Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 1056/18.5BELRA |
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Secção: | CT |
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Data do Acordão: | 04/03/2025 |
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Relator: | TIAGO BRANDÃO DE PINHO |
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Descritores: | BENEFÍCIO FISCAL AUTOMÁTICO EMPREENDIMENTO DE UTILIDADE TURÍSTICA REVOGAÇÃO |
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Sumário: | 1 – O eventual erro de julgamento quanto à validade de um ato revogatório não é fundamento de nulidade da sentença por omissão de pronúncia. 2 - A sentença que considera que não foi praticado qualquer ato administrativo anterior à liquidação e decide que, por essa razão, o instituto da revogação não pode ser invocado não é nula por oposição dos fundamentos com a decisão da sentença. 3 - Os benefícios fiscais previstos no artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 423/83 são de aplicação automática, pelo que não têm de ser reconhecidos através de um ato administrativo em matéria tributária. 4 - A revogação é um ato de segundo grau que pressupõe a existência do ato primário. 5 – O prazo de caducidade da primeira liquidação de IMT efetuada após a transmissão do bem é de oito anos contados da data da transmissão. 6 - Quer a regra da proibição da aplicação retroativa da lei fiscal, quer o princípio da tutela da confiança legítima são comandos constitucionais que enformam a aplicação da lei fiscal no tempo que não são violados pela utilização da fundamentação de um acórdão a um facto tributário anterior à sua prolação. 7 – Encontra-se fundamentado o ato de liquidação de IMT, no valor de € 19.155,50, que resulta da aplicação da taxa de 6,5% ao valor patrimonial tributário de € 294.700,00, depois de a Administração ter verificado, na senda da jurisprudência firmada pelo STA, que o contribuinte, afinal, não reunia os requisitos para o reconhecimento automático da isenção prevista no artigo 20.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 de dezembro, de que havia beneficiado. |
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Votação: | Votação |
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Indicações Eventuais: | Subsecção Tributária Comum |
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Aditamento: | ![]() |
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Decisão Texto Integral: | Acordam na Subsecção Tributária Comum do Tribunal Central Administrativo Sul: Na Impugnação Judicial n.º 1056/18.5BELRA, deduzida por M.... contra Autoridade Tributária e Aduaneira no Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, foi proferida sentença em 3 de março de 2021 que, julgando-a improcedente, manteve a liquidação de IMT relativa à aquisição da fração autónoma designada pela letra D do prédio urbano inscrito na matriz da freguesia do Vau, concelho de Óbidos, sob o artigo 3…, sita no Aldeamento Turístico .... (Conjunto Turístico …. – .... & ...). A sentença ora posta em xeque considerou que não caducara o direito à liquidação, que o ato tributário impugnado não resultou da revogação de um benefício fiscal anteriormente reconhecido à luz do artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 423/83, que não foi violada qualquer norma constitucional, que a liquidação se encontra fundamentada e que não foi preterido o direito de audição prévia da contribuinte. Inconformada, a Recorrente formulou as seguintes conclusões: A) No que respeita à extinção dos benefícios fiscais, dispõe o artigo 14.º do EBF: a extinção dos benefícios fiscais tem por consequência a reposição automática da tributação-regra (n.º1). O nº4 do mesmo preceito legal, por seu turno, prescreve que o “acto administrativo que conceda um benefício fiscal não é revogável, nem pode rescindir-se o respectivo acordo de concessão, ou ainda diminuir-se, por acto unilateral da administração tributária, os direitos adquiridos, salvo se houver inobservância imputável ao beneficiário das obrigações impostas, ou se o beneficiário tiver sido indevidamente concedido, caso em que aquele acto pode ser revogado; Não houve, nem foi invocado qualquer inobservância de obrigações impostas ao SP. Nos termos do Regime Jurídico dos Empreendimentos Turísticos acima citado, bem como da lei 423/83, não pode o recorrente explorar a sua unidade de alojamento tendo que ceder essa actividade à BSAHT (entidade exploradora, que a explora e promove turisticamente), mantendo a actividade económica, pagando os seus impostos e segurança social pelo exercício desta actividade. Não foi a casa/unidade de alojamento desafecta à actividade de exploração turística, pelo que, e nos termos do despacho da Secretaria de Estado do Turismo acima transcrita e normativos legais aplicáveis, também por esta razão não podem ser cancelados os benefícios fiscais. B) Embora os artigos 79.º do CPPT e o artigo 140.º do CPA consagrem a livre revogabilidade dos actos tributários, resulta expressamente desta última disposição legal que a administração pública (e, como demonstrámos supra, também a administração fiscal) não poderá proceder à revogação de actos constitutivos de direitos. Dúvidas não subsistem quanto à qualificação do acto administrativo que reconhece o benefício fiscal como acto constitutivo de direitos. C) Desta forma, o benefício fiscal seria sempre irrevogável por acto unilateral da administração, dado o seu carácter de acto constitutivo de direitos. Caso se considerasse que o acto de reconhecimento de benefício fiscal é inválido por não se verificarem os pressupostos da sua atribuição (por se tratar in casu de “exploração” e “não de instalação”, à luz da jurisprudência do Acórdão de Uniformização de Jurisprudência de 2013 – o que para efeitos argumentativos se concede), a administração tributária estaria, sempre e igualmente, impedida de proceder à revogação de tal benefício. D) Eis a razão: o artigo 141.º, n.º 1, do CPA de 1992 dispõe que “os actos administrativos que sejam inválidos só podem ser revogados com fundamento na sua invalidade e dentro do prazo do respectivo recurso contencioso ou até à resposta da entidade recorrida”. Tal prazo corresponde ao prazo de um ano, nos termos do CPTA, como reconhecia unanimemente a doutrina. E) Donde, a liquidação de IMT in casu é ilegal, por se traduzir em revogação de benefício fiscal, o qual já se havia consolidado na ordem jurídica portuguesa, sendo insusceptível de cessar a sua eficácia por acto unilateral da administração (formouse, pois, caso decidido administrativo-tributário). F) No caso específico do benefício fiscal previsto no artigo 20.