Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:
I. Relatório
O R., Serviços de Ação Social da Universidade de Lisboa, veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, em 23.09.2022, que julgou parcialmente procedente a ação administrativa urgente de reconhecimento de direito, intentada que foi ao abrigo do disposto no art. 48.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20.11, que aprovou o regime jurídico dos acidentes em serviço e das doenças profissionais (LAS), reconhecendo o direito da A., ora Recorrida, A…, à remuneração correspondente aos 26 (vinte e seis) dias de férias não gozados.
Na ação em apreço a A. havia peticionado «a anulação do ato que determinou a extinção do direito a gozar as férias vencidas e não gozadas durante o período em que esteve com incapacidade temporária absoluta e o reconhecimento do direito ao gozo de todas as férias vencidas e não gozadas ou, em alternativa, ao pagamento das mesmas.»
Em sede de alegações de recurso o R., ora Recorrente, concluiu como se segue – cfr. fls. 388 e ss., ref. SITAF:
«(…)
I - Ao considerar-se que a A. intentou a ação de reconhecimento de direito dentro do prazo de um ano que dispunha para o efeito, o entendimento vertido na sentença violou o disposto no artigo 48.º do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de novembro, pois o prazo já se tinha esgotado em qualquer caso:
a) No caso das férias de 2018 ou se tinha começado a contar desde o dia 1 de janeiro de 2018, ou do dia 1 de janeiro de 2019 ou ainda do dia 17 de abril de 2019;
b) No caso das férias de 2019 ou se tinha começado a contar desde o dia 1 de janeiro de 2019, ou do dia 10 de julho de 2019 ou ainda do dia 1 de janeiro de 2020;
II - A recorrente também não pode conformar-se com a douta sentença que decide, sem previsão legal, aplicar uma norma e interpretação que não existe para os trabalhadores integrados no regime de proteção social convergente relativamente ao direito a férias. Com efeito, “(…) a ausência de norma especial que se refira aos efeitos das faltas por motivo de doença dos trabalhadores integrados no regime de protecção social convergente relativamente ao direito a férias, em conjugação com o disposto no artigo 15.º da Lei n.º 35/2014, de 20 de Junho, que é especificamente dedicado às faltas por doença e que determina de forma categórica, no seu n.º 1, que “[a] falta por motivo de doença devidamente comprovada não afeta qualquer direito do trabalhador, salvo o disposto nos números seguintes”, que nada dispõem sobre efeitos no direito a férias, impõe, de acordo com os ditames da interpretação jurídica, a conclusão de que as faltas por doença daqueles trabalhadores ainda que superiores a 30 dias não determinam quaisquer efeitos sobre as férias”;
III - Assim, à situação da recorrida (trabalhadora integrada no regime da proteção social convergente) que faltou ao serviço por doença por período superior a um mês, não é aplicável o disposto nos artigos 278.º, 129.º e 127.º da LGTFP”, por força do disposto no artigo 15.º, n.ºs 1 e 6, da Lei n.º 35/2014, de 20 de junho.
IV - A sentença recorrida viola as normas jurídicas apontadas, designadamente, quando:
i. Admite o pedido sem considerar que o prazo para o efeito havia transcorrido;
ii. Reconhece um direito que está caducado;
iii. Aplica um regime inexistente para o caso em apreço e que a lei expressamente propugna para um universo distinto de situações.
Termos em que face ao exposto e com o mui douto suprimento de Vossas Excelências, que se peticiona, deve ser considerado procedente o presente recurso jurisdicional, revogando-se a decisão recorrida do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, sendo substituída por outra que julgue improcedente a ação intentada. (…)».
Notificada do recurso interposto, a Recorrida não contra-alegou.
O DMMP deste tribunal, notificado nos termos e para os efeitos do n.º 1 do art. 146.º e do n.º 2 do art. 147.º, ambos do CPTA, emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso - cfr. fls. 409 e ss., ref. SITAF.
Com dispensa dos vistos, atenta a natureza urgente dos autos, vem o processo à conferência desta Secção do Contencioso Administrativo para decisão.
