Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2705/10.9BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:03/12/2025
Relator:FILIPE CARVALHO DAS NEVES
Descritores:REVERSÃO
GERÊNCIA DE FACTO
ÓNUS DA PROVA
Sumário:I - O exercício efetivo de funções de gestão é um dos pressupostos da responsabilidade tributária subsidiária dos gerentes.
II - Cabe à Administração Tributária o ónus da prova do exercício efetivo de funções de gerente por parte do revertido.
III – Sendo o despacho de reversão um ato administrativo em matéria tributária, do ponto de vista da fundamentação material os pressupostos normativos para acionar este instituto por parte do órgão de execução fiscal devem estar consignados na correspondente motivação, por forma a que o visado, além do mais, se assim pretender, possa apresentar a sua defesa de modo esclarecido, procurando rebater as alegações e provas produzidas que manifestem, designadamente, o exercício de facto da gerência da sociedade devedora originária.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Subsecção de Execução Fiscal e Recursos Contraordenacionais do Tribunal Central Administrativo Sul

I – RELATÓRIO

J…, melhor identificado nos autos, veio apresentar recurso da sentença proferida a 28/01/2019 pelo Tribunal Tributário («TT») de Lisboa, que julgou improcedente a oposição judicial apresentada no processo de execução fiscal («PEF») n.º 3247200301043005 e apensos, contra si revertidos, depois de originariamente instaurados contra a sociedade «C… – Consultoria, L…, Lda.», para cobrança de dívidas de Imposto sobre o Valor Acrescentado («IVA») dos anos de 2002 a 2007, Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares («IRS») dos anos de 2004 e 2005 e de Imposto sobre o rendimento das Pessoas Coletivas («IRC») do exercício de 2006, no valor total de 45.832,62 Euros.

O Recorrente apresentou alegações, rematadas com as seguintes conclusões:

«1.º O Recorrente foi citado do despacho do Exmo. Senhor Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa-2, datado de 24 de Setembro, que decide pela reversão contra si, na qualidade de responsável subsidiário, no processo de execução fiscal n.º 3247-2003/01043005 e aps., sendo a executada originária a sociedade C….
2.º Cumpre, desde logo referir que, da jurisprudência unânime, a consequência do entendimento de que não há uma presunção judicial do facto de a gerência de facto resultar da gerência de direito é a de que compete à administração fiscal o ónus da prova dos pressupostos da responsabilidade subsidiária do gerente, ou seja, de que o revertido exerceu efectivamente a gerência.
3.º Ora, a Autoridade Tributária não logrou demonstrar que era o Recorrente gerente de facto da C… à data dos factos.
Ainda que assim não se entenda,
4.º Entende o Recorrente que em face da prova testemunhal produzida resultante do meio probatório constante de gravação, se impõe a impugnação da matéria de facto quanto aos pontos que se consideram incorrectamente julgados, os quais impunham decisão diversa da recorrida.
5.º Com efeito, resultou do depoimento das Testemunhas inquiridas que:
a. Nenhuma das testemunhas teve qualquer contacto profissional, no âmbito das suas funções na sociedade executada originária com o Recorrente.
b. Quer a Sra. M…, quer a Sra. M…, na qualidade de responsáveis pela contabilidade da C…, contactavam exclusivamente com o Dr. J… e Dra. M….
c. As contas da sociedade executada originária eram apresentadas pelo Dr. J… e Dra. M…, quem exercia, de facto, a gerência da sociedade.
d. O Recorrente não exerceu nenhum cargo ou pelouro na devedora originária, nem assumiu, mesmo que pontualmente uma única função directiva ou de representação da sociedade, a qualquer título;
e. O Recorrente participou esporadicamente em reuniões anuais de sócios.
6.º O Recorrente não praticou quaisquer actos típicos de gestão, tais como atender ou negociar quaisquer contratos de qualquer natureza em nome da sociedade, seja com clientes da sociedade, seja com fornecedores da sociedade, nunca efectuou compras, nem vendas para a sociedade, nunca celebrou quaisquer contratos comerciais, ou de outra natureza, em nome da sociedade;
7.º Com efeito, os únicos actos praticados foram a aposição da sua assinatura em “alguns” cheques, em branco, e sem nunca intervir sob qualquer forma no iter decisório que conduziu à necessidade da aposição mecânica e instrumental da sua assinatura naqueles cheques e a contratação de uma funcionária.
8.º Sendo, que a mera assinatura de um cheque não é um acto típico de gestão, é, outrossim, um acto instrumental necessário à concretização de uma decisão de gestão tomada previamente. Decisão de gestão essa que pode ter sido a de realização de uma compra necessária à sociedade ou qualquer outra circunstância ou facto necessária à prossecução da actividade da sociedade.
9.º No que diz respeito à contratação da funcionária M…, conforme resultou do seu depoimento tal deveu-se ao facto de o Recorrente não conseguir suportar sozinho o seu vencimento no âmbito do trabalho que esta desenvolvia no seu escritório de advogados. Assim, o Recorrente solicitou ao Dr. J… que a Sra. M… fosse colocada, em regime parcial, na C… podendo complementar assim o seu vencimento.
10.º O artigo 24º da LGT visa responsabilizar um papel interventivo efectivo do gestor nos desígnios da sociedade, pois só a partir desse papel interventivo é que poderemos aferir se o mesmo é gerador de culpa funcional na insuficiência patrimonial da devedora principal.
11.º Não se pode associar o pressuposto do exercício efectivo da gerência com actuação omissiva por parte do gerente nominal ou formal e, de igual sorte, JAMAIS podemos dissociar o pressuposto do exercício efectivo da gerência com o seu contributo efectivo e ilícito para a insuficiência patrimonial da devedora principal.
12.º Para que se impute algum juízo de culpa ao revertido este teria, antes de mais, que actuar ilicitamente, i.é, adoptar um comportamento que juridicamente não lhe é permitido. Mas esse comportamento terá de ser por acção e não por omissão (enquanto ausência de intervenção), porquanto se assim não fosse o legislador tributário não teria consagrado o exercício de facto do cargo de gestão, bastandose com o poder/dever da gerência de direito.
13.º Ora, no presente caso tal não aconteceu.
14.º Pelo que, os indícios que levam o Exmo. Juiz a quo a concluir que o Recorrente exercia uma gerência de facto são escassos e claramente insuficientes para se poder retirar que o Recorrente participava da vida da sociedade e exercia essas funções.
15.º Tendo ficado demonstrado à saciedade pelos depoimentos das testemunhas que, reitera-se, NUNCA tiveram qualquer contacto com Recorrente no âmbito das suas vidas profissionais na C.., que o Recorrente nunca poderia ter exercido de facto a gerência da C….
16.º Pelo que, no que diz respeito à questão da ilegitimidade do Recorrente no âmbito do processo de execução fiscal por não ser gerente de facto da sociedade executada originária, a apreciação da prova decorrente dos depoimentos da Testemunhas impunha decisão diversa da recorrida.
17.º Perante o que vimos de expor, forçoso é concluir que andou mal a douta sentença recorrida ao julgar improcedente a pretensão da Recorrente porquanto ficou demonstrado à saciedade que o Recorrente não pode ser responsável pelas dívidas da sociedade Executada Originária, por nunca ter exercido de facto funções de gerência naquela entidade.
18.º No que diz respeito ao requisito da responsabilidade pela insuficiência patrimonial da sociedade, também não pode o Recorrente concordar com as conclusões da douta decisão Recorrida.
19.º Conforme demonstrado, o Recorrente não exerceu no período em referência a gerência de facto da sociedade, pelo que a insuficiência patrimonial para a satisfação das dívidas tributárias da devedora originária nunca poderia ter ocorrido por culpa sua.
20.º Ainda que assim não se entendesse, para a determinação da responsabilidade subsidiária de um gerente, por dívidas da sociedade, é ainda necessária a prova de que a falta de pagamento do imposto lhe seja imputável, quando o término daquele prazo ocorra em período de exercício de facto da gerência, isto porque a culpa prevista no artigo 24.º, é uma culpa subjectiva e não objectiva.
21.º Ora, como ficou provado, o Recorrente:
- não era gerente de facto, responsável pelas decisões que permitiriam efectuar ou não quaisquer decisões relativas à gestão da sociedade designadamente o pagamento de impostos que, aliás, só mais tarde veio a saber que eram devidos;
- a gerência de facto era exercida pelos senhores J… e M…, veja-se a esse título o que refere as TOCs nas suas declarações, bem como as demais testemunhas;
- estando aqui em questão matérias relacionadas com a gestão e pagamento de tributos, o Recorrente não tinha qualquer tipo de responsabilidade nem conhecimentos sobre o que se passava nesta área.
22.º Mais sendo certo que, conforme afirmaram as Testemunhas inquiridas, a situação económica e financeira da sociedade degradou-se, em face da diminuição da procura dos serviços da C….
23.º Aliada ao investimento avultado que foi feito para a candidatura a fundos comunitários que não se chegaram a concretizar.
24.º Os elementos já apontados nos factos indicados e cuja prova se realizou perante este Tribunal, permitem demonstrar que a gerência de facto, isto é, a disponibilidade dos meios e o desempenho das funções que permitiria evitar a falta dos pagamentos aqui em causa não era exercida pelo Recorrente que a não exerceu nunca. Não praticou nenhum acto que pudesse impedir ou inviabilizar a obtenção de meios de pagamento, que nem sequer tinha competência ou tempo para acompanhar esses assuntos.
25.º Pelo que, o Recorrente é parte ilegítima neste processo executivo na medida em que não lhe é imputável qualquer acto culposo tendente ao resultado de impossibilitar o pagamento dos impostos, e concretizar-se, assim, o juízo de responsabilidade pelos valores constantes da alegada dívida exequenda.
26.º Concretamente, do despacho de reversão não constam quaisquer actos do Recorrente de onde resulte que a diminuição ou insuficiência do património da devedora originária foi causada por actos concretos de gestão daquele, pelo que não se pode imputar a culpa pela insuficiência de meios ao Recorrente.
27.º Pelo que se demonstra que não há responsabilidade pelo não pagamento de verbas à Exequente devidas durante o período em que o Recorrente esteve nomeado como membro do órgão de administração na devedora originária, conforme exigido na alínea b) do n.º 1 do art.º 24 da LGT para que a responsabilidade subsidiária se efective.
28.º Assim, a reversão pretendida, sendo baseada nos artigos 23.º e 24.º, n.º 1, alínea b) da LGT e artigo 153.º do CPPT, não tem qualquer fundamento, dado que se traduz numa situação fora dos termos legalmente aí previstos para esse efeito.
TERMOS EM QUE,
Deve o presente recurso interposto da douta sentença recorrida ser julgado procedente, com as legais consequências.
Só assim se decidindo
SERÁ CUMPRIDO O DIREITO E FEITA JUSTIÇA»

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Não há registo de apresentação de contra-alegações por parte da Recorrida.
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O Exmo. Magistrado do Ministério Público («EMMP») pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso.
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Colhidos os vistos legais, vem o processo submetido à conferência da Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais do Tribunal Central Administrativo Sul para decisão.

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II – DO OBJECTO DO RECURSO

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações (cf. art.º 635.º, n.º 4 e art.º 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil - «CPC» - ex vi art.º 281.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário - «CPPT»), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente.

Assim, delimitado o objeto do recurso pelas conclusões das alegações da Recorrente, importa decidir se deve ser revogada a sentença proferida pelo Tribunal a quo com fundamento em erro de julgamento, atendendo a que ficou demonstrado que o Recorrente não exerceu a gerência de facto da devedora originária e que não teve culpa no não pagamento dos créditos tributários exequendos.