º do Decreto-Lei 423/83, trata-se de uma isenção fiscal e não de uma exclusão tributária. G) Atendendo ao caso sub judice, e concretamente à matéria de facto fixada na sentença ora recorrida, consta que na escritura pública de aquisição de imóvel para promoção de actividade turística ficou exarado que, em arquivo, ficaram três declarações emitidas pela Direcção-Geral de Impostos em 15/07/2010, relativas a IMT de 0,00 € em virtude da verificação de benefício 33 – Utilidade Turística. H) Daqui decorre, sem qualquer margem para dúvidas, que a obrigação de IMT foi liquidada. Esta “liquidação a zero” significa o reconhecimento pela AT da verificação dos pressupostos de facto e de direito que permitem ao Sujeito Passivo beneficiar da isenção fiscal em causa. I) Reiteramos: a “liquidação a zero” traduz a fase derradeira do exercício da liberdade de avaliação e probatória da administração, reconhecendo que a situação do Sujeito Passivo preenche os pressupostos legais de atribuição do benefício fiscal do artigo 20.º do Decreto-Lei 423/83. J) Tem, pois, a natureza de acto administrativo, aplicando-se, quanto à sua revogação, o regime previsto no CPA, em virtude da não consagração de regra especial no Estatuto dos Benefícios Fiscais. L) Interpretação diversa seria, aliás, inconstitucional, por violação do princípio da igualdade plasmado no artigo 13.º º da Lei Fundamental da República Portuguesa. M) Quanto à revogação dos actos administrativos que concedem benefícios fiscais prevê o n.º 4 do EBF o princípio da sua irrevogabilidade, estabelecendo que é proibida a revogação do acto administrativo que concede um benefício fiscal, bem como a rescisão unilateral do respectivo acordo de concessão, ou ainda a diminuição, por acto unilateral da administração fiscal, dos direitos adquiridos. N) Este princípio que comporta duas excepções (…) e no caso de o beneficiário ter sido concedido indevidamente, ou seja, no caso de o acto administrativo de concessão ser ilegal, hipótese em que o mesmo poderá ser revogado dentro do prazo legal. Prazo que, nos termos do artigo 141.º do CPA, é o prazo do recurso contencioso que terminar em último lugar, ou seja, segundo o artigo 58.º, n.º 2, al.a) do CPTA, o prazo de um ano previsto para o MP se o recurso não for interposto, e até à resposta da entidade recorrida se o recurso for interposto”. O) No que respeita, a benefícios fiscais de reconhecimento automático, o acto de atribuição de benefício fiscal e o acto de liquidação correspondem à mesma realidade jurídica: há apenas um acto de liquidação que concretiza o benefício fiscal (a chamada “liquidação a zero”). P) Donde concluímos que o acto de revogação é ilegal, por vício de violação de lei, afectando, por conseguinte, a validade da liquidação de IMT ora em crise. A atribuição já não poderia ser afectada por decisão unilateral da administração tributária. Q) Note-se, ainda, que a questão da qualificação como revogação/cancelamento in casu da AT nem sequer é uma questão controvertida. A própria Juíza do Tribunal a quo escreve na sentença que "(...) a liquidação em causa configura por isso numa liquidação oficiosa, que resultou do facto de não ter sido liquidado imposto aquando da celebração do contrato de compra e venda(...) e “para controlo da verificação dos pressupostos dos benefícios fiscais (...) concluindo como concluiu (a AT) pela inexistência dos pressupostos legais de que a mesma dependia procedesse, como procedeu à liquidação do imposto devido pelas transacções(...)" R) No entanto, a venerável Juíza de Direito do Tribunal Administrativo do Círculo de Leiria, não obstante basear o seu veredicto na decisão revogatória da AT, não identifica qual é esse acto, nem afere a validade da revogação, nem que, advogando que se trata de uma primeira liquidação e que houve alteração dos pressupostos (no contexto dos empreendimentos turísticos e legislação de utilidade turística), não fundamenta, identificando quais foram os pressupostos que foram alterados e que justificam a revogação/cancelamento da isenção por parte da AT, nem é efectuada a sua contextualização de Direito; S) Consequentemente, o Tribunal, aplica na sua decisão um acto administrativo-tributário inválido! A sentença recorrida enferma, destarte, do vício de omissão de pronúncia e de contradição entre os fundamentos invocados e o sentido decisório adoptado. T) A sentença do tribunal ad quo entende que se trata de primeira liquidação de IMT, e não liquidação adicional – aplicando, por conseguinte, o prazo de caducidade de oito anos. Não podemos subscrever tal entendimento, na medida em que se revela sistematicamente inadmissível e teleologicamente incompreensível. Sistematicamente inadmissível, porquanto entender-se que o acto de liquidação ora em crise é uma liquidação originária significa desconsiderar por completo, ficcionar a inexistência da liquidação de 0,00 € que a própria sentença recorrida admite existir. U) A própria sentença reconhece, em termos de fixação de matéria de facto, que exarado que, em arquivo, ficaram três declarações emitidas pela Direcção-Geral de Impostos em 15.07.2010, relativas a IMT de 0,00 € em virtude da verificação de benefício 33 – Utilidade Turística. Estas declarações têm valor jurídico de actos de um acto de liquidação que concretiza um benefício fiscal. Por outro lado, não se diga que por se ter liquidado o valor de 0, 00€ não pode ter tal declaração o valor de acto de liquidação de IMT. Tal é, com a devida vénia, uma posição jurídica insustentável: de facto, a qualificação de um acto tributário como um acto de liquidação nada tem que ver com a sua quantificação ou o seu montante apurado. V) É, ainda, teleologicamente insustentável. Isto porque resulta do artigo 31.º, n.º 2 do CIMT que “quando se verificar que nas liquidações se cometeu erro de facto ou de direito, de que resultou prejuízo para o Estado, bem como nos casos em que haja lugar a avaliação, o chefe do serviço de finanças onde tenha sido efectuada a liquidação ou entregue a declaração para efeitos do disposto no n.º 3 do artigo 19.