I. 1. Questões a apreciar e decidir
As questões suscitadas pelo Recorrente, delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, traduzem-se em apreciar e decidir se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao ter i) reconhecido um direito que está caducado e ii) aplicado um regime inexistente para o caso em apreço e que a lei expressamente propugna para um universo distinto de situações.
II. Fundamentação
II.1. De Facto
A matéria de facto constante da sentença recorrida é aqui transcrita ipsis verbis - cfr. fls. 350 e ss., ref. SITAF:
«(…)
1. Em 15 de dezembro de 1997, a Autora celebrou contrato de trabalho por tempo indeterminado para o desempenho de funções na categoria de auxiliar de alimentação, do mapa de pessoal dos SASUTL, (cf. página 73 e 74 do documento de fls. 42 a 127 do SITAF).
2. A Autora está inscrita e efetua contribuições para a Caixa Geral de Aposentações, (cf. recibos de vencimento a fls. 66 a 68 do documento de fls. 241 a 313 do SITAF)
3. Em 20 de abril de 2009, a Autora sofreu um acidente em serviço, por ter caído nas instalações da Entidade Demandada, sitas na Rua da J…, …, em Lisboa, (cf. Participação e qualificação do acidente em serviço, a páginas 31 e 32 do documento de fls. 42 a 127 do SITAF).
4. Em 21 de abril de 2009, pelo Centro de Saúde Amora – USF SA, foi atribuída à Autora uma incapacidade temporária absoluta para comparecer ao serviço. (cf. Participação e qualificação do acidente em serviço, a páginas 33 e 34 do documento de fls. 42 a 127 do SITAF).
5. Nas consultas subsequentes, ocorridas em 30 de abril de 2009 e 9 de abril de 2009, foi confirmada a incapacidade temporária absoluta da Autora para comparecer ao serviço. (cf. participação e qualificação do acidente em serviço, a páginas 33 e 34 do documento de fls. 42 a 127 do SITAF).
6. Em 15 de maio de 2009, a Autora foi considerada sem incapacidade, (cf. Anexo II da Participação e qualificação do acidente em serviço, a página 34 do documento de fls. 42 a 127 do SITAF).
7. Em 19 de maio de 2009, o processo foi reaberto tendo sido atribuída à Autora incapacidade temporária absoluta para comparecer ao serviço, (cf. Anexo II da Participação e qualificação do acidente em serviço, a página 34 do documento de fls. 42 a 127 do SITAF).
8. Em 08 de junho de 2011, pelo Instituto da Segurança Social I.P., foi reconhecida à Autora doença profissional, com início em 19-04-2011, (cf. Certificação de doença profissional, a páginas 27 a 30 do documento de fls. 42 a 127 do SITAF).
9. Em 08 de janeiro de 2018, a Autora foi submetida a Junta Médica da ADSE, que concluiu que a Autora tem uma incapacidade temporária absoluta, (cf. página 11 do documento de fls. 241 a 313 do SITAF).
10. A incapacidade temporária absoluta da Autora foi, posteriormente, confirmada por juntas médicas realizadas em 05 de fevereiro de 2018, 12 de março de 2018, 11 de abril de 2018, 16 de maio de 2018, 14 de junho de 2018, 19 de julho de 2018, 22 de agosto de 2018, 26 de setembro de 2018, 24 de outubro de 2018, 28 de novembro de 2018, (cf. página 12, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 26 do documento de fls. 241 a 313 do SITAF).
11. Em 28 de novembro de 2018, a Junta Médica da ADSE determinou que a Autora se apresentasse ao serviço em 10.12.2018, tendo sido agendada nova junta médica para 10-01-2019, (cf. página 26 do documento de fls. 241 a 313 do SITAF).
12. A Autora gozou férias de 10-12-2018 a 9-01-2019, (cf. página 71 e 72 do documento de fls. 241 a 313 do SITAF).
13. Em 10 de janeiro de 2019, a Junta Médica da ADSE atribuiu “alta do presente acidente de trabalho com eventual incapacidade permanente absoluta”, mais determinou que a Autora “deveria ser presente à junta médica da CGA”, (cf. página 27 do documento de fls. 241 a 313 do SITAF).
