Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:3621/23.0BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:07/03/2025
Relator:ANA CRISTINA LAMEIRA
Descritores:INTIMAÇÃO PARA A PRESTAÇÃO DE INFORMAÇÕES E PASSAGEM DE CERTIDÃO
INFORMAÇÃO CONFIDENCIAL
ZONAS URBANAS SENSÍVEIS
Sumário:I - Não tendo sido invocada e provada a classificação do procedimento e processo em causa nos autos ou de qualquer dos documentos que o compõem ao abrigo do regime do segredo de Estado, ou outros regimes legais relativos à informação classificada (cf. artigo 6.º da LADA), nem tendo sido alegado pelo Recorrente/Entidade Requerida a necessidade de diferir o acesso, após o tempo estritamente necessário (nº 1 do mesmo preceito), pois que, não alegou, nem comprovou ter proferido tal decisão de diferimento, deve a Entidade Requerida facultar ao Requerente o acesso (i) lista das zonas urbanas sensíveis (ZUS) a nível nacional ou compiladas por comando, à data do pedido (2023).
II. A denegação do acesso à documentação teria sido possível se a entidade requerida demonstrasse, fundamentadamente, que a consulta do processo poria em causa, nos termos do artigo 6º, n.º 7, alínea b), da LADA, a capacidade operacional das forças de segurança, sendo insuficiente para tal objectivo, a mera alusão à confidencialidade de um documento cujo conteúdo e fundamentação se desconhece, tanto mais que alegadamente se limita a classificar tais ZUS como confidenciais sem que do mesmo conste em concreto a sua identificação.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção Administrativa Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Subsecção Administrativo Comum, da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Sul

I. RELATÓRIO

N... (Requerente) veio, nos termos dos artigos 104.º e seguintes do Código de Processo nos tribunais Administrativos, intentar contra o MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA (Entidade Requerida), a presente intimação para a prestação de informações e passagem de certidão, peticionando a final: “que seja intimado o Ministério da Administração Interna a dar acesso ao Requerente à (1) lista na posse da GNR que identifique as zonas urbanas sensível e (2) à diretiva n.º 12/2006, do Comando-Geral da GNR, de 23 de fevereiro de 2006, no prazo de 10 dias, sob pena de sanção pecuniária compulsória de 100 EUR por cada dia de atraso, em caso de incumprimento”.

O Tribunal a quo por sentença de 14 de Março de 2025 decidiu julgar procedente a presente acção e, em consequência, intimou a Entidade Requerida para, no prazo de 10 (dez) dias, prestar informação com a lista de Zonas Urbanas Sensíveis classificadas pela GNR, tal como solicitada pelo Requerente. Quanto ao pedido de disponibilização da diretiva n.º 12/2006, do Comando-Geral da GNR, de 23-02-2006, entendeu que “não poderá proceder a pretensão do Requerente nesta sede”.

Inconformada a Entidade Requerida, ora Recorrente, interpôs o presente recurso, tendo nas suas alegações formulado as seguintes conclusões:
“A. O tribunal a quo na Douta Sentença recorrida incorreu em erro de julgamento na apreciação dos fundamentos de direito subjacentes à decisão, face ao que se encontra plasmado na LADA e na Constituição da República Portuguesa;
B. A Douta Sentença desde logo, ao exigir “uma decisão autónoma” para fundamentar as restrições de acesso à informação, incorre numa interpretação excessivamente formalista da lei, que não se coaduna com a natureza sensível e dinâmica das informações relativas à segurança pública e que interfere indevidamente na discricionariedade técnica da GNR em matéria de segurança pública;
C. A classificação da informação como “Confidencial” já demonstra per si, uma avaliação ponderada dos riscos associados à sua divulgação, pelo que, exigir uma fundamentação adicional revela-se desproporcional e desnecessário, considerando a natureza sensível das informações em questão, além de que a exigência de uma decisão autónoma detalhada para cada restrição de acesso pode prejudicar a capacidade da GNR de responder com celeridade e eficácia a ameaças à segurança pública, ignorando a necessária flexibilização em questões de segurança nacional;
D. Ademais, a exigência de um horizonte temporal predefinido para a restrição de acesso ignora que a sensibilidade das informações sobre as ZUS não se esgota num prazo determinável a priori, devendo ter sempre presente que a LADA, embora preveja que a restrição vigore durante o tempo estritamente necessário à salvaguarda de outros interesses juridicamente relevantes, não impõe a predeterminação desse prazo quando a própria natureza da informação não o permite;
E. Há igualmente que referir que a mera identificação das ZUS constitui em si mesma, informação sensível, não sendo tecnicamente possível proceder à sua expurgação sem esvaziar por completo o conteúdo informativo solicitado;
F. O Recorrido limita-se a alegar – sem proceder à mínima concretização – um interesse jornalístico numa investigação – que igualmente não concretiza – sobre o policiamento em Portugal e discriminação judicial, não suscitando quaisquer dúvidas que o que aqui está em causa é uma informação não procedimental na medida em que o pedido formulado pelo Recorrido não visa acesso a qualquer documentação integrada num procedimento específico, mas sim o acesso a informação de carácter mais abrangente
G. O direito de acesso aos documentos administrativos não é um direito absoluto, pese embora se encontre consagrado no n.º 5 do artigo 268.º da Constituição da República Portuguesa e no artigo 5.º da LADA;
H. A própria Constituição, no n.º 2 do artigo 268.º estabelece, desde logo, a restrição de acesso no que concerne a matérias relativas à segurança interna e externa e à investigação criminal e intimidade das pessoas; I.o artigo 6.º da LADA também estabelece uma restrição ao direito de acesso, determinando que uma terceira pessoa só tem direito de acesso a documentos administrativos que contenham segredos comerciais, industriais ou sobre a vida interna de uma empresa se estiver munido de autorização escrita desta ou demonstrar fundamentadamente ser titular de um interesse direto, pessoal, legítimo e constitucionalmente protegido suficientemente relevante após ponderação, no quadro do princípio da proporcionalidade, de todos os direitos fundamentais em presença e do princípio da administração aberta, que justifique o acesso à informação (n.º6);
J. E, o n.º 7 do citado artigo 6.º expressamente determina ser interdito o acesso, os documentos administrativos sempre que contenham informações cujo conhecimento seja suscetível de colocar em causa a capacidade operacional ou a segurança das forças e serviços de segurança e dos órgãos de polícia criminal;
K. O próprio Estatuto do Jornalista, no n.º 3 do artigo 8.º expressamente determina que está excluído do direito à informação os documentos classificados ou protegidos ao abrigo de legislação específica;
L. A lista, designada por “Zonas Urbanas Sensíveis na Zona de Ação da GNR”, foi assinado pelo Diretor da Direção de Informações do Comando Operacional da GNR em 22/07/2020, estando classificada com CONFIDENCIAL, segundo as regras constantes do Despacho Conjunto do Chefe de Estado-Maior-General das Forças Armadas e dos Chefes de Estado-Maior dos três ramos das Forças Armadas, de 30/06/2020, que aprovou as Instruções de Segurança Militar (ISM, as quais vieram revogar as Instruções para a Segurança Militar – Salvaguarda e Defesa das Matérias Classificadas – SEGMIL);
M. De facto, as ISM ratificadas para aplicação à Guarda pelo Exmo. Tenente General, Comandante-Geral, através do Despacho n.º 104/20, de 28 de Setembro, no Capitulo 3 - Segurança da Informação, Secção III – Classificação e Preparação de Documentos, no parágrafo 3-7, Responsabilidade, referem na alínea a), que “(...) compete, exclusivamente, à entidade que produz o documento, a responsabilidade de atribuição da classificação de segurança mais adequada.”;
N. A responsabilidade acima referida, é igualmente enformada pela norma que regula a elaboração deste tipo de documentação no âmbito civil, com referência à Segurança Nacional, Salvaguarda e Defesa das Matérias Classificadas (SEGNAC), aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 50/88, de 3 de dezembro, que aprovou as Instruções para a Segurança Nacional, Salvaguarda e Defesa das Matérias Classificadas (SEGNAC 1), e que, no seu capitulo 6 – Classificação e preparação de documentos, parágrafo 6.1.2 Responsabilidades, alínea a), determina que "Compete exclusivamente às entidades a quem estas instruções conferem competência própria ou delegada para classificar a responsabilidade de atribuição da classificação de segurança mais adequada.”;
O. Assim, e contrariamente ao decidido, o direito de acesso aos arquivos e registos administrativos encontra-se limitado em matérias relativas à segurança interna e externa, à investigação criminal e à intimidade das pessoas (vd. artigo 268.º, n.º 2, da CRP) a própria LADA contém, no citado preceito uma expressão dessa limitação (artigo 6.º n.º 7)
P. A entrega ao Recorrido da solicitada lista de ZUS, coloca em causa o direito à segurança pública, que em colisão com o direito reivindicado pelo Recorrido, deverá, sempre, prevalecer;
Q. Nem o Recorrente tem o dever de anonimizar ou adaptar documentos para satisfazer o pedido, nem a obrigação de fornecer extratos de documentos, caso isso envolva um esforço desproporcionado que ultrapasse a simples manipulação dos mesmos (artigo 13.º, n.º 6), contrário ao decidido;
R. A classificação de determinadas localidades ou bairros como ZUS importa exclusivamente à função operacional e assume relevância unicamente para efeitos de organização interna de afetação de meios, nada mais;
S. Em conclusão, e face ao exposto, entende-se e advoga-se, com o devido respeito, que a Douta Sentença recorrida errou na interpretação e aplicação do direito.

