Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 2295/13.0BELRS |
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Secção: | CT |
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Data do Acordão: | 06/19/2024 |
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Relator: | CRISTINA ALEXANDRA PAULO COELHO DA SILVA |
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Descritores: | ISENÇÃO DE IMT CLASSIFICAÇÃO DE IMÓVEL DE INTERESSE PÚBLICO |
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Sumário: | I– A fachada de um prédio não corresponde ao conceito legal, seja ele civil ou fiscal, de prédio, em virtude de não possuir autonomia estrutural, nem valor económico próprio. II– Deste modo, a classificação da fachada como imóvel de interesse público não se projecta sobre o prédio que não foi, ele próprio objecto de classificação, com vista à aplicação da isenção de IMT. III– Não existindo qualquer classificação como imóvel de interesse nacional, interesse público ou de interesse municipal, não pode o mesmo beneficiar de isenção de IMT ao abrigo do disposto no art. 6º do CIMT. IV- Nos termos do disposto no art, 635º do CPC não pode ser objecto de apreciação pelo Tribunal ad quem questões novas que não foram invocadas junto do Tribunal a quo, por força do Princípio da Preclusão. |
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Votação: | UNANIMIDADE |
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Indicações Eventuais: | Subsecção Tributária Comum |
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Aditamento: | ![]() |
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os juízes que compõem a 1ª Sub-Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul ♣ I – RELATÓRIO V.......... e marido, A.........., com demais sinais nos autos, deduziram uma Acção Administrativa Especial contra os despachos da Directora de Serviços da DSIMT, que indeferiu os pedidos de isenção de IMT, formulados nos termos do artigo 6º, alínea g) do CIMT, nos processos nºs ..............., .............. e .........., referentes às transmissões da fracção autónoma "AW" do prédio inscrito na matriz predial da freguesia de Sacramento sob o artigo 2.........º, e das fracções autónomas “S” e “T”, do prédio inscrito na matriz da freguesia de Santa Justa, concelho de Lisboa, sob o artigo 1…….
*** Os Recorrentes, nas suas alegações, formularam as seguintes conclusões:“- Conclusões: A) Em 20/06/2005, a A. mulher requereu a isenção de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT), aí identificando o cônjuge, nos termos do artigo 6º, al. g) do CIMT, relativamente às seguintes fracções autónomas: a) Fracção “AW”, descrita na matriz da freguesia do Sacramento, concelho de Lisboa, sob o artº 2.........; b) Fracção “S”, descrita na matriz da freguesia de Santa Justa, concelho de Lisboa, sob o artº 1…..; c) Fracção “T”, descrita na matriz da freguesia de Santa Justa, concelho de Lisboa, sob o artº 1….. B) Tal pedido de isenção de IMT foi objecto de indeferimento, nos termos e fundamentos expressos nos respectivos Despachos do Director de Serviços do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis, todos notificados aos AA. a 10/09/2013 ( doc. 2, 3 e 4, juntos com a p.i.). C) Com efeito, a interpretação dada pela Recorrida e sufragada pelo Tribunal a quo não pode proceder porque aponta como fundamento legal para o indeferimento da isenção do IMT, que apenas o prédio classificado no seu todo é que pode beneficiar dessa isenção. D) Em relação às fracções “S” e “T”, as respectivas certidões do Instituto Português do Património Arquitectónico (IPPAR), referem expressamente a sua classificação como imóvel de interesse público, pelo Decreto nº 8/83, de 24 de Janeiro e está abrangido por servidão administrativa do património cultural, conforme o mesmo Decreto, sendo zona especial de protecção (ZEP), da fachada do Teatro Ginásio, conforme certidão do IPPAR, a. fls. 36 a 39 dos autos. E) O imóvel é atravessado por um troço das cercas de Lisboa, classificadas como MN (Monumento Nacional), pelo Decreto de 16-06-1910, publicado a 23-061910, referindo ainda que a classificação abrange a fachada do prédio em que se encontram as fracção (cfr. fls. 36 a 39 dos autos). F) No que respeita à fracção “AW”, o IPPAR considera que o prédio se encontra abrangido por servidão administrativa do património cultural do edifício onde se insere o café “A …….”, classificado como IIP, concluindo que o imóvel não está classificado, mas apenas a zona onde ele se encontra localizado, sendo que apenas está abrangido pela referida servidão administrativa, denominada “Zona edifício onde se insere o café “A..........” (cfr. fls. 36 a 39 dos autos). G) Não podem restar dúvidas acerca do valor cultural dos imóveis, como património cultural, bem como, o facto de integrarem a zona “Lisboa Pombalina”, classificada pela Direção Geral do Património Cultural (DGPC), como CIP - Conjunto de Interesse Público, conforme Portaria n.º 740-DV/2012, DR, 2.ª série, n.