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III – FUNDAMENTAÇÃO

III.A - De facto

A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:
«A) Através da Ap. 49/19950314, foi inscrita na Conservatória do Registo Comercial (CRC) de Lisboa, a sociedade “C…– Consultoria, L…, Lda”, sendo seus sócios a partir de 14.05.1997 o Oponente, a própria sociedade, J…, M… e L…, ficando a sociedade vinculada com a assinatura conjunta de dois gerentes ou de um gerente com delegação de poderes (cfr. fls. 30 a 33 do PEF apenso).
B) Pelas Aps. 27/970514, 28/970514 e 39/970514 foi registada a gerência da sociedade como pertencendo ao Oponente, a J… e a L…, e bem assim a cessação daquelas funções por J… por destituição (cfr. fls. 36 a 36 do PEF apenso).
C) Pela Ap. 28/20080128 foi registada na CRC de Lisboa a renúncia à gerência por parte do Oponente, com efeitos à data de 06.11.2007 (cfr. fls. 34 do PEF apenso).
D) Em 19.10.2003, no Serviço de Finanças de Lisboa 2, foi instaurado contra a sociedade identificada em A), o processo de execução fiscal nº 3247200301043005, para cobrança de dívidas de IVA do 4º trimestre de 2002, no montante total de 5.700,95€ (cfr. fls. 2 do PEF apenso).
E) Posteriormente à data de 19.10.2003, foram apensados ao PEF identificado na alínea antecedente, os seguintes processo de execução fiscal:
PEF Imposto Período Quantia Exequenda
3247200301043005 IVA 2002 4T € 3.263,56
3247200401008030 IVA 2003 1T € 1.646,59
3247200401048490 IVA 2003 4T € 5.722,39
3247200401084135 IVA 2004 2T € 521,16
3241200501033093 IVA 2004 4T € 3.215,91
3241200501091016 IVA 2005 1T € 1.365,16
3241200501114654 IRS 2004 € 353,00
3241200501128108 IVA 2005 2T € 169,10
3241200601003151 IRS 2005 € 1.346,00
3241200601041843 IVA 2005 4T € 3.819,45
3241200601114298 IVA 2006 € 4.392,13
3241200601151282 IVA 2006 2T € 1.361,49
3241200601201069 IVA 2006 3T € 45,99
3241200101035061 IVA 2006 4T € 1.068,54
3241200101132393 IRC 2006 € 10.116,62
3241200801118504 IVA 2005 € 84,41
3241200901096885 IVA 2001 € 314,10
3241201001014692 IVA 2001 4T € 359,10,
passando a dívida exequenda a perfazer o total de 45.832,62€ (cfr. fls. 137 do PEF apenso).
F) Em 23.10.2008 o Oponente assinou e apresentou, na qualidade de Representante Legal da sociedade identificada em A), requerimento dirigido ao Serviço de Finanças de Lisboa 2, para passagem de certidão comprovativa da inexistência de dívidas (cfr. fls. 61do PEF apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).
G) Em 21.07.2010 foi elaborada a seguinte informação por funcionária do Serviço de Finanças de Lisboa 2:

«Imagem em texto no original»



«Imagem em texto no original»

“(cfr. fls. 89 do PEF apenso)

H) Em 21.07.2010 foi proferido o seguinte despacho pelo Chefe de Finanças Adjunto de Lisboa 2:

«Imagem em texto no original»



(cfr. fls. 90 do PEF apenso).

I) Em 24.09.2010 foi elaborada a seguinte informação por funcionário do Serviço de Finanças de Lisboa 2:


«Imagem em texto no original»



(cfr. fls. 102 do PEF apenso).