Termina peticionando que deve o Recurso proceder com as legais consequências.
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O Requerente, ora Recorrido, apresentou contra-alegações, sem conclusões, concluindo pela improcedência do recurso.

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O Digno Magistrado do Ministério Público, notificado ao abrigo do disposto no artigo 146º, nº 1 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, emitiu pronúncia na qual pugna pela improcedência do recurso.
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Com dispensa de vistos, por se tratar de processo urgente, vem o processo submetido à conferência desta Secção do Contencioso Administrativo para decisão.

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I. 1- Das questões a decidir:

Em conformidade com o disposto nos artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do CPC, é pelas conclusões do recorrente jurisdicional que se define o objecto e se delimita o âmbito do presente recurso, sem prejuízo das questões de que este tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, que inexistem, estando apenas adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.
As questões a decidir neste processo, tal como vêm delimitadas pelas conclusões de recurso, cingem-se em aferir do erro de julgamento de direito quanto ao tipo e modo de acesso à informação peticionada pelo Requerente/Recorrido.

II – Fundamentação
II. 1 - De facto:

Na decisão recorrida foi fixada a seguinte factualidade:
A) O Requerente é jornalista do .... , órgão de comunicação social sob o número de registo do título na Entidade Reguladora da Comunicação Social 127119 (por acordo);
B) Em 22-06-2023, o Requerente dirigiu, por mensagem de correio eletrónico, à Entidade Requerida requerimento de cujo teor se extrai: «Boa tarde. Sou jornalista do .... , redação que desde 2018 prepara um trabalho de investigação sobre as práticas de policiamento em Portugal. Parte de um caso concreto: uma intervenção da PSP no Bairro do Condado, Zona J, Lisboa, na madrugada de 1 de janeiro de 2016. No auto-notícia, o bairro é identificado como parte de uma ZUS. O nosso trabalho procura também compreender o policiamento destas zonas. Entrevistámos sobre isso dezenas de agentes da PSP e da GNR, dirigentes sindicais, residentes, ativistas, e académicos, para além de responsáveis públicos, como a inspetora geral da administração interna, antigos governantes, incluindo ministros da administração interna, e watchdogs internacionais. Nestes locais descrevem elementos da PSP e da GNR um clima de constante resistência à intervenção legítima das autoridades, que lhes causa medo, os impacta psicologicamente, e dificulta o trabalho policial de rotina. Notam ser recebidos à pedrada, e existir uma ação em grupo para frustrar o policiamento de proximidade. Admitem também "já entrar a matar", classificam como "comum" adulterar os factos em autos-notícia sobre as ZUS, e reconhecem ter aí "ultrapassado linhas que não deviam ter ultrapassado", descrevendo abusos concretos. Residentes apontam o sobre-policiamento das ZUS, tratadas como zonas de exceção onde se recorre com excessiva frequência, e impunemente, à violência física. Responsáveis do Comité para a Prevenção da Tortura do Conselho da Europa, apontam-nos um uso fraudulento das acusações de resistência a funcionário nestas áreas como forma de se esquivar a responsabilidades judiciais após levar a cabo maus tratos. Em autos-notícia e processos judiciais, são identificadas abertamente as ZUS, sendo frequente a divulgação de locais considerados zonas urbanas sensíveis pelos departamento de relações públicas das polícias (a título de exemplo: https://www.dn.pt/sociedade/cinco-detidos-em-lisboa-por-suspeitas-de-agressoes-a-policias15648095.html, https://linhasdeelvas.pt/2021/04/29/elvas-psp-desenvolve-operacao-policial-em-zona-urbanasensivel/, https://tvi.iol.pt/noticias/amp/sociedade/amadora/agentes-da-psp-agredidos-no-bairro-dacova-da-moura, https://funchalnoticias.net/2023/04/18/policia-deteve-homem-com-arma-branca-proibida-emsanto-amaro/, https://m.facebook.com/PSPPortalegre/photos/a.398325223562354/3111421012252748/?typ e=3&_rdr, https://sintranoticias.pt/2021/06/02/psp-fiscaliza-discoteca-ilegal-em-zona-sensivel-daamadora/, https://sol.sapo.pt/artigo/665401/detido-prisioneiro-de-29-anos-em-fuga-desde-dezembro, https://www.portalalentejano.com/psp-busca-domiciliarias-no-bairro-das-pias-em-elvas/). É de inegável interesse público a investigação jornalística da intervenção das forças de segurança nas ZUS, particularmente quando haja quer reiteradas alegações de injustificada violência física
quer de dificuldade em manter a ordem pública. Mas é inviável tratar as alegações que enumerei acima sem documentar que locais são alvo desta ação das polícias, para compreender se existem ou não padrões quer na ação quer na classificação. É necessário ao cumprimento do direito constitucional a informar e ser informado, concretizado na nossa investigação supra descrita, o acesso a qualquer lista na posse da GNR que identifique as zonas urbanas sensíveis classificadas nestes momento por esta polícia. Ao abrigo do regime de acesso à informação administrativa, peço que me enviem este documento. Sendo inexistente, que informem de que documentação análoga poderá conter a informação pedida.» (cf. documento n.º 1 junto com o r.i., a fls. 20- 27 SITAF);
C) Com data de 11-07-2023, a Major M.... , Chefe da Divisão de Comunicação e Relações Públicas e Porta-Voz, dirigiu resposta ao Requerente, através de mensagem de correio eletrónico, da qual se extrai: «Exmo. Sr. Jornalista N.... , A GNR, em função de determinadas vulnerabilidades que podem induzir, como efeito, ao sentimento de insegurança da população, promove em determinadas zonas urbanas e outras de especial criticidade ações especiais de policiamento, tanto preventivo como reativo, necessárias à proteção de pessoas e bens e à salvaguarda da ordem e da tranquilidade públicas. De salientar que a identificação daquelas zonas assume uma natureza mutável, em função da intensidade, dinâmicas e de determinadas especificidades que se projetam a diversos níveis, como seja no grau de dependência social, na degradação ou dano provocado de infraestruturas, no abandono escolar, na existência de estratégias de sobrevivência paralela, na participação e registo da criminalidade, entre outros possíveis. Obrigando a que a GNR promova a uma regular caracterização da sua área de atuação, para uma oportuna adequação do nível e do esforço de emprego operacional à necessidade presente no território. Atento o que antecede e porque os planos de avaliação e de atuação operacional neste âmbito, que identificam aquelas zonas urbanas e outras de especial criticidade, reúnem elementos que poderão colocar em risco a segurança interna, como interesse fundamental do Estado, bem como ainda colocar em causa a capacidade operacional e a própria segurança dos militares da GNR, foi esta documentação classificada com o grau de segurança “CONFIDENCIAL”.
Por tudo quanto foi explanado, nos termos do estabelecido na alínea b) do n.º 4 do artigo 1.º e n.º 7 do artigo 6.º, ambos da Lei n.º 26/2016, de 22 de agosto, na sua versão mais recente, não será possível satisfazer o pedido.» (cf. documento n.º 1 junto com o r.i., a fls. 20-27 SITAF);