º, promove a competente liquidação adicional”. W) Ora, a razão que a AT invoca para cessação do benefício fiscal é a alteração da interpretação feita ao artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 423/83 em virtude do Acórdão de Uniformização de jurisprudência proferido em 2013 pelo Supremo Tribunal Administrativo. Não se tratou, pois, de um facto imputável ao Sujeito Passivo que determinou a extinção do benefício fiscal ou de acção inspectiva: foi uma interpretação jurídica controvertida e seguida então pela AT que gerou o benefício fiscal em sede de IMT a favor da recorrente. X) Ora, tratando-se de erro de direito só podemos qualificar o acto de liquidação de IMT ora em crise como um acto de liquidação adicional, pois, estamos perante um benefício fiscal de aplicação automática, que resulta directa e imediatamente da lei, pois a Administração Tributária veio a aferir da verificação dos pressupostos daquele benefício com base no qual foi liquidado inicialmente os impostos (IMT e IS), concluindo pela sua não verificação e emitindo liquidações adicionais, pelo que, estamos no âmbito de um procedimento de liquidação de imposto (art. 59.º, n.º 1 do CPPT), e não perante um procedimento de reconhecimento de benefícios fiscais (art. 65.º do CPPT). Y) A AT nem invoca, na liquidação adicional de IMT, o nº 2 do artigo 31º do CIMT, única disposição que poderia justificar, após a emissão do DUC à taxa zero, que teria ocorrido “erro de facto e de direito” na liquidação, o que é contraditório com os factos aqui em causa: i-Emissão do DUC à taxa zero (pressupondo uma liquidação com reconhecimento de isenção fiscal) face ao pedido do contribuinte; ii-Exigência dos juros compensatórios por algo para que o contribuinte apenas contribuiu com o pedido de concessão da isenção que lhe foi conferida”. Ora, se a alteração de interpretação jurídica de uma norma em sentido diverso daquele que era acolhido pela AT e grande parte da comunidade jurídica não consubstancia um “erro de direito” para efeitos de liquidação adicional, então nenhuma outra circunstância o poderá ser. As interpretações normativas feitas pela AT, oficiosamente ou em virtude dos tribunais, poderiam mudar (e sucessivamente), com um prazo lato para a revisão do acto tributário, em prejuízo dos direitos do Sujeito Passivo. Z) O Tribunal ad quo limitou-se a acolher a argumentação da AT, repetindo que o SP não carreou novos factos para o processo: tal, no entanto, revela-se incorrecto, na medida em que o SP invocou excepções peremptórias que obstariam à tributação exigida pela administração fiscal. Tais excepções são “novos factos jurídicos” – novos factos não podem ser apenas novos factos materiais ou físicos, sob pena de procedermos a uma interpretação da função e teleologia do direito à audiência prévia manifestamente inconstitucional. A fundamentação do acto de indeferimento do alegado em sede de audiência prévia terá de ser clara, congruente e suficiente, mostrando, inequivocamente, as razões lógicas e jurídicas da decisão administrativa. Ora, a insuficiência da fundamentação, in casu, do acto de indeferimento dos argumentos invocados pelo Sujeito Passivo gera a nulidade do acto, o qual se repercute na validade do acto de liquidação final. Isto porque o desconhecimento das razões de tal indeferimento prejudicam o direito de impugnação jurisdicional, dificultando-o, do acto de liquidação, logo, tal vício só pode gerar a nulidade (vide, neste sentido, falando da violação do direito a um procedimento equitativo, PAULO OTERO, Direito do Procedimento Administrativo, Almedina, p. 580). ZZ) Existindo aplicação retroactiva da lei fiscal, como no caso sub judice, estes casos, são directamente tutelados pelo artigo 103.º, n.º 3, da CRP, sendo o desvalor jurídico para a actuação dos poderes públicos que se traduza na aplicação retroativa da lei fiscal opera ex-legis, sem necessidade de averiguar se, em concreto, se formaram na esfera jurídica do contribuinte visado pela alteração legislativa, expectativas jurídicas legítimas relativamente à intangibilidade da realidade material que constitui objecto da lei fiscal. Ainda que , com prejuízo para o erário público a AT tem que, na sua actuação pugnar pelo cumprimento de todas as normas, mormente as plasmadas na CRP. Não olvidando nunca, os princípios da confiança e tutela legítima das expectativas. Discordando da Douta Sentença, da qual se recorre, pugna-se pela inconstitucionalidade da aplicação do acórdão jurisprudencial prolatado em 2013 e consequentemente pelo vício de inconstitucionalidade da liquidação de IMT impugnada. * A Recorrida não contra-alegou.O Exmo. Magistrado do Ministério Público emitiu parecer no sentido da improcedência do Recurso, por considerar que a isenção de IMT prevista no artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 423/83 é um benefício fiscal de natureza automática ao qual a Recorrente não tem direito. As questões a decidir são, então, as de saber se a sentença: - É nula por omissão de pronúncia e por contradição entre os fundamentos e a decisão (Conclusões Q a S); - Errou ao considerar que a liquidação impugnada é legal por não ter sido emitida na sequência da revogação do benefício fiscal previsto no artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 423/83 (Conclusões A a P); - Errou ao considerar que o prazo de caducidade da liquidação é de 8 anos (Conclusões T a Y); - Errou ao considerar que o ato de liquidação impugnado não padece do vício de violação de lei constitucional (Conclusão ZZ); - Errou ao considerar que o ato de liquidação impugnado se encontra fundamentado (Conclusão Z). E, colhidos os vistos legais, nada obsta à decisão. Em sede factual, vem apurado que: 1) Por escritura de compra e venda outorgada no dia 29 de julho de 2010, M... , ora impugnante, adquiriu ao Fundo de Investimento Imobiliário Bom Sucesso I, NIPC 720 008 140, pelo preço de € 294.700,00 a fração autónoma “D” do prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal inscrito na respetiva matricial predial sob o artigo P3693, sito na freguesia do Vau, concelho de Óbidos, integrado no Aldeamento Turístico Bom Sucesso Lagoa Golf, que, por sua vez, integra o conjunto turístico denominado “Bom Sucesso – Design Resort Leisure & Golf” – cfr. documento 1 da p.i. de fls. 27 a 31 do suporte físico dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido; 2) Relativamente à aquisição referida em 1), a impugnante beneficiou da isenção de IMT, prevista no n.º 1 do artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 423/83, de 05/12 – cfr. documento 2 da p.i. de fls. 32 e 36 do suporte físico dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido; 3) Através do ofício n.