º 248 (suplemento), de 24-12-2012. H) Pese embora, a evidência da classificação do património cultural onde se integra o prédio em causa e da sua própria classificação individual, a sentença posta em crise consagra a possibilidade do prédio existir sem fachada ou a fachada existir sem o prédio. I) Se o IPPAR procedeu à classificação, pela relevância da fachada, como de interesse público e também por ser atravessado pelas Cercas de Lisboa, classificadas como monumento nacional, é o prédio que deve beneficiar da isenção do IMT, por impossibilidade legal da fachada ou das partes comuns recolherem tal benefício fiscal. J) Tanto mais, que o prédio em causa está abrangido por todas as restrições inerentes à classificação de interesse público e como monumento nacional e essas restrições não se circunscrevem apenas à fachada do imóvel. K) Com efeito, a sentença em crise não considera o processo aplicável à classificação do imóvel, nos termos do disposto na Lei nº 107/2001 de 8 de Setembro (Lei de Bases do Património Cultural) e ao Decreto-Lei n.º 309/2009 de 23 de Outubro, que estabelece o procedimento de classificação dos bens imóveis de interesse cultural. L) Um bem imóvel pode ser classificado como de interesse nacional, de interesse público ou de interesse municipal, cfr. art. 3º do Decreto-Lei n.º 309/2009, sendo que, a graduação do interesse cultural obedece aos critérios previstos nos nº 4, 5 e 6 do artigo 15.º da Lei n.º 107/2001, de 8 de Setembro. M) Um bem considera-se de interesse público quando a respetiva proteção e valorização represente ainda um valor cultural de importância nacional, mas para o qual o regime de proteção inerente à classificação como de interesse nacional se mostre desproporcionado. N) Nos termos da Lei nº 107/2001, de 8 de setembro e respetiva legislação regulamentadora, não se classificam prédios na acepção fiscal do termo, mas sim bens imóveis cuja configuração corresponde a uma das categorias internacionalmente definidas (monumento, conjunto ou sítio). O) A entidade que procede à classificação, ao delimitar a área classificada, indirectamente determina quais são os prédios, na acepção fiscal do termo, abrangidos pela classificação e que são os que se inserem na área classificada, como acontece com a zona denominada “Lisboa Pombalina”. P) A fachada do prédio, reforçado com o facto de ser atravessado pelo troço das Cercas de Lisboa/Muralha Fernandina, classificadas como Monumento Nacional, são as componentes do edifício que justificam a sua classificação individual, pela sua relevância, de acordo com os critérios atrás mencionados, para os imóveis de interesse público. Q) O Tribunal a quo ao considerar que apenas a fachada está classificada e que tal não se subsume na categoria de prédio, esquece que são essas as relevâncias culturais que levaram à sua classificação de interesse público. R) O prédio descrito na matriz sob o artº 1….., está classificado como imóvel de interesse público (fracções “S” e “T”) e é atravessado por as muralhas fernandinas, classificadas como monumento nacional, ou seja, o grau de protecção e valorização inerente à classificação é determinado por essa dupla relevância, interesse nacional e interesse público. S) No caso, o prédio em questão não só integra a Lisboa Pombalina, como está por si só classificado. T) Daqui resulta, para os titulares o direito de beneficiar da isenção prevista pela al. g) do art. 6º do CIMT, com a redacção à data, ou seja, as aquisições de prédios classificados como de interesse nacional, de interesse público ou de interesse municipal, ao abrigo da Lei nº 107/2001, de 8 de setembro. U) O que releva é a classificação, de interesse nacional e público, pelo que, não se pode pretender que essa classificação não tenha relevância para efeitos fiscais ou que que constitui uma realidade jurídico tributária que nega o que a classificação do património cultural estabelece. V) Existe, pois, erro de julgamento, porquanto o acto de classificação, de interesse público e por ser atravessado por monumento nacional, projecta os seus efeitos classificatórios em relação ao prédio. W) A sentença posta em crise faz uma aplicação errada do disposto no artigo 6º al. g), do CIMT, dado que o mesmo não se aplica a parte de prédios, nos termos de Direito Civil e de Direito Fiscal, como prejudica o entendimento da importância do valor cultural do património. X) A interpretação dada pelo Tribunal a quo é ofensiva do princípio da capacidade contributiva, já que os Recorrentes, enquanto proprietários de prédios urbanos com valor cultural e que estão sujeitos a encargos financeiros e a procedimentos burocráticos mais gravosos do que os proprietários de imóveis de construção recente, ficam impedidos de usar o benefício fiscal aqui em causa. Y) Assim, decidindo da forma como decidiu, a douta sentença recorrida enferma de erro de julgamento de direito, por errada interpretação do disposto no art.º6º al. g), do CIMT, o artigo 15º da Lei nº 107/2001 de 8 de Setembro e art. 3º do Decreto-Lei n.