D) Em data não concretamente apurada, o Requerente apresentou queixa à Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos – CADA (por acordo);
E) Em 12-07-2023, a CADA, por mensagem de correio eletrónico dirigido ao Gabinete do Comandante-Geral da GNR, solicitou a elaboração de pronúncia relativamente à queixa mencionada na alínea antecedente (cf. documento n.º 2 junto com a oposição, a fls. 424-428 do SITAF);
F) Em 20-07-2023, a Entidade Requerida remeteu, por mensagem de correio eletrónico, resposta à CADA, de cujo teor se extrai: «(…) Relativamente ao assunto em título, incumbe-me Sua Excelência o General Comandante Geral de informar o seguinte:
1. O jornalista N.... , do .... , apresentou queixa à CADA, nos seguintes termos: «Como jornalista do .... , venho apresentar queixa contra a Guarda Nacional Republicana por recusar prestar a informação pedida no email infra, referente a quais os locais classificados por esta polícia como Zonas Urbanas Sensíveis. Conforme explicitado no pedido original, e considerado pela CADA em termos similares, relativamente à PSP, no Parecer 190/2023 - para a aplicação do qual incide a intimação sobre a PSP um pedido de intimação judicial no processo n.º 2329/23.0BELSB, cuja petição inicial se anexa - é frequente que esta polícia identifique publicamente, sem critério aparente, locais como ZUS, contrariando a necessidade de sigilo argumentada. Existindo reiterada violação da GNR das obrigações de confidencialidade que impôs a si própria, sem que se gere crível risco para os seus agentes, é de inegável interesse público a sua identificação sistemática. Na mesma linha, conforme explicitado na petição inicial anexa, múltiplas associações de moradores de locais classificados como ZUS pedem essa mesma divulgação.»
2. Em 11.07.2023, foi o queixoso informado pela GNR do seguinte: «De salientar que a identificação daquelas zonas assume uma natureza mutável, em função da intensidade, dinâmicas e de determinadas especificidades que se projetam a diversos níveis, como seja no grau de dependência social, na degradação ou dano provocado de infraestruturas, no abandono escolar, na existência de estratégias de sobrevivência paralela, na participação e registo da criminalidade, entre outros possíveis. Obrigando a que a GNR promova a uma regular caracterização da sua área de atuação, para uma oportuna adequação do nível e do esforço de emprego operacional à necessidade presente no território. Atento o que antecede e porque os planos de avaliação e de atuação operacional neste âmbito, que identificam aquelas zonas urbanas e outras de especial criticidade, reúnem elementos que poderão colocar em risco a segurança interna, como interesse fundamental do Estado, bem como ainda colocar em causa a capacidade operacional e a própria segurança dos militares da GNR, foi esta documentação classificada com o grau de segurança “CONFIDENCIAL”.»
3. Estabelece a alínea b) do n.º 4 do artigo 1.º da Lei n.º 26/2016, de 22 de agosto, que esta mesma lei não prejudica a aplicação do disposto em legislação específica, designadamente quanto ao acesso a informação e a documentos relativos à segurança interna e externa e à investigação criminal.
4. Enquanto restrição de acesso, prevista na alínea b) do n.º 7 do artigo 6.º da mesma Lei, os documentos administrativos ficam sujeitos a interdição de acesso ou a acesso sob autorização, durante o tempo estritamente necessário à salvaguarda de outros interesses juridicamente relevantes, mediante decisão do órgão ou entidade competente, sempre que contenham informações cujo conhecimento seja suscetível de colocar em causa a capacidade operacional ou a segurança das instalações ou do pessoal das Forças Armadas, dos serviços de informações da República Portuguesa, das forças e serviços de segurança e dos órgãos de polícia criminal.
5. Confirma-se existir na GNR um documento interno, classificado como CONFIDENCIAL, apenas passível de ser utilizado com vista à prevenção criminal e combate à criminalidade, que efetua a avaliação de zonas urbanas sensíveis da zona de ação da GNR, com recurso a fatores pré-determinados, como as suas caraterísticas urbanísticas, densidade populacional, criminalidade participada e sua análise.
6. Trata-se de um documento reservado, de trabalho e de acesso restrito a um grupo reduzido de militares da Guarda com especiais funções de Comando, elaborado com recurso à combinação de elementos de vária índole, destinado somente ao auxílio na devida orientação do serviço operacional, nomeadamente no adequado ajustamento do patrulhamento e realização de tarefas ligadas à prevenção e investigação criminal. Estes estudos aprofundados da zona de ação de responsabilidade da GNR são fundamentais para uma melhor perceção científica do meio onde se insere e garantindo uma melhor prossecução da sua missão.
7. Saliente-se que a simples divulgação pública de zonas consideradas como sendo sensíveis pode acarretar graves consequências em termos operacionais, nomeadamente à segurança de militares e, acima de tudo, às próprias zonas visadas, através da atribuição de uma classificação que em nada se destina à qualquer perceção pública, o que deve ser completamente reprovado tratando-se todo o território de igual forma, embora com os ajustamentos operacionais necessários e específicos para cada localidade.
8. Através do parecer n.º 190/2023 da CADA de 14.06.2023, é referido que a «A mera alusão à existência de documento classificado, sem a concretização exigida pelo artigo 6.º, n.º 1, da LADA, não traduz suficiente fundamentação para se perceber se há lugar a derrogação de um direito com assento constitucional como o direito de acesso aos documentos administrativos.» Ainda neste parecer é referido não ter sido efetuado um juízo de ponderação e fundamentação quanto à restrição de acesso ligada à suscetibilidade de «afetar a eficácia da fiscalização ou de colocar em causa a capacidade operacional ou a segurança dos agentes em zonas urbanas sensíveis».
9. Conforme referido anteriormente, e efetuada a devida ponderação, entende o Comando da Guarda que a documentação solicitada não pode ser cedida.»
(cf. documento n.º 2 junto com a oposição, a fls. 424-428 do SITAF);
G) Em 13-09-2023, a CADA emitiu o Parecer n.º 336/2023, de cujo teor se extrai:
«I – Factos e pedido
1. (A.) dirigiu a seguinte comunicação de correio electrónico à Guarda Nacional Republicana: «Sou jornalista do .... , redação que desde 2018 prepara um trabalho de investigação sobre as práticas de policiamento em Portugal. Parte de um caso concreto: uma intervenção da PSP no Bairro do Condado, Zona J, Lisboa, na madrugada de 1 de janeiro de 2016. No auto-notícia, o bairro é identificado como parte de uma ZUS. O nosso trabalho procura também compreender o policiamento destas zonas. Entrevistámos sobre isso dezenas de agentes da PSP e da GNR, dirigentes sindicais, residentes, ativistas, e académicos, para além de responsáveis públicos, como a inspetora geral da administração interna, antigos governantes, incluindo ministros da administração interna, e watchdogs internacionais./Nestes locais descrevem elementos da PSP e da GNR um clima de constante resistência à intervenção legítima das autoridades, que lhes causa medo, os impacta psicologicamente, e dificulta o trabalho policial de rotina. Notam ser recebidos à pedrada, e existir uma ação em grupo para frustrar o policiamento de proximidade. Admitem também "já entrar a matar", classificam como "comum" adulterar os factos em autos-notícia sobre as ZUS, e reconhecem ter aí "ultrapassado linhas que não deviam ter ultrapassado", descrevendo abusos concretos. Residentes apontam o sobre-policiamento das ZUS, tratadas como zonas de exceção onde se recorre com excessiva frequência, e impunemente, à violência física. Responsáveis do Comité para a Prevenção da Tortura do Conselho da Europa, apontam-nos um uso fraudulento das acusações de resistência a funcionário nestas áreas como forma de se esquivar a responsabilidades judiciais após levar a cabo maus tratos./Em autos-notícia e processos judiciais, são identificadas abertamente as ZUS, sendo frequente a divulgação de locais considerados zonas urbanas sensíveis pelos departamento de relações públicas das polícias (a título de exemplo: https://www.(...) É de inegável interesse público a investigação jornalística da intervenção das forças de segurança nas ZUS, particularmente quando haja quer reiteradas alegações de injustificada violência física quer de dificuldade em manter a ordem pública. Mas é inviável tratar as alegações que enumerei acima sem documentar que locais são alvo desta ação das polícias, para compreender se existem ou não padrões quer na ação quer na classificação. E necessário ao cumprimento do direito constitucional a informar e ser informado, concretizado na nossa investigação supra descrita, o acesso a qualquer lista na posse da GNR que identifique as zonas urbanas sensíveis classificadas nestes momento por esta polícia. Ao abrigo do regime de acesso à informação administrativa, peço que me enviem este documento. Sendo inexistente, que informem de que documentação análoga poderá conter a informação pedida».
2. A entidade requerida respondeu: «A GNR, em função de determinadas vulnerabilidades que podem induzir, como efeito, ao sentimento de insegurança da população, promove em determinadas zonas urbanas e outras de especial criticidade ações especiais de policiamento, tanto preventivo como reativo, necessárias à proteção de pessoas e bens e à salvaguarda da ordem e da tranquilidade públicas./De salientar que a identificação daquelas zonas assume uma natureza mutável, em função da intensidade, dinâmicas e de determinadas especificidades que se projetam a diversos níveis, como seja no grau de dependência social, na degradação ou dano provocado de infraestruturas, no abandono escolar, na existência de estratégias de sobrevivência paralela, na participação e registo da criminalidade, entre outros possíveis. Obrigando a que a GNR promova a uma regular caracterização da sua área de atuação, para uma oportuna adequação do nível e do esforço de emprego operacional à necessidade presente no território./Atento o que antecede e porque os planos de avaliação e de atuação operacional neste âmbito, que identificam aquelas zonas urbanas e outras de especial criticidade, reúnem elementos que poderão colocar em risco a segurança interna, como interesse fundamental do Estado, bem como ainda colocar em causa a capacidade operacional e a própria segurança dos militares da GNR, foi esta documentação classificada com o grau de segurança "CONFIDENCIAL". /Por tudo quanto foi explanado, nos termos do estabelecido na alínea b) do n. º 4 do artigo 1. º e n. º 7 do artigo 6. º, ambos da Lei n. º 26/2016, de 22 de agosto, na sua versão mais recente, não será possível satisfazer o pedido».