º 1986, de 19 de junho de 2015, a impugnante foi notificada pelo Serviço de Finanças de Óbidos para, querendo, exercer o direito de audição relativamente à intenção daquele serviço em liquidar IMT e Imposto do Selo atinente à aquisição referida em 1), por não haver lugar à isenção prevista no n.º 1, do artigo 20.º do Decreto-Lei 423/83 – cfr. documento 5 da p.i., de fls. 43 a 46 do suporte físico dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido; 4) Através do ofício n.º 290, de 20 de abril de 2018, a impugnante foi notificada para, querendo, exercer o direito de audição sobre a intenção do Serviço de Finanças de Óbidos proceder à tributação, em sede do IMT, da operação referida em 1) – cfr. documento de fls. 224 e 225 da paginação eletrónica (processo administrativo), cujo teor se dá por integralmente reproduzido; 5) No dia 7 de maio de 2018, a impugnante exerceu o direito de audição – cfr. documento de fls. 228 a 242 da paginação eletrónica (processo administrativo), cujo teor se dá por integralmente reproduzido; 6) No dia 11 de maio de 2018, o Serviço de Finanças de Óbidos emitiu “INFORMAÇÃO”, da qual se extrai o seguinte: “(…) particularmente no que concerne à noção de “aquisição com destino à instalação”, apesar de alguma controvérsia, ficou decidida pela jurisprudência proferida pelo acórdão de 2013/01/23, do Supremo Tribunal Administrativo, proc. 968/12, proferido em julgamento ampliado nos termos do artigo 148.º do CPTA; 11.º - Não obstante, reconhecidos os benefícios fiscais na ordem jurídica dos contribuintes, tal não impede que, em ordem ao princípio da legalidade de demais princípios vigentes no direito tributário, sejam levados a cabo procedimentos de controlo por parte dos Serviços da Administração Tributária; 12.º A fiscalização de “todas as pessoas, singulares ou coletivas, de direito público ou privado, a quem sejam concedidos benefícios fiscais, automáticos ou dependentes de reconhecimento (…)” encontra-se legalmente tipificada, sejam genericamente em ordem aos princípios e deveres que impendem sobre a Administração Tributária, mas também, em ordem ao tipificado no artigo 7.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF); 13.º Esta fiscalização tem como princípio, o controlo dos pressupostos dos benefícios fiscais respetivos e do cumprimento das obrigações impostas aos titulares do direito aos benefícios (…) 16.º - Facto que se verificou no presente Processo, e em consequência do procedimento de verificação dos benefícios, onde aqui o interessado exerceu o seu direito audição prévia, e que, não tendo obtido provimento, se consolidou com a liquidação oficiosa de IMT; 17.º E quanto a esta matéria concretamente quanto ao IMT, haverá de ser levado em linha de conta, tratar-se esta liquidação verdadeiramente de uma primeira liquidação e não de um ato corretivo da primeira, e nesse sentido, as regras de caducidade – nomeadamente em termos de prazo para a promoção da liquidação haverão também de se conjugar com tal facto (cfr. acórdão do STA de 2007/01/17- Proc. 0909/06). CONCLUSÃO Face ao exposto, sou de opinião que se deverá manter o projeto de cancelamento do benefício fiscal em sede de IMT, deferindo-se parcialmente o solicitado, mas tão só em sede de IS (verba 1.1.-TGIS)”. - cfr. documento 4 da p.i., de fls. 38 a 41 do suporte físico dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido; 7) No dia 11 de maio de 2018, o Chefe do Serviço de Finanças de Óbidos emitiu despacho, concluindo pela tributação em IMT da operação referida em 1), nos seguintes termos: “Face à informação infra e não tendo o SP trazido factos novos que permitam alterar o sentido do projeto de cancelamento dos benefícios fiscais, em sede de direito de audição mantêm-se os pressupostos do projeto de cancelamento pelo que o convolo em definitivo em sede de IMT, deferindo-se parcialmente em sede de IS (verba 1.1) (…)” - cfr. documento de fls. 38 (verso) do suporte físico dos autos e documento de fls. 245 da paginação eletrónica (processo administrativo), cujo teor se dá por integralmente reproduzido; 8) Através do ofício n.º 353, de 11 de maio de 2018, a impugnante foi notificada da decisão de liquidação de IMT, no montante de € 19.155,50, da qual se extrai o seguinte: “(…) Fica por este meio notificado (a) nos termos do artigo 38.º, n.º 1 do Código do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis, (CIMT), para no prazo de 30 (trinta) dias contados da data da assinatura do aviso de receção, que acompanha a presente notificação, efetuar o pagamento do IMT no montante de € 19.155,50, mediante Guias a solicitar neste Serviço de Finanças do Concelho de Óbidos, com referência à compra que fez com benefício da isenção prevista no artigo 20.º, n.º1 do Decreto-Lei n.º 423/83 de 05 de dezembro, conforme escritura de 2010/07/29, lavrada no Cartório Notarial a cargo da Lic.ª M... , em Alverca do Ribatejo, Vila Franca de Xira exarada a fls. 10 do Livro 104-A pelo preço de 294.700,00 da Fração Autónoma designada pela letra “D” do prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal, inscrito na matriz da Freguesia do VAU, deste concelho sob o artigo 3693, com o valor patrimonial tributário, doravante designado por VPT de € 81.726.38, apurado de harmonia com o disposto no DL n.º 287/2003, de 12/12. Contra a liquidação poderá reclamar ou impugnar nos prazos estabelecidos nos artigos 70.º e 102.º do CPPT, a contar do termo dos 30 (trinta) dias acima indicados, conforme previsto no artigo 43.º do CIMT. LIQUIDAÇÃO: € 294.700,00 x 6,5% = € 19.155,50 (IMT a pagar) (…)” – cfr. documento 4 da p.i., de fls. 38 do suporte físico dos autos e documento de fls. 244 da paginação eletrónica (processo administrativo), cujo teor se dá por integralmente reproduzido; 9) No dia 17 de maio de 2018, a impugnante recebeu o ofício referido na alínea precedente, através de carta registada com aviso de receção com a referência alfanumérica “RF 3283 9084 8 PT” – cfr. documento de fls. 252 da paginação eletrónica (processo administrativo), cujo teor se dá por integralmente reproduzido; * Factos não provados:Com relevância para a decisão de mérito, inexistem factos não provados. * Nos termos do artigo 662.º, n.