º 309/2009. Z) Por outro lado, a sentença posta em crise considera como não provado que tenham reconhecido a isenção de IMT de outras frações do mesmo prédio onde se encontram as frações “S” e “T”, nomeadamente no processo nº .......... da DSIMT (ponto 25 da p.i.). AA) Os Recorrentes juntaram prova documental (doc. 8 da p.i.), sendo tal facto não impugnado pela Recorrida e admitido em sede do art. 29º da contestação. BB) Verifica-se erro de julgamento da apreciação feita pelo Tribunal a quo, relativamente à prova apresentada, uma vez que entendeu, e mal, que a prova disponível, designadamente documental, não se mostrava adequada e suficiente para firmar o reconhecimento da isenção de IMT de outras frações do mesmo prédio. CC) A actuação da Administração Fiscal ao reconhecer arbitrariamente o direito à isenção do imposto, em relação a algumas fracções do mesmo prédio e ao não reconhecer em relação a outras, trata de modo desigual os contribuintes que se encontram em situações iguais. Termos em que, Deve ser concedido provimento ao presente recurso jurisdicional e, em consequência, ser revogada a douta sentença recorrida, devendo ser substituída por outra que reconheça o direito à isenção de IMT, com as legais consequências, fazendo-se, assim, Justiça.” *** A Fazenda Pública, contra-alegou, tendo formulado as seguintes conclusões: «III CONCLUSÕES 136.º Em face de todo o exposto supra, a Recorrida formula as seguintes conclusões: 1.ª Por via do recurso pretendem os Recorrentes reagir contra a sentença proferida a 2020-11-26, pelo Tribunal Tributário de Lisboa, nos termos da qual foi julgada improcedente a Ação Administrativa, culminando com o pedido de revogação da decisão judicial e substituindo-a por outra que lhes reconheça o direito à isenção de IMT; 2.ª Nenhum dos 4 vícios e respetivos argumentos convocados pelos Recorrentes são aptos a proceder. 3.ª Relativamente à fração “AW”, os Autores confundem o conceito de “Classificação” com o conceito de “Zona de Proteção”; 4.ª O Decreto 67/97 que classificou o bem cultural imóvel denominado Café “A..........” pelo que apenas os n.os 1 a 3 da Travessa da Trindade estão classificados; 5.ª A fração autónoma dos Recorrentes localiza-se nos n.os 16-A a 16-B da Rua da Trindade, significando que o edifício referido no diploma classificador não é o mesmo edifício onde se situa a fração AW dos Autores, facto que é corroborado pela certidão emitida pelo, então, IPPAR; 6.ª A alegação de que a interpretação dada pelo tribunal a quo é ofensiva do princípio da capacidade contributiva revela um profundo desconhecimento do objetivo visado pelo legislador cultural e pelo legislador fiscal; 7.ª A isenção de IMT aqui em causa não visa compensar os proprietários pelo facto de estarem sujeitos a uma servidão administrativa. 8.ª O fundamento teleológico da isenção de IMT é a proteção do património cultural (é esse o objetivo extrafiscal) relevante, e não a amenização de meros “incómodos”; 9.ª A seguir-se a tese dos Recorrentes, então estaria em causa uma flagrante violação do constitucional princípio da igualdade, dado que tal linha de pensamento significaria que os proprietários de imóveis abrangidos pela zona de proteção estética seriam irrazoavelmente privilegiados face a todo um conjunto de proprietários abrangidos por outras espécies de servidão administrativa (v.g., domínio público hídrico, captação de águas subterrâneas para abastecimento público, águas de nascente, massas minerais/pedreiras, reserva Agrícola Nacional, árvores e arvoredos de interesse público, Reserva Ecológica Nacional, rede elétrica, gasodutos e oleodutos e servidões aeronáuticas); 10.ª Em momento algum na história, as sucessivas autoridades administrativas competentes em matéria do património cultural (o IPPC, o IPPAR, o IGESPAR e hoje a DGPC) tiveram competência legal em matéria de atribuição de benefícios fiscais; 11.ª Às sucessivas autoridades administrativas competentes em matéria do património cultural competiu sempre encetarem os procedimentos de classificação patrimonial dos imóveis, findos os quais cabia ao Governo decidir classificar os imóveis e, consequentemente, mandar publicar o respetivo diploma classificador no Diário da República; 12.ª Apesar das sucessivas remodelações e redenominações das referidas autoridades administrativas em matéria do património cultural, competiu sempre à DGCI, à DGI e atualmente à AT a atribuição e a fiscalização dos benefícios fiscais em matéria do património cultural, como, aliás, em geral relativamente a qualquer benefício; 13.ª É falso que a entidade que procede à classificação, ao delimitar a área classificada, determina quais são os prédios, na aceção fiscal do termo, abrangidos pela classificação; 14.ª Além de falso, era objetivamente impossível, dado que as frações dos autores inserem-se num edifício construído depois de 1983, sendo que a classificação da fachada ocorreu pelo Decreto 8/83, leia-se um diploma publicado em 1983; 15.ª Todo e qualquer ato administrativo de classificação de um imóvel dotado de valor cultural projeta-se sobre a realidade existente à data da classificação e nunca a uma realidade que pura e simplesmente não existe; 16.