3. Inconformado com a resposta, o requerente apresentou queixa à Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA).
4. Convidada pela CADA para se pronunciar sobre o teor da queixa a entidade requerida disse, entre o mais: «5. Confirma-se existir na GNR um documento interno, classificado como CONFIDENCIAL, apenas passível de ser utilizado com vista à prevenção criminal e combate à criminalidade, que efetua a avaliação de zonas urbanas sensíveis da zona de ação da GNR, com recurso a fatores pré-determinados, como as suas caraterísticas urbanísticas, densidade populacional, criminalidade participada e sua análise./6.Trata-se de um documento reservado, de trabalho e de acesso restrito a um grupo reduzido de militares da Guarda com especiais funções de Comando, elaborado com recurso à combinação de elementos de variada índole, destinado somente ao auxílio na devida orientação do serviço operacional, nomeadamente no adequado ajustamento do patrulhamento e realização de tarefas ligadas à prevenção e investigação criminal. Estes estudos aprofundados da zona de ação de responsabilidade da GNR são fundamentais para uma melhor perceção científica do meio onde se insere e garantindo uma melhor prossecução da sua missão./7.Saliente-se que a simples divulgação pública de zonas consideradas como sendo sensíveis pode acarretar graves consequências em termos operacionais, nomeadamente à segurança de militares e, acima de tudo, às próprias zonas visadas, através da atribuição de uma classificação que em nada se destina a qualquer perceção pública, o que deve ser completamente reprovado tratando-se todo o território de igual forma, embora com os ajustamentos operacionais necessários e específicos para cada localidade. /8.Através do parecer n.º 190/2023 da CADA de 14.06.2023, é referido que a «A mera alusão à existência de documento classificado, sem a concretização exigida pelo artigo 6. º n. º 1, da LADA, não traduz suficiente fundamentação Para se perceber se há lugar a derrogação de um direito com assento constitucional como o direito de acesso aos documentos administrativos.» Ainda neste Parecer é referido não ter sido efetuado um juízo de Ponderação e fundamentação quanto à restrição de acesso ligada à suscetibilidade de «afetar a eficácia da fiscalização ou de colocar em causa a capacidade operacional ou a segurança dos agentes em zonas urbanas sensíveis». /Conforme referido anteriormente, e efetuada a devida ponderação, entende o Comando da Guarda que a documentação não pode ser cedida.»
II – Apreciação jurídica
1. O requerente, jornalista, pretende acesso à «lista na posse da GNR que identifique as zonas urbanas sensíveis classificadas neste momento por esta polícia». A entidade requerida entende tratar-se de «elementos que poderão colocar em risco a segurança interna, como interesse fundamental do Estado, bem como ainda colocar em causa a capacidade operacional e a própria segurança dos militares da GNR,» tendo essa «documentação classificada com o grau de segurança "CONFIDENCIAL".» E, que «efetuada a devida ponderação […] a documentação não pode ser cedida».
2. Esta comissão analisou o acesso a matéria relativa às Zonas Urbanas Sensíveis, na área da Polícia de Segurança Pública, nos pareceres n.º 190/2023 e n.º 273/2023) (disponíveis, como todos em www.cada.pt), E aliás, aquele primeiro parecer é expressamente citado pela entidade requerida. Disse-se, Parecer n.º 273/2023, que se retoma: «A documentação solicitada subsumese ao conceito de «documento administrativo» previsto no artigo 3.º, n.º 1, al. a), da Lei n.º 26/2016, de 22 de agosto, diploma que regula o acesso à informação administrativa e ambiental e a reutilização dos documentos administrativos (doravante, LADA): «qualquer conteúdo, ou parte desse conteúdo, que esteja na posse ou seja detido em nome dos órgãos e entidades referidas no artigo seguinte, seja o suporte de informação sob forma escrita, visual, sonora, eletrónica ou outra forma material (…)».
5. A regra geral em matéria de 4 Proc. n.º 715/2023acesso a documentos administrativos consta do artigo 5.º, n.º 1, do diploma citado: «Todos, sem necessidade de enunciar qualquer interesse, têm direito de acesso aos documentos administrativos, o qual compreende os direitos de consulta, de reprodução e de informação sobre a sua existência e conteúdo».
6. Há, no entanto, situações de restrição de acesso e de não dever de facultar o acesso. As situações de restrição de acesso encontram-se mais genericamente contempladas no artigo 6.º da LADA, nelas se incluindo, designadamente, as que respeitam a documentos classificados – cf. artigo 6.º, n.º 1.
7. Qualquer situação de recusa fundamentada em restrição de acesso ou situação de não dever facultar o acesso deve ser comunicada ao requerente, com a devida justificação, conforme disposto no artigo 15.º n.º 1, al. c), da LADA, não bastando uma mera alegação genérica da sua existência.
8. Sobre o acesso a documentos classificados, dispõe o artigo 6.º, n.º 1, da LADA: «1- Os documentos que contenham informações cujo conhecimento seja avaliado como podendo pôr em risco interesses fundamentais do Estado ficam sujeitos a interdição de acesso ou a acesso sob autorização, durante o tempo estritamente necessário, através de classificação operada através do regime do segredo de Estado ou por outros regimes legais relativos à informação classificada».
9. Em matéria de restrições ao direito de acesso dispõe, ainda, o artigo 6.º, n.º 7, da LADA «7 - Sem prejuízo das demais restrições legalmente previstas, os documentos administrativos ficam sujeitos a interdição de acesso ou a acesso sob autorização, durante o tempo estritamente necessário à salvaguarda de outros interesses juridicamente relevantes, mediante decisão do órgão ou entidade competente, sempre que contenham informações cujo conhecimento seja suscetível de: /a) Afetar a eficácia da fiscalização ou supervisão, incluindo os planos, metodologias e estratégias de supervisão ou de fiscalização; /b) Colocar em causa a capacidade operacional ou a segurança das instalações ou do pessoal das Forças Armadas, dos serviços de informações da República Portuguesa, das forças e serviços de segurança e dos órgãos de polícia criminal, dos estabelecimentos de reinserção e serviços prisionais e dos centros educativos previstos na Lei n.º 166/99, de 14 de setembro, que aprova a Lei Tutelar Educativa, bem 5 Proc. n.º 715/2023como a segurança das representações diplomáticas e consulares e das infraestruturas críticas; /ou c) Causar danos graves e dificilmente reversíveis a bens ou interesses patrimoniais de terceiros que sejam superiores aos bens e interesses protegidos pelo direito de acesso à informação administrativa».
10. A existência de matéria reservada não implica a recusa total do acesso, atento o disposto no artigo 6.º, n.º 8, da LADA: «Os documentos administrativos sujeitos a restrições de acesso são objeto de comunicação parcial sempre que seja possível expurgar a informação relativa à matéria reservada».
11. A qualidade de jornalista não confere ao requerente título bastante para aceder a todos e quaisquer documentos. Com efeito, dispõe o n.º 3 do artigo 8.º do Estatuto do Jornalista (aprovado pela Lei n.º 1/99, de 13 de janeiro) que: «O direito de acesso às fontes de informação não abrange os processos em segredo de justiça, os documentos classificados ou protegidos ao abrigo de legislação específica, os dados pessoais que não sejam públicos dos documentos nominativos relativos a terceiros, os documentos que revelem segredo comercial, industrial ou relativo à propriedade literária, artística ou científica, bem como os documentos que sirvam de suporte a atos preparatórios de decisões legislativas ou de instrumentos de natureza contratual.».
12. Como decorre do artigo 6.º, n.º 1, da LADA, é condição de restrição, interdição de acesso ou acesso sob autorização, que tenha havido classificação operada através do regime do segredo de Estado ou por outro regime legal relativo a informação classificada.
13. Ora, nem na resposta ao requerente nem na pronúncia sobre a queixa explicitou a entidade requerida qualquer regime ao abrigo do qual a documentação tenha sido classificada, não se podendo o mesmo presumir. Também não apresentou a entidade requerida qualquer parâmetro temporal capaz de permitir apurar a razoabilidade da restrição que invoca — sobre esta matéria, cf., entre outros, os Pareceres n.ºs 366/2017, 328/2017 e 154/2017 - todos os pareceres são acessíveis no sítio na internet da CADA, em https://www.cada.pt/, no segmento «Pareceres», por ano e por ordem numérica.
14. A mera alusão à existência de documento classificado, sem a concretização exigida pelo artigo 6.º, n.º 1, da LADA, não traduz suficiente fundamentação para se 6 Proc. n.º 715/2023perceber se há lugar a derrogação de um direito com assento constitucional como o direito de acesso aos documentos administrativos — cf. artigo 268.º, n.º 2, direito fundamental de natureza análoga aos «direitos, liberdades e garantias».
15. Veja-se, não basta uma entidade declarar que houve classificação de confidencialidade.
16. Como se retomou no Parecer n.º 157/2017, «Para que [os documentos] sejam, efetivamente, de acesso reservado é necessária a sua prévia classificação diretamente por lei ou pela entidade com competências para o fazer./ Não basta, por um lado, uma simples classificação de facto; é imperativo que o documento seja, de jure, um documento classificado./ (…) Se os documentos em questão forem documentos classificados, serão objecto de uma reserva de comunicação. No entanto, convirá notar que não basta a simples aposição de um carimbo (contendo uma das menções “Muito secreto”, “Secreto”; “Confidencial”; “Reservado”, ou rotulando um documento como “Segredo de Estado”) para que a possibilidade de acesso seja restringida. É que, muitas vezes, acontece que tais “marcas” (sobretudo, as de confidencial e reservado) são colocadas por motivos de mera eficiência administrativa. Para que os documentos solicitados (...) sejam, realmente, de acesso condicionado, é necessário que tenham sido (e permaneçam) classificados, nos termos legais, por uma entidade com competência para o fazer, devendo o acto que eventualmente denegue o acesso pretendido ser fundamentado./Em resumo: não basta uma simples classificação de facto; é preciso que o documento seja, de jure, um documento classificado (…)»