14. Por ofício n.º EAC721AN.1372829/00, datado de 22 de março de 2019, foi comunicado à Entidade Demandada que, em 20 de março de 2019, foi realizada uma Junta Médica da Caixa Geral de Aposentações, relativa ao agravamento do acidente ocorrido em 20 de abril de 2009, tendo-se concluído o seguinte: “[d]as lesões apresentadas não resultou uma incapacidade permanente absoluta para o exercício das suas funções; Das lesões apresentadas não resultou uma incapacidade permanente absoluta de todo e qualquer trabalho. A desvalorização passou de 24,47% para 38,95%”, (cf. página 47 do documento de fls. 241 a 313 do SITAF).
15. Em 17 de abril de 2019, a Autora regressou ao trabalho, (cf. página 70 do documento de fls. 241 a 313 do SITAF).
16. A Autora gozou férias de 26-04-2019 a 28-04-2019, (cf. página 70 do documento de fls. 241 a 313 do SITAF).
17. Em 30 de abril de 2019, a ACES Almada Seixal – USF Amora (Agrupamentos de Centros de Saúde) determinou um período de incapacidade de 30 (trinta) dias para comparecer ao serviço, que vigorou entre 29 de abril de 2019 a 10 de maio de 2019, por doença profissional, e que foi, posteriormente, prolongada durante o período de 11 de maio de 2019 a 09 de julho de 2019, (cf. página 49 e 51 do documento de fls. 241 a 313 do SITAF).
18. Por ofício n.º DAF/NAD-RH-17, datado de 15 de fevereiro de 2021, a Entidade Demandada comunicou à Caixa Geral de Aposentações que, entre 29-04-2019 e 02-02-2021, a Autora esteve ausente do serviço, por razão de incapacidade absoluta temporária, em virtude de processo de estabelecimento de percentagem de incapacidade por doença profissional, (cf. página 49 e 51 do documento de fls. 241 a 313 do SITAF).
19. A Autora gozou férias entre 18-02-2021 e 23-03-2021, o que corresponde a 24 (vinte e quatro) dias de férias, referentes a férias acumuladas do exercício de 2020, (cf. requerimento da Autora, autorizado pela Entidade Demandada, a página 67 do documento de fls. 42 a 127 do SITAF)
20. Em 08 de abril de 2021, a Autora remeteu para o endereço eletrónico da Entidade Demandada um correio eletrónico (comumente designado e-mail), sob o assunto “Marcação de férias”, com o seguinte conteúdo: “(…) que me fosse esclarecido das férias de 2018 que fiquei com alguns dias e os 24 dias de 2019.”, (cf. página 65 do documento de fls. 42 a 127 do SITAF)
21. Em resposta ao correio eletrónico mencionado no ponto antecedente, em 09 de abril de 2021, a Entidade Demandada remeteu à Autora, por correio eletrónico, ofício, com a referência ADMIN 2021, datado de 08 de abril de 2021, sob o assunto: “gozo de férias acumuladas”, com o seguinte conteúdo:
“Na sequência do seu pedido de esclarecimento, relativamente ao número de dias de férias a que tem direito, somos a informar que conforme disposto nos artigos 122.°, 127.° e 129,° da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, conjugado com o artigo 240.° do Código do Trabalho, as férias respeitantes a ano (s) anterior (es) ao ano no qual o trabalhador se encontra, poderão ser gozadas até 30 de abril.
Desta forma, e conforme interpretação comummente aplicada pela Universidade de Lisboa, as férias de anos anteriores que não forem gozadas até 30 de abril, extingue-se o direito ao seu gozo efetivo após essa data.
(…).” (cf. página 63 do documento de fls. 42 a 127 do SITAF)
22. Em 12 de abril de 2021, a Entidade Demandada remeteu para o endereço eletrónico da Autora um correio eletrónico, sob o assunto “Comunicação CGA”, com o seguinte conteúdo: “Bom dia, segue em anexo comunicação da CGA.” (cf. página 61 e 62 do documento de fls. 42 a 127 do SITAF)
23. A Autora respondeu ao correio eletrónico mencionado no ponto antecedente em 12 de abril de 2021, referindo o seguinte: (cf. página 61 do documento de fls. 42 a 127 do SITAF)
“Boa tarde.