J) Em 24.09.2010 foi proferido despacho de reversão contra o Oponente, pela Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa 2, com o seguinte teor:
“Vem o presente processo com a informação de que feita a audição prévia dos contribuintes J… – NIF 1… e L… - NIF 1…, nada vieram trazer de novo ao processo
Foi pressuposto da responsabilidade o previsto na alínea b) do nº 1 do artigo 24° da LGT, ocorre quando a falta de pagamento é imputável ás pessoas com funções de administração ou gestão.
A prova que a falta de pagamento não lhe é imputável pertence ao contribuinte revertido.
Em face da informação que antecede, ao abrigo do que se estabelece nos artigos 22°,23° e 24°
da LGT, artigos 153º e 160° do Código do Procedimento e do Processo Tributário (CPPT) e nos precisos termos da alínea b) nº 1 do artigo 240 da LGT, reverto a execução contra os aludidos gerentes, que passa a responder individualmente pelo valor de € 45.832.62 (quarenta e cinco mil oitocentos e trinta e dois euros e sessenta e dois cêntimos)
Se o responsável pagar a divida no prazo para a oposição não lhe serão exigido$ juros de mora nem custas do processo, valendo a citação com a notificação.
Deverão ficar cientes de que se o pagamento não for efectuado dentro do prazo para a oposição, ou decair em oposição deduzida, além das custas a derem causa, suportarão as que forem devidas pela sociedade originariamente devedora e a execução prosseguirá os termos legais, designadamente para penhora de bens e mais diligências previstas na Lei. Proceda á exclusão do contribuinte J…, em virtude de as dívidas aqui exigidas serem de período posterior á sua gerência.
Proceda-se á citação do responsável acima identificado, nos termos do artigo 190° do C.P.PT, para, querendo, no prazo de 120 dias a contar da citação deduzir reclamação ou, no prazo de noventa dias a contar da citação, deduzirem impugnação judicial contra a liquidação, com vista á sua anulação total ou parcial, no caso de a considerarem ilegal, conforme estabelecido na alínea c) do nº 1 do artigo 102° do C.P.P.T e artigo 22° nº 4 da LGT, ou no prazo de trinta dias a contar da citação, requerer o pagamento em prestações nos termos do artigo 196° do CPPT e/ou a dação em pagamento nos termos do artigo 201° do CPPT ou deduzir oposição judicial, nos termos do artigo 204º do CPPT” (cfr. fls. 102-verso do PEF apenso).
K) O Oponente foi citado do despacho de reversão em 06.10.2010 (cfr. fls. 107 a 109 do PEF apenso).
L) A presente oposição foi apresentada em 05.11.2010 (cfr. fls. 71 dos autos).
M) Em 03.10.2005 o Oponente enviou o seguinte fax dirigido aos sócios M… e J…:
“Assunto: C… e C… - Cessão de quotas/Garantia bancária
Caros Sócios,
Em seguimento das conversas telefónicas, reuniões anteriores e agora por causa da garantia bancária necessária para o contrato com o Banco Mundial, informo do seguinte:
1) Não aceito dar o meu nome e aval pessoal na garantia bancária.
2) Mantenho a proposta de ceder as três quotas à M… e ao R… em quantitativos por V. fixados, renunciando à gerência, de ambas as firmas, C… e C….
3) Estou disponível para a cessão de quotas todos os dias desta semana, com excepção do dia 7 do corrente e durante toda a próxima semana.
4) Vou renunciar à gerência da firma, caso não seja marcada a escritura da cessão das minhas quotas.
5) Embora o Eng. A… esteja doente, penso que se houver uma conversa com ele, também cederá a sua quota, tanto na C… como na C….” (cfr. fls. 38 e 39 dos autos).
N) Em 06.11.2007 o Oponente enviou por carta registada missiva dirigida à “C…, Lda” e aos sócios M…, J… e F…, com o seguinte teor:
“Assunto: Comunicação de renúncia ao cargo de gerente da C… - CONSULTORIA, L…, LDA (artigo 258º do C.S.C.)
Exmos Senhores,
Nos termos do artigo 258° do Código das Sociedades Comerciais, venho formalizar junto de V Exas a renúncia com justa causa ao cargo de gerente da C… - CONSULTORIA, L…, LDA., para que fui nomeado no acto da constituição da sociedade.
Para os devidos efeitos, destaco que apesar de ser SÓCIO fundador da C…., com a saída dos demais sócios fundadores, com quem mantinha relações estreitas e de confiança e entrada dos actuais a sociedade especializou-se numa área completamente estranha á da minha actividade, experiência e conhecimentos profissionais.
Por essa razão, como V Exas sabem, nunca exerci funções no âmbito da actividade da C…
Apesar de ser formalmente gerente, a C…, nunca teve trabalho na minha área de actividade.
Como V Exas. sabem, apenas prestei diversos e inúmeros serviços de advocacia á C…(e não através da C.. como se fosse um advogado externo, sem que para isso recebesse
quaisquer honorários.
Com o decorrer dos anos a actividade da C… diminuiu substancialmente e a sociedade passou a enfrentar dificuldades várias e a apresentar resultados negativos, em parte devido à gestão de V. Exas.
Com efeito, só a grosso modo e a posterior, fui tomando conhecimento dos valores das remunerações e demais benefícios que V Exas recebiam ou recebem da C..., bem como, de colaboradores que foram contratando (sempre com avultadas remunerações) e, despedindo sempre sem o meu conhecimento.
Na verdade, durante estes anos, tive acesso muito filtrado à actividade da C..., bem como a sua situação financeira que foi sendo gerida por V. Exas.
Na verdade só tomei conhecimento financeiro da C... sempre que V. Exas me contactavam para pedir dinheiro a fim de fazer face às obrigações da sociedade
Paralelamente, solicitei diversas vezes, informação variada sobre o estado da sociedade, sua contabilidade, acesso à conta bancária, fotocópias da documentação, que não me chegaram a ser disponibilizadas de forma efectiva e real.
Como sabem, nunca tive dividendos da C… e inclusive renunciei à vários anos à simbólica remuneração de gerente, uma vez que a sociedade tinha muitas dificuldades em cumprir as suas obrigações.
Diversamente efectuei, com o meu património pessoal, vários suprimentos à sociedade e paguei imposto e segurança social da mesma.
Sem ter como ceder as quotas de que sou titular, apesar de as ter colocado (até gratuitamente) à disposição, mantive-me formalmente na gerência da C... até à presente data.
Como de verdade nunca exerci as funções de gerente de facto e uma vez que por motivos pessoais e familiares não posso mais comparticipar neste problema para que nada contribuí, considero fundamentada a presente renúncia.” (cfr. fls. 40 a 42 dos autos).
O) Em 06.01.2010 foi assinada pelo Oponente e pelos sócios da sociedade “C…, Lda”, M… .e J…, a Acta nº 5 da Assembleia Geral, pela qual deliberaram por unanimidade a apresentação da declaração de cessação da atividade para efeitos de IVA com efeitos retroativos à data de 2007, e ainda a dissolução da sociedade com fundamento e para os efeitos do disposto no artigo 141º, nº 1, alínea b) do Código das Sociedades Comerciais, e a sua liquidação por via administrativa, nos termos dos artigos 146º e 265º do mesmo CSC (cfr. fls. 51 a 53 do PEF apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).
P) Durante os anos de 2000 a 2008 eram os sócios J… e M… quem com regularidade se encontrava nos escritórios da sociedade “C…, Lda”, e que, por isso, eram os principais interlocutores da mesma com os seus colaboradores, formadores e clientes, tratando, designadamente, da organização da atividade formativa.
Q) Os sócios referidos na alínea antecedente prestavam igualmente serviços de formação à “C…, Lda”, recebendo a devida contrapartida monetária, passando recibos verdes à mesma.
R) O Oponente sempre desenvolveu como sua atividade profissional a tempo inteiro a profissão de advogado.