º 2, alínea c), parte final, do Código de Processo Civil, a segunda instância deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto quando considere indispensável a sua ampliação. Ao abrigo desta norma, adita-se ao probatório a seguinte matéria de facto: 10 – No dia 15 de julho de 2010, Andreia Marques, na qualidade de procurador do Representante Fiscal de M... , a sociedade E... – Unipessoal, Lda., apresentou no Serviço de Finanças de Óbidos: a) A declaração Modelo 1 de IMT relativa à aquisição referida no ponto 1 do probatório; b) O requerimento intitulado “Assunto: Requerimento para reconhecimento automático da isenção de Imposto sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis” que aqui se dá por integralmente reproduzido. 11 – Consequentemente foi emitido o documento n.º 160.910.019.648.103, em nome de M... , no valor de € 0,00, com a seguinte “Descrição: Em 15 de Julho de 2010 compareceu neste Serviço de Finanças do Concelho de Óbidos a Sra. A... (…) na qualidade de bastante procuradora da sociedade por quotas denominada por E... , Unipessoal, Lda., (…) que se apresenta como representante fiscal de M.... (…) e declarou que pretende pagar o IMT que se mostrar devido com referência à compra (…) da fracção autónoma designada pela letra D, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal (…) inscrita na matriz predial urbana da Freguesia do Vau, sob o artigo P3… (…). Esta transacção encontra-se assim isenta de IMT nos termos do n.º 1 do artigo 20 do Dec.-Lei n.º 423/83 de 5 de Dezembro, tendo presente o disposto n.º 6 do artigo 31 do Dec-Lei n.º 267/2003 de 12 Novembro.” 12 – Aquando da celebração da escritura de compra e venda referida no ponto 1 do probatório, foi arquivado o DUC n.º 160.910.019.648.103, com o reconhecimento automático de isenção do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis, emitido em 15.07.2010, junto do Serviço de Finanças de Óbidos. Os factos das alíneas a) e b) do n.º 10 foram dados como provados por o Tribunal ter formado a convicção, ao abrigo da livre apreciação a que os documentos particulares estão sujeitos, de que quer a declaração Modelo 1 de IMT, quer o Requerimento foram entregues no Serviço de Finanças de Óbidos no dia 15 de julho de 2010 por deles constar o carimbo do Serviço de Finanças de Óbidos com a data “15 Jul. 2010”. O facto n.º 11 foi dado como provado por a Autoridade Tributária e Aduaneira admitir que o emitiu. O facto n.º 12 foi dado como provado por constar de declaração emitida pela Notária na escritura de compra e venda junta como documento n.º 1 com a Petição Inicial, documento autêntico sujeito ao sistema de valoração tarifada, nos termos do artigo 371.º do Código Civil (fazem prova plena dos factos que referem como praticados pela autoridade ou oficial público respetivo, assim como dos factos que neles são atestados com base nas perceções da entidade documentadora), sendo que a prova legal plena só pode ser contrariada por meio de prova que mostre não ser verdadeiro o facto que dela for objeto – artigo 347.º, primeira parte, do CC -, o que não aconteceu. * QUANTO À NULIDADE DA SENTENÇA:Nos termos do artigo 125.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário, “Constituem causas de nulidade da sentença a falta de assinatura do juiz, a não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, a oposição dos fundamentos com a decisão, a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer”. Da nulidade por Omissão de Pronúncia: Sustenta a Recorrente que a sentença é nula por omissão de pronúncia por “não obstante basear o seu veredicto na decisão revogatória da AT, não identifica qual é esse acto, nem afere a validade da revogação, nem que, advogando que se trata de uma primeira liquidação e que houve alteração dos pressupostos (no contexto dos empreendimentos turísticos e legislação de utilidade turística), não fundamenta, identificando quais foram os pressupostos que foram alterados e que justificam a revogação/cancelamento da isenção por parte da AT, nem é efectuada a sua contextualização de Direito” (Conclusão R). A predita falta de pronúncia sobre questões que o Juiz deva apreciar é um vício da sentença que resulta do incumprimento da norma do n.º 2 do artigo 608.º do Código de Processo Civil que estatui que o Juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras. Da alegação da Recorrente resulta que a sentença conheceu da questão que lhe foi colocada sobre o âmbito de aplicação do benefício fiscal previsto no artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 de dezembro, e à sua revogação, tanto que baseou o seu veredicto na decisão revogatória da AT. O que a Recorrente defende é que a sentença não fundamenta a validade da revogação/cancelamento da isenção. Todavia, nos apontados termos, tal não constitui omissão de pronúncia, mas, eventualmente, erro de julgamento, o que se apreciará de seguida. Da nulidade por Oposição dos Fundamentos com a Decisão: Sustenta ainda a Recorrente que para a sentença “a questão da qualificação como revogação/cancelamento in casu da AT nem sequer é uma questão controvertida” (Conclusão Q) mas que, apesar de admitir a revogação, decidiu aplicar na sua decisão [este] ato administrativo-tributário [que a Recorrente reputa de] inválido (Conclusão S). A predita oposição dos fundamentos com a decisão ocorre nos casos em que “a construção da sentença é viciosa, pois os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam logicamente, não ao resultado expresso na decisão, mas ao resultado oposto” - cfr. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil anotado, vol. V, Coimbra Editora, 1981, nota 4 ao artigo 668.º. No ponto, a sentença julgou improcedente a Impugnação Judicial e manteve na ordem jurídica a liquidação impugnada por considerar que ela não padecia do vício de violação de lei, por erro nos pressupostos, desde logo porque “No caso em apreço não existiu qualquer ato administrativo anterior à liquidação sub judice e, por essa razão, o instituto da revogação não pode ser aqui invocado”. Verifica-se, pois, que ao contrário do alegado, a sentença não qualificou qualquer ato como tendo a natureza jurídica de uma revogação, inexistindo qualquer oposição dos fundamentos com a decisão da sentença. * QUANTO AO ÂMBITO DE APLICAÇÃO DO BENEFÍCIO FISCAL PREVISTO NO ARTIGO 20.º DO DECRETO-LEI N.º 423/83, DE 5 DE DEZEMBRO E À SUA REVOGAÇÃO:O Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 de dezembro, veio atualizar o instituto da utilidade turística que, de acordo com o seu preâmbulo, se havia revelado “um dos instrumentos mais eficazes para o desenvolvimento do sector, em particular no que respeita a equipamento hoteleiro e similar, a que foi inicialmente dirigido”, mas que, após 30 anos de vigência, não correspondia já às necessidades efetivas do sector do turismo. Nos termos do seu artigo 1.