Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:690/15.0BELRA
Secção:CA
Data do Acordão:02/18/2021
Relator:JORGE PELICANO
Descritores:LEGITIMIDADE PASSIVA.
ESTADO.
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO
Sumário:I. A P.I. foi remetida para o Tribunal a 17/04/2015, pelo que há que atender, na apreciação do mérito do presente recurso, à versão que o CPTA tinha antes das alterações que lhe foram introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 02/10, conforme resulta do estatuído no art.º 15.º, n.º 2, desse diploma.
II. Assentando a causa de pedir no alegado incumprimento, por parte do Recorrido, da obrigação de pagamento do montante de € 50.444,19, assumida no acordo de extinção do contrato de trabalho e ainda no incumprimento do estatuído no art.º 180° do RCTFP, a legitimidade passiva cabe ao Ministério da Educação.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

P... vem interpor recurso do saneador-sentença, na parte em que julgou procedente a excepção de ilegitimidade passiva e absolveu o Ministério da Educação da instância.

Apresentou as seguintes conclusões:

“33º
Entende-se resultar, claramente, do atrás exposto que a Sentença ora Recorrida padece do vício de Nulidade (artigo 615º nº1 al. c) do CPC), pois quer a base legal, quer a base factual que foram analisadas na Douta sentença determinavam decisão diversa, favorável à ora Recorrente, conforme explanou;
34º
Na verdade é mesmo tão só e apenas a conclusão da decisão ora Recorrida, no final, que é desfavorável à Recorrente, porque incorre no erro de julgamento de considerar que o artigo 11.º/2 CPTA consagra um sistema dualista de representação processual do Estado: nas ações sobre contratos e de responsabilidade civil a representação do Estado é obrigatoriamente assegurada pelo Ministério Público (vide artigo 11.º/2 do CPTA aplicável), como resulta da sua letra, ao ser ali referido que "… Sem prejuízo da representação do Estado pelo Ministério Público nos processos que tenham por objeto relações contratuais…".;
35º
Entendendo a RECORRENTE, ao invés do invocado, não resultar do preceito a ilegitimidade passiva do RECORRIDO, mas, o afastamento a representação do Estado, nesse tipo de ações, por licenciados em Direito com funções de apoio jurídico , esta sendo a única leitura, contextuada e legítima da redação dessa 1ª parte do artigo 11º nº2 do CPTA;
36º
Ou seja, o RECORRIDO é parte legítima e não devia ter sido absolvido da instância;
37º
Mas, ainda que assim fosse, ou seja, que se considerasse que a legitimidade passiva dos Ministérios estaria afastada nos processos que tenham por objeto relações contratuais, nas quais teria de ser demandado o Estado, representado pelo Ministério Público;
38º
Esta situação não estaria em causa nos presentes autos pois que, na nossa opinião a relação contratual pré-existente entre A. e R. (aqui RECORRENTE e RECORRIDO) não está em causa, decorreu sem tumultos e é indiscutível que acabou, de facto e de direito, com efeitos a 30 de Abril de 2014;
39º
Nada de controvérsia na relação contratual de trabalho em funções públicas que existiu entre a RECORRENTE e o Ministério da Educação, ora RECORRIDO, apenas e tão só a questão de, na sequência da cessação ter ficado por pagar a compensação acordada e as verbas decorrentes do termo do contrato ;
40º
Pelo que não nos parece sequer que esteja em causa qualquer aspeto da relação contratual no sentido estrito, conforme demonstrado e sustentado pelo Douto Acórdão citado;
41º
Pelo que não estaríamos face a uma ação que, pelo seu objeto – e apenas caso o entendimento e interpretação da 1ª parte do nº2 do artigo 11º do CPTA fosse/seja a proferida na Douta Sentença Recorrida – determinasse a ilegitimidade passiva do Ministério da Educação, pela alegada obrigatoriedade de ser demandado o Estado, representado pelo Ministério Público;
42º
Em terceiro lugar, que por mera cautela de patrocínio se alvitra, ainda que fosse entendido como na Douta Sentença - ultrapassada a discussão acerca da legitimidade passiva do R., ora RECORRIDO que se defende – sendo o RECORRIDO parte ilegítima, não podia/DEVIA ter sido aplicada como consequência à alegada ilegitimidade passiva a absolvição da instância do aí R., ora RECORRIDO;
