.2005 foi pela oponente e por M.... , assinado um documento com a epígrafe “Aumento de capital e alteração de pacto”, onde consta, nomeadamente, que as mesmas são únicas sócias e a primeira é gerente da sociedade comercial sob a firma “S... , LDA.”, e que deliberam alterar a sede da sociedade [cf. fls. 109 a 113 dos autos]. D) . A 07.04.2005 foi pela oponente apresentada declaração de alterações em sede de IVA, com vista à actualização da sede da sociedade “S... , LDA.” [cf. fls. 107 dos autos]. E) . A 21.05.2003 foi submetida a declaração de rendimentos de IRC da sociedade “S... , LDA.”, referente ao ano de 2007, onde consta o NIF da oponente no campo do responsável legal da sociedade [cf. fls. 138 e 139 dos autos]. F) . A 25.06.2008 foi submetida a declaração anual da sociedade “S... , LDA.”, referente ao ano de 2007, onde consta o NIF da oponente no campo do responsável legal da sociedade [cf. fls. 137 dos autos]. G) . Contra a sociedade “S... , LDA.”, foi instaurado no Serviço de Finanças de Amadora 3, o processo de execução fiscal n.º ... 665, para cobrança de divida de IVA, referente ao exercício fiscal de 2005, pela quantia exequenda de €22.279,18 [cf. fls. 32 dos autos]. H) . Ao processo de execução fiscal identificado no ponto anterior foram apensos os processos de execução fiscal n.º 3611200601060775 (IVA/2006 - €6.860,52), 3611200701017101 (IVA/2006 - €1.129,50) e 3611200701053868 (coimas - €1.474,93) [cf. fls. 149 a 156 dos autos]. I) . A 03.10.2008, foi prestada informação em sede do processo de execução fiscal n.º ... 665 e apensos, no qual consta, nomeadamente, o seguinte: (…) Para efeitos dos pressupostos da responsabilidade subsidiária aplicável, nos termos dos artigos 22.º a 24.º da Lei Geral Tributária, em que a responsabilidade subsidiária efectiva-se por reversão consta os responsáveis subsidiários, dependendo esta da diligência da insuficiência ou inexistência de bens penhoráveis do devedor principal; Pelas buscas e diligências efectuadas, não foram detectados bens ou rendimentos em nome do executado, concretamente não é proprietário de bens imoveis, viaturas, contas bancárias ou outros tipos de rendimentos que possam servir de garantia para pagamento dos presentes autos; Consideram-se verificadas as condições para a reversão da divida contra os responsáveis subsidiários, constantes dos documentos oficiais – designadamente Registo na Conservatória, bem com dos elementos cadastrais disponíveis (documental e informático), bem como Declarações de Rendimentos – Modelo n.º 22, de IRC, Declarações Anuais de Rendimentos – Visão do Contribuinte – Relações Inter Pessoais, por gerência de facto e de direito da Executada, compreendendo o período da gerência e da dívida e de acordo com o disposto nos artigos 23.º, 24.º da LGT e 153.º e 160.º do CPPT. [cf. fls. 116 dos autos]. J) . Por despacho de 03.10.2008, do Chefe de Finanças Adjunto do Serviço de Finanças de Amadora 3, aderindo à fundamentação constante da informação identificada no ponto anterior, foi determinada a preparação do processo de execução fiscal n.º ... 665 e apensos para reversão contra a oponente, na qualidade de responsável subsidiária [cf. fls. 117 dos autos]. K) . Através do ofício n.º 10009, de 03.10.2008, do Serviço de Finanças de Amadora 3, foi a oponente notificada para o exercício do direito de audição prévia para efeitos de reversão do processo de execução fiscal n.º ... 665 e apensos [cf. fls. 118 e 120 dos autos]. L) . Por requerimento apresentado em 17.10.2008, junto do Serviço de Finanças de Amadora 3, foi pela oponente exercido o seu direito de audição prévia [cf. fls. 121 a 123 dos autos]. M) . A 17.12.2008, foi prestada informação em sede do ... 665 e apensos, onde consta nomeadamente o seguinte: (…) Através de análise do presente processo, constata-se a insuficiência de bens à devedora originária, que garantam o pagamento da divida e acrescido; Nos termos conjugados dos artigos 22.º a 24.º da Lei Geral Tributária e 153.º e 160.º do Código do Procedimento e do Processo Tributário, foi identificado como gerente/administrador, de direito e de facto, responsável, por tudo o que tenha ocorrido na empresa, durante o período a que corresponde a falta de pagamento das dívidas; Tendo em atenção a audição prévia apresentada pela contribuinte, V.... , C.N.