º, “A utilidade turística consiste na qualificação atribuída aos empreendimentos de carácter turístico que satisfaçam os princípios e requisitos definidos no presente diploma e suas disposições regulamentares”, sendo atribuída – artigo 2.º, n.º 1 - “por despacho do membro do governo com tutela sobre o sector do turismo”. Por regra – artigo 3.º, n.º 5 -, “A utilidade turística abrange a totalidade dos elementos componentes ou integrantes dos empreendimentos”, podendo – artigo 7.º - ser atribuída a título prévio ou definitivo, sendo (n.º 2) “a título prévio quando for atribuída antes da entrada em funcionamento dos empreendimentos novos e nos casos previstos nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 5.º” e (n.º 3) a título definitivo “quando for atribuída a empreendimentos já em funcionamento ou resultar da confirmação da utilização turística concedida a título prévio”. Dispõe o Artigo 20.º do mesmo Decreto-Lei n.º 423/83: 1 - São isentas de sisa e do imposto sobre sucessões e doações, sendo o imposto do selo reduzido a um quinto, as aquisições de prédios ou de fracções autónomas com destino à instalação de empreendimentos qualificados de utilidade turística, ainda que tal qualificação seja atribuída a título prévio, desde que se mantenha válida e seja observado o prazo fixado para a abertura ao público do empreendimento. 2 – A isenção e a redução estabelecidas no número anterior verificar-se-ão também na transmissão a favor da empresa exploradora, no caso de a proprietária ser uma sociedade de locação financeira e a transmissão se operar ao abrigo e nos termos do contrato de locação financeira que determinou a aquisição do empreendimento pela sociedade transmitente.Estes benefícios são de aplicação automática, pois resultam direta e imediatamente da lei, pelo que não têm de ser reconhecidos no despacho de atribuição da utilidade turística. São, assim, requisitos da isenção de sisa, rectius IMT, e da redução a 1/5 do Imposto de Selo: 1 – O prédio ou a fração autónoma adquirida tem que se integrar na fase de instalação de empreendimento qualificado como de utilidade turística; 2 – O estatuto de utilidade turística tem que estar válido; e 3 – Tem que ser observado o prazo fixado para a abertura ao público do empreendimento. * A Recorrente sustenta a impossibilidade de revogação do benefício fiscal por a sua fração se ter mantido sempre afetada à atividade de exploração turística, com fundamento no artigo 14.º, n.º 4, do Estatuto dos Benefícios Fiscais (Conclusões A e M), bem como, em geral quanto aos atos constitutivos de direitos, o artigo 140.º do Código de Procedimento Administrativo de 1992 (Conclusão B), sendo que também o artigo 141.º, n.º 1, deste diploma apenas permite a revogação de ato administrativo inválido no prazo de um ano (Conclusões C, D e N). Advoga, assim, a liquidação de IMT impugnada é ilegal por consubstanciar a revogação de um benefício fiscal que já se havia consolidado na ordem jurídica (Conclusão E, F e P), sendo que tal benefício resulta da liquidação emitida com o montante a pagar de € 0,00 (Conclusões G a J e O), o que, a não se entender, seria inconstitucional por violação do princípio da igualdade (Conclusão L). Todavia, adiante-se desde já, sem razão. Como se disse supra, os benefícios fiscais previstos no artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 423/83 são de aplicação automática, pois resultam direta e imediatamente da lei, pelo que não têm de ser reconhecidos. No caso, a Recorrente apresentou a declaração Modelo 1 de IMT e um requerimento para reconhecimento automático da isenção de Imposto sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis - cfr. ponto 10 do probatório. Com esta atuação, não deu início ao procedimento regulado no artigo 65.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, segundo o qual “o reconhecimento dos benefícios fiscais depende da iniciativa dos interessados, mediante requerimento dirigido especificamente a esse fim, com o cálculo, quando obrigatório, do benefício requerido e a prova da verificação dos pressupostos do reconhecimento nos termos da lei”, mas, antes, deu cumprimento ao disposto no artigo 19.º, n.º 3, do Código do IMT segundo o qual uma declaração de modelo oficial devidamente preenchida deve ser apresentada, em qualquer serviço de finanças ou por meios eletrónicos, antes do ato translativo do bem, nas situações de isenção. Tal declaração Modelo 1 de IMT, juntamente com o requerimento para reconhecimento da isenção, deu origem ao documento de cobrança n.º 160.910.019.648.103, no valor de € 0,00, com a seguinte menção “Esta transacção encontra-se assim isenta de IMT nos termos do n.º 1 do artigo 20 do Dec.-Lei n.º 423/83 de 5 de Dezembro, tendo presente o disposto n.º 6 do artigo 31 do Dec-Lei n.º 267/2003 de 12 Novembro” – cfr. o ponto 11 do probatório. Ou seja, face à declaração da Recorrente, foi considerado pela Administração que a situação de facto preenchia os requisitos da previsão da norma que concede automaticamente o benefício fiscal de 100% sobre a matéria coletável, motivo pelo qual o documento de cobrança refere que nada havia a cobrar. Assim sendo, não foi praticado qualquer ato administrativo em matéria tributária tendente a reconhecer um benefício fiscal, mas uma mera operação material que não pretendeu produzir quaisquer efeitos jurídicos nesse âmbito, mas apenas possibilitar a celebração da escritura de compra e venda no cartório notarial, onde tal documento de cobrança ficou arquivado – cfr. o ponto 12 do probatório. E não se tratando de um ato de liquidação, fica afastada a possibilidade de estar em xeque o princípio da igualdade constitucionalmente consagrado. Não se podendo, pois, acompanhar a tese da Recorrente, uma vez que a revogação é um ato de segundo grau que pressupõe a existência do ato primário revogado que, como se viu, nunca foi praticado. A sentença recorrida não merece, assim, a censura que lhe é dirigida. * QUANTO À EXISTÊNCIA DE UM PRIMEIRO ATO DE LIQUIDAÇÃO E À CADUCIDADE DO DIREITO À LIQUIDAÇÃO:A Recorrente sustenta que se revela sistematicamente inadmissível entender-se que o ato de liquidação ora em crise é uma liquidação originária, pois tal significa desconsiderar por completo, ficcionar a inexistência, da liquidação de 0,00 € (Conclusão T), pois a qualificação de um ato tributário como um ato de liquidação nada tem que ver com a sua quantificação ou o seu montante apurado (Conclusão U). Advoga que aquele entendimento é, ainda, teleologicamente insustentável, pois resulta do artigo 31.