17. Saber ao abrigo de que regime foi ou está o documento classificado e /ou quem classificou são elementos essenciais para a perceção por cada requerente da bondade da recusa de acesso.
18. Do mesmo modo, a verificar-se alguma das circunstâncias de interdição do acesso ou de acesso sob autorização, previstas no artigo 6.º, n.º 7, da LADA, devem as mesmas ser concretizadas pela entidade requerida e ponderados os interesses em presença, nos termos previstos nas respetivas alíneas do preceito, informando-se o requerente sobre a duração previsível da restrição.
19. O conhecimento da informação solicitada poderia, eventualmente, ser suscetível de «afetar a eficácia da fiscalização» ou de colocar em causa a capacidade operacional ou a 7 Proc. n.º 715/2023segurança dos agentes em «zonas urbanas sensíveis», conceito que tem vindo a substituir o de «bairros problemáticos», no «âmbito de estratégias integradas de prevenção e intervenção, ações regulares de policiamento reforçado, com recurso a meios especiais de polícia, e operações especiais de prevenção relativas a armas» (como se enunciava no artigo 10.º da Lei n.º 38/2009, de 20 de Julho, que definia os objetivos, prioridades e orientações de política criminal para o biénio de 20092011).
20. Ou, porventura, esse conhecimento poderia causar danos graves e dificilmente reversíveis a bens ou interesses patrimoniais de terceiros, nomeadamente aos moradores das ZUS (estigma/ crime/delinquência juvenil/insegurança/vivência na sociedade/serem eles próprios considerados como geradores de insegurança) superiores ao interesse manifestado pelo jornalista, ou seja, ao benefício que, através da investigação que realiza, poderá trazer de positivo para a sociedade.
21. Se tivesse sido efetuado um juízo de ponderação, o mesmo deveria ser transmitido ao requerente, para que pudesse conhecê-lo e, sendo o caso, contrapô-lo, ou então delimitar ou reduzir o pedido.
22. Trata-se, aliás, de temática objeto de estudos académicos (caso da Universidade Lusíada, Faculdade de Direito, Mestrado em Segurança e Justiça -« Zonas urbanas sensíveis e criminalidade organizada», por Márcio Rafael Marques dos Santos, com orientação de Luís Carlos Rodrigues Malheiro, http://repositorio.ulusiada.pt/handle/11067/6265) e de artigos de imprensa, sublinhada nos relatórios anuais de segurança interna («O fenómeno da criminalidade grupal tem apresentado maior incidência nas áreas metropolitanas, em especial nas Zonas Urbanas Sensíveis (ZUS), Relatório Anual de Segurança Interna - Ano 2022, pág. 10, disponível em https://www.portugal.gov.pt/downloadficheiros/ficheiro.aspx?v=%3d %3dBQAAAB%2bLCAAAAAAABAAzNDazMAQAhxRa3gUAAAA%3d).
23. A restrição do direito de acesso deve ser sempre objeto de uma adequada ponderação dos interesses ou valores em confronto, com explicitação, pela entidade requerida, das razões que eventualmente fundamentem a recusa total ou parcial dos documentos».
3. No presente caso, aplica-se, sem necessidade de outro desenvolvimento, a análise que foi realizada no parecer acabado de citar quanto ao significado de uma classificação de confidencialidade, sem outra discriminação, sobre o pretendido direito de acesso. Haverá, pois, se a entidade requerida persistir nessa invocação como fundamento de recusa de acesso, de existir uma outra explicitação.
4. Já quanto à integração na previsão do artigo 6.º, n.º 7, da LADA reconhece-se que a justificação apresentada pela entidade requerida é superior à que fora indicada nos casos dos pareceres mencionados.
5. Ainda assim, importará aqui pedir a atenção da entidade requerida para o relevo, que evidentemente não desconhece, que a problemática das ZUS tem vindo a assumir na ordem jurídica portuguesa.
6. Como logo apontámos no Parecer n.º 190/2023, trata-se de temática objeto de diversos estudos e artigos na comunicação social.
7. O próprio requerente dá conta, entre muitas notícias, de dois estudos de mestrado na Academia Militar, por aspirantes a oficiais da GNR. Ver em http://hdl.handle.net/10400.26/40075 O MODELO DE POLICIAMENTO E PREVENÇÃO NAS ZONAS URBANAS SENSÍVEIS. ESTUDO DE CASO: A GUARDA NACIONAL REPUBLICANA NO MUNICÍPIO DE ALMADA Autor: Aspirante GNR Infantaria João Miguel Ventura Tavares; e em https://comum.rcaap.pt/handle/10400.26/34561 A APLICABILIDADE DO INTELLIGENCE-LED POLICING NAS ZONAS URBANAS SENSÍVEIS Autor: Aspirante de Infantaria da GNR Hugo Miguel Lopes Morgado.
8. Em qualquer desses estudos se faz referência a casos concretos, a ZUS concretas.
9. E não há notícia de alguma dificuldade que tenha sido levantada pelo conhecimento desses casos e sua divulgação, estando, aliás, os estudos acessíveis nos sítios eletrónicos mencionados.
10.Faz-se esta referência para trazer novamente à colação o que se deixou exarado no Parecer n.º 273/2023, em termos de apelo para uma abertura à comunidade, que, sem prejudicar a atuação das autoridades, permitirá cumprir o direito a saber, o direito de saber, aquele direito que se celebra universalmente cada 28 de Setembro e que a nossa Constituição da República consagra no seu artigo 268.º, n.º 2. Este envolvimento com a comunidade, na circunstância, através de jornalista que intenta saber, para poder transmitir, é absolutamente essencial numa sociedade democrática.
11.Assim, no quadro do disposto, mesmo, no artigo 2.º da LADA - O acesso e a reutilização da informação administrativa são assegurados de acordo com os demais princípios da atividade administrativa, designadamente os princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da colaboração com os particulares – será possível atingir um ponto de equilíbrio, conjugando o interesse de saber com o dever de salvaguarda de outros interesses relevantes, como os indicados na tomada de posição da entidade requerida.
12.Tudo para significar, que poderá entender-se que não se disponibilize exatamente a lista das ZUS que estejam contempladas no dia em que essa disponbilização é feita.
13.Mas nada obstará, parece, a uma indicação, a uma informação, em relação a um tempo anterior, quanto ao qual já não se possa colocar o perigo de afetação de interesses relevantes superiores ao direito de acesso. Sempre tendo como pano de fundo que o direito de saber, exatamente, também, em sede das razões da atuação policial se apresenta como elemento que traz para a própria instituição policial e, por isso, para a comunidade em geral, um conforto e crédito de confiança que são essenciais para o efetivo cumprimento das suas missões. III – Conclusão - Não basta uma entidade declarar que houve classificação de confidencialidade; - Saber ao abrigo de que regime legal um documento foi ou está classificado e /ou quem classificou são elementos essenciais para a perceção por cada requerente da bondade da recusa de acesso; - Restrição do acesso ao abrigo do artigo 6.º n.º 7 deve ser limitada ao tempo estritamente necessário.» (cf. documento n.º 3 do r.i., a fls. 42-51 do SITAF)
H) Em 15-09-2023, o Requerente remeteu nova mensagem de correio eletrónico à entidade Requerida da qual consta: «Bom dia. Tendo a Comissão de Acesso a Documentos Administrativos emitidos parecer pela disponibilização de uma versão da lista de Zonas Urbanas Sensíveis classificadas pela GNR, aguarda-se posição final fundamentada sobre esta matéria. Tal como indicado previamente, caso se opte por não disponibilizar qualquer informação, avançaremos com uma intimação judicial para o cumprimento do parecer da CADA, sendo esta a única forma prevista legalmente de o tornar vinculativo.» (cf. documento n.º 1 junto com o r.i., a fls. 20-27 SITAF);
I) Em 28-09-2023, a Entidade Requerida informou a CADA, por mensagem de correio eletrónico, de que «(…) foi novamente a GNR interpelada para proceder à entrega de uma listagem contendo as Zonas Urbanas Sensíveis da sua área de jurisdição, pelo que será o jornalista N.... informado que é mantida a posição transmitida à CADA através do nosso email n.º S081347-202307-SGG, de 20 de julho de 2023, e constante do Parecer n.º 336/2023, para onde se remete, não sendo cedida qualquer listagem que identifique as Zonas Urbanas Sensíveis na zona de jurisdição da GNR.» (cf. documento n.º 2 junto com a oposição, a fls. 424-428 do SITAF);
J) Em 29-09-2023, a Major M.... , Chefe da Divisão de Comunicação e Relações Públicas da Entidade Requerida, dirigiu resposta ao Requerente, através de mensagem de correio eletrónico, do qual se extrai: «Exmo. Sr. Jornalista N.... , A GNR, em função de determinadas vulnerabilidades que podem induzir, como efeito, ao sentimento de insegurança da população, promove em determinadas zonas urbanas e outras de especial criticidade ações especiais de policiamento, tanto preventivo como reativo, necessárias à proteção de pessoas e bens e à salvaguarda da ordem e da tranquilidade públicas. De salientar que a identificação daquelas zonas assume uma natureza mutável, em função da intensidade, dinâmicas e de determinadas especificidades que se projetam a diversos níveis, como seja no grau de dependência social, na degradação ou dano provocado de infraestruturas, no abandono escolar, na existência de estratégias de sobrevivência paralela, na participação e registo da criminalidade, entre outros possíveis. Obrigando a que a GNR promova a uma regular caracterização da sua área de atuação, para uma oportuna adequação do nível e do esforço de emprego operacional à necessidade presente no território. Atento o que antecede e porque os planos de avaliação e de atuação operacional neste âmbito, que identificam aquelas zonas urbanas e outras de especial criticidade, reúnem elementos que poderão colocar em risco a segurança interna, como interesse fundamental do Estado, bem como ainda colocar em causa a capacidade operacional e a própria segurança dos militares da GNR, foi esta documentação classificada com o grau de segurança “CONFIDENCIAL”.
Por tudo quanto foi explanado, nos termos do estabelecido na alínea b) do n.º 4 do artigo 1.º e n.º 7 do artigo 6.º, ambos da Lei n.º 26/2016, de 22 de agosto, na sua versão mais recente, cumpre informar que a Guarda Nacional Republicana (GNR) mantém a posição transmitida à CADA e constante do Parecer n.º 336/2023, não sendo possível satisfazer o seu pedido. Acresce ainda informar que a GNR informará a CADA deste procedimento. (…)»
(cf. documento n.º 1 junto com o r.i., a fls. 20-27 SITAF);
K) Em 4-10-2023, o Requerente dirigiu, por mensagem de correio eletrónico, à Entidade Requerida requerimento, de cujo teor se extrai:

«Boa tarde. O Tribunal Administrativo de Lisboa pronunciou-se hoje ordenando a divulgação da lista integral de zonas urbanas sensíveis, e dos critérios de classificação destas, pela Polícia de Segurança Pública no prazo de 10 dias. A intimação judicial sobre a qual a decisão é tomada parte do parecer da Comissão de Acesso a Documentos Administrativos citado no parecer 366/2023, sobre a divulgação da lista de ZUS pela GNR. Considerando a posição da justiça portuguesa, gostava de perguntar à GNR se há disponibilidade para rever a posição tomada, evitando o dispêndio de tempo e dinheiro, para ambas as partes, em procurar o cumprimento também deste parecer da CADA por via de nova intimação judicial. Agradeço resposta até 10 de outubro, para que, sendo negativa, possamos colocar o processo dentro do prazo legal.» (cf. documento n.º 1 junto com o r.i., a fls. 20-27 do SITAF);
L) Em 10-10-2023, a Entidade Requerida remeteu, por mensagem de correio eletrónico, com o assunto “Pedido de acesso a documentos – Lista de Zonas Urbanas Sensíveis”, ao Requerente o Ofício com a Ref. E092952-202306, do qual se extrai: «Exmo. Sr. Jornalista N.... , Em resposta ao seu email, cumpre-me informar que, relativamente ao assunto em apreço, a Guarda Nacional Republicana mantém a posição comunicada no email enviado no dia 29 de setembro de 2023.» (cf. documento n.º 6 do r.i., a fls. 99 do SITAF).
M) Em 20-10-2023, a presente intimação deu entrada em juízo neste Tribunal (cf. comprovativo de entrega, a fls. 1-4 do SITAF).
IV.2 – DOS FACTOS NÃO PROVADOS Não existem outros factos alegados relevantes para a decisão, em face das possíveis soluções de direito, que importe referir como provados ou não provados.