º219208263, acima identificada, a fundamentação em resposta ao constante projecto de decisão de reversão é a seguinte: O art.º 24.º da Lei Geral Tributária, delimita as situações passíveis de enquadrar a responsabilidade subsidiária, dos corpos sociais. Tal responsabilidade é do tipo ex lege, isto é caracteriza uma fiança legal, e os seus pressupostos assentam no exercício de funções de administração, direcção ou gerência, de facto e de direito, e na presunção da existência de culpa funcional. Demonstrada a gerência de direito, através da 1.ª Conservatória do Registo Comercial da Amadora e referente à matrícula n.º 14593/2005-02-12, é de presumir a gerência de facto, dado que a ausência desta apenas poderá advir, por um lado, de inércia ou falta de vontade do gerente e, por outro, da violação dos seus deveres para com a sociedade. E, exteriorizando o gerente, director ou Administrador, a vontade da sociedade nos mais diversos negócios jurídicos realizados (cf. artigos 248.º, 249.º, 249.º e 250.º do Código Comercial e Artigos 191.º, 192.º, 193.º, 252.º, 259.º, 260.º, 261.º, 390.º, 405.º, 408.º , 470.º, 474.º e 478.º, todos das Sociedades Comerciais), é lícito que este seja responsabilizado pelo cumprimento das obrigações públicas da sociedade, já que age através daquele. Nestes moldes, ao abrigo do preceituado pelo artigo 24.º da Lei Geral Tributária, e nos exactos termos do art.º 160.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário É de concluir, mantendo-se os pressupostos que estiveram na base da elaboração do Projecto de Despacho de Reversão e analisados os elementos constantes do processo, devidamente fundamentado, que: A gerência de direito e de facto, compreende o período que corresponde à prática dos factos tributário a que se referem os presentes autos. N) . Por despacho de 17.12.2008, do Chefe de Finanças Adjunto do Serviço de Finanças de Amadora 3, aderindo à fundamentação identificada no ponto anterior, foi determinada a reversão da dívida subjacente ao processo de execução fiscal n.º ... 665 e apensos contra a oponente, na qualidade de responsável subsidiária da sociedade “S... , LDA.” [cf. fls. 126 dos autos]. O) . Através do ofício n.º 19165, de 18.12.2008, do Serviço de Finanças de Amadora 3, recebido a 31.12.2008, foi a oponente citada por reversão do processo de execução fiscal n.º ... 665 e apensos, pela quantia de €31.525,93 [cf. fls. 128 e 130 dos autos]. P) . A 30.01.2009 foi recebida a petição inicial que deu origem à presente acção [cf. fls. 7 dos autos]. Q) . A 04.11.2009 foi assinado pela oponente a certidão de citação, na qualidade de responsável legal da sociedade “S... , LDA.”, em sede do processo de execução fiscal n.º 3611200901088793 [cf. fls. 27 dos autos]. R) . A 05.11.2009 foi apresentado no Serviço de Finanças de Amadora 3, um requerimento assinado pela oponente, em nome da sociedade “S... , LDA.”, através do qual requereu o pagamento em prestações, com isenção de garantia, em sede do processo de execução fiscal n.º 3611200901088793 [cf. fls. 28 dos autos]. S) . Durante os anos de 2002 a 2007 foi pela oponente declarado ter recebido rendimentos de trabalho dependente da sociedade “S... , LDA.” [cf. prints das declarações mod. 3 de IRS a fls. 131 a 136 dos autos].» * Factos não provados «Nada mais se provou com interesse para a decisão a proferir.» «Assenta a convicção deste Tribunal no exame dos documentos constantes dos presentes autos e no processo instrutor, não impugnados, bem como da prova testemunhal produzida, referidos a propósito de cada alínea do probatório. Foram ouvidas pelo tribunal as testemunhas – A.... e M.... , a primeira técnica oficial de contas e a segunda mãe e sócia da oponente na sociedade “S... , LDA.”. Por ambas foi dito que era esta última - M.... -, quem efectivamente geria a sociedade, e que a oponente apenas constava na sociedade para fazer um favor à mãe. Pela mãe foi ainda dito que tratava de todos os assuntos da sociedade através de uma procuração emitida pela sua filha, embora tal não resulte alegada nem provado nos autos.» * A Recorrente dissente da matéria de facto dada como assente, já que entende que ficaram provados, pelo depoimento das testemunhas inquiridas, factos que levam à conclusão de que não exerceu, de facto, a gerência da devedora originária. Importa ter presente que a impugnação da matéria de facto, tal como resulta do disposto no artigo 640º do CPC, obedece a regras que não podem deixar de ser observadas. Na verdade, em tal preceito se dispõe que: “1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. 