Na sexta feira o carteiro veio-me entregar uma carta registada da Universidade como estava na fisioterapia o meu filho não assinou e pediu ao carteiro para deixar o aviso na caixa do correio coisa que ele não fez já fui aos Correios hoje mas como não tinha o número do registo não me deram e nem me informaram se lá esta pedia para má enviarem outra vez. Atenciosamente, A…”
24. Em 11 de abril de 2022, deu entrada neste Tribunal a presente ação, cf. comprovativo de fls. 1 do SITAF.
FACTOS NÃO PROVADOS
Não resulta provado com interesse para a decisão a proferir nos autos, a data em que a Autora acedeu ao correio eletrónico através do qual foi remetido, para a sua caixa postal eletrónica, o ofício identificado no ponto 21 do probatório.
MOTIVAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
A convicção do Tribunal formou-se com base na análise crítica da documentação não impugnada junta aos articulados iniciais das partes e do processo administrativo instrutor, e que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, nos termos descritos em cada uma das alíneas do probatório em que se alude à documentação.»
II.2. De Direito
i) Do erro de julgamento de direito em que incorreu a sentença recorrida ao ter reconhecido um direito que está caducado.
Alega o Recorrente que a sua resposta ao pedido de informação solicitado pela A., ora Recorrida, sobre os dias de férias que ainda poderia gozar por referência a anos anteriores – cfr. facto n.º 21 da matéria de facto supra -, não consubstancia um ato administrativo, pois que apenas se reconduz a um mero enquadramento genérico do que resulta da lei.
Mais alega que, por aplicação do disposto no art. 48.º da LAS, a presente ação deveria ter sido intentada no prazo de um ano após o direito a férias se ter constituído na esfera jurídica da A., ou no prazo de um ano após o decurso do prazo durante o qual a trabalhadora poderia ter gozado as férias, sendo que, em ambos os casos, a presente ação sempre seria extemporânea.
Com relevância para a decisão da causa, dispõe o invocado art. 48.° da LAS, sob a epígrafe «ação para reconhecimento do direito», o seguinte:
«1. O interessado pode intentar, no prazo de um ano, nos tribunais administrativos, acção para reconhecimento do direito ou interesse legalmente protegido contra os actos ou omissões relativos à aplicação do presente diploma, que segue os termos previstos na lei de processo nos tribunais administrativos e tem carácter de urgência.
(…)
3. O prazo referido no n.º1 conta-se:
a) Da data da notificação, em caso de acto expresso;
b) Da data da formação de acto tácito de indeferimento da pretensão formulada.»
Sobre o âmbito de aplicação deste prazo de caducidade de um ano já teve oportunidade de se pronunciar este tribunal de recurso, em acórdão de 08.04.2021, proferido no processo n.º314/19.6BEFUN e do qual se pode retirar, com bastante acuidade para a decisão em causa, a seguinte doutrina:
«(…) do transcrito n.º 1, o prazo de um ano aí previsto para intentar a acção para reconhecimento de direito ou interesse legalmente protegido apenas se aplica aos pedidos deduzidos “contra os actos ou omissões relativos à aplicação do presente diploma”.
O que significa que, no caso de se cumularem outros pedidos que não digam respeito ao reconhecimento de direitos previstos na LAS ou, por remissão desta, no regime geral de reparação de acidentes de trabalho (que se encontra actualmente regulamentado pela Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro), não se aplica, quanto a esses outros pedidos, o prazo de caducidade de um ano estabelecido no n.º 1 do referido art.º 48.º da LAS. (…)» mas sim os prazos previstos nos CPTA, «sem prejuízo dos prazos que resultam da lei substantiva».
Por pedidos que digam respeito ao reconhecimento de direitos que decorrem da LAS podemos considerar todos aqueles que se prendam com, designadamente, a qualificação do acidente e da doença, respetivas prestações e incapacidades, mas não um pedido de reconhecimento do direito a férias, pese embora, como no caso em apreço, o seu concreto reconhecimento pressuponha a pré-existência de uma situação de acidente em serviço.