43º
Mas, nessa circunstância, DEVIA, a ora RECORRENTE, aí A., ter sido – previamente à decisão de absolvição da instância – convidada a aperfeiçoar a petição inicial, no caso, suprindo a exceção dilatória de ilegitimidade mediante a demanda do Estado, representado em juízo pelo Ministério Público;
44º
Conclui-se, pois, que, ainda que houvesse, no seu entender e com a fundamentação aduzida, entendido verificada exceção dilatória decorrente da ilegitimidade passiva do R., deveria a MMª Juíza a quo, ter, nos termos do nº2 do artigo 88º do CPTA, convidado a aí A., aqui RECORRENTE, ao suprimento da exceção dilatória de ilegitimidade demandando a entidade que se entendia com legitimidade passiva para o efeito;
45º
O que, também, seria de harmonia com o disposto no Código de Processo Civil, aplicável ex-vi artigo 1º do CPTA (Lei nº15/2002, na redação da Lei nº63/2011, de 14 de Dezembro, aplicável aos presentes autos, e, em concreto no disposto no artigo 6º nº2 C.P.C., acerca da gestão processual: “ (…) O juiz providencia oficiosamente pelo suprimento da falta de pressupostos processuais suscetíveis de sanação, determinando a realização dos atos necessários à regularização da instância ou, quando a sanação dependa de ato que deva ser praticado pelas partes, convidando estas a praticá-lo.”, também o que dispõe o nº3 do artigo 278º C.P.C. : “(…) As exceções dilatórias só subsistem enquanto a respetiva falta ou irregularidade não for sanada, nos termos do n.º 2 do artigo 6.º; ainda que subsistam, não tem lugar a absolvição da instância
quando, destinando-se a tutelar o interesse de uma das partes, nenhum outro motivo obste, no momento da apreciação da exceção, a que se conheça do mérito da causa e a decisão deva ser integralmente favorável a essa parte.” E, ainda nos termos do artigo 590º nºs 2 al. a) “ Findos os articulados, o juiz profere, sendo caso disso, despacho pré-saneador destinado a: a) Providenciar pelo suprimento de exceções dilatórias nos termos do n.º 2 do artigo 6.º” e nº3 “ (…) O juiz convida as partes a suprir as irregularidades dos articulados, fixando prazo para o suprimento ou correção do vício, designadamente quando careçam de requisitos legais ou a parte não haja
apresentado documento essencial ou de que a lei faça depender o prosseguimento da causa.”
46º
Entendimento que encontra largo apoio na jurisprudência dos Tribunais Superiores, tal como resulta do Douto Acórdão já citado e de outros dois, que se indicam a título de exemplo e, para consulta dos quais, abaixo, se indicam os respetivos sítios/moradas virtuais:
a) Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido em 19 de maio de 2016, nos autos de recurso que correram termos sob o processo nº 01080/15, na 1º Secção:
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/0f02e9527cb9944d80257fc4003b753b?OpenDocument&ExpandSection=1
b) Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul proferido em 21 de Novembro de 2013, nos autos de recurso que correram termos sob o processo nº 07589/11, na Secção CA – 2º Juízo:
http://www.dgsi.pt/jtca.nsf/170589492546a7fb802575c3004c6d7d/487f2ef553bc09f680257c2f003f7191?OpenDocument
47º
Tudo com a mesma lógica infalível da Douta decisão ora Recorrida, que deve ser revista. Parecendo-nos resultar claro e expressivo, do exposto, que a decisão ora recorrida enferma do vícios descritos na alíneas c) do nº1 do artigo 615º do CPC, que determina a respectiva nulidade, assim devendo ser revogada e substituída por outra que reponha a legalidade;
48º
Ou, caso se entenda não existir nulidade, houve, pelo menos erro de julgamento, determinando erro na leitura, interpretação e na aplicação da lei, que determinou a abolvição da instância e não apreciação do mérito da pretensão lícita e legítima, defendida pela Recorrida, então A., pelo que carece a sentença de revisão no sentido exposto.
49º
Que é o que, humildemente, se requer, pelo presente.”