S) O Oponente era um dos responsáveis inscritos nas contas bancárias da sociedade e, conjuntamente com outro gerente, assinava os cheques que se mostravam necessários para o desenrolar da vida corrente da sociedade.
T) M…, desenvolveu a profissão de secretária no escritório de advogados do Oponente durante cerca de 30 anos, foi, a pedido deste, prestar serviços de apoio administrativo para a “C…, Lda” em regime de part-time, nos anos de 2002 a 2004.
U) O Oponente comparecia a algumas reuniões realizadas, relativas à “C…, Lda” e à “C…, Lda”, sociedades com os mesmos sócios, sendo o Oponente também gerente desta última, conjuntamente com J…, geralmente em horas mais tardias.
V) O Oponente reunia-se com a TOC da empresa “C…, Lda”, pelo menos na reunião anual que reunia os sócios/ sócios-gerentes e a empresa encarregue de realizar a contabilidade da firma.
W) A sociedade identificada em A) apresentou nos exercícios de 2003 a 2006 os seguintes resultados líquidos:
2003 – Resultado Líquido Negativo de 4.064,30€
2004 - Resultado Líquido Negativo de 12.210,00€
2005 - Resultado Líquido Positivo de 7.967,34€
2006 - Resultado Líquido Positivo de 33.503,94€
(cfr. fls. 44 a 50 dos autos).
X) Os balanços referidos na alínea antecedente evidenciam ainda a evolução das dívidas de clientes de curto prazo de 109.323,90€ para 264.851,16€ e das dívidas ao Estado de médio e longo Prazo de 20.514,28€ para 67.444,11€, nos anos de 2003 a 2006, e resultados transitados positivos de 38.841,05€ no final do exercício de 2002, para 43.599,08€ no final do exercício de 2006 (cfr. fls. 44 a 50 dos autos).


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A decisão recorrida consignou como factualidade não provada o seguinte:
«14º (na parte respeitante a “…todas as decisões…”), sendo a expressão “… os quais exerciam, de facto, a gerência” matéria conclusiva;
15º (na parte respeitante a “…todas as decisões…”);
16º (condicionado ao teor da alínea P) dos factos provados);
17º (não foi provado que recebiam remunerações como trabalhadores dependentes);
18º (condicionado ao teor da alínea Q) dos factos provados);
19º; 20º; 21º; 24º; 30º; 31º; 32º; 33º; 34º; 35º; 36º;
37º (na parte conclusiva de “foram sempre os sócios gerentes de facto”);
38º; 39º; 40º (na parte referente a “apenas, nesta data”);
41º; 42º; 43º.Não se provaram outros factos com interesse para a decisão da causa.
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Mais resulta consignado em termos de motivação da matéria de facto o seguinte:
«A decisão da matéria de facto fundou-se na prova documental junta aos autos e no processo executivo, conforme indicado a propósito de cada alínea do probatório.
As testemunhas inquiridas, apesar de aparentemente demonstrarem pretender prestar depoimentos claros e evidenciadores de conhecimento da situação da empresa devedora originária, foram na maioria das vezes algo genéricos e pouco concludentes, tentando-o ser sistematicamente pela afirmação de que os gerentes de facto da sociedade eram os Srs. J… e M….
Não obstante, o depoimento de M… relevou para o facto dado como provado em P) e V), por ter sido claro nesses pontos concretos.
O depoimento de M… relevou para os factos dados como provados em P) e S), e para os factos dados como não provados consubstanciados nos artigos 17º a 20º e 36º a 39º da p.i., tendo inclusivamente referido que o Oponente nunca lhe pediu a consulta da contabilidade da sociedade, já que se o tivesse feito teria acedido à mesma.
Em todo o restante depoimento, o mesmo revelou-se genérico e algo abstrato.
Quanto ao depoimento da testemunha M…, relevou também para os factos dados como provados em P), Q) e U), sendo que o seu depoimento se restringe ao lapso temporal situado entre 2001 e 2003.
Relativamente ao depoimento de M…, secretária do Oponente no seu escritório de advogados durante cerca de 30 anos, revelou-se importante para os factos dados como provados em R) e T), no demais foi pouco concretizador, genérico e pouco esclarecedor em termos factuais.
Quanto à testemunha V…, veio a relevar apenas para os factos dados como provados em P), Q) e S), na medida em que referiu receber cheques assinados pelo Oponente. Realça-se que existe uma manifesta confusão entre as sociedades “C…, Lda”, e “C…, Lda”, o que se compreende dada a composição societária ser a mesma e os gerentes serem o Oponente e J…, o que contribuiu para que a maioria dos depoimentos não fosse esclarecedora ao ponto de contribuir para quaisquer outros factos da realidade empresarial da devedora originária.
No que respeita ao depoimento de J…, uma vez que o mesmo não foi devidamente esclarecedor atenta a circunstância de colidir frontalmente com os restantes depoimentos prestados, o mesmo não foi valorado pelo Tribunal.».
*
Quanto à impugnação da matéria de facto

O Recorrente dissente da matéria de facto dada como assente, já que entende que ficaram provados, pelo depoimento das testemunhas inquiridas, factos que levam à conclusão de que não exerceu, de facto, a gerência da devedora originária.

Ora, no que respeita à impugnação da decisão da matéria de facto e ao ónus que impende, nessa impugnação, sobre o Recorrente, dispõe o artigo 640.º do CPC, nos seguintes termos:
«1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
(…)».

Ora, no caso dos autos, considerando os depoimentos prestados pelas testemunhas arroladas pelo Recorrente, então Oponente, e atendendo às possíveis soluções de direito, julgamos que, na verdade, o Tribunal a quo não apreciou corretamente a prova produzida, pelo que se aditam os seguintes factos ao probatório:

Y) Era a J… e a M…. que a Técnica Oficial de Contas («TOC») reportava no âmbito da sua atividade profissional – cf. depoimento de M…;

Z) As contas da sociedade executada originária eram apresentadas por J… e por M… na Assembleia-Geral de Sócios – cf. depoimento de M…;

AA) M…, no âmbito das suas funções profissionais na sociedade devedora originária, contactava exclusivamente com J… e M… – cf. depoimento de M…;

BB) V…, no âmbito das suas funções profissionais na executada originária, contactava exclusivamente com J… e M… – cf. depoimento de V…;

CC) O acordo de cessação de contrato de trabalho de V… foi negociado com J… e M… – cf. depoimento de V….

