Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:137/24.0BEALM
Secção:JUÍZA PRESIDENTE
Data do Acordão:06/14/2024
Relator:CATARINA ALMEIDA E SOUSA
Descritores:COMPETÊNCIA EM RAZÃO DO TERRITÓRIO
AIMA
Sumário:
Votação:DECISÃO SUMÁRIA
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
DECISÃO

I- DO OBJECTO DO INCIDENTE

S………..intentou, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias contra a Agência para a Integração, Migrações e Asilo, I.P., pedindo a intimação da entidade requerida a decidir o pedido de concessão de autorização de residência por si apresentado.

Por sentença proferida em 23/02/2024, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada declarou-se incompetente, em razão do território, para conhecer da intimação, determinando a remessa dos autos Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa.

Inconformado, o requerente da intimação interpôs recurso jurisdicional da sentença, que foi admitido por despacho de 27/02/2024.

Remetidos os autos a este Tribunal Central Administrativo Sul, o Ministério Público emitiu Parecer onde, entre o mais, se pronunciou no sentido de que a decisão em causa não é suscetível de recurso jurisdicional, assistindo, porém, ao requerente a faculdade de reagir contra a decisão por via da apresentação de uma reclamação para o Presidente do Tribunal Central Administrativo Sul, impondo-se a convolação do recurso em reclamação.

Na sequência de tal, a Senhora Juíza Desembargadora, colocada na Subsecção Comum da Secção do Contencioso Administrativo deste Tribunal Central, a quem o recurso foi distribuído, decidiu, em 10/05/2024, convolar o recurso jurisdicional interposto em reclamação para a Presidente deste Tribunal, com expresso fundamento nos artigos 105.º, nº4, 102º, nº1 e 193º, nº3 do CPC, com o propósito de se decidir definitivamente a questão da competência territorial suscitada no processo de intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias instaurado no TAF de Almada por S……………….contra a AIMA, I.P- Agência para a Integração, Migrações e Asilo, I.P – lê-se, em tal decisão, além do mais “Atento o exposto, convola-se o recurso jurisdicional interposto pelo requerente da intimação em reclamação para a Exma. Senhora Presidente deste Tribunal Central Administrativo Sul, a quem os autos devem ser apresentados”.


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O requerente foi notificado desse despacho e nada disse.

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- QUESTÃO A APRECIAR E DECIDIR

A questão colocada na presente reclamação consiste em determinar qual o tribunal territorialmente competente para a instrução e conhecimento da presente intimação para proteção de direitos liberdades e garantias: se o Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, tal como o entende a decisão reclamada, ao abrigo da regra vertida no n.º 5 do artigo 20.º do CPTA, ou se o Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, como defende o ora reclamante, por sustentar que resulta da aplicação conjunta dos artigos 20.º, nº5, do CPTA e dos Estatutos da AIMA, I.P - aprovados pela Portaria nº 324-A/2023, de 27/10 – que o serviço competente para decidir o pedido formulado na presente intimação é a Loja da AIMA de Setúbal, que se situa na área de jurisdição do TAF de Almada.

Para o reclamante, importa considerar o tribunal da área onde deva ter lugar o comportamento que nesta ação o Autor/ Requerente pretende efetivar, daí resultando como competente o TAF de Almada, tendo presente a sua área de jurisdição geográfica, nos termos do artigo 3º do DL nº 325/2003, de 29 de dezembro, e respetivo Mapa anexo.


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II. FUNDAMENTAÇÃO

- De facto

Para julgamento do presente conflito, são relevantes as seguintes ocorrências processuais (documentalmente provados):

1) S……………intentou, em 23/02/2024, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, ação de intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias contra a Agência para a Integração, Migrações e Asilo, I.P., Loja de Setúbal, pedindo ao Tribunal que intime “a entidade demandada a decidir com urgência - no prazo que se estima ser razoável e adequado de quinze (15) dias - o pedido de concessão de autorização de residência apresentado pelo autor”. Mais refere que “O responsável pelo cumprimento da presente intimação é o titular do órgão responsável, ou seja, o presidente do conselho diretivo da aima i.p. - agência para a integração, migrações e asilo, i.p., luis goes pinheiro, e demais membros que integram o mesmo conselho, pelo que deve os mesmos serem advertidos que a falta de cumprimento da intimação na prazo que vier a ser fixado pelo douto tibunal poderá gerar a obrigação de pagamento de uma sanção pecuniária compulsória nos termos do artigo 112º, nº4 do CPTA”

[cfr. p.i. e seis documentos, a fls.1/34 - sitaf].