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II.2 De Direito


Cumpre decidir conforme delimitado em I.1.
Das conclusões do Recorrente verifica-se que o seu dissenso assenta em rebater os argumentos principais da sentença recorrida que fundamentou a sua decisão na circunstância de a Entidade Requerida não ter conseguido provar, por um lado, que a lista das Zonas Urbanas Sensíveis (ZUS), é um documento classificado como “CONFIDENCIAL”, nos termos do SEGNAC1, aprovado pela Resolução do Conselho de Ministro n.º 50/88 de 3.12.1988 e, por outro lado, que o acesso à informação e documentos requeridos pelo Recorrido (lista de ZUS e documentos que as classificam como tal e justificam essa decisão) colocará em risco a “segurança nacional”.

Desde já, se antecipa que o Tribunal a quo decidiu com acerto.
Prima facie, o Recorrente não impugnou a decisão da matéria de facto, o que significa que nada consta que demonstre o que alega na conclusão L), nomeadamente que a “lista, designada por “Zonas Urbanas Sensíveis na Zona de Ação da GNR”, foi assinado pelo Director da Direcção de Informações do Comando Operacional da GNR em 22/07/2020, estando classificada com CONFIDENCIAL”.
O meio processual utilizado pelo Recorrido previsto nos artigos 104.º e seguintes do CPTA, surge justamente para tutelar o direito à informação dos administrados, destinando-se a efetivar jurisdicionalmente, quer o direito à informação sobre o andamento dos procedimentos e o conhecimento das decisões, que integra o direito à informação procedimental, quer o direito de acesso aos arquivos e registos administrativos, que corresponde a um direito à informação não procedimental, concretizando, no plano processual “os direitos e garantias consagrados no artigo 268.º, n.ºs 1 e 2, da CRP, que se encontram regulados, no plano do direito substantivo, respetivamente, pelos artigos 82.º a 85.º do CPA e pela Lei n.º 46/2007, de 24 de agosto” - cf. MÁRIO AROSO DE ALMEIDA e CARLOS ALBERTO FERNANDES CADILHA, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina, Coimbra, 4.ª Edição, 2017, pág. 855.
Por seu turno, o n.º 2 do artigo 17.º do CPA (2015) dispõe que o acesso aos arquivos e registos administrativos é regulado por lei especial, que é actualmente a Lei n.º 26/2016, de 22 de Agosto, vulgarmente denominada Lei de Acesso aos Documentos Administrativos (LADA), uma vez que aprova o regime de acesso à informação administrativa e ambiental e de reutilização dos documentos administrativos.
O artigo 5.º, n.º 1, da LADA estabelece que “[t]odos, sem necessidade de enunciar qualquer interesse, têm direito de acesso aos documentos administrativos, o qual compreende os direitos de consulta, de reprodução e de informação sobre a sua existência e conteúdo”. Portanto, o regime de acesso não procedimental ou do arquivo aberto (“open file”), regra geral, não depende de qualquer interesse legítimo filiando-se no princípio da administração aberta.
Todavia, segundo o artigo 1º da LADA, nº 4 - A presente lei não prejudica a aplicação do disposto em legislação específica, designadamente quanto:
(…)
b) Ao acesso a informação e a documentos relativos à segurança interna e externa e à investigação criminal, ou à instrução tendente a aferir a responsabilidade contraordenacional, financeira, disciplinar ou meramente administrativa, que se rege por legislação própria;
Além de que, o referido direito de acesso pode sofrer restrições, expressamente previstas no artigo 6.º da LADA, segundo o qual:
1 - Os documentos que contenham informações cujo conhecimento seja avaliado como podendo pôr em risco interesses fundamentais do Estado ficam sujeitos a interdição de acesso ou a acesso sob autorização, durante o tempo estritamente necessário, através de classificação operada através do regime do segredo de Estado ou por outros regimes legais relativos à informação classificada.
(…)
7 - Sem prejuízo das demais restrições legalmente previstas, os documentos administrativos ficam sujeitos a interdição de acesso ou a acesso sob autorização, durante o tempo estritamente necessário à salvaguarda de outros interesses juridicamente relevantes, mediante decisão do órgão ou entidade competente, sempre que contenham informações cujo conhecimento seja suscetível de:
a) Afetar a eficácia da fiscalização ou supervisão, incluindo os planos, metodologias e estratégias de supervisão ou de fiscalização;
b) Colocar em causa a capacidade operacional ou a segurança das instalações ou do pessoal das Forças Armadas, dos serviços de informações da República Portuguesa, das forças e serviços de segurança e dos órgãos de polícia criminal, dos estabelecimentos de reinserção e serviços prisionais e dos centros educativos previstos na Lei n.º 166/99, de 14 de setembro, que aprova a Lei Tutelar Educativa, bem como a segurança das representações diplomáticas e consulares e das infraestruturas críticas; ou

c) Causar danos graves e dificilmente reversíveis a bens ou interesses patrimoniais de terceiros que sejam superiores aos bens e interesses protegidos pelo direito de acesso à informação administrativa.
8 - Os documentos administrativos sujeitos a restrições de acesso são objeto de comunicação parcial sempre que seja possível expurgar a informação relativa à matéria reservada.
9 - Sem prejuízo das ponderações previstas nos números anteriores, nos pedidos de acesso a documentos nominativos que não contenham dados pessoais que revelem a origem étnica, as opiniões políticas, as convicções religiosas ou filosóficas, a filiação sindical, dados genéticos, biométricos ou relativos à saúde, ou dados relativos à intimidade da vida privada, à vida sexual ou à orientação sexual de uma pessoa, presume-se, na falta de outro indicado pelo requerente, que o pedido se fundamenta no direito de acesso a documentos administrativos.” (s/n).

Neste conspecto, apesar de o princípio da administração aberta e do acesso aos arquivos administrativos vigorar no nosso ordenamento jurídico, há sempre que ter em consideração que, além de ser o próprio n.º 2 do artigo 17.º do CPA a apontar para o disposto em lei especial, também o artigo 1º, nº 4 da LADA admite que possa ser aplicável legislação específica.
No contexto legal a considerar, face à qualidade invocada pelo Recorrido, de jornalista, importa ainda atender na alínea a) do n.º 1 do artigo 8.º da Lei n.º 1/99 [Estatuto do Jornalista] que o “direito de acesso às fontes de informação é assegurado aos jornalistas: a) Pelos órgãos da Administração Pública enumerados no n.º 2 do artigo 2.º do Código do Procedimento Administrativo”, sendo que tal direito “não abrange os processos em segredo de justiça, os documentos classificados ou protegidos ao abrigo de legislação específica, os dados pessoais que não sejam públicos dos documentos nominativos relativos a terceiros, os documentos que revelem segredo comercial, industrial ou relativo à propriedade literária, artística ou científica, bem como os documentos que sirvam de suporte a atos preparatórios de decisões legislativas ou de instrumentos de natureza contratual[n.º 3 do referido artigo 8.º] [sublinhado nosso].
Está, sim, em causa o acesso a documentos aos quais terá sido aposta, segundo o Recorrente, por uma entidade que, segundo as regras constantes do Despacho Conjunto do Chefe de Estado-Maior-General das Forças Armadas e dos Chefes de Estado-Maior dos três ramos das Forças Armadas, de 30/06/2020, que aprovou as Instruções de Segurança Militar (ISM, as quais vieram revogar as Instruções para a Segurança Militar – Salvaguarda e Defesa das Matérias Classificadas – SEGMIL); (…) as ISM ratificadas para aplicação à Guarda pelo Exmo. Tenente General, Comandante-Geral, através do Despacho n.º 104/20, de 28 de Setembro, no Capitulo 3 - Segurança da Informação, Secção III – Classificação e Preparação de Documentos, no parágrafo 3-7, Responsabilidade, referem na alínea a), que “(...) compete, exclusivamente, à entidade que produz o documento, a responsabilidade de atribuição da classificação de segurança mais adequada.”; - conclusões L) e M-, mas sem qualquer prova do mesmo.
Em todo o caso, tal classificação sempre estaria enformada pela norma que regula a elaboração deste tipo de documentação no âmbito da Resolução do Conselho de Ministros (RCM) n.º 50/88, de 3.12.1988.
Ora, a referida Resolução considera quatro graus de classificação de segurança: “Muito secreto”, “Secreto”, “Confidencial” e “Reservado”.
Nos termos invocados (ponto 3.2.3 da mencionada RCM), o grau de classificação de Confidencialdeve ser aplicado em matérias cujo conhecimento por pessoas não autorizadas possa ser prejudicial para os interesses do País ou dos seus aliados ou para organizações de que Portugal faz parte”.
Se, para o primeiro grau de classificação (Muito secreto), se exige a intervenção de entidades que exercem funções de natureza política, para o segundo (Secreto), já se permite uma intervenção fora do nível político, mas sempre no patamar máximo da administração e ainda de presidências de câmaras municipais (3.3.2.1.).
Já quanto ao grau de Confidencial, dispõe o ponto 3.3.3 da RCM n.º 50/88 que “pode ser atribuído por funcionários com responsabilidade equivalente às entidades referidas no n.º 3.3.2.1” e que “a delegação desta competência deverá limitar-se a funcionários capazes de avaliar o conteúdo das matérias, à luz das definições das presentes instruções”.
Segundo o Recorrente a classificação de Zonas Urbanas Sensíveis, para efeito meramente de missão e operacional da GNR, documento classificado como «CONFIDENCIAL», nos termos do SEGNAC1, aprovado pela RCM n.º 50/88, pelo que a mera invocação da qualidade de jornalista, e eventual publicação de notícia, não é suficiente para fazer prevalecer o direito de acesso sobre os interesses de segurança pública, capacidade de investigação, segurança e protecção que se pretende obter com a caracterização de Zonas Urbanas Sensíveis, ao nível operacional e de policiamento da GNR.
A Lei nº 38/2009, de 20.07, que definia os objectivos, prioridades e orientações de política criminal para o biénio 2009-2011, no seu artigo 10º, sob a epígrafe: Zonas urbanas sensíveis, estipulava que “As forças e os serviços de segurança desenvolvem, em zonas urbanas sensíveis e no âmbito de estratégias integradas de prevenção e intervenção, acções regulares de policiamento reforçado, com recurso a meios especiais de polícia, e operações especiais de prevenção relativas a armas.
Também a Lei Quadro da Política Criminal (Lei nº 17/2006, de 23.05), no Artigo 4.º sob a epígrafe Objectivos preceitua queA política criminal tem por objectivos prevenir e reprimir a criminalidade e reparar os danos individuais e sociais dela resultantes, tomando em consideração as necessidades concretas de defesa dos bens jurídicos”.

Ainda que se compreenda, em abstracto, as razões invocadas pelo Recorrente para a restrição de acesso à informação em causa, de modo a salvaguardar a capacidade da GNR de responder com celeridade e eficácia a ameaças à segurança pública.
O certo é que, c
ompulsados os autos, verifica-se que o Recorrente/Entidade Requerida não juntou aos autos qualquer prova que sustente a classificação da Lista das Zonas Urbanas Sensíveis como Confidencial, designadamente, que “foi assinado pelo Diretor da Direção de Informações do Comando Operacional da GNR em 22/07/2020, estando classificada com CONFIDENCIAL”.