*

O Recorrido contra-alegou, tendo apresentado as seguintes conclusões:


“i. A Recorrente alegou, mas não demonstrou o vício da sentença previsto na al c) do n.º 1 do art.º 615.º do CPC.

ii. A fundamentação apresentada pela Recorrente, no limite, poderia servir de suporte à alegação do vício de erro de julgamento, o qual também não comprova.

iii. Conforme resulta da jurisprudência proferida pelo Supremo Tribunal de justiça, a «nulidade
da decisão por contradição entre os fundamentos e a decisão ocorre quando a fundamentação adoptada conduz a uma conclusão e a decisão extrai outra, oposta ou divergente» (acórdão proferido em 30-10-2014, no Processo n.º 01608/13).

iv. A decisão de absolver o Réu da instância é consentânea com os fundamentos de facto e de direito apresentados pelo aresto – a falta de personalidade judiciária do Réu para ação administrativa comum interposta pela Autora nos termos do disposto no art.º 10.º, n.º 2, do CPTA conjugado com o n.º 2 do art.º 11.º daquele mesmo diploma, pressuposto processual comprovadamente insuprível no caso sub judice.

v. Por conseguinte, ficou claramente demonstrado que a douta sentença não enferma do vício de contradição entre os fundamentos e a decisão, pelo que nunca poderia ser declarada nula com fundamento na 1.ª parte da al. c) do art.º 615.º do CPC.

vi. Ainda que não expressamente alegado pela Recorrente, tão pouco ficou demonstrado o vício da segunda parte da al. c) do n.º 1 do art.º 615.º do CPC.

vii. Bastaria atentar nas transcrições de longos excertos efetuadas pela Recorrente à douta sentença recorrida para se perceber que a mesma não padece daquele vício.

viii. Ainda assim, a douta sentença recorrida também não incorre no vício de erro de julgamento tanto no que se refere aos pressupostos de facto como de direito.

ix. É a Recorrente que procede a uma errada interpretação e aplicação do direito aos factos, desconsiderando as regras da hermenêutica fixadas pelo legislador no art.º 9.º do CC.

x. Atenta os pedidos apresentados pela A., os quais decorrem da celebração do acordo de cessação do contrato de trabalho em funções públicas, à forma como a mesma configura a ação administrativa comum, a decisão nunca poderia ser outra que não a de considerar que, ao caso sub judice, era aplicável o disposto na primeira parte do art.º 10.º, n.º 2, conjugado com o art.º 11, n.º 2, ambos do CPTA.

xi. E que da conjugação daquelas disposições resulta que, no que se reporta a ações administrativas comuns que digam respeito a relações contratuais, como é caso, e de
responsabilidade civil extracontratual, apenas tem personalidade judiciária o Estado, representado pelo Ministério Público, não os Ministérios.

xii. Estando em causa uma ação administrativa comum decorrente da celebração de acordo de cessação de contrato de trabalho, do qual decorrem os créditos peticionados pela Autora, a causa de pedir da mesma é o próprio contrato.

xiii. Assim sendo, o caso sub judice não era subsumível ao disposto no n.º 4 do art.º 10.º do CPTA

xiv. Neste tipo de ações, conforme refere a douta sentença recorrida, funciona a regra da «coincidência entre a personalidade jurídica e a da personalidade judiciária da entidades públicas», pelo que não podem as mesmas ser intentadas contra os ministérios.

xv. In casu, comprovando-se que a Autora intentou a ação contra o Ministério da Educação e Ciência, não está preenchido um dos pressupostos processuais básicos – o da legitimidade da entidade demandada.

xvi. Nos termos da al. e) do n.º 1 do art.º 89.º do CPTA, obstam ao prosseguimento do processo a ilegitimidade do demandado.

xvii. Pese embora a especificidade consagrada nos art.ºs 9.º e 10.º do CPTA sobre a (i)legitimidade das partes, aplica-se ao Processo Administrativo, com ressalva para os art.º 26.º e 26-A do CPC, as disposições legais constantes no CPC sobre essa matéria, conforme decorre do art.º 1.º do CPTA.

xviii. Acontece que o CPC apenas prevê a possibilidade de sanação da falta de personalidade judiciária quando esteja em causa sucursais, agências, filiais, delegações ou representações, o que não é, de todo, o caso em análise.

xix. Com efeito, a ilegitimidade do Ministério da Educação e Ciência para ser parte na presente ação configura uma exceção dilatória insuprível nos termos do disposto na al. d) do n.º 1 do art.º 89.º do CPTA, dos n.ºs 1 e 2 do art.º 576.º do CPC e da al. c) do art.º 577.º do CPC.

xx. Andou bem o douto aresto ao absolver o Réu da instância porquanto o fez de acordo com a factualidade e as disposições legais aplicáveis.