ª Os argumentos suscitados em torno da “Baixa Pombalina” e da lista indicativa do “Património da Humanidade” nunca foram alegados na 1.ª instância, sendo que o instituto dos recursos não permite a alegação de factos que os Recorrentes podiam, mas não quiseram ou conseguiram alegar oportunamente; 17.ª Não compete aos Recorrentes, à Recorrida ou a este Tribunal Superior emitir juízos sobre a justificação da classificação patrimonial aqui em causa, mas sim à autoridade administrativa competente, sendo que a sua apreciação jurisdicional cabe estritamente ao plano do contencioso administrativo, e não ao contencioso tributário; 18.ª As muralhas fernandinas e a fachada do “Teatro Ginásio” são duas realidades jurídica e culturalmente distintas e tanto assim que é foram classificadas em momentos diferentes e por diplomas classificadores distintos e espaçados no tempo; 19.ª Logo, as realidades urbanísticas construídas (i.e., as frações) depois de 1910 e de 1983 não têm o condão de se tornarem, elas próprias, “Monumentos Nacionais” e/ou “Imóveis de Interesse Público”; 20.ª Basta atentar ao acórdão proferido pelo TCAS no âmbito do processo n.º 1001/07.3BELRS para se demonstrar que a falsidade da “teoria da conspiração” em torno de um alegado tratamento desigual da Recorrida para com os Recorrentes, dado que a referida decisão teve precisamente por objeto frações situadas no mesmo prédio, mas propriedade de outro sujeito passivo; 21.ª Ainda que existisse a propalada desigualdade, tais pretensas isenções nunca poderiam aqui impor a prática de um ato contrário à lei, ou seja, não podem os Recorrentes pretender igualdade na ilegalidade; 22.ª Ao alegar que o tribunal a quo falhou ao entender que apenas a fachada está classificada e que tal classificação não se transmite às frações, os Recorrentes revelam a confusão que neles existe entre o conceito de “Imóvel” patente no Direito do Património Cultural e o conceito de “Prédio” patente no Direito Civil e no Direito Fiscal; 23.ª O conceito de “Imóvel” (utilizado no Direito do Património Cultural) é mais amplo do que o conceito de “Prédio” (utilizado no Direito Civil e no Direito Fiscal); 24.ª Nem todas as realidades patrimoniais são prédios: um menir, uma anta, pelourinho ou uma paisagem cultural não são “Prédios”, mas sim “Imóveis”; 25.ª Uma fachada constitui um “Imóvel” do ponto de vista do Direito do Património Cultural, mas não é um “Prédio” à luz dos vigentes Código Civil e CIMI, porque lhe faltam os elementos patrimonialidade e rentabilidade fiscal ou valor económico; 26.ª Nem mesmo a circunstância de uma fração autónoma confinar com uma fachada classificada tem o condão de as transformar num Imóvel de Interesse Público; 27.ª A razão de ser do artigo 6.º-g) do CIMT é isentar “Prédios” que sejam efetivamente prédios fiscais, e nunca isentar realidades que não são “Prédios” (v.g., um menir, uma anta, pelourinho), pois dessa forma seriam colocados em causa princípios fundamentais como a capacidade contributiva, a igualdade fiscal e a justiça fiscal; 28.ª Apesar de a fachada ser um “Imóvel”, ela não reúne os predicados de “Prédio” para os efeitos do artigo 2.º do Código do IMI e, como tal, naturalmente que não pode usufruir da isenção prevista no artigo 6.º-g) do EBF, uma vez que ambos os artigos fazem depender o seu funcionamento do requisito de “Prédio”, como já entendeu o TCAS no âmbito dos processos n.º 1001/07.3BELRS e n.º 940/09.1BELRS; 29.ª A circunstância de o tribunal a quo não ter dado como provado que «(…) tenham reconhecido a isenção de IMT de outras frações do mesmo prédio onde se encontram as frações “S” e “T”, nomeadamente no processo nº ............. da DSIMT» em nada atinge a economia da decisão; 30.ª Não é o facto de uma ou mais frações terem usufruído de isenção de IMT que, por si só, determina, automaticamente, o direito à mesma isenção por parte de outros proprietários, designadamente os Recorrentes, uma vez que não há igualdade na ilegalidade; 31.ª É perfeitamente inócuo o pretenso erro do tribunal a quo, uma vez que, no plano da substância da isenção, quer a Lei, quer a Doutrina, quer a Jurisprudência emanada no TCAS apontam inequivocamente para a legalidade da decisão da Recorrida; 32.ª Motivos pelos quais deve manter-se na ordem jurídica a sentença ora colocada em crise. Termos em que, por todo o exposto supra e sempre com o douto suprimento de V.Exas., deve ser negado provimento ao recurso interposto, mantendo-se a decisão proferida pelo Tribunal a quo, fazendo-se assim a costumada JUSTIÇA.” *** O Exmo. Procurador-Geral Adjunto do Ministério Público junto deste Tribunal Central Administrativo, ofereceu aos autos o seu parecer no sentido da improcedência do recurso.*** Foram colhidos os vistos legais.