2) Em 23/02/2024, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada declarou-se territorialmente incompetente para conhecer da presente ação e atribuiu essa competência ao Juízo administrativo comum do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa.

3) A decisão reclamada apresenta, além do mais, o seguinte teor:

«(…) O presente processo de intimação para a proteção de direitos, liberdades e garantias que integra a 6ª espécie processual e que tramita nos termos do artigo 109º e ss. do CPTA visa a intimação da AIMA, I.P. no âmbito da concessão de autorização de residência para exercício de atividade profissional, regulada nos artigos 88.º a 90.º da Lei n.º 23/2007.

De acordo com o artigo 5º, nº 2 do Anexo do Decreto-Lei 41/2023: “(…) compete ao conselho diretivo orientar e coordenar superiormente a atividade da AIMA, I. P., e assegurar a prossecução das suas atribuições, designadamente: (…)”, sendo que uma das atribuições da AIMA é a concessão de autorizações de residência como previsto no artigo 3º, nº 2, alínea c) do citado Anexo.

Sendo assim, apenas se pode concluir ser a AIMA, IP, enquanto organismo central com jurisdição sobre todo o território nacional, através do conselho diretivo, a entidade competente para a prática do ato pretendido (cfr. artigo 82.º, n.º 1 da Lei n.º 23/2007 e artigo 3.º, n.º 2 alínea c) do anexo do Decreto-Lei n.º 41/2023).

Em consequência, do quadro legal supra referido, não resulta que as Lojas AIMA que funcionam como postos de atendimento, selecionados aleatoriamente e de acordo com as disponibilidades de marcação, disponham, a esta data, das competências para decisão das anteriores Delegações Regionais, pelo que não se acompanha que a Entidade Competente para a decisão peticionada seja, a “Agência para a Integração, Migrações e Asilo, I.P., (AIMA)” na

Loja de Setúbal.

Efetivamente, desde 29 de outubro de 2023, não se descortina respaldo legal para afirmar que a intimação da AIMA, I.P. à emissão de título de residência do Requerente que vem peticionada seja da competência da Loja AIMA de Setúbal enquanto sucessora da anterior Delegação Regional de Setúbal.

O que resulta do peticionado quando indica que:

«O responsável pelo cumprimento da presente intimação é o titular do órgão responsável, ou seja, o presidente do conselho diretivo da AIMA I.P. - AGÊNCIA PARA A INTEGRAÇÃO, MIGRAÇÕES E ASILO, I.P., Luis Goes Pinheiro, e demais membros que integram o mesmo conselho, pelo que deve os mesmos serem advertidos que a falta de cumprimento da intimação na prazo que vier a ser fixado pelo douto Tribunal poderá gerar a obrigação de pagamento de uma sanção pecuniária compulsória nos termos do artigo 111º nº4, do CPTA.» Cfr. A.

Em consequência, sendo a concessão das autorizações de residência, competência do Conselho Diretivo e tendo a AIMA, I.P. sede em Lisboa, incumbe ao Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, a apreciação da presente intimação, por ser o territorialmente competente, de acordo com a regra especial, prevista no artigo 20.º n.º 5 do CPTA.

Considerando a existência de juízos de competência especializada administrativa no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa é competente para conhecer da presente causa o Juízo administrativo comum daquele tribunal, nos termos dos artigos 9.º e 44.º-A n.º 1 alínea a) do ETAF e do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 174/2019, de 13 de dezembro.

(…)

Declaro o Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada incompetente em razão do território, para conhecer da presente intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias e, em consequência, após trânsito, remetam-se os autos ao Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa – Juízo Administrativo Comum, dando-se as competentes baixas. (…).”

