Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1055/19.0BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:05/09/2024
Relator:MARIA HELENA FILIPE
Descritores:LEI DA AMNISTIA
Nº 2 DO ARTº 128º DO CÓDIGO PENAL
SANÇÃO DISCIPLINAR AMNISTIADA
CESSAÇÃO DA SUA EXECUÇÃO COM EFICÁCIA EX-TUNC.
Sumário:I - A Lei nº 38-A/2023, de 2 de Agosto, veio estabelecer
Perdão de Penas e Amnistia de Infracções assentando a sua
ratio legis na realização em Portugal da Jornada Mundial da Juventude com a presença de Sua Santidade o Papa Francisco e visa abranger um número de pessoas, com idade definida, vigora relativamente a um determinado período temporal e abrange sanções expressamente tipificadas.
II - A palavra grega amnestia, assim transcrita em latim­, derivou para o português ‘amnistia’ e significava originaria­mente esquecimento.
Donde, a amnistia respeita às infracções abstractamente consideradas, ‘apagando’ a natureza criminal do facto.
III - Prevê o nº 2 do artº 128º do Código Penal que “a amnistia extingue o procedimento criminal e, no caso de ter havido condenação, faz cessar a execução tanto da pena e dos seus efeitos como da medida de segurança” sendo que o nº 3 estipula que “o perdão genérico extingue a pena, no todo ou em parte”.
IV - A amnistia caracteriza-se, pois, como um pressuposto negativo da punição na medida em que obsta a que o arguido sofra a sanção que, ou lhe vai ser aplicada ou que, entretanto, já o foi.
V - A sanção disciplinar aplicada ao interessado, por se encontrar amnistiada, implica necessariamente a cessação da sua execução, fosse qual fosse o resultado da causa, com eficácia ex-tunc.
Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção SOCIAL
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I. Relatório
O MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, ora Recorrente, vem recorrer da sentença proferida em 29 de Outubro de 2023, pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada que decretou amnistiada a infracção disciplinar imputada a A…, apenas quanto ao segmento em que aderiu ao ponto 15. do acórdão deste TCAS, de 26 de Outubro 2023, proferido no Processo nº 74/23.6BCLSB, relativo ao efeito ex tunc da amnistia.
Nas suas alegações de recurso, o Recorrente formulou as seguintes conclusões:
“1. No caso em apreço está em causa uma sanção disciplinar de multa, e o MJ concorda com a aplicação da Lei nº 38-A/2023, de 2/8, e com a decisão de extinção da instância, por impossibilidade superveniente da lide.
2. No entanto, não se pode conformar com o segmento de adesão ao ponto 15 do acórdão do TCAS, de 26/10/2023, proferido no processo nº 74/23.6BCLSB, relativo ao efeito “ex tunc” da amnistia.
3. O referido segmento decisório da sentença em recurso aderiu ao seguinte:
15. No caso presente, como o artigo 6º da Lei nº 38-A/2023, de 2/8, não distingue entre amnistia própria e amnistia imprópria, o efeito útil da norma é o de que a amnistia aí prevista constitui uma providência que “apaga” a infracção disciplinar, sendo por isso apropriado falar-se aqui numa abolição retroactiva da infracção disciplinar, porquanto esta (a amnistia), opera “ex tunc”, incidindo não apenas sobre a própria sanção aplicada, como também sobre o facto típico disciplinar passado, que cai em “esquecimento”, tudo se passando como se não tivesse sido praticado e, consequentemente, eliminado do registo disciplinar do visado. (sublinhado nosso).
4. Ora, o entendimento que a amnistia produz efeitos ex tunc, determinaria que a Administração Pública se visse na iminência de restituir os montantes das sanções de multa e suspensão aplicadas e parcial ou integralmente executadas, não parecendo, ter sido essa a intenção do legislador.
5. E por via do presente recurso o MJ pretende a revogação do segmento decisório que, adotando a citada jurisprudência do TCAS, entendeu que o artigo 6.º da Lei n.º 38-A/2023, não distingue entre amnistia própria e amnistia imprópria, bem como, considerou que a amnistia constitui uma providência que apaga a infração disciplinar, sendo considerada a abolição retroativa da infração disciplinar com efeitos ex tunc.
Da Amnistia própria e imprópria – art. 6 da Lei n.º 38-A/2023 e art. 128.º do Código Penal
6. O segmento da sentença objeto de recurso, parte da premissa de que a Lei n.º 38- A/2023, de 02 de agosto, no seu artigo 6.º, não distingue entre amnistia própria e amnistia imprópria.