*** Delimitação do objeto do recursoConforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, em consonância com o disposto no art. 639º do CPC e art. 282º do CPPT, são as conclusões apresentadas pelo recorrente nas suas alegações de recurso, a partir da respetiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objeto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer, ficando, deste modo, delimitado o âmbito de intervenção do Tribunal ad quem. No caso que aqui nos ocupa, as questões a decidir consistem em saber:
*** II – FUNDAMENTAÇÃO- De facto A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos: “Compulsados os autos e analisada a prova produzida, dão-se como provados, com interesse para a decisão, os factos infra indicados: A) Em 20.06.2015 os Autores apresentaram junto do SF de Lisboa 3 três pedidos de isenção de IMT ao abrigo do disposto no artigo 6º, alínea g) do CIMT, com referência à fração autónoma designada pelas letras "AW" (escritório), do prédio inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Sacramento sob o artigo 2.........º, e às frações designadas pelas letras “S” e “T” (estacionamentos) do prédio inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Santa Justa sob o artigo 1........., com valor patrimonial tributário de 8.006,45€ cada (cfr. fls. 9 de cada um dos pedidos de isenção constantes do PAT). B) Juntamente com os pedidos referidos na alínea antecedente referentes às frações “S” e “T” do prédio inscrito sob o artigo 1….., os Autores juntaram duas certidões emitidas pelo IPPAR (Instituto Português do Património Arquitectónico) em 06.04.2005, que atestavam para efeitos de «instrução de processo para obtenção de benefícios fiscais ... » que “a classificação como imóvel de interesse público (IPP) abrange apenas a fachada (fachada do teatro ginásio)”, mais se mencionando que «o imóvel é atravessado por um troço das cercas de Lisboa, classificadas como MN pelo Decreto de 16-06-1910, publicado a 23-06-1910» (cfr. fls. 36 a 39 dos autos cujo teor se dá por integralmente reproduzido) C) Juntamente com o pedido referidos em A), referente à fração “AW” do prédio inscrito sob o artigo 221º, os Autores juntaram uma certidão emitida pelo IPPAR (Instituto Português do Património Arquitectónico) em 06.04.2005, que atestava apenas para efeitos de autorização de transmissão onerosa do direito de propriedade, que o imóvel não se encontrava classificado, apenas estando abrangido por servidão administrativa do património cultural, conforme Decreto nº 67/97, de 31.12 (ZP do edifício onde se encontra instalado o Café “A..........”) (cfr. fls. 40 e 41 dos autos cujo teor se dá por integralmente reproduzido). D) Por escritura de 21.06.2005 os Impugnantes, casados entre si no regime da separação de bens, adquiriram por compra, na proporção de metade para cada um, a fração autónoma designada pelas letras "AW" (escritório), do prédio inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Sacramento sob o artigo 2........., com valor patrimonial tributário de 183.816,00€, e as frações designadas pelas letras “S” e “T” (estacionamentos) do prédio inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Santa Justa sob o artigo 1........., com valor patrimonial tributário de 8.006,45€ cada (cfr. escritura de compra e venda a fls.13 a 20 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido). E) seguinte: Consta da escritura referida na alínea antecedente, de entre o mais, o seguinte: “EXIBIRAM: Para a fracção "AW”: - certidão emitida na dita Conservatória, em 30 de Março de 2005, da qual consta e verifiquei os citados números da descrição e inscrições prediais; - certidão de teor, emitida pelo Serviço de Finanças de Lisboa - 3 Bairro, em 10 de Janeiro de 2005, da qual verifiquei o citado artigo matricial e o valor patrimonial; (...) - declaração emitida pelo IPPAR, Instituto Português do Património Arquitectónico, Direcção Regional de Lisboa, em 6 de Abril de 2005, da qual consta que o imóvel está abrangido por servidão administrativa do património cultural, conforme Decreto 67/97, de 31 de Dezembro de 1997 (ZP do Edifício onde se encontra instalado o café “A.........."), não está classificado e ainda a autorização do mesmo na transmissão onerosa do direito de propriedade, porque ponderadas as circunstâncias do negócio, o IPPAR não pretende exercer o direito de preferência nesta transacção; (...) Para as fracções “S”, “T” e “LS”: - certidão emitida na dita Conservatória, em 7 de Abril de 2005, da qual consta e verifiquei os citados números da descrição e inscrições prediais; - três certidões de teor, emitidas pelo Serviço de Finanças de Lisboa - 3 Bairro, em 31 de Março de 2005, das quais verifiqueis os citados artigos matriciais e os valores patrimoniais; (...) - três declarações emitidas pelo IPPAR, Instituto Português do Património Arquitectónico, Direcção Regional de Lisboa, em 6 de Abril de 2005, das quais constam que os imóveis estão abrangidos por servidão administrativa do património cultural, conforme Decreto 8/83, de 24 de Janeiro de 1983 (ZP da Fachada do Teatro Ginásio), é atravessado por um troço das cercas de Lisboa, classificados em MN pelo Decreto de 16-06-1910, publicado em 23-06-1910, está classificado como IIP pelo