2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes; b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.(…)” Lidas as alegações recursivas, verificamos que pretende a Recorrente, parece-nos, que sejam aditados ao probatório os seguintes factos, tendo por base os depoimentos das duas testemunhas inquiridas (A.... e M.... ): 1. A Oponente exercia as funções de professora a tempo inteiro na altura dos factos que deram origem ao processo de reversão, não despendendo qualquer tempo com a laboração na sociedade devedora originária; 2. A Oponente ficou como gerente no Registo Comercial por a mãe se encontrar em processo de divórcio, como forma de salvaguardar o património da sociedade. Recorde-se que a sentença deixou dito, na motivação da matéria de facto o seguinte: “Por ambas foi dito que era esta última - M.... -, quem efectivamente geria a sociedade, e que a oponente apenas constava na sociedade para fazer um favor à mãe. Pela mãe foi ainda dito que tratava de todos os assuntos da sociedade através de uma procuração emitida pela sua filha, embora tal não resulte alegada nem provado nos autos.” No entanto, a verdade é que a sentença não considerou provados os factos ora pretendidos aditar, nem se conseguem descortinar as razões para não ter considerado o depoimento das testemunhas inquiridas. No que se refere à circunstância de a Recorrente exercer funções como professora, na ETIC, ao tempo das dívidas, entendemos que os depoimentos, por si só, são insuficientes para que se considere provado aquele exercício de funções como professora. O primeiro depoimento é vago, e pouco convicto. Já o depoimento prestado pela mãe da Oponente, embora mais detalhado, é insuficiente para que se considere provado o dito facto, sem que fossem juntos documentos comprovativos das funções em causa, emitidos pela entidade patronal, por exemplo, recibos de vencimento, cópia de contrato, etc. Quanto ao alegado divórcio da mãe para justificar que a Oponente ficasse como gerente de direito da devedora originária, a verdade é que, do depoimento daquela, o que se retira é que na altura da constituição da sociedade se encontrava casada, tendo o divórcio vindo a ocorrer posteriormente, o que nos leva a concluir pela incerteza do facto alegado, e consequente manutenção do probatório, sem quaisquer aditamentos. Assim sendo, improcede o pretendido aditamento ao probatório constante das alegações de recurso, pelo que se considera estabilizada a matéria de facto. * - De DireitoConforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo recorrente, a partir da respectiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objecto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer. Assim sendo, lidas as conclusões das alegações de recurso, dúvidas não restam que a questão a apreciar e decidir é a de saber se o Tribunal a quo errou ao concluir pela legitimidade da Recorrente, por ter entendido que, para além da qualidade de gerente de direito, exerceu efectivamente tais funções. Para assim entender, a sentença ora recorrida considerou o seguinte: “(…) resulta da matéria de facto assente que desde a sua constituição a sociedade devedora originária sempre se obrigou com a assinatura da Oponente, tanto mais que a identificação da mesma consta de várias declarações apresentadas junto da AT, bem como de requerimentos apresentados em nome da sociedade, assinados pela Oponente. Mais, pela Oponente foi declarado ter (…) recebido rendimentos de categoria A colocados à disposição pela sociedade “S... , Ldª”. Assim, constata-se que pela Oponente foram praticados esses actos de vinculação e representação da sociedade perante terceiros que consubstanciam verdadeiros actos de gestão, já que nada resulta dos autos que tais pessoas – os gerentes, neles incluindo o ora Oponente – não tivessem capacidade de entendimento suficiente para as consequências dos seus actos, ou que assinassem coagidos a tal, ou que apenas o fizessem por se encontrarem numa posição de inferioridade determinada pelo exercício de especial poder de decisão, factos que não vêm sequer alegados. Assim, há que concluir, em face dos elementos trazidos aos autos, que a assinar documentos da sociedade, o fazia conscientemente, participando de modo activo na vida da sociedade. Tais factos não podem deixar de ser demonstrativos de que a Oponente exerceu, de facto, a gerência da sociedade “S... , Ldª”, no período em que terminou o prazo de pagamento voluntário das dívidas em cobrança coerciva no processo de execução fiscal a que se referem os presentes autos, ocorrendo, por isso, o pressuposto legal relativo à legitimidade que permite a reversão da execução contra si.