7. Concorda-se que etimologicamente, amnistia significa “esquecimento”, estando associado à abolição retroativa do crime, com a consequente eliminação dos efeitos jurídicos derivados da infração.
8. Contudo, o conceito tradicional de amnistia foi sendo historicamente limitado, o que nos permite, salvo melhor opinião em contrário, afirmar que, atualmente, o conceito jurídico já não corresponde na íntegra à conceção tradicional.
9. A Lei n.º 38-A/2023, no seu artigo 6.º relativamente às infrações disciplinares dispõe:
“São amnistiadas as infrações disciplinares e as infrações disciplinares militares que não constituam simultaneamente ilícitos penais não amnistiados pela presente lei e cuja sanção aplicável, em ambos os casos, não seja superior a suspensão ou prisão disciplinar”.
10. Nestes termos, não se pode concordar com o acórdão recorrido quando considera que “como o artigo 6º da Lei nº 38-A/2023, de 2/8 não distingue entre amnistia própria e amnistia imprópria, o efeito útil da norma é o de que a amnistia aí prevista constitui uma providência que “apaga” a infração disciplinar, sendo por isso apropriado falar-se aqui numa abolição retroativa da infração disciplinar, porquanto esta (a amnistia), opera “ex tunc”.
11. De facto, o artigo 6º da Lei nº 38-A/2023, de 2/8, não refere expressamente a distinção entre amnistia própria e amnistia imprópria, mas essa distinção é implícita por efeito da aplicação do conceito do Código Penal, que no artigo 128.º, n.º 2 determina: “A amnistia extingue o procedimento criminal e, no caso de ter havido condenação, faz cessar a execução tanto da pena e dos seus efeitos como da medida de segurança.” (sublinhado nosso).
12. Assim, nos termos deste preceito, a amnistia extingue o procedimento disciplinar e no caso de ter havido condenação faz cessar a execução da sanção disciplinar e dos seus efeitos, o que significa que a execução da sanção disciplinar que esteja cumprida está cumprida, porque não se pode cessar a execução de algo que está cessado/executado.
13. Neste sentido se pronúncia também Germano Marques da Silva, na obra supracitada, considerando que: “A amnistia apaga o próprio crime (…). Se a amnistia ocorrer antes do trânsito em julgado da sentença condenatória, extingue o procedimento criminal e se ocorrer após a condenação transitada em julgado extingue a execução tanto da pena e dos seus efeitos como medida de segurança.
(…)
A amnistia apaga o crime, mas não equivale à anulação da condenação, se ela já tiver ocorrido. Assim, a amnistia não dá lugar à restituição dos objetos apreendidos nem da multa já paga, nem tem qualquer efeito sobre a responsabilidade civil emergente do facto. (sublinhado nosso).
14. De acordo com o citado artigo 128.º do Código Penal, se a Lei que concede a amnistia entra em vigor num momento em que não houve condenação transitada em julgado, a mesma extingue a infração, operando a designada amnistia própria, se a mesma entra em vigor num momento em que já ocorreu uma condenação transitada em julgado, a mesma limita-se a fazer cessar a execução e dos seus efeitos, operando a referida amnistia imprópria.
15. A amnistia é, assim, um modo de extinção da responsabilidade penal e disciplinar e o momento em que a referida Lei da amnistia entra em vigor é que vai determinar as respetivas consequências, consoante a fase procedimental que o respetivo processo disciplinar se encontra.
16. Sendo que, não é a ausência entre uma previsão normativa que distinga entre amnistia própria e imprópria que permite concluir, salvo melhor opinião em contrário, que a bifurcação entre amnistia própria e imprópria não resulta do artigo 6.º da Lei n.º 38-A/2023, de 02 de agosto, tendo em conta a aplicação do artigo 128.º do Código Penal.