xxi. Sem conceder, mesmo que assim não se entendesse e fosse dada procedência aos pedidos de declaração de nulidade e de anulabilidade do aresto recorrido, a decisão nunca poderia ser outra que não fosse a de absolver o Réu dos pedidos.

xxii. A Recorrente não reunia os pressupostos legais para ter acedido ao Programa de rescisões dos contratos de trabalho em funções públicas previsto na Portaria n.º 332-A/2013 por se encontrar a exercer funções numa instituição de ensino particular e cooperativo, entidade responsável pelo pagamento das respetivas remunerações.

xxiii. Esse facto inquina o acordo celebrado pelas partes e obsta à sua execução, pelo que, a consequência daí resultante só poderá ser a declaração de invalidade do mesmo.

xxiv. Assim sendo, não poderia o Réu ter prosseguido a sua execução nos termos previstos no mesmo.

xxv. Pelo que deverá ser reconhecida a invalidade daquele acordo, absolvendo-se o Réu de todos pedidos.”.

Com dispensa de vistos, vêm os autos à Conferência.

Do objecto do recurso.

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, nos termos dos artigos 144º nº 2 e 146º nº 4 do CPTA e dos artigos 5º, 608º nº 2, 635º nºs 4 e 5 e 639º do CPC, ex vi artigos 1º e 140º do CPTA.
Assim, há que decidir se:
- o saneador-sentença recorrido é nulo, nos termos previstos no 615.º, n.º 1, al. c), do CPC e, subsidiariamente,
- se incorreu em erro de julgamento, de direito, por ter absolvido da instância o Recorrido e ainda por não ter convidado a Recorrente a suprir a irregularidade resultante da alegada falta de legitimidade passiva do Recorrido.


*

Fundamentação.

De facto.

Provam os autos que:

a) A Recorrente exerceu funções docentes no Agrupamento de Escolas D. João II, em Caldas da Rainha, ao abrigo de contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado – doc. n.º 1 junto com a P.I.;

b) Em 29/04/2014, a Recorrente e o Recorrido celebraram acordo escrito por força do qual procederam à extinção do referido contrato, com efeitos a 01/05/2014 – doc. n.º 1 junto com a P.I.;

c) Por força do referido contrato, o Recorrido obrigou-se a entregar à Recorrente o montante de 50.444,19€, a título de compensação calculada de acordo com o estabelecido no art.º 3.º da Portaria n.º 332-A/2013, de 11 de Novembro – doc. n.º 1 junto com a P.I.;

d) E ainda os montantes a que a Recorrente tivesse direito por força da extinção do referido contrato, por aplicação do art.º 180.º do RCTFP.