(…)” Dissente a Recorrente do assim entendido pela sentença recorrida, já que considera inexistirem factos provados que permitam concluir que exerceu, de facto, a gerência da devedora originária. Refere que a sentença faz presumir o exercício de facto das funções de gerente pelo simples facto de esta assinar documentos da devedora originária. Que dizer? Dos autos resulta que a AT reverteu a execução fiscal contra a Vera Alexandra com base na gerência de facto da apontada sociedade comercial “S... , Lda”, invocando, para tanto, o disposto no artigo 24º da LGT. Nos termos de tal preceito: «1 - Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si: (…) b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período de exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento». Ora, a reversão operada ao abrigo da apontada alínea b) do nº1 do artigo 24º da LGT, pressupõe que o gerente de facto o tenha sido no momento em que se verifica o termo do prazo legal de pagamento ou entrega das dívidas tributárias, sendo que nesta hipótese, e se assim for, caberá ao revertido provar que não lhe foi imputável a falta de pagamento. Recorde-se que as dívidas exequendas aqui em causa respeitam a IVA dos anos de 2005 e de 2006. Comecemos por dizer que não é controvertido que, nos períodos em causa, a Recorrente figurava, no Registo Comercial, como gerente de direito da devedora originária. Nem vem posto em causa o facto de a Recorrente ter auferido rendimentos da categoria A, pagos pela devedora originária. A questão que nos cumpre apreciar e decidir é a de saber se, da matéria de facto dada como assente na sentença recorrida, é possível extrair a conclusão de que a Recorrente, para além de figurar como gerente de direito, exerceu, efectivamente, tais funções. Como se sabe, é à Fazenda Pública, enquanto titular do direito de reversão, que cabe fazer a prova do exercício efectivo da gerência. Na verdade, em função da inclusão na disposição apontada das expressões “exerçam, ainda que somente de facto, funções” e “período de exercício do seu cargo”, fácil é concluir que não basta para a responsabilização das pessoas aí indicadas a mera titularidade de um cargo, sendo indispensável que tenham sido exercidas as respectivas funções. Assim, desde logo se vê que a responsabilidade subsidiária depende, antes de mais, do efectivo exercício da gerência ou administração, ainda que somente de facto. Com efeito, e como, repetidamente, se vem considerando na jurisprudência, da gerência de direito não se retira, por presunção, a gerência de facto. A este propósito, deixamos transcritas as considerações feitas no acórdão do TCAN, de 30/04/14, processo nº 1210/07.5, as quais assumem aqui inteira pertinência: “(…) Pois bem, e tal como se aponta no Ac. do S.T.A. de 02-03-2011, Proc. nº 0944/10, www.dgsi.pt, “… Na verdade, há presunções legais e presunções judiciais (arts. 350.º e 351.º do CC). As presunções legais são as que estão previstas na própria lei. As presunções judiciais, também denominadas naturais ou de facto, simples ou de experiência são «as que se fundam nas regras práticas da experiência, nos ensinamentos hauridos através da observação (empírica) dos factos». (ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERRA, e SAMPAIO E NORA, Manual de Processo Civil, 1.ª edição, página 486; Em sentido idêntico, MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, páginas 215-216, e PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, volume I, 2.ª edição, página 289.). De facto, não há qualquer norma legal que estabeleça uma presunção legal relativa ao exercício da gerência de facto, designadamente que ela se presume a partir da gerência de direito. No entanto, como se refere no acórdão deste STA de 10/12/2008, no recurso n.