Neste pressuposto, resultando provado nos autos que, em resposta a um e-mail enviado pela A., ora Recorrida, ao Recorrente, em 08.04.2021, após a sua apresentação ao serviço, que ocorreu em 03.02.2021 – cfr. facto n.º 18 supra – e de subsequente gozo de período de férias (de 18.02.2021 e 23.03.2021), através do qual solicitou, sob o assunto, «Marcação de férias», esclarecimento sobres as «(...) férias de 2018 que fiquei com alguns dias e os 24 dias de 2019»- cfr. facto n.º 20 supra - o Recorrente respondeu, a 09.04.2021, nos seguintes termos: «Na sequência do seu pedido de esclarecimento, relativamente ao número de dias de férias a que tem direito, somos a informar que conforme disposto nos artigos 122.°, 127.° e 129,° da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, conjugado com o artigo 240.° do Código do Trabalho, as férias respeitantes a ano (s) anterior (es) ao ano no qual o trabalhador se encontra, poderão ser gozadas até 30 de abril.
Desta forma, e conforme interpretação comummente aplicada pela Universidade de Lisboa, as férias de anos anteriores que não forem gozadas até 30 de abril, extingue-se o direito ao seu gozo efetivo após essa data.» - cfr. facto n.º 21 supra – (sublinhados nossos).
Tal resposta, a A., ora Recorrida, interpretou como sendo um ato que «determinou a extinção do direito a gozar as férias vencidas e não gozadas durante o período em que esteve com incapacidade temporária absoluta» - cfr. pedido formulado na petição inicial, na qual peticiona a sua anulação.
Considera o Recorrente que a sua resposta, supra transcrita, não consubstancia um ato administrativo, mas uma mera informação, mas sem razão. Vejamos porquê.
Nos termos do art. 148.º do CPA, são «atos administrativos as decisões que, no exercício de poderes jurídico-administrativos, visem produzir efeitos jurídicos externos numa situação individual e concreta».
O Recorrente, ao responder à Recorrida, «relativamente ao número de dias de férias a que tem direito», que, sendo estes referentes a férias de anos anteriores, se «não forem gozadas até 30 de abril, extingue-se o direito ao seu gozo efetivo após essa data», está, efetivamente, a decidir a situação da Recorrida quanto ao direito a férias não gozadas, por referência à pergunta que lhe foi colocada, fundamentando a sua decisão em diversas disposições legais de Direito do Emprego Público.
De onde decorre que o ato praticado pelo Recorrente – cfr. facto n.º 21 da matéria de facto supra -, comporta em si uma decisão autoritária, na qual se identifica o seu autor, o seu destinatário e o objeto do seu conteúdo, a saber, gozo de dias de férias por parte da Recorrida, por referência aos anos de 2018 e 2019, devendo considerar-se, face a todo o exposto, um ato administrativo.
Aqui chegados, e retomando o pressuposto inicial que enunciámos de que o pedido impugnação deste ato e consequente reconhecimento do direito a férias, pese embora, o seu concreto reconhecimento pressuponha, no caso em apreço, a pré-existência de uma situação de acidente em serviço, cai fora do âmbito de aplicação do prazo de caducidade de 1 ano, previsto no n.º 1 do art. 48.º da LAS, pois que não diz respeito ao reconhecimento de direitos que decorrem desta mesma LAS.
Ao pedido formulado no caso em apreço aplicam-se, sim, os prazos de propositura da ação que resultam do CPTA para as ações condenatórias.
Vejamos em que termos.
No art. 66.º do CPTA, sob a epígrafe, «Objeto», estabelece-se que:
1 - A ação administrativa pode ser utilizada para obter a condenação da entidade competente à prática, dentro de determinado prazo, de um ato administrativo ilegalmente omitido ou recusado.
2 - Ainda que a prática do ato devido tenha sido expressamente recusada, o objeto do processo é a pretensão do interessado e não o ato de indeferimento, cuja eliminação da ordem jurídica resulta diretamente da pronúncia condenatória.