Quanto aos demais factos que o Recorrente pretendia aditar ao probatório, consideramos que não se revelam pertinentes para a boa decisão da causa, já que a modificabilidade da decisão da matéria de facto tem como pressuposto necessário e lógico, que os factos a aditar sejam relevantes e pertinentes para o julgado a proferir.

Assim sendo, é de conceder parcial provimento ao recurso no que se refere à impugnação da matéria de facto, nos termos que acima melhor se explicitou.

Mostrando-se, agora, definitivamente assente a matéria de facto relevante para a decisão a proferir nos presentes autos, avancemos, então, para a apreciação do que vem invocado pelo Recorrente para fundamentar o pedido de revogação da decisão proferida pelo Tribunal a quo.

*
III.B De Direito

Insurge-se o Recorrente contra a sentença recorrida por, alegadamente, padecer de erro de julgamento, concretamente em relação à demonstração do não exercício da gerência de facto da sociedade devedora originária e à falta de culpa no não pagamento dos créditos exequendos.

Vem, assim, o Recorrente peticionar a revogação da sentença que recaiu sobre a oposição à execução fiscal apresentada no PEF n.º 3247200301043005 e apensos, defendendo, em suma, que in casu se pode concluir que não exerceu a gerência de facto da sociedade devedora originária, não tendo também, por isso, qualquer culpa no não pagamento das dívidas tributárias que estão a ser coercivamente cobradas através das execuções fiscais em causa.

Sustenta o EMMP junto deste Tribunal que as conclusões recursivas devem ser julgadas improcedentes e, em consequência, ser mantida na ordem jurídica a sentença recorrida.

Apreciando:

Adiantamos desde já que tem razão o Recorrente. Vejamos, então, porquê.

No que concerne à responsabilidade subsidiária dos gerentes e administradores de sociedades pelas dívidas tributárias, somos remetidos para o art.º 24.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária («LGT»), nos termos do qual:

«1. Os administradores (…) e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas coletivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:
a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa coletiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;
b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período de exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.».

O art.º 24.º, n.º 1, da LGT determina que a simples gestão ou administração de facto é suficiente para acionar a responsabilidade em causa, não sendo, por outro lado, suficiente a mera gerência ou administração de direito.

Esta norma, consagra, assim, no seu n.º 1 duas hipóteses distintas de responsabilidade tributária:

(i) a primeira, correspondente à sua al. a), refere-se à responsabilidade dos gerentes ou administradores em funções quer no momento de ocorrência do facto tributário, quer após este momento, mas antes do término do prazo de pagamento da dívida tributária, sendo esta responsabilidade pelo depauperamento do património social, de molde a torná-lo insuficiente para responder pelas dívidas em causa. A culpa exigida aos gerentes ou administradores, nesta situação, é uma culpa efetiva — culpa por o património da sociedade se ter tornado insuficiente. Não há qualquer presunção de culpa, o que nos remete para o disposto no art.º 74.º, n.º 1, da LGT, pelo que cabe à administração tributária («AT») alegar e provar a culpa dos gerentes ou administradores; e,

(ii) A segunda, constante da al. b) do n.º 1 do art.º 24.º da LGT, refere-se à responsabilidade dos gerentes ou administradores em funções no período no qual ocorre o fim do prazo de pagamento ou entrega do montante correspondente à dívida tributária. No art.º 24.º, n.º 1, al. b), da LGT, presume-se que a falta de pagamento da obrigação tributária é imputável ao gestor. Assim, atentando na al. b) do n.º 1 do art.º 24.º da LGT, o momento relevante a considerar é o do termo do prazo para pagamento voluntário. Esta presunção de culpa é ilidível, cabendo ao gestor revertido o ónus de a ilidir.

In casu, o despacho de reversão proferido foi-o ao abrigo da al. b) do n.º 1 do art.º 24.º da LGT (cf. ponto J) da factualidade assente).

Como referimos acima, o regime da responsabilidade tributária tem subjacente o exercício efetivo de funções por parte do gestor.

Trata-se do ponto de partida de aplicação do regime, sendo que, depois de demonstrada a gestão ou administração de facto (cf. o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo - «STA» -, do Pleno da Secção do Contencioso Tributário, de 28/02/2007, proc. n.º 01132/06, disponível em www.dgsi.pt), aplicar-se-á, num segundo momento, a al. a) ou a al. b), do n.º 1 do art.º 24.º da LGT.

Cabe à AT, desde logo e em primeira linha, o ónus da alegação e prova da efetiva gerência ou administração por parte dos revertidos (cf. art.º 74.º da LGT).

A prova da gestão de facto tem de ser evidenciada por referência a atos praticados pelos potenciais revertidos, suscetíveis de demonstrar tal efetividade do exercício de funções, entendendo-se como tal a prática de atos com caráter de continuidade, efetividade, durabilidade, regularidade, com poder de decisão e com independência das funções exercidas.

Durante vários anos, prevaleceu o entendimento de que, demonstrada que fosse a gestão de direito, a AT beneficiaria de uma presunção de gestão de facto, cabendo, segundo este entendimento, ao revertido demonstrar não ter exercido efetivamente as referidas funções.

Na sequência do acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA, de 28/02/2007, proc. n.º. 01132/06, disponível em www.dgsi.pt, operou-se uma alteração jurisprudencial, no sentido de que «[a] presunção judicial não tem existência prévia, é um juízo casuístico que o julgador retira da prova produzida num concreto processo quando a aprecia e valora. (...) Ninguém beneficia de uma presunção judicial, porque ela não está, à partida, estabelecida, resultando só do raciocínio do juiz, feito em cada caso que lhe é submetido. (...) Do que se trata é de censurar a aplicação que fez de um regime legal, afirmando a existência de uma presunção judicial e retirando, maquinalmente, de um facto conhecido, outro, desconhecido, como se houvesse uma presunção legal, que não há; e afirmando a inversão do ónus da prova, quando tal inversão não ocorre, no caso, na falta de presunção legal».