º 861/08, «o facto de não existir uma presunção legal sobre esta matéria, não tem como corolário que o Tribunal com poderes para fixar a matéria de facto, no exercício dos seus poderes de cognição nessa área, não possa utilizar as presunções judiciais que entender, com base nas regras da experiência comum. E, eventualmente, com base na prova de que o revertido tinha a qualidade de gerente de direito e demais circunstâncias do caso, nomeadamente as posições assumidas no processo e provas produzidas ou não pela revertida e pela Fazenda Pública, o Tribunal que julga a matéria de facto pode concluir que um gerente de direito exerceu a gerência de facto, se entender que isso, nas circunstâncias do caso, há uma probabilidade forte (certeza jurídica) de essa gerência ter ocorrido e não haver razões para duvidar que ela tenha acontecido. (Sobre esta «certeza» a que conduz a prova, pode ver-se MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, páginas 191-192.). Mas, se o Tribunal chegar a esta conclusão, será com base num juízo de facto, baseado nas regras da experiência comum e não em qualquer norma legal. Isto é, se o Tribunal fizer tal juízo, será com base numa presunção judicial e não com base numa presunção legal.» Todavia, ainda que não seja possível partir-se do pressuposto de que com a mera prova da titularidade da qualidade de gerente que o revertido tinha não se pode presumir a gerência de facto, é possível efectuar tal presunção se o Tribunal, à face das regras da experiência, entender que há uma forte probabilidade de esse exercício da gerência de facto ter ocorrido. Mas, por outro lado, na ponderação da adequação ou não de uma tal presunção em cada caso concreto, nunca há num processo judicial apenas a ter em conta o facto de a revertida ter a qualidade de direito, pois há necessariamente outros elementos que, abstractamente, podem influir esse juízo de facto, como, por exemplo, o que as partes alegaram ou não e a prova que apresentaram ou deixaram de apresentar” (fim de citação). Como vimos, a sentença recorrida entendeu que, pela circunstância de a Recorrente ter auferido rendimentos pagos pela devedora originária, aliada ao facto de ter assinado diversos requerimentos, bem como declarações daquela (que se obrigava pela assinatura da Recorrente), a Recorrente exerceu a gerência efectiva da devedora originária. Não nos oferece dúvida que a assinatura de documentos, em nome da sociedade, pode ser um elemento de prova para a prova da gerência efectiva, mas terá que ser, sempre, visto o caso concreto, nomeadamente, aferir se as datas dos documentos correspondem ao período de pagamento das dívidas exequendas. Já deixámos dito que as dívidas exequendas respeitam a IVA de 2005 e 2006, o que significa que, antes de concluir como a sentença, cumpre verificar se a assinatura dos aludidos requerimentos e declarações teve lugar naqueles períodos. Do probatório resulta que: · Em 23/03/2005 foi assinado pela Recorrente e por M.... , um documento com a epígrafe “Aumento de capital e alteração de pacto” – cfr. alínea c); · Em 07/04/2005 foi pela Oponente apresentada declaração de alterações em sede de IVA – cfr. alínea d); São apenas estes os documentos, assinados pela Recorrente, dados como provados pela sentença, note-se, no período que releva. É certo que foi dado como provado que a Recorrente assinou outros documentos e declarações, porém, são irrelevantes para a situação que nos ocupa, já que não respeitam aos anos de 2005 e 2006, que são os que para aqui importam. Temos, assim, por assente que, pela Recorrente, foi assinado o documento denominado “aumento de capital” e a declaração de alterações de IVA, e que recebeu rendimentos de trabalho dependente pagos pela devedora originária. É verdade que a Recorrente era a única gerente de direito da sociedade executada, o que, parece, levar a sentença a considerar que a viabilidade funcional da devedora originária ficaria comprometida sem a sua intervenção. Contudo, como se decidiu no acórdão do TCA Norte, de 12/06/14, no processo nº 00013/12.0BEBRG, “tal argumento não se revela assim tão decisivo, na medida em que, se bem que se afigure compreensível que se postule a necessidade da respectiva intervenção no que concerne ao giro comercial normal da executada originária, tal apenas é legítimo, no entanto, à luz do enquadramento legal aplicável, nada impedindo, de facto, que ela exerça a actividade para que se constituiu, negociando com clientes e fornecedores, sem