*
Direito
Da nulidade da sentença.
A Recorrente começa por defender que o saneador-sentença recorrido é nulo nos termos do disposto no art.º 615.º, n.º 1, al. c), do CPC, por os fundamentos de facto e de direito ali indicados levarem à prolação de “decisão diversa, favorável à ora Recorrente, conforme explanou”.
Estatui a referida alínea c) do mencionado artigo que “1 - É nula a sentença quando: c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão;”.
Tal nulidade verifica-se nas situações em que os fundamentos de facto e de direito expressos na sentença levariam a conclusão diversa da que foi tomada, por existir uma contradição lógica entre a fundamentação e a decisão.
Não se detecta entre os fundamentos de facto ou de direito que constam do saneador-sentença recorrido e a decisão que aí foi tomada, qualquer contradição lógica, nem a Recorrente a indica.
O que a Recorrente alega nas suas alegações, é que há erro na interpretação das normas que regulam a matéria da legitimidade passiva, o que não se reconduz à nulidade que invoca, mas sim a um hipotético erro de julgamento.
Improcede, por isso, a invocada nulidade do saneador-sentença recorrido.
*
Do mérito.
A P.I. foi remetida para o Tribunal a 17/04/2015, pelo que há que atender, na apreciação do mérito do presente recurso, à versão que o CPTA tinha antes das alterações que lhe foram introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 02/10, conforme resulta do estatuído no art.º 15.º, n.º 2, desse diploma.
A Recorrente defende que no saneador-sentença recorrido fez-se uma errada interpretação das regras que constam do art.º 10.º, n.º 2 e art.º 11.º, n.º 1 do CPTA e que a legitimidade passiva cabe, no caso, ao Ministério da Educação, contra quem interpôs a acção.
Para tanto, diz que, nos autos, não se discute qualquer questão relacionada com o contrato de trabalho em funções públicas que a vinculava ao Recorrido, pelo que entende que não está em causa qualquer relação de natureza contratual, tendo a decisão recorrida errado ao aplicar o disposto no art.º 11.º, n.º 1 do CPTA e defende ainda que, de todo o modo, este artigo apenas tem por efeito afastar a representação do Estado por licenciados em direito, atribuindo-a, nas acções que tenham por objecto relações contratuais ou de responsabilidade, ao Ministério Público.
No despacho saneador recorrido entendeu-se que a legitimidade passiva cabe ao Estado Português e não ao Ministério da Educação, contra quem a acção foi intentada.
Para tanto e em síntese, considerou-se que “estamos no âmbito de uma ação administrativa comum, onde o objeto do litígio [está] envolto num ambiente de relação contratual laboral”, tendo-se, por isso, afastado a aplicação do regime previsto no n.º 2 do art.º 10.º do CPTA em favor da “regra da coincidência entre a personalidade jurídica e a personalidade judiciária das entidades públicas”.
A legitimidade constitui o pressuposto processual através do qual se atende à relação existente entre a parte e o objecto do processo, tal como este se encontra vertido na P.I..
O n.º 1 do art.º 10.º do CPTA determina que cada acção deve ser proposta contra a outra parte na relação material controvertida.
O n.º 2 do art.º 10.º do CPTA, ao reconhecer legitimidade passiva aos Ministérios (que são órgãos do Estado e não entidades com personalidade jurídica, mas a que a lei reconhece, para determinado tipo de acções, personalidade judiciária), aplica-se no âmbito das acções que têm por objecto actos ou omissões em que está em causa o exercício de poderes de autoridade ou a impugnação de normas (artigos 50° e segs. e 72° do CPTA) e a que há a acrescentar ainda as acções em que se formulem pedidos dirigidos à condenação na prática de acto devido e à declaração de ilegalidade por omissão de normas (artigos 66° e 77° do CPTA), bem como as acções de reconhecimento de direito, ou as acções de condenação à adopção ou abstenção de comportamentos, designadamente as que tenham em vista a condenação da Administração à não emissão de um acto administrativo (artigo 37º n°2, alíneas a), b), c) d) e e) do CPTA). Não tem aplicação nos processos que têm por objecto a sindicância de relações contratuais, ou a efectivação da responsabilidade civil, que seguem a forma das acções administrativas comuns – cfr. Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira, em anotação àquele art.10.º, in CPTA anotado, págs. 167 e Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha in “Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, Almedina, 2ª ed. págs. 82 e 83.

No presente caso, a Recorrente alega que, no dia 29 de Abril de 2014 e no âmbito do “programa de rescisões por mútuo acordo de docentes”, regulado pela Portaria nº322-A/2013, de 11 de Novembro, celebrou um acordo de cessação do contrato de trabalho em funções públicas que a vinculava ao Recorrido, mas que não lhe foi paga a compensação ali acordada, no montante de 50.444,19€, nem as demais importâncias previstas no art.º 180.º do RCTFP.

Alega ainda que a celebração de tal acordo foi autorizada por despacho do Secretário de Estado da Administração Pública, datado de 11/04/2014, que diz encontrar-se consolidado na ordem jurídica por não ter sido revogado ou anulado no prazo de um ano a contar da sua emissão.

Na P.I. pediu que o ora Recorrido fosse condenado a:

a) Proceder ao pagamento de compensação à A., no montante de € 50.444,19, devida na sequência da celebração de acordo de cessação de contrato de trabalho em funções públicas;
b) Proceder ao cálculo e pagamento das importâncias devidas na sequência da cessação do contrato então previstas no artigo 180° do RCTFP, que se apuram no montante de € 5.709,06 (férias e subsídio de férias vencidas e não gozadas em 1.1.2014, proporcionais de férias e subsídio de férias peio trabalho prestado em 2014 até à cessação, proporcionais do subsídio de natal 2014, a A. auferia o vencimento, à data da cessação pelo índice 218, a que correspondia, já com as reduções remuneratórias aplicáveis, o valor bruto de € 1.913,02, protesta juntar recibo de vencimento para justificação do cálculo destas importâncias);
c) Para além dos pagamentos ora discriminados, todos e quaisquer pagamentos que se venham a vencer e provar ser devidos na sequência da reconstituição da situação;
d) No pagamento de juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa legal, de 4%, referentes ao período em mora, a contar de 1 de maio de 2014 até à data do efetivo e integral pagamento de todas as importâncias em dívida e das que se vierem apurar como devidas, que se contabilizam, para efeitos de liquidação da presente ação até 30 de Abril de 2015, em € 2.246,13;
e) Pedido liquido no valor total de 58.399,38, ao qual terão de acrescer além dos juros de mora vincendos todos e quaisquer pagamentos que se venham a vencer e provar ser devidos na sequência da reconstituição da situação;
e) Na condenação do R. no pagamento de custas e demais encargos e procuradoria.”