Como tal, continua o referido acórdão do Pleno:

«Quando, em casos como os tratados pelos arestos aqui em apreciação, a Fazenda Pública pretende efectivar a responsabilidade subsidiária do gerente, exigindo o cumprimento coercivo da obrigação na execução fiscal inicialmente instaurada contra a originária devedora, deve, de acordo com as regras de repartição do ónus da prova, provar os factos que legitimam tal exigência.
(…) [N]ada a dispensa de provar os demais factos, designadamente, que o revertido geriu a sociedade principal devedora. Deste modo, provada que seja a gerência de direito, continua a caber-lhe provar que à designação correspondeu o efectivo exercício da função, posto que a lei se não basta, para responsabilizar o gerente, com a mera designação, desacompanhada de qualquer concretização” (sublinhado nosso).
Face a este entendimento, unânime há já vários anos na jurisprudência atual, a que se adere, decorre, como referido, que cabe, em primeira linha, à AT alegar e demonstrar que o revertido exerceu, nos termos consignados no n.º 1 do art.º 24.º da LGT, efetivas funções de gerência, entendidas como funções de gestão e representação da sociedade (cfr., para as sociedades por quotas, os art.ºs 192.º e 252.º do Código das Sociedades Comerciais).
O mesmo resulta da interpretação do art.º 11.º do Código do Registo Comercial (CRCom).
Com efeito, nos termos desta disposição legal, “[o] registo por transcrição definitivo constitui presunção de que existe a situação jurídica, nos precisos termos em que é definida”.
Atentando na finalidade inerente ao registo comercial e, nesse seguimento, chamando à colação o art.º 1.º do CRCom, do seu n.º 1 resulta que “[o] registo comercial destina-se a dar publicidade à situação jurídica dos comerciantes individuais, das sociedades comerciais, das sociedades civis sob forma comercial e dos estabelecimentos individuais de responsabilidade limitada, tendo em vista a segurança do comércio jurídico».
Sendo certo que é legalmente obrigatória a inscrição da nomeação dos membros dos órgãos de administração de sociedades comerciais, nos termos do art.º 3.º, n.º 1, al. m), do Código do Registo Comercial («CRC»), da leitura conjunta das disposições legais referidas resulta que as mesmas visam dar publicidade a uma situação jurídica e não a uma situação de facto. Assim, e no que ao registo da nomeação de uma determinada pessoa como gerente de uma sociedade, a presunção que decorre do art.º 11.º do CRC é uma presunção da gestão de direito («situação jurídica»), e não da de facto.

Portanto, também por esta via, não se pode extrair da gerência de direito a gerência de facto.

Feito este enquadramento, cumpre, agora, apreciar o caso em concreto.

Comecemos por convocar, na parte que agora importa, o discurso fundamentador da decisão recorrida no que respeita à conclusão de que o Recorrente exerceu a gerência de facto da executada originária:
«Ora, no caso dos autos, temos como assente que:
- o Oponente exercia desde sempre, a tempo inteiro, a profissão de advogado;
- o Oponente foi nomeado gerente da sociedade devedora originária em 1997, conjuntamente com J, que foi destituído no mesmo ano e substituído na gerência por L;
- a sociedade apenas se vinculava com a assinatura dos dois gerentes;
- o Oponente assinava, enquanto gerente da sociedade, cheques titulados por esta;
-o Oponente participou em reuniões, pelo menos anuais, com os responsáveis da contabilidade da sociedade devedora originária;
-o Oponente apenas renunciou à gerência de direito na sociedade devedora originária em 06.11/2007;
- foi o oponente que contratou para a sociedade devedora originária, M, secretária no escritório de advogados do Oponente durante cerca de 30 anos, para prestar serviços de apoio administrativo em regime de part-time, nos anos de 2002 a 2004.
A série de actos descritos no probatório e supra referidos e temporalmente localizados, reflectem o exercício continuado da actividade normalmente praticada pelos gerentes na prossecução do objecto social, não se estando em presença de actos isolados não incompatíveis com uma gerência de tipo nominal.
(…)
“Concluindo, dir-se-á que o Oponente não logrou conseguir, através da alegação e respectiva prova de factos que a isso permitissem, a elisão da presunção da imputabilidade do não pagamento das dívidas e, por conseguinte, tem-se por verificado o requisito da responsabilidade subsidiária previsto no artigo 24º, n.º 1, alínea b) da LGT, assim improcedendo a oposição».

Não podemos, no entanto, acompanhar esta posição preconizada pelo Tribunal a quo, uma vez que parece ter ignorado as regras do ónus da prova no âmbito do instituto da reversão.

Conforme resulta das regras gerais quanto ao ónus da prova (cf. art.ºs 74.º da LGT e 342.º, n.º1 do Código Civil), àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado. O que no caso dos autos equivale a dizer que é ao órgão de execução fiscal que cabe demonstrar que estão reunidos os pressupostos normativos da reversão (cf. arts.º 24.º da LGT e 153.º do CPPT), cuja enunciação e prova deve do mesmo constar, em homenagem ao cumprimento dos requisitos da fundamentação material dos atos administrativos em matéria tributária (cf., designadamente, os art.ºs 268.º n.º 3 da CRP, 23.º n.º 4 e 77.º n.º 1, ambos da LGT).



É que sendo o despacho de reversão um ato administrativo em matéria tributária que manifesta a decisão da AT no sentido de modificar subjetivamente a instância executiva, por via da alteração do visado, impõe-se, por imperativo legal, que seja dado cumprimento aos requisitos materiais da fundamentação. O que no caso, e além do mais, ocasiona que os pressupostos normativos para acionar o instituto da reversão por parte do órgão de execução fiscal devem estar consignados na motivação do despacho de reversão, por forma a que o visado, além do mais, se assim pretender, possa apresentar a sua defesa de modo esclarecido, procurando rebater as alegações e provas produzidas que manifestem, designadamente, o exercício de facto da gerência da sociedade devedora originária.