º, n.º 2 do CIMT que “quando se verificar que nas liquidações se cometeu erro de facto ou de direito, de que resultou prejuízo para o Estado, bem como nos casos em que haja lugar a avaliação, o chefe do serviço de finanças onde tenha sido efetuada a liquidação ou entregue a declaração para efeitos do disposto no n.º 3 do artigo 19.º, promove a competente liquidação adicional (Conclusão V), sendo que o pressuposto da liquidação impugnada é um erro de direito na interpretação jurídica controvertida e seguida então pela AT que gerou o benefício fiscal em sede de IMT a favor da recorrente (Conclusão W), o que a torna uma liquidação adicional (Conclusões X e Y). Vejamos: Nos termos do artigo 45.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária, “O direito a liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro”. Quanto a outros prazos de caducidade fixados pela lei, dispõe o n.º 2 daquele artigo 45.º da LGT que nos casos de erro evidenciado na declaração do sujeito passivo, o prazo de caducidade é de três anos. Por sua vez, o artigo 31.º do Código do IMT, epigrafado «Liquidação adicional», prevê no seu n.º 3 que “A liquidação só pode fazer-se até decorridos quatro anos contados da liquidação a corrigir, excepto se for por omissão de bens ou valores, caso em que poderá ainda fazer-se posteriormente, ficando ressalvado, em todos os casos, o disposto no artigo 35.º”. Finalmente, este artigo 35.º estipula no seu n.º 1 que “Só pode ser liquidado imposto nos oito anos seguintes à transmissão ou à data em que a isenção ficou sem efeito, sem prejuízo do disposto no número seguinte e, quanto ao restante, no artigo 46.º da Lei Geral Tributária”. Ora, de acordo com a parte final do n.º 1 do artigo 1.º da Lei Geral Tributária, esta lei geral regula as relações jurídico-tributárias, sem prejuízo do disposto em legislação especial. Pelo que sempre que os mesmos institutos sejam especialmente regulados em leis fiscais específicas, a regulação da LGT não é aplicável. É este, aliás, o sentido da parte final do citado artigo 45.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária, quando refere que o “O direito a liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro”. Ora, ocupando-se o Código do IMT da caducidade do direito à liquidação deste tributo, é manifesto que é aí, e não na LGT, que se devem procurar as normas aplicáveis. No caso, a liquidação impugnada foi efetuada por a Administração ter entendido que a transmissão em crise nos autos estava sujeita a IMT, que não isenta, tratando-se “verdadeiramente de uma primeira liquidação e não de um ato corretivo da primeira, e nesse sentido, as regras de caducidade – nomeadamente em termos de prazo para a promoção da liquidação haverão também de se conjugar com tal facto (cfr. acórdão do STA de 2007/01/17- Proc. 0909/06)” – cfr. o ponto 6 do probatório. Ora, efetivamente, ao contrário do que defende a Recorrente, a liquidação impugnada foi efetivamente a primeira liquidação efetuada após a transmissão do bem, pelo que o prazo de caducidade é o de oito anos, contados da data da transmissão, nos termos daquele artigo 35.º, n.º 1, do Código do IMT. Não sendo possível equacionar solução diferente, pois, como se viu já, a Autoridade Tributária e Aduaneira tinha concluído a montante que se estava perante uma isenção total. Como ensina Casalta Nabais, Direito Fiscal, Almedina, pp. 38-40, na dinâmica do imposto há dois momentos essenciais: o da sua incidência e o da sua aplicação. No primeiro, é definido o se e o quanto do imposto, o que engloba a definição normativa do facto tributário, dos sujeitos ativo e passivo, do montante do imposto e, na medida em que decidem que não há lugar a imposto ou há lugar a menos imposto, dos benefícios fiscais; no segundo, efetuam-se as operações de lançamento, liquidação e cobrança do imposto. Ora, a isenção configura uma verdadeira exceção “à incidência pessoal ou real dos impostos, uma vez que, embora integrem o âmbito dessa incidência, verificado que seja o seu pressuposto originam o afastamento ou impedem a eficácia da mesma” - Casalta Nabais, ob. cit., pp. 428-429. Pelo que quando se considera a existência de uma isenção total, fica inteiramente paralisada a aplicação da norma de incidência, não havendo, pois, lugar às operações de lançamento nem, consequentemente, de liquidação e cobrança. E, como se disse supra, foi inicialmente considerado, pela Recorrente e pela Autoridade Tributária e Aduaneira, que a situação de facto (aquisição da fração D) preenchia os requisitos da previsão da norma que concede automaticamente o benefício fiscal de isenção total de IMT. Pelo que seria logicamente impossível a prática de um ato de liquidação em relação ao qual se assentou no afastamento integral da norma de incidência. Motivo pelo qual não poderia aí ser aplicada a norma do artigo 31.º, n.º 3, do CIMT, restando, então, como única norma aplicável, a do artigo 35.º do mesmo compêndio legal. Ora, sendo o prazo de caducidade de 8 anos contados da data da transmissão, tendo esta ocorrido em 29 de julho de 2010 – cfr. ponto 1 do probatório – e sido a notificação da liquidação efetuada em 17 de maio de 2018 – cfr. ponto 9 -, nesta data ainda não caducara o poder da Administração à liquidação do imposto. Não estando, pois, também aqui, a razão com a Recorrente. * QUANTO AO VÍCIO DE VIOLAÇÃO DE LEI CONSTITUCIONAL:Na Conclusão ZZ, a Recorrente pugna “pela inconstitucionalidade da aplicação do acórdão jurisprudencial prolatado em 2013 e consequentemente pelo vício de inconstitucionalidade da liquidação de IMT impugnada”. Aquilo que a Recorrente pretende, se bem interpretamos a sua alegação, é sustentar que a atuação da Administração e a fundamentação do ato impugnado não podem acolher a interpretação do artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 de dezembro, firmada pelo acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 2013 a um facto tributário que ocorreu em 2010, sob pena de “aplicação retroativa da lei fiscal”, sem olvidar “os princípios da confiança e tutela legítima das expectativas”. Ora, quer a regra da proibição