Há, assim, que concluir, perante a indicada causa de pedir e os pedidos formulados, que estamos perante uma acção que tem por objecto relações contratuais, em que se invoca o incumprimento, por parte do Recorrido, da obrigação de pagamento do montante de € 50.444,19, assumida no acordo de extinção do contrato de trabalho e em que, para além disso, também se pede a condenação do Recorrido ao pagamento de € 5.709,06 com fundamento no estatuído no art.º 180° do RCTFP, que estabelece os efeitos decorrentes da cessação do contrato de trabalho, nomeadamente no que se refere à remuneração do período de férias a considerar e respectivo subsídio.
Para contestar o pedido que assenta na violação das obrigações de natureza contratual seria competente o Estado, representado pelo M.P., por o art.º 10.º, n.º 2, 2ª parte, do CPTA, não reconhecer nem personalidade judiciária, nem legitimidade passiva ao Ministério da Educação para contestar esse pedido, devendo por isso, reger a regra que determina que a legitimidade passiva pertence à pessoa colectiva que tem interesse em contradizer o pedido, no caso o Estado – art.º 10.º, n.ºs 1 e 2 e 11.º, n.º 2, ambos do CPTA e art.º 30.º, n.º 3 do CPC.
Porém, a legitimidade para contestar o pedido de pagamento das importâncias devidas na sequência da cessação do contrato de trabalho, previstas no artigo 180° do RCTFP, que a Recorrente diz ascenderem ao montante de € 5.709,06, já pertence ao Ministério da Educação, por estarmos perante o incumprimento de um dever de prestar que decorre directamente de uma norma que tem natureza jurídico-administrativa, situação essa em que rege o disposto no art.º 10.º, n.º 2, 2ª parte, do CPTA, que atribui legitimidade passiva e, por conseguinte, reconhece personalidade judiciária aos Ministérios neste tipo de situações.
Perante a referida cumulação de pedidos, em que a legitimidade passiva cabe, para contestação de um deles, ao Estado, representado pelo M.P. e, quanto ao outro pedido, ao Ministério da Educação, deve entender-se que a legitimidade passiva cabe, por inteiro, a esse Ministério.
Confira-se, neste sentido, o decidido nos acórdãos proferidos por este TCAS em 10/01/2013, proc. n.º 09283/12, bem assim como a demais jurisprudência aí referida, e em 15/01/2015, proc. n.º 11502, acessíveis em www.dgsi.pt. Na doutrina, veja-se Mário Esteves de Oliveira e outro in “Código de Processo Nos Tribunais Administrativos”, Almedina, vol. I, pág. 175 e Aroso de Almeida, “Manual de Processo Administrativo”, Almedina, 2016, 2ª ed., págs. 243 a 245, sendo que este último autor considera já o disposto no n.º 7 do art.º 10.º do CPTA, na actual redacção, que veio a instituir solução próxima da ora defendida.
Há, assim, que concluir que, na presente acção, a legitimidade passiva para contestar todos os pedidos cabe ao Ministério da Educação.
Fica prejudicado o conhecimento do erro de julgamento que a Recorrente aponta ao saneador-sentença por não ter sido convidada a aperfeiçoar a P.I., de forma a suprir a suposta falta de legitimidade do Recorrido.
Decisão
Pelo exposto, acordam em conferência os juízes da secção de contencioso administrativo do TCA Sul, em conceder provimento ao recurso e revogar o saneador-sentença recorrido, devendo os autos prosseguir os ulteriores termos, se a tal nada mais obstar.
Custas pelo Recorrido.


Lisboa, 18 de Fevereiro de 2021




O relator consigna, nos termos do disposto no art. 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13.03, aditado pelo art. 3.º do DL n.º 20/2020, de 01.05, que têm voto de conformidade com o presente acórdão os Juízes Desembargadores que integram a formação de julgamento.


Jorge Pelicano


Celestina Castanheira

Carlos Araújo