Decreto 8/83 de 24/01/1983 (Fachada do Teatro Ginásio) e ainda a autorização do mesmo na transmissão onerosa do direito de propriedade, porque ponderadas as circunstâncias do negócio, o IPPAR não pretende exercer o direito de preferência nestas transacções”. F) Por despachos proferidos em 30.05.2013 peça Diretora de Serviços do IMT, foram os pedidos de isenção referidos em A) indeferidos, com fundamento na não classificação dos prédios no seu todo como de interesse público (cfr. fls. 22 a 35 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido). G) Notificados os Autores das decisões referidas na alínea antecedente, os mesmos apresentaram em 10.12.2013 a presente ação (cfr. fls. 3 dos autos). *** A decisão recorrida consignou como factualidade não provada o seguinte:“Factos Não Provados: 1 – Não foi provado que a AT tenha reconhecido a isenção de IMT de outras frações do mesmo prédio onde se encontram as frações “S” e “T”, nomeadamente no processo nº ........... da DSIMT (ponto 25 da p.i.). **** Não se provaram outros factos com interesse para a decisão da causa.” * A decisão da matéria de facto fundou-se no seguinte: “Quanto aos factos provados a convicção do Tribunal fundou-se na prova documental junta aos autos e no processo administrativo. O facto dado como não provado resulta do documento nº 8 junto com a p.i., como sustento daquele facto invocado no ponto 25 da p.i., não constituir uma decisão definitiva praticada pelo Diretor de Finanças Adjunto de Lisboa, mas apenas uma proposta de decisão, uma vez que não era sequer a entidade competente para tomar a referida decisão.” *** Como decorre das conclusões Z) a CC) do recurso pretendem os recorrentes que seja dado como provado e, consequentemente, retirado da matéria de facto não provada que a AT já havia reconhecido a isenção de outras facções do mesmo imóvel, indicando como sustentação desse facto o documento nº 8 junto com a p.i..Como ensina António dos Santos Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2018, pág. 169, atento o disposto no art.º 640.º do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT, a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto caracteriza-se pela existência de um ónus de alegação a cargo do Recorrente que não se confunde com a mera manifestação de inconformismo com tal decisão. Deste modo, o regime concernente à impugnação da decisão relativa à matéria de facto impõe ao Recorrente o ónus de especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considere incorrectamente julgados [vide, al. a) do nº 1 do art.º 640º do CPC]; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impõem, em seu entender, decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida [cfr. art.º 640.º, n.º 1, al. b), do CPC], sendo de atentar nas exigências constantes do n.º 2 do mesmo art.º 640.º do CPC; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas [cfr. art.º 640.º, n.º 1, al. c), do CPC]. Significa isto que não basta ao Recorrente manifestar, de forma não concretizada, a sua discordância com a decisão da matéria de facto efectuada pelo Tribunal a quo, impondo-se-lhe os ónus supra mencionados. Por outro lado, cumpre ainda referir que nem todos os factos alegados pelas partes, ainda que provados, carecem de integrar a decisão atinente à matéria de facto, porquanto apenas são de considerar os factos cuja prova (ou não prova) seja relevante face às várias soluções plausíveis de direito. Finalmente, importa distinguir entre factos provados e meios de prova, sendo que uns não se confundem com os outros. Transpondo estes conceitos para o caso dos autos, verifica-se que os Recorrentes cumprem o seu ónus, uma vez que indicam qual o facto que pretendem ver aditado à matéria de facto, indicando os meios de prova que, na sua opinião o sustentam, bem como indicam os concretos factos que considera incorrectamente julgados, pelo que se irá proceder à apreciação do requerido. Acontece, porém, que compulsado o documento mencionado, verifica-se que o mesmo não produz a prova pretendida. Na verdade, o documento nº 8 junto com a p.i., é um documento donde consta o pedido de isenção de IMT para a fracção “JH” do prédio inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 1........., da freguesia do Sacramento, Concelho de Lisboa, mas o despacho junto aos autos é da Direcção de Finanças de Lisboa e limita-se concordar com o parecer e a ordenar a remessa do processo para a Direcção de Serviços competente. Ou seja, o despacho junto não constitui o despacho final do procedimento. Consequentemente, o documento em questão não tem a virtualidade de efectuar a prova pretendida pelos Recorrentes, pelo que se rejeita a impugnação da matéria de facto. *** - De DireitoA questão suscitada nos presentes autos consiste em saber se a fracção autónoma "AW" do prédio inscrito na matriz predial da freguesia de Sacramento sob o artigo 2.........