[cfr. fls.76/84- sitaf].

4) Nesse mesmo dia, o autor e o Ministério Público foram notificados da decisão referida em 2).

[cfr. fls.85 e 86 sitaf].

5) Inconformado com a decisão referida em 2) o autor apresentou no Tribunal a quo, em 26/02/2024, requerimento de interposição de recurso acompanhado das respetivas alegações.

[cfr. fls.89-91 sitaf].

6) Por decisão sumária com data de 10/05/2024, a Senhora Juíza Desembargadora titular dos autos convolou o requerimento de interposição do recurso apresentado em reclamação para a Presidente deste TCAS.

[cfr. fls.121-122-sitaf].

7) A decisão mencionada em 6) foi notificada ao recorrente/autor.

[cfr. fls.85 - sitaf].


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- De direito

As regras sobre a distribuição da competência territorial constam do CPTA, nomeadamente dos artigos 16º a 22º sendo a única espécie de competência cuja disciplina está regulada de forma concentrada no referido código.

A regra geral em matéria de competência territorial encontra-se prevista no artigo 16º do CPTA, no qual se estatui, no nº1, que “Sem prejuízo do disposto nos artigos seguintes e das soluções que resultem da distribuição das competências em função da hierarquia, os processos, em primeira instância, são intentados no tribunal da residência habitual ou da sede do autor”.

Os processos são, em princípio, e em primeira instância, intentados no Tribunal da residência habitual ou sede do Autor ou da maioria dos Autores, visando de tal modo favorecer os particulares que, não raras vezes, têm a seu cargo a iniciativa processual.

No entanto, esta regra geral comporta várias exceções que estão enumeradas nos artigos 17º a 22º do CPTA.

No caso dos autos impõe-se convocar o estatuído no artigo 20, nº5, do CPTA, o qual refere “Os demais processos de intimação são intentados no tribunal da área onde deva ter lugar o comportamento ou a omissão pretendidos.

Diga-se que, quer o Reclamante, quer a Senhora Juíza Reclamada, concordam que ao presente processo se aplica o citado normativo; no que dissentem é na entidade que consideram ser a competente para a apreciar os pedidos formulados na presente ação de intimação.

Como deixámos apontado, considera o ora Reclamante que a Senhora Juíza Reclamada laborou em erro, na medida é em que na Loja/Delegação da AIMA de Setúbal, situada na área de jurisdição do TAF de Almada, e com competência para a providenciar o pedido de autorização de residência formulado, o local onde teve lugar o comportamento omissivo que pretende ver sindicado.

Por seu turno a Juíza aqui Reclamada entende que a decisão dos pedidos de concessão de autorizações de residência, pertence ao Conselho Diretivo da AIMA, I.P., composto por um presidente e quatro vogais, com faculdade de delegação, sendo os respetivos procedimentos tramitados no Departamento de Procedimentos Administrativos e Qualidade, que é um serviço central da AIMA, com sede em Lisboa aliás, em consonância, afirma, com o peticionado na presente acção onde se indica que “O responsável pelo cumprimento da presente intimação é o titular do órgão responsável, ou seja, o presidente do conselho diretivo da AIMA I.P. - AGÊNCIA PARA A INTEGRAÇÃO,MIGRAÇÕES E ASILO, I.P., Luís Goes Pinheiro, e demais membros que integram o mesmo conselho (…)“ .

Adiante-se desde já, que a decisão reclamada é de manter.

Sobre esta matéria, e em caso em tudo idêntico a este, já se pronunciou o TCA Sul, em 05/03/2024, no âmbito do processo nº152/24.4BELLE, aí se veiculando posição que se acompanha na íntegra e, por isso, se transcreve na parte relevante ( a qual deve ser lida com as devidas adaptações).