o acatamento da aludida prescrição estipulada no pacto e que, como é sabido, inúmeras vezes é desconhecida daqueles que entram em relações comerciais com as empresas que assim operam. Ou seja e dito de outra forma, a circunstância do pacto estipular a necessidade da assinatura de um ou mais sócios da executada originária para a poderem vincular perante terceiros, não acarreta forçosamente que ela assim tenha procedido, podendo ter girado comercialmente sem respeitar tal condicionalismo, sendo certo que tal conduta apenas se reflecte ao nível da sua responsabilidade perante aqueles e, por consequência, se e na medida em que não cumpra os acordos e transacções comerciais que tenha celebrado”. Assim, analisada a prova produzida, e contrariamente ao decidido em 1ª instância, entendemos que ficou por demonstrar factualidade bastante que suporte o exercício efectivo do exercício da gestão por parte da Recorrente, sendo que era à Fazenda Pública que competia a prova de tal exercício. Com efeito, inexistem elementos nos autos que revelem qualquer intervenção da Recorrente significativa ao nível da gestão efectiva da sociedade, nomeadamente, a assinatura de contratos ou quaisquer outros documentos, a efectivação de pagamentos, a contratação de pessoal, a alienação ou aquisição de património, a negociação com fornecedores ou clientes, entre outros actos típicos do exercício da gerência. Sendo que a prática de actos isolados, por si só, não é apta a extrair a conclusão de que a Recorrente terá exercido, de facto, a gerência da dita sociedade nos anos de 2005 e 2006. Por seu turno, recorde-se que o exercício efectivo da gerência constitui facto constitutivo de um pressuposto da responsabilidade subsidiária que se pretende efectivar através da reversão e a lei não estabelece, nesse domínio, qualquer presunção que inverta o ónus da prova. De resto, no caso concreto, perante a falta de elementos de facto convincentes sobre o exercício de facto da gerência, sempre seríamos levados a considerar a existência de uma dúvida substancial e fundada sobre esse exercício de facto por parte da ora Recorrente. E, como tal, considerando que o ónus de tal prova recai sobre a Fazenda Pública, sempre o desfecho do caso em análise seria de considerar em desfavor da pretensão da AT – cfr. neste sentido o ac. do TCA Norte, de 15/05/14, processo nº 00273/07.8 BEMDL. Deste modo, não tendo a Fazenda Pública provado que a executada, revertida, exerceu de facto a gerência da devedora originária, praticando os actos próprios e típicos da gerência, não pode a mesma ser responsabilizada, a título subsidiário, pelo pagamento das dívidas exequendas ao abrigo do artigo 24º da LGT. Será, assim, de alterar o entendimento sufragado na sentença recorrida, que concluiu ter a Recorrente exercido a gerência efectiva pela Oponente no período a que respeitam as dívidas exequendas (2005 e 2006), com a consequente revogação da sentença e procedência da oposição. Note-se que a gerência de facto de uma sociedade consiste “no efectivo exercício das funções que lhe são inerentes e que passam, nomeadamente, pelas relações com os fornecedores, com os clientes, com as instituições de crédito e com os trabalhadores, tudo em nome, no interesse e em representação dessa sociedade. Para que se verifique a gerência de facto é indispensável que o gerente use, efectivamente, dos respectivos poderes, que seja um órgão actuante da sociedade, tomando as deliberações consentidas pelo facto, administrando e representando a empresa, realizando negócios e exteriorizando a vontade social perante terceiros - nestes termos, Rúben Anjos de Carvalho - Francisco Rodrigues Pardal, Código de Processo das Contribuições e Impostos, Anotado e Comentado, 2ª Edição, Coimbra, 1969, pág. 139” – cfr. acórdão do TCA Norte, de 30/04/14, no processo nº 1210/07.5 BEPRT.
Conclui-se, face ao exposto, pela procedência das conclusões da alegação de recurso, sendo de revogar a sentença recorrida e considerar procedente a oposição, ficando prejudicado o conhecimento do demais invocado. * III- Decisão Face ao exposto, acordam, em conferência, os Juízes da Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar totalmente procedente a oposição. Custas pela Recorrida. Registe e Notifique. Lisboa, 20 de Fevereiro de 2025 (Isabel Vaz Fernandes) (Filipe Carvalho das Neves) (Luísa Soares) |