da aplicação retroativa da lei fiscal, quer o princípio da tutela da confiança legítima são comandos constitucionais que enformam a aplicação da lei fiscal no tempo. A alegação da Recorrente não é atinente à aplicação de normas tributárias no tempo, mas à utilização da fundamentação de um acórdão a um facto anterior à sua prolação. Pelo que a razão não está, também aqui, com a Recorrente. * FINALMENTE, QUANTO À FUNDAMENTAÇÃO DO ATO DE LIQUIDAÇÃO:Advoga a Recorrente que a fundamentação “do ato de indeferimento do alegado em sede de audiência prévia terá de ser clara, congruente e suficiente, mostrando, inequivocamente, as razões lógicas e jurídicas da decisão administrativa” (Conclusão Z). Considerando que a audição prévia é uma fase do procedimento tributário, que não um requerimento que será (in)deferido pela Administração, aquilo que a Recorrente pretende alegar, se bem a interpretamos, também aqui, é que o ato final do procedimento de liquidação não demonstra as razões lógicas e jurídicas dos seus pressupostos. Ora, a Recorrente exerceu o seu direito de audição prévia e no dia 11 de maio de 2018, o Serviço de Finanças de Óbidos emitiu informação na qual referiu que a interpretação da expressão “aquisição com destino à instalação”, apesar de alguma controvérsia, ficou decidida pela jurisprudência proferida pelo acórdão de 2013/01/23, do Supremo Tribunal Administrativo, proc. 968/12, proferido em julgamento ampliado nos termos do artigo 148.º do CPTA, sendo que o reconhecimento automático de benefícios fiscais na ordem jurídica dos contribuintes não impede que, em ordem ao princípio da legalidade de demais princípios vigentes no direito tributário, sejam levados a cabo procedimentos de controlo por parte dos Serviços da Administração Tributária, “Facto que se verificou no presente Processo, e em consequência do procedimento de verificação dos benefícios, onde aqui o interessado exerceu o seu direito audição prévia, e que, não tendo obtido provimento, se consolidou com a liquidação oficiosa de IMT”, pelo que “Face ao exposto, sou de opinião que se deverá manter o projeto de cancelamento do benefício fiscal em sede de IMT, deferindo-se parcialmente o solicitado, mas tão só em sede de IS (verba 1.1.-TGIS)” – cfr. ponto 6 do probatório. Após, em 11 de maio de 2018, o Chefe do Serviço de Finanças de Óbidos emitiu despacho, concluindo pela tributação em IMT – cfr. ponto 7 do probatório -, sendo que através do ofício n.º 353, de 11 de maio de 2018, a impugnante foi notificada da decisão de liquidação de IMT, no montante de € 19.155,50, da qual se extrai o seguinte: “(…) Fica por este meio notificado (a) nos termos do artigo 38.º, n.º 1 do Código do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis, (CIMT), para no prazo de 30 (trinta) dias contados da data da assinatura do aviso de receção, que acompanha a presente notificação, efetuar o pagamento do IMT no montante de € 19.155,50, mediante Guias a solicitar neste Serviço de Finanças do Concelho de Óbidos, com referência à compra que fez com benefício da isenção prevista no artigo 20.º, n.º1 do Decreto-Lei n.º 423/83 de 05 de dezembro, conforme escritura de 2010/07/29, lavrada no Cartório Notarial a cargo da Lic.ª M... , em Alverca do Ribatejo, Vila Franca de Xira exarada a fls. 10 do Livro 104-A pelo preço de 294.700,00 da Fração Autónoma designada pela letra “D” do prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal, inscrito na matriz da Freguesia do VAU, deste concelho sob o artigo 3693, com o valor patrimonial tributário, doravante designado por VPT de € 81.726.38, apurado de harmonia com o disposto no DL n.º 287/2003, de 12/12. (…) LIQUIDAÇÃO: € 294.700,00 x 6,5% = € 19.155,50 (IMT a pagar)” – cfr. ponto 8 do probatório. Verifica-se, assim, que o ato de liquidação, no valor de € 19.155,50, resultou da aplicação da taxa de 6,5% ao valor patrimonial tributário de € 294.700,00, tendo sido emitido por a Administração ter verificado, na senda da jurisprudência firmada pelo STA, que a Recorrente, afinal, não reunia os requisitos para o reconhecimento automático da isenção prevista no artigo 20.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 de dezembro, de que havia beneficiado. Pelo que estando expressamente dito o motivo pelo qual a Administração decidiu como decidiu, em termos de fundamentação do ato e dadas as expressas circunstâncias em que foi praticado, tem-se a mesma por suficiente. * Ou seja, em síntese, face aos temas tratados na presente decisão (Benefício Fiscal Automático – Empreendimento de Utilidade Turística – Revogação), conclui-se que:1 – O eventual erro de julgamento quanto à validade de um ato revogatório não é fundamento de nulidade da sentença por omissão de pronúncia. 2 - A sentença que considera que não foi praticado qualquer ato administrativo anterior à liquidação e decide que, por essa razão, o instituto da revogação não pode ser invocado não é nula por oposição dos fundamentos com a decisão da sentença. 3 - Os benefícios fiscais previstos no artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 423/83 são de aplicação automática, pelo que não têm de ser reconhecidos através de um ato administrativo em matéria tributária. 4 - A revogação é um ato de segundo grau que pressupõe a existência do ato primário. 5 – O prazo de caducidade da primeira liquidação de IMT efetuada após a transmissão do bem é de oito anos contados da data da transmissão. 6 - Quer a regra da proibição da aplicação retroativa da lei fiscal, quer o princípio da tutela da confiança legítima são comandos constitucionais que enformam a aplicação da lei fiscal no tempo que não são violados pela utilização da fundamentação de um acórdão a um facto tributário anterior à sua prolação. 7 – Encontra-se fundamentado o ato de liquidação de IMT, no valor de € 19.155,50, que resulta da aplicação da taxa de 6,5% ao valor patrimonial tributário de € 294.700,00, depois de a Administração ter verificado, na senda da jurisprudência firmada pelo STA, que o contribuinte, afinal, não reunia os requisitos para o reconhecimento automático da isenção prevista no artigo 20.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 de dezembro, de que havia beneficiado. Termos em que se acorda negar provimento ao presente recurso e manter a sentença recorrida. São devidas custas, neste TCA Sul, pela Recorrente. Lisboa, 3 de abril de 2025. Tiago Brandão de Pinho (relator) – Maria da Luz Cardoso – Vital Lopes |