No art. 69.º, por seu turno, também do CPTA, sob a epígrafe «Prazos», define-se que:
1 – (…)
2 - Nos casos de indeferimento, de recusa de apreciação do requerimento ou de pretensão dirigida à substituição de um ato de conteúdo positivo, é aplicável o disposto nos artigos 58.º, 59.º e 60.º
O que nos transporta, por fim, para o art. 58.º do CPTA, que, também sob a epígrafe «Prazos», estabelece que:
1 - Salvo disposição legal em contrário, a impugnação de atos nulos não está sujeita a prazo e a de atos anuláveis tem lugar no prazo de:
a) Um ano, se promovida pelo Ministério Público;
b) Três meses, nos restantes casos.
2 - Sem prejuízo do disposto no n.º 4 do artigo 59.º, os prazos estabelecidos no número anterior contam-se nos termos do artigo 279.º do Código Civil, transferindo-se o seu termo, quando os prazos terminarem em férias judiciais ou em dia em que os tribunais estiverem encerrados, para o 1.º dia útil seguinte.
3 – (…)
4 - (Revogado.)
Neste pressuposto, resulta provado nos autos que o ofício para notificação do ato em apreço foi remetido à A., para o seu correio eletrónico, em 09.04.2021 – cfr. facto n.º 21 supra –, mais tendo concluído o tribunal a quo, em juízo não impugnado nos autos, que a A. se considerava 14.04.2021, ou seja, no quinto dia útil seguinte – cfr. art. 113.°, n.° 6, do CPA.
A presente ação deu entrada em juízo em 11.04.2022, ou seja, cerca de um ano depois da data em que a A. foi notificada do ato que pretende impugnar, o que, como vimos, ultrapassa em muito o prazo de três meses que teria para o efeito – cfr. art.s 66.º, n.º 2, 69.º e 58.º, n.º 1, alínea b), do CPTA -, pelo que, no caso em apreço, tem razão o Recorrente, relativamente à caducidade do direito que A. pretendia fazer valer através da presente ação.
Acresce que, face ao disposto no art. 38.º, n.º 2, do CPTA(1), no qual se estabelece que «[n]ão pode ser obtido por outros meios processuais o efeito que resultaria da anulação do ato inimpugnável». E isto porque, perante a existência de um ato administrativo que procedeu à definição jurídica da situação da A., ora Recorrida – cfr. facto n.º 21 supra - nunca esta poderia, na ausência de impugnação atempada daquele ato, obter o mesmo efeito jurídico com uma ação de reconhecimento de direito – cfr. pedido constante, em parte, da petição inicial. Sendo certo que, no caso, o resultado seria o mesmo, a absolvição da instância do R., desta feita por verificação da inidoneidade do meio processual escolhido, face ao concreto efeito jurídico que se pretendia obter com a ação, enquanto exceção dilatória inominada insuprível(2).
Nestes termos, e face a todo o exposto, imperioso se torna conceder provimento em ao recurso e revogar a sentença recorrida na parte em que considerou tempestiva a ação, ficando assim prejudicado o conhecimento do segundo erro de julgamento imputado à sentença recorrida, por inutilidade.
III. Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes da secção do contencioso administrativo deste Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recuso, revogar a decisão recorrida e, julgando procedente, por provada, a invocada exceção de intempestividade da prática do ato processual, absolver o R. da instância, ao abrigo do art. 89.º, n.ºs 1, 2 e 4, alínea k), do CPTA.
Sem Custas.
Lisboa, 09.02.2023
Dora Lucas Neto
Pedro Nuno Figueiredo
Ana Cristina Lameira
___________________
(1) Enquanto questão impeditiva do conhecimento do mérito da causa e que, processualmente, se manifesta como uma exceção dilatória inominada cuja verificação impõe a absolvição do réu da instância — neste sentido, v. ac. STA de 24.09.2015, P.01256/13, disponível em www.dgsi.pt.
(2) Neste sentido, também, v. ac. TCA Sul, desta mesma formação de julgamento, de 10.12.2020, P. 2274/19.4BELSB, disponível em www.dgsi.pt |