Ali se disse:

“ (….) a AIMA IP, o organismo criado pelo Decreto-Lei n.º41/2023, de 2 de Junho (em vigor desde 29.10.2023) que sucedeu ao“ SEF nas suas funções em matéria administrativa relacionadas com os cidadãos estrangeiros e ao Alto Comissariado para as Migrações, I. P. (ACM, I. P.) e para qual transitam as “ diligências já realizadas, os processos e procedimentos administrativos pendentes no SEF e no ACM, I. P., (cf. artigos 1.º , nº1, 2.º e 5º, do citado diploma), tem de se articular com o regime do Decreto-Regulamentar nº 84/2007, que na sua recente alteração (Decreto Regulamentar n.º 1/2024, de 17 de Janeiro), passou a dispor no artigo 51.º, n.º 18 que a competência para a concessão e renovação de autorização de residência, está cometida ao “conselho diretivo da AIMA, I. P., com possibilidade de delegação.”

Ora, vendo a orgânica da AIMA, I.P, publicada em Anexo ao Decreto-Lei n.º 41/2023, de 2 de Junho, que dele faz parte integrante, bem como da Portaria n.º 324-A/2023, de 27 de Outubro, que aprovou os estatutos não decorre que as unidades orgânicas territorialmente desconcentradas que aquele organismo dispõe - mais concretamente a Loja AIMA de Albufeira – tenham competência para apreciar os pedidos concessão de autorização e residência temporária que lhe são dirigidos.

Essa competência radica - como supra se disse- no conselho directivo da AIMA, I.P., que tem a sua “sede no município de Lisboa”, como decorre da conjugação do disposto nos artigos 2.º, n.º 1 e 5.º, n.º 1 e 2, al. a), do Decreto-Lei n.º 41/2023, 2 de Junho e artigo 1.º, n.º 1, da Portaria n.º 324-A/2023, de 27 de Outubro.

De igual modo, percorrido o texto da recente Deliberação n.º 242/2024, de 22 de fevereiro, in Diário da República n.º 38/2024, Série II de 22-02-2024, nele não se encontra consagrada a referida delegação de competência para a concessão e renovação de autorizações de residência.

Refira-se, ainda, em jeito de nota de rodapé que as unidades orgânicas territorialmente desconcentradas da AIMA, IP, a saber: as Lojas AIMA e a IMA Spot - são espaços “ de prestação de serviços públicos em balcão único de atendimento que serve de interface dos cidadãos migrantes e das respetivas entidades empregadoras com diversos serviços de várias entidades públicas e privadas, designadamente no âmbito do processo de acolhimento e integração de migrantes” localizadas de preferência em Lojas de Cidadão, visão tão-só criar condições de maior proximidade, facilitar e promover o acesso aos serviços (cfr, artigos 14.º e 15.º da Portaria n.º 324-A/2023, de 27 de Outubro).

Dúvidas não restam, portanto, que pretensão do ora reclamante deve ser apreciada e decida pelo conselho directivo da AIMA, I.P., que tem a sua sede no município de Lisboa. Razão pela qual a presente intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias deve ser intentada no tribunal da área da sede da entidade demandada, in casu, no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, por esse o tribunal territorialmente competente para o efeito” – fim de citação.

Face ao que fica dito na decisão que seguimos e sufragamos, e dispensando-nos de outras considerações por desnecessárias, conclui-se que o Juízo administrativo comum do TAC de Lisboa é o competente para apreciar e decidir a presente ação de intimação para a proteção de direitos, liberdades e garantia, por ser esse o tribunal da sede da entidade demandada com competência especializada, nos termos do disposto no artigo 44º-A, nº1, alínea a), do ETAF (na versão atual), conjugado com o artigo 2º, nº1, alínea a) do Decreto-Lei nº174/2019, de 13/12, alínea a), do artigo 1º da Portaria nº121/2020, de 22/05 e do mapa anexo ao Decreto-Lei nº325/2003, de 29 de dezembro (alterado pelo DL nº 182/2007; DL n.º 190/2009, de 17/08; Lei n.º 118/2019; DL n.º 58/2020, de 13/08).


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III - DECISÃO

Pelo exposto, decide-se indeferir a presente reclamação e, consequentemente em manter a Decisão Reclamada nos seus precisos termos.

Custas a cargo do Reclamante.

Notifique.

Lisboa, 14/06/24


A Juíza Presidente

Catarina Almeida e Sousa