Bastando para tal a junção da primeira página, donde conste a sua fundamentação, ou a data de eventuais revisões, eventualmente (cf. pontos 6.3 alínea e), e 6.3.2 aplicável ex vi 6.3.3 da Conselho de Ministros n.º 50/88 de 3.12.1988).
Além de que “Os documentos administrativos sujeitos a restrições de acesso são objeto de comunicação parcial sempre que seja possível expurgar a informação relativa à matéria reservada” – artigo 6º, nº 8 da LADA”.
Como se alude na sentença recorrida, “no caso dos autos, não carreou a Entidade Requerida para os autos qualquer ato que permita concluir que a classificação do documento foi efetuada mediante decisão autónoma em conformidade com o regime legal aplicável. Acresce que, ainda que em abstrato se pudesse considerar que a requerida documentação estaria sujeita a restrições de acesso, haveria ainda que ter em consideração o princípio da proporcionalidade, designadamente assegurando a comunicação parcial da mesma, expurgando a informação relativa à matéria reservada. Porém, reitera-se, não só a Entidade Requerida não logrou provar a existência de um ato jurídico devidamente fundamentado quanto à classificação da documentação, como não logrou demonstrar a impossibilidade de comunicação / disponibilização parcial da documentação requerida. Conclui-se, assim, que o dever de informar não se mostra cumprido, porque o acesso foi negado com base em fundamento que não se mostra, em face das variáveis a que se aludiu, verificado.
Pelo que, não tendo sido provada a classificação dos documentos ao abrigo do regime do segredo de Estado, ou outros regimes legais relativos à informação classificada (cf. artigo 6.º da LADA), deve a Entidade Requerida facultar ao Requerente o acesso à lista de Zonas Urbanas Sensíveis classificadas pela GNR”.

Note-se que, de acordo com o artigo 342.º, n.º 2, do Código Civil, a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado, in casu a restrição de acesso nos termos do artigo 6º, nº 7º, al. b) da LADA, compete àquele contra quem a invocação é feita, ou seja, in casu, à Recorrente/Entidade requerida, o que não logrou fazer.
Ora, não tendo sido invocada e provada a classificação do procedimento e processo em causa nos autos ou de qualquer dos documentos que o compõem ao abrigo do regime do segredo de Estado, ou outros regimes legais relativos à informação classificada (cf. artigo 6.º da LADA) e não tendo sido alegado pelo Recorrente/Entidade Requerida a necessidade de diferir o acesso, após o tempo estritamente necessário (nº 1 do mesmo preceito), pois que não alegou nem comprovou ter proferido tal decisão de diferimento, deve a Entidade Requerida facultar ao Requerente o acesso (i) lista das zonas urbanas sensíveis a nível nacional ou compiladas por comando, à data do pedido (2023).
Acresce que a classificação que terá sido feita não apela a “interesses fundamentais do Estado(expressão do artigo 6.º, n.º 1, da LADA), limitando-se a uma referência a “razões de segurança”, sem outra caracterização. E, por outro lado, essa classificação igualmente não apela ao conceito de “risco”, que é essencial, seja no quadro directo do artigo 6.º, n.º 1, da LADA.
Acontece que o regime de “confidencialidade” sendo um dos graus de menor reserva, não pode valer “ad aetenum”. Com efeito, por comparação com o regime legal do segredo de Estado resulta da Lei Orgânica n.º 2/2014, de 6.08, posteriormente alterada pela Lei Orgânica n.º 1/2015, de 8-01, estabelecendo o artigo 2.º que “1 - São abrangidos pelo regime do segredo de Estado as matérias, os documentos e as informações cujo conhecimento por pessoas não autorizadas é suscetível de pôr em risco interesses fundamentais do Estado.
2 - Consideram-se interesses fundamentais do Estado os relativos à independência nacional, à unidade e à integridade do Estado ou à sua segurança interna ou externa, à preservação das instituições constitucionais, bem como os recursos afetos à defesa e à diplomacia, à salvaguarda da população em território nacional, à preservação e segurança dos recursos económicos e energéticos estratégicos e à preservação do potencial científico nacional. (…)».
Por sua vez, nos termos do artigo 4.º do citado diploma legal,
«1 - O ato de classificação de matérias, documentos ou informações como segredo de Estado, bem como o ato da respetiva desclassificação, devem ser fundamentados, indicando-se os interesses a proteger e os motivos ou as circunstâncias que justificam a aplicação do regime do segredo de Estado.
2 - O ato de classificação de matérias, documentos ou informações como segredo de Estado, tendo em conta a natureza da fundamentação, determina a duração do mesmo ou o prazo em que o mesmo deve ser reapreciado.
3 - O prazo para a duração da classificação ou para a respetiva reapreciação não pode ser superior a quatro anos, não podendo as renovações exceder o prazo de 30 anos, salvo nos casos expressamente previstos por lei.
4 - O ato de classificação caduca pelo decurso do prazo.».

Donde, seja no quadro do artigo 2.º, 1, do regime do segredo de Estado, se se considerar que a previsão do artigo 6.º da LADA deve ser conjugada com a deste artigo 2.º, a resposta dada ao Recorrido não contém qualquer referência temporal, que é exigida pelo artigo 6.º, n.º 1, da LADA (“durante o tempo estritamente necessário).
Tanto mais que, é o próprio Recorrente que refere que as ZUS não são estanques, De salientar que a identificação daquelas zonas assume uma natureza mutável, em função da intensidade, dinâmicas e de determinadas especificidades que se projetam a diversos níveis, como seja no grau de dependência social, na degradação ou dano provocado de infraestruturas, no abandono escolar, na existência de estratégias de sobrevivência paralela, na participação e registo da criminalidade, entre outros possíveis. Obrigando a que a GNR promova a uma regular caracterização da sua área de atuação, para uma oportuna adequação do nível e do esforço de emprego operacional à necessidade presente no território– alínea J) do probatório.
Se assim é, então o tal Despacho do Director da Direção de Informações do Comando Operacional da GNR em 22/07/2020, teria classificado as “Zonas Urbanas Sensíveis na Zona de Ação da GNR”, como CONFIDENCIAL, o que significa que a confidencialidade abrangeria as ZUS em si e não a própria classificação, o que revela que sempre poderia ter sido junto aos autos e dessa forma fundamentar a presente recusa, nos termos do artigo 6º, nº 7, al. b) e 15º. nº 1, al. c) da CADA.
A denegação do acesso à documentação teria sido possível se a entidade requerida demonstrasse, fundamentadamente, que a consulta do processo poria em causa, nos termos do artigo 6º, n.º 7, alínea b), da LADA, a capacidade operacional das forças de segurança, sendo insuficiente para tal objectivo, a mera alusão à confidencialidade de um documento cujo conteúdo e fundamentação se desconhece.
Assim, no caso em apreço, conclui-se que o dever de informar não se mostra cumprido, porque o acesso foi negado sob invocação de classificação de documento como «confidencial» que não se encontra demonstrada, tanto mais que como se pronunciou a CADA, nomeadamente nos pareceres nºs 366/2017, 328/2017, 154/2017, 190/2023 e 273/2023, destacando-se deste último, quando aí se alude:
“«Para que [os documentos] sejam, efetivamente, de acesso reservado é necessária a sua prévia classificação diretamente por lei ou pela entidade com competências para o fazer.
Não basta, por um lado, uma simples classificação de facto; é imperativo que o documento seja, de jure, um documento classificado./ (…) Se os documentos em questão forem documentos classificados, serão objecto de uma reserva de comunicação. No entanto, convirá notar que não basta a simples aposição de um carimbo (contendo uma das menções “Muito secreto”, “Secreto”; “Confidencial”; “Reservado”, ou rotulando um documento como “Segredo de Estado”) para que a possibilidade de acesso seja restringida. É que, muitas vezes, acontece que tais “marcas” (sobretudo, as de confidencial e reservado) são colocadas por motivos de mera eficiência administrativa. Para que os documentos solicitados (...) sejam, realmente, de acesso condicionado, é necessário que tenham sido (e permaneçam) classificados, nos termos legais, por uma entidade com competência para o fazer, devendo o acto que eventualmente denegue o acesso pretendido ser fundamentado./Em resumo: não basta uma simples classificação de facto; é preciso que o documento seja, de jure, um documento classificado (…)».
Pelo exposto, a decisão recorrida não merece qualquer censura, impondo-se, por isso, a respectiva confirmação.

Em conclusão, o presente recurso claudica in totum.


*

III. Decisão

Em conformidade com o precedentemente expendido, acordam os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao Recurso, e, em consequência, manter a sentença recorrida.

Custas pelo Recorrente.

R.N.

Lisboa, 03 de Julho de 2025

Ana Cristina Lameira, Relatora
Ricardo Ferreira Leite
Marta Cavaleira