17. Até porque, as leis da amnistia anteriores também não o faziam e, no entanto, a jurisprudência fazia a referida distinção. Note-se que relativamente a esta questão, a jurisprudência proferida sobre anteriores leis de amnistia com idênticas normas sobre as infrações disciplinares é abundante e unanimemente considerou que:
- A amnistia atua sobre a própria infração cometida, eliminando todos os efeitos da infração, apaga juridicamente a infração, destrói os seus efeitos retroativamente e só não pode destruir aqueles que já se produziram e são indestrutíveis, faz desaparecer todos aqueles cuja ação persiste quando a lei amnistiante se publicou;
- As normas que estabeleçam amnistia devem ser interpretadas em termos estritos. Na declaração de nulidade, os efeitos produzem-se "ex tunc"; na amnistia, produzem-se "ex nunc";
- A amnistia não destrói os efeitos já produzidos pela aplicação da pena, mas produz efeitos para o futuro. Assim mesmo que a pena já se mostre cumprida, a aplicação da amnistia tem relevância para o futuro;
- A amnistia abrange tanto as infrações ainda não punidas (amnistia própria) como aquelas em que já foram aplicadas penas (amnistia imprópria). No primeiro caso, cessava a responsabilidade disciplinar dos arguidos, devendo arquivar-se o respetivo processo; no segundo caso, a amnistia apenas fazia cessar o prosseguimento da execução da pena ou impedia a sua execução quando o seu cumprimento ainda se não tivesse iniciado, cessando os efeitos ainda não produzidos, mas ficando intactos os já verificados;
- Ainda que imediatamente aplicável a lei da amnistia, sempre subsistiriam os efeitos já produzidos pelo ato sancionador, efeitos estes que só desapareceriam da ordem jurídica através da anulação com efeitos “ex tunc”, que só o eventual provimento do recurso contencioso poderia proporcionar;
18. Com o devido respeito à posição veiculada na sentença em recurso, o ora Recorrente Ministério da Justiça, considera que, face aos termos da lei da amnistia de 2023, à tradição das leis de amnistia anteriores e à jurisprudência existente sobre o tema, a amnistia não opera “ex tunc”.
19. Deve entender-se que a amnistia é uma providência que apaga a infração, se entrar em vigor antes da respetiva aplicação da sanção, contudo, após esta, não equivalerá à respetiva anulação retroativa da sanção aplicada, mas somente à cessação dos seus efeitos para o futuro, isto é, com efeitos ex nunc e não ex tunc, salvaguardando o que está executado.
20. Este entendimento é sufragado por J.M Nogueira da Costa, que na obra citada considerou que “A amnistia só vale para o futuro, (…) a mesma não apaga os efeitos já produzidos pela aplicação da pena, não havendo restituição de vencimentos não pagos, sendo, porém, averbada no processo individual”.
21. De facto, como se viu, no domínio do Direito disciplinar está assente uma longa tradição de que a amnistia de infrações disciplinares não determina a destruição dos efeitos das respetivas sanções ou infrações, já produzidos.
22. Esta posição foi sendo consagrada sucessivamente, designadamente no artigo 11.º, n.º 4 do Estatuto Disciplinar de 1984, constante do Decreto-Lei n.º 24/84, de 16 de janeiro e no artigo 9.º, n.º 5 do Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que exercem Funções Públicas, aprovada pela Lei n.º 58/2008, de 09 de setembro.
23. O facto de a atual Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (LTFP) não conter disposição idêntica, não poderá levar à conclusão que se pretendeu romper esta longa tradição de que a amnistia não destrói os efeitos das sanções, enquanto limitação ao seu efeito ex tunc.
24. Note-se que a doutrina e jurisprudência mais recente entendia que as disposições constantes dos Estatutos Disciplinares configuravam uma adaptação dos artigos 126.º, hoje 128.º, do Código Penal, importando a distinção entre amnistia própria e imprópria para o seio disciplinar e que por isso as citadas normas dos Estatutos disciplinares eram uma repetição/adaptação do disposto no artigo 128.º, n.º 2 do Código Penal, onde se estatui que, a amnistia extingue o procedimento criminal e, no caso de ter havido condenação, faz cessar a execução da pena e os seus efeitos.
25. Sendo que a não consagração de norma idêntica não resulta de uma alteração de posição, mas antes do facto de a mesma se revelar redundante, por resultar da aplicação subsidiária do artigo 128.º, n.º 2 do Código Penal.
26. Face ao exposto, deve concluir-se que o legislador não pretendeu afastar-se da regra tradicional de que a amnistia não destruía os efeitos das penas, antes tendo eliminado a respetiva norma, em virtude de a mesma reeditar o disposto no Código Penal, que goza de aplicação subsidiária.
27. Com efeito, a circunstância de o artigo 6.º da Lei n.º 38-A/2023, de 02 de agosto não distinguir expressamente entre amnistia própria e imprópria não afasta a existência da mesma, considerando que os efeitos jurídicos se encontram implícitos por força da aplicação do Código Penal, em concreto, o artigo 128.º, n.º 2, enquanto norma subsidiária.
28. Assim, nos termos conjugados do artigo 6.º da Lei n.º 38-A/2023, de 02 de agosto com o artigo 127.º e 128.º do Código Penal, com as necessárias adaptações, a amnistia extingue a responsabilidade disciplinar e, consequentemente, extingue o procedimento disciplinar e no caso de aplicação da sanção, faz cessar a sua execução e os seus efeitos, tendo, como tal, efeitos ex nunc e não ex tunc.
Dos diversos regimes disciplinares vigentes
29. Deverá ainda ter-se em conta o regime de outros Estatutos Disciplinares vigentes, no caso o Estatuto dos Magistrados Judicias, Estatuto do Ministério Público, Regulamento de Disciplina da Guarda Nacional Republicana e Regime Disciplinar da Polícia de Segurança Pública que têm uma norma idêntica ao regime previsto no artigo 128, nº 2 do CP.
30. Podendo concluir-se que, as referidas normas do Código Penal e dos outros Estatutos consagram os efeitos da amnistia. E, a Lei n.º 38-A/2023, mantendo a redação das leis anteriores não pretendeu alterar a tradição dos efeitos das leis da amnistia.
31. Até porque o legislador não pretendeu que a amnistia tivesse efeitos diferentes, consoante a situação profissional do amnistiado, o que criaria uma situação de injustiça pouco compreensível.
32. Assim, a interpretação defendida na sentença recorrida dos efeitos “ex tunc” é uma interpretação contrária à letra e ao espírito da lei, violando os princípios e regras de interpretação vertidos nos artigos 7.º a 9.º do Código Civil (CC).
Da não retroatividade da Lei da amnistia
33. Por outro lado, o efeito “ex tunc” equivale a que a lei tenha efeito retroativo, e a Lei n.º 38-A/2023, entrou em vigor em 1 de setembro de 2023, sem previsão de aplicação retroativa.
34. O que significa que a Lei n.º 38-A/2023, com entrada em vigor em 1 de setembro de 2023, e não prevendo a sua aplicação retroativa, tem por efeito o esquecimento dos factos passados, mas não destrói os efeitos já produzidos pela aplicação da sanção disciplinar em data anterior a 1 de setembro de 2023, ou seja, verifica-se o esquecimento dos factos passados por referência à produção de efeitos para o futuro, como, por exemplo, a infração abrangida pela amnistia não pode relevar para efeitos de reincidência ou de agravação de eventual sanção disciplinar posterior, bem como o apagamento do registo disciplinar.
35. Nos termos do exposto, a amnistia prevista na Lei n.º 38-A/2023 conjugado com o artigo 128.º do Código Penal, tem por efeito a extinção da infração disciplinar aplicada ao Autor pelo ato impugnado e de todos os seus efeitos, com exceção dos já produzidos e que são indestrutíveis, como o pagamento da multa já efetuado. A amnistia da infração disciplinar não destrói os efeitos já produzidos pela aplicação da sanção.
Nestes termos, e nos melhores de direito, deve a decisão recorrida ser alterada no segmento relativo aos efeitos “ex tunc” da amnistia”.
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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Notificado nos termos e para efeitos do disposto no art.º 146.º do CPTA, o D. º Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal, emitiu parecer no sentido da procedência do recurso apresentado.
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Colhidos os vistos legais, vem o processo submetido à conferência desta Subsecção da Administrativa Social da Secção do Contencioso Administrativo para decisão.
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II. Objecto do recurso (artigos 144.º, n.º 2, e 146.º, n.º 1, do CPTA, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1, 2 e 3, do CPC, aplicável ex vi artigo 140.º do CPTA):
A questão objecto do presente recurso suscitada pelo Recorrente prende-se em saber se a amnistia produz efeitos ex tunc como determinou a sentença recorrida.
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III. Factos
O Tribunal a quo não indicou factos.
Não obstante, ao abrigo do disposto no artº 7º-A do CPTA, passam a fixar-se factos relevantes para o acórdão recursivo:
A) Pelo despacho de 7 de Setembro de 2028 do Sub-Director-Geral da Reinserção Social e Serviços Prisionais foi instaurado contra o Recorrido processo disciplinar comum (cfr 10 do processo administrativo);

B) Em 6 de Dezembro de 2018, foi deduzida a Acusação em sede de procedimento disciplinar ao Recorrido (cfr fls 50 a 55 do processo administrativo);
C) Em 27 de Fevereiro de 2019, foi elaborado o Relatório Final que in fine, propunha o seguinte:
“i. Que seja aplicada ao trabalhador A..., da categoria/carreira do pessoal do Corpo da Guarda Prisional (chefe prisional com o SRH nº 5141), afeto atualmente ao Estabelecimento Prisional do Linhó, a sanção disciplinar de MULTA efetiva graduada em 4 (quatro) remunerações base diárias (…) pela infração disciplinar em questão, perfazendo o total de 173€92 (cento e setenta e três euros e noventa e dois cêntimos), por violação do disposto no artigo 19º, nº 1 do EPCGP e, por decorrência, a violação dos deveres gerais de prossecução de interesse público, de zelo e de lealdade, previstos e regulados pelas disposições combinadas contidas no disposto do artigo 73º, nº 2, alíneas a), e) e g), e nºs 3, 7 e 9, artigo 180º, nº 1, alínea b), artigo 181º, nº 2, artigo 185º, alínea d), todos eles da LGTFP, e a violação da competência aclamada no disposto do artigo 27º, nº 1 , alínea m) do EPCGP; e,
ii. Concordando-se com a precedente proposta, que seja notificado o trabalhador, o instrutor signatário e o participante, caso este assim o requeira, da decisão que recair nos autos, nos termos do disposto no artigo 222º, nºs 1 e 3 da LGTFP” (cfr fls 117 a 131 do processo administrativo);
D) Pelo despacho de 4 de Março de 2019 do Director-Geral da Reinserção Social e Serviços Prisionais foi aplicado ao Recorrido a sanção disciplinar de multa no total de 173,92€ (cfr fls 132 e 132 V do processo administrativo);
E) O Recorrido interpôs recurso hierárquico para a Ministra da Justiça do despacho referido em D) (cfr fls 141 a 144 do processo administrativo);
F) Em 10 de Abril de 2019, o recurso referido em E) foi apreciado e proposto o seu indeferimento (cfr fls 156 a 162 do processo administrativo);
G) Em 23 de Maio de 2019, pela Secretária de Estado Adjunta e da Justiça foi proferido despacho, no qual, designadamente, consta que “não concedo provimento ao recurso hierárquico interposto por A..., guarda prisional, confirmando o ato recorrido, consubstanciado no despacho do Diretor-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais, de 4 de março de 2019, que, no âmbito do processo disciplinar nº 383-D/2018, lhe aplicou a sanção disciplinar efetiva de multa, graduada em quatro (4) remumerações base diárias, no montante total de € 173,92” (cfr fls 165 a 173 do processo administrativo);
I) Em 14 de Junho de 2019, o Recorrido intentou no TAC de Lisboa, acção administrativa impugnando o acto que lhe aplicou a sanção disciplinar de multa (cfr fls 1 do SITAF);
J) Em 29 de Junho de 2020, naquele Tribunal foi proferida sentença de incompetência territorial (cfr fls 346 do SITAF);
K) Em 29 de Outubro de 2023, o TAF de Almada por sentença amnistiou a sanção disciplinar aplicada ao Recorrido (cfr fls 385);
L) Em 29 de Novembro de 2023, o Ministério da Justiça interpôs recurso para o TCA Sul, não se conformando com o efeito ex tunc atribuído pela sentença recorrida (cfr fls 398 do SITAF).
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IV. Direito
No presente caso, importa saber se a amnistia produz efeitos ex tunc como decidido na sentença recorrida, da qual se transcreve o que segue:
“A amnistia importa a perda do objeto da causa e, em consequência, a extinção da instância por impossibilidade superveniente da lide, nos termos do disposto no artigo 277.º, alínea e), do CPC [cf., entre muitos outros, acórdãos do Pleno da Secção de Contencioso Administrativo do STA de 16.11.1995, P. 018072; de 27.11.1996, P. 29202A; de 17.01.2021, P. 042413; e de 15.11.2001, P. 041693; e acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 22.05.2003, P. 00209/97]. Logo, desparecendo da ordem jurídica o acto administrativo impugnado relativo à decisão sancionatória, por falta de objecto decorrente da amnistia e da consequente extinção do procedimento disciplinar, não é, logicamente, possível apreciar a sua legalidade.
Termos pelos quais cumpre declarar a amnistiada a infracção disciplinar em causa nos autos e, em consequência, declarar extinta a instância por impossibilidade superveniente da lide decorrente da falta de objecto.
(…)
- Decisão Em face do exposto, declaro amnistiada a infracção disciplinar em causa nos autos e, em consequência, julgo extinta a instância por impossibilidade superveniente da lide, atenta a falta de objecto”.
Vejamos.
A Lei nº 38-A/2023, de 2 de Agosto, veio estabelecer
Perdão de Penas e Amnistia de Infracções
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A ratio legis da presente lei assenta na realização em Portugal da Jornada Mundial da Juventude com a presença de Sua Santidade o Papa Francisco e visa abranger um número de pessoas, com idade definida, vigora relativamente a um determinado período temporal e abrange sanções expressamente tipificadas.
Ora, a palavra grega amnestia, assim transcrita em latim­, derivou para o português ‘amnistia’ e significava originaria­mente esquecimento.
Donde, a amnistia respeita às infracções abstractamente consideradas, ‘apagando’ a natureza criminal do facto.
Prevê o nº 2 do artº 128º do Código Penal que “a amnistia extingue o procedimento criminal e, no caso de ter havido condenação, faz cessar a execução tanto da pena e dos seus efeitos como da medida de segurança” sendo que o nº 3 estipula que “o perdão genérico extingue a pena, no todo ou em parte”.
Em abono de se qualificar a sua intrínseca vocação, traz-se à colação que Figueiredo Dias in Direito Penal Português, Parte Geral, II, Coimbra,
1993, pp 689 – 692, convoca que atrás da distinção constitucional entre o perdão genérico e a amnistia
“está ainda a concepção tradicional da distinção entre medidas de graça relativas ao facto ou ao agente por uma parte, e relativas à consequência jurídica por outra”.
A amnistia caracteriza-se, pois, como um pressuposto negativo da punição na medida em que obsta a que o arguido sofra a sanção que, ou lhe vai ser aplicada ou que, entretanto, já o foi.
Tal vale por dizer que não constitui um pressuposto negativo da punibili­dade, ou seja, não está relacionada com a falta de dignidade punitiva do facto.
Com efeito, Mariana Canotilho e Ana Luísa Pinto in As Medidas de Clemência na Ordem Jurídica Portuguesa, Estudos em Memória do Conselheiro Luís Nunes de Almeida, Coimbra, Coimbra Editora, 2007 pp 336 e 337, definem que “A amnistia serve para libertar o agente de um processo penal ainda em curso ou do cumprimento de uma pena, devida à prática de determinado crime. Significa isto que alguns bens jurídicos, protegidos pela legislação penal, são considerados menos importantes, em determinados contextos (por exemplo, em caso de necessidade de pacificação social), razão pela qual a sua protecção pode ser sacrificada reotractivamente”.
Nesse sentido, a sanção disciplinar aplicada ao interessado, por se encontrar amnistiada, implica necessariamente a cessação da sua execução, fosse qual fosse o resultado da causa, com eficácia ex-tunc.
Traz-se à colação que sufragamos in totum, o sumariado no recente Acórdão do STA, Processo nº 0262/12.0BELSB, de 16 de Novembro de 2023, in www.dgsi.pt “A amnistia faz cessar a responsabilidade disciplinar do arguido, pelo que, salvo disposição legal em contrário, tem eficácia ex-tunc, e faz desaparecer o objeto da ação que visa a anulação ou declaração de nulidade do ato que aplicou a pena disciplinar, determinando a inutilidade da respetiva lide”.
Com efeito, neste aresto escreveu-se que “é entendimento dominante na jurisprudência e na doutrina que a amnistia faz cessar a responsabilidade disciplinar do arguido, pelo que, salvo disposição legal em contrário, determina o «esquecimento» da infração, extinguindo os respetivos efeitos com eficácia ex-tunc.
Daqui decorre, necessariamente, que a amnistia faz desaparecer também – retroativamente - o objeto da ação que visa a anulação ou declaração de nulidade do ato que aplicou a correspondente pena disciplinar”
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Segue idêntico entendimento o Acórdão do STA, Processo nº 0699/23.0BELSB, de 20 de Dezembro de 2023, in www.dgsi.pt.

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V. Decisão
Assim, face ao exposto, acordam, em conferência, os Juízes da Subsecção Administrativa Social da Secção de Contencioso Administrativo do TCA Sul, em negar provimento ao recurso interposto, confirmando a sentença recorrida.

Custas pelo Recorrente.

Registe e notifique.

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Lisboa, 9 de Maio de 2024
(Maria Helena Filipe – Relatora)
(Rui Belfo Pereira – 1º Adjunto)
(Maria Julieta França – 2ª Adjunta)