º, por a mesma se encontrar inserida na zona de protecção do edifício onde se encontra instalado o café “A..........” e as fracções autónomas “S” e “T”, do prédio inscrito na matriz da freguesia de Santa Justa, concelho de Lisboa, sob o artigo 1........., podem usufruir de isenção de IMT, ao abrigo do disposto no art. 6º, al. g) do CIMT, em virtude da fachada do edifício onde se inserem as últimas ter sido objecto de classificação pelo Decreto n.º 8/83, como imóvel de interesse público. Em sede do presente recurso, vêm os Recorrentes imputar à decisão sob escrutínio, como já vimos, diversos erros de julgamento de Direito, desde logo porque entendem que existe identidade entre a fachada objecto de classificação e as fracções autónomas que constituem o edifício, no caso das fracções “S” e “T”, e ainda por entenderem que o acto de classificação da fachada dum edifício tem de abranger as partes restante do edifício. No caso da fracção “AW” por a mesma estar inserido numa zona de interesse cultural. Sobre a matéria que aqui nos ocupa, já este TCAS se pronunciou no acórdão de 20/02/2020, tirado no processo nº 1001/073BELRS, com o qual concordamos sem reservas, que tratou da questão da isenção de IMT de diversas fracções do imóvel inscrito na matriz predial sob o artigo 1........., da freguesia de Santa Justa, pelo, em consonância com o disposto no art. 8º, nº 3 do Código Civil e por forma a obtermos uma interpretação e aplicação uniformes do direito, se acolhe a posição ali sustentada que se passa a transcrever: “A isenção de IMT que a Recorrente reclama encontra-se consignada no artigo 6.º, alínea g), que à data preceituava sob a epígrafe de “isenção de IMT” que ficam isentos de IMT: “as aquisições de prédios classificados como de interesse nacional, de interesse público ou de interesse municipal, ao abrigo da Lei nº 107/2001, de 8 de setembro”. Consignando, por seu turno, o artigo 10.º, nº1, nº2, alínea c), relativamente ao reconhecimento das isenções que: “1 - As isenções são reconhecidas a requerimento dos interessados, a apresentar antes do ato ou contrato que originou a transmissão junto dos serviços competentes para a decisão, mas sempre antes da liquidação que seria de efetuar. 2 - O pedido a que se refere o n.º 1 deve, quando for caso disso, conter a identificação e descrição dos bens, bem como o fim a que se destinam, e ser acompanhado dos documentos para demonstrar os pressupostos da isenção, designadamente: c) No caso a que se refere a alínea g) do artigo 6.º, de documento emitido pelo serviço competente do Ministério da Cultura;” No concernente à definição de prédio para efeitos de IMT, importa ter presente o artigo 1.º, nº 2, o qual remete, expressamente, para o CIMI, sendo, assim, de convocar o consignado no artigo 2.º do CIMI, que sob a epígrafe de “conceito de prédio” dispõe: 1 - Para efeitos do presente Código, prédio é toda a fração de território, abrangendo as águas, plantações, edifícios e construções de qualquer natureza nela incorporados ou assentes, com carácter de permanência, desde que faça parte do património de uma pessoa singular ou coletiva e, em circunstâncias normais, tenha valor económico, bem como as águas, plantações, edifícios ou construções, nas circunstâncias anteriores, dotados de autonomia económica em relação ao terreno onde se encontrem implantados, embora situados numa fração de território que constitua parte integrante de um património diverso ou não tenha natureza patrimonial. (…) 4 - Para efeitos deste imposto, cada fração autónoma, no regime de propriedade horizontal, é havida como constituindo um prédio.” Ora, da interpretação conjugada de tais preceitos legais, resulta que há lugar à isenção de IMIT caso o prédio tenha sido classificado como de interesse público, sendo certo que para efeitos de prédio ter-se-á de atender, como visto, à definição contemplada no artigo 2.º do CIMI, dele dimanando que o conceito fiscal de prédio é mais abrangente que o conceito civilístico contemplado no artigo 204.º do CC. Com efeito, atentando no citado normativo, resultam, em termos fiscais, três requisitos para efeitos de preenchimento do aludido conceito: a saber, a estrutura física, a patrimonialidade e o valor económico. Doutrina, neste particular, J. Silvério Mateus e L. Corvelo de Freitas [1]: “O elemento físico vem definido pela referência a "toda a fracção de território", abrangendo as águas, plantações e construções de qualquer natureza nela incorporadas ou assentes com carácter de permanência No plano jurídico, a relevância é atribuída à patrimonialidade. O bem, no sentido físico, deve ser passível de integração no património de uma pessoa singular ou colectiva. Por falta deste requisito da patrimonialidade, não integram o conceito fiscal de prédio os bens do domínio público -justamente por não serem susceptíveis de apropriação privada O requisito do valor económico encontra-se, naturalmente, associado ao requisito da patrimonialidade, decorrendo daí a susceptibilidade de gerar rendimentos ou outro tipo de utilidades para o seu titular.” Feitos estes considerandos, vejamos o que resulta do recorte probatório dos autos: A 24 de janeiro de 1983, mediante publicação