Ora, no caso dos autos, do despacho de reversão não consta qualquer indicação quanto aos elementos factuais relativos ao exercício efetivo das funções de gerente por parte do Recorrente, tendo o órgão de execução fiscal, segundo cremos, considerado que a gestão de facto se presumia da gestão de direito (cf. ponto J) da factualidade assente).

Assim, desde logo se refira que a AT, ao contrário do que era seu ónus, não concretizou, materialmente, o exercício efetivo de funções de gerente por parte do Recorrente, em sede de despacho de reversão. Ora, como se deixou expresso supra, a AT não goza de qualquer presunção no sentido de que a gerência de facto se extrai da de direito, cabendo-lhe sempre, independentemente de estarmos perante gerente que seja ou não de direito, demonstrar e provar a gestão de facto, demonstração e prova que são fundamentais para efeitos de reversão.

Por outro lado, também não resulta da factualidade assente nos presentes autos que em sede de procedimento de reversão a AT tenha identificado quaisquer factos relativos ao devir comercial da sociedade devedora originária dos quais se possa extrair a conclusão de que o Recorrido foi gerente da mesma.

Em concreto, do teor do consignado nos pontos G), H) e I), que respeitam a documentação elaborada pelo órgão de execução fiscal relativamente à reversão das dívidas exequendas contra o Recorrente, não consta uma palavra a respeito do exercício de facto da gerência da executada originária.

Pelo que aqui chegados, é inelutável a conclusão que o órgão de execução fiscal não logrou alegar e demonstrar, no âmbito do procedimento de reversão, conforme deveria, que o Recorrente exerceu a gerência de facto da sociedade devedora originária, requisito normativo central no funcionamento do instituto da reversão.

Donde podemos retirar a conclusão de que procedem, nesta parte, as conclusões do Recorrente quanto à falta de demonstração por parte do órgão de execução fiscal do exercício da gerência de facto por parte do Recorrente.

Acresce que contrariamente ao entendido na sentença recorrida, não resulta de modo algum da factualidade assente nos presentes autos que tenha sido o Recorrente o gerente de facto nos exercícios concretamente relevantes (2001 a 2006 – cf. pontos D), E), I) e J) da factualidade assente).

Em primeiro lugar, e desde logo, devendo os requisitos materiais da responsabilidade tributária subsidiária resultar comprovados na sequência da realização do procedimento de reversão, se nada é dito nesse âmbito a respeito do exercício da gerência de facto pelo visado – o Recorrente –, é evidente a conclusão que essa demonstração não integrou o escopo da motivação que presidiu à decisão de reversão. Donde, naturalmente, não pode posteriormente vir a ser comprovada, com novos fundamentos, pela AT para sustentar a decisão de reversão, porquanto a fundamentação do ato de reversão deve ser contemporânea do mesmo, como impõem as exigências de motivação dos atos praticados pela Administração e a salvaguarda dos direitos de defesa do executado.

Em segundo lugar, porque apesar de ter ficado provado que o Recorrente assinou cheques (cf. ponto S) da factualidade assente), essa factualidade não está minimamente densificada temporalmente e quantitativamente, o que seria fundamental para aquilatar da frequência com que tais atos foram praticados. Por outro lado, sendo certo que a assinatura de cheques constitui um indício da intervenção na atividade da executada originária, a verdade é que no caso concreto essa circunstância deve ser relativamente desvalorizada, dado que nenhum outro indício relevante foi apontado no sentido de evidenciar o exercício da gestão de facto.

Depois, porque a participação em «reuniões, pelo menos anuais, com os responsáveis da contabilidade da sociedade devedora originária» sucederam no contexto das assembleias gerais de sócios (cf. ponto V) do probatório), em cumprimento das obrigações legais existentes nessa matéria. E foi dado como provado que o reporte da Técnica Oficial de Contas era efetuado perante M… e J…, que eram quem liderava o processo de prestação de contas da executada originária (cf. pontos Y) e Z) do probatório).

Em quarto lugar, não se vê em que medida é que a renúncia à gerência da sociedade devedora originária em 06/11/2007 pode constituir um indício da gerência de facto da executada originária, dado que, naturalmente, apenas evidencia o fim da designação do Recorrente como membro daquele órgão societário.

Por último, a circunstância de M…, que desenvolveu a profissão de secretária no escritório de advogados do Recorrente durante cerca de 30 anos, ter ido, a pedido deste, prestar serviços de apoio administrativo para a executada originária em regime de part-time, nos anos de 2002 a 2004 (cf. ponto T) do probatório) não constitui, segundo cremos, um verdadeiro ato de gestão da sociedade devedora originária, pois não se encontra minimamente substanciado no âmbito de qualquer poder gestionário do Recorrente. Pode até tratar-se de uma simples sugestão feita pelo Recorrente para apreciação dos sócios e demais gerentes da executada originária, não tendo ficado comprovado que o Recorrente teve algum papel ativo na sua contratação ou na definição dos correspondentes termos.

Assim, atento este quadro factual e a completa ausência de alegação e prova por parte da AT da existência de atuação por parte do Recorrente que evidencie o efetivo exercício de funções de gerente da executada originária, não se pode se não concluir que, não estando demonstrado tal exercício, essa ausência de prova reverte a seu favor.

Logo, conclui-se, que não se encontra preenchido o pressuposto previsto no n.º 1 do art.º 24.º da LGT, motivo pelo qual se verifica a ilegitimidade do então Oponente, ora Recorrente.

Em face do exposto, o recurso merece provimento, devendo a sentença recorrida ser revogada e a oposição à execução fiscal ser julgada procedente, o que de seguida se decidirá.
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IV- DECISÃO

Termos em que acordam, em conferência, os Juízes da Subsecção de Execução Fiscal e Recursos Contraordenacionais do Tribunal Central Administrativo Sul, em conceder provimento ao recurso, determinar a revogação da sentença recorrida e julgar procedente a oposição à execução fiscal.

Custas pela Recorrida.

Registe e notifique.

Lisboa, 12 de março de 2025

(Filipe Carvalho das Neves)

(Isabel Vaz Fernandes – em substituição)

(Luísa Soares)