no Decreto-Lei n 8/83, foi classificado como imóvel de interesse público no distrito de Lisboa, Concelho de Lisboa, o seguinte: “Teatro ..... (fachada), na Rua ....., ....., em Lisboa”. A 23 de outubro de 2006, foi emitido documento pelo IPPAR, relativamente aos imóveis identificados na alínea F) do probatório, da qual resulta a seguinte certificação: “ Certifico que o imóvel está classificado como III pelo Decreto 8/83, de 1983/01/24-Fachada do Teatro ..... na Rua ..... nº ...... Certifico que o imóvel identificado em B e B1 está abrangido por servidão administrativa do património cultural: O Imóvel é atravessado por 1 troço de cercas de Lisboa, MN- Decreto de 16/06/1910”. Ora, face ao supra aludido resulta, contrariamente, ao defendido pela Recorrente que as frações autónomas identificadas no acervo fático dos autos não foram classificadas como imóveis de interesse público, mas tão-só a fachada do prédio. Note-se que não são realidades confundíveis as frações autónomas e a fachada, desde logo, porque cada fração autónoma constitui, conceptualmente, um prédio urbano. Neste particular, importa ter presente que segundo o disposto no artigo 1415.º do CC, “Só podem ser objeto de propriedade horizontal as frações autónomas que, além de constituírem unidades independentes, sejam distintas e isoladas entre si, com saída própria para uma parte comum do prédio ou para a via pública.” Sendo que, para efeitos fiscais, como visto, cada fração autónoma constitui um prédio. De relevar, neste particular, que nos termos do artigo 92.º, nº1 do CIMI “a cada edifício que se encontre constituído em regime de propriedade horizontal correspondente uma só inscrição matricial” densificando o nº2 do citado normativo que a “cada umas das frações autónomas pormenorizadamente descrita e individualizada pela letra maiúscula que lhe competir segundo a ordem alfabética[2].” É certo que, como sustenta a Recorrente, a fachada integra o prédio, mas a verdade é que tal não determina que a sua classificação de “interesse público” seja extensível às frações que como o próprio nomen juris são autónomas. Note-se que, a certidão do IPPAR é clara e inequívoca fazendo menção que só a fachada é considerada de interesse público, pelo que não pode o intérprete daí extrair uma conclusão dela não constante. De relevar, inclusive, que se atentarmos no Decreto do Governo nº 8/83, de 24 de junho e fizermos um confronto com outras classificações dela constantes, verificamos que caso fosse intenção do legislador classificar o imóvel, entenda-se como um todo, de interesse público, tê-lo ia feito de forma expressa e inequívoca à semelhança do que realizou para outros edifícios e para outros prédios no qual é feita expressa alusão “incluindo a sua decoração interior”, “incluindo o seu recheio”, “e ainda a fachada palaciana, incluindo a fonte monumental”. Assistindo, assim, razão à Recorrida quando defende que da leitura da certificação do IPPAR (documento que legitima e fundamenta o pedido de isenção de IMT) resulta, inequivocamente, que o imóvel classificado é a “fachada” do Teatro ....., não se enquadrando, assim, no conceito de prédio, que assenta, como visto, nos evidenciados três requisitos essenciais: estrutura física, patrimonial idade e valor económico, apenas verificáveis no conjunto das partes que o compõem. Sem embargo da fachada de um prédio ser parte estrutural do mesmo-em ordem ao consignado no artigo 1421.º, nº1, alínea a), do CC, a fachada de um prédio e o revestimento da estrutura das fachadas constituem partes comuns do edifício, por constituírem paredes mestras e se integrarem na estrutura do prédio-, a verdade é que não pode ser passível de confusão, em termos fiscais, com o prédio no seu todo. Até porque a mesma é excluída da propriedade singular, sendo impossível de ser atribuído o seu uso exclusivo a qualquer das frações, quer pelo título constitutivo, quer por modificação posterior nos termos do artigo 1419.º do CC. De relevar, outrossim, que não se aquiesce, de todo, que tal interpretação possa determinar qualquer violação da Lei nº 107/2001, de 8 de setembro, mormente dos evidenciados artigos 15.º, nº4, 18.º, nº 1, 21.º, 36.º, 37.º, 41.º, 45.º,46.º, 60.º, nº1, 97.º, 98.º. De relevar, desde já, que a Recorrente não substância, conforme era seu ónus, de que forma existe a aludida preterição, limitando-se a invocar os normativos legais, sem qualquer materialização da alegada violação. De todo o modo, não se afigura qualquer violação dos aludidos normativos legais. Senão vejamos. A aludida Lei estabelece as bases da política e do regime de proteção e valorização do património cultural, contemplando o citado artigo 15.º, nº4 da aludida Lei que “Um bem considera-se de interesse nacional quando a respetiva proteção e valorização, no todo ou em parte, represente um valor cultural de significado para a Nação.”, porém o facto de tal normativo contemplar a menção expressa a valorização no todo ou em parte, nada permite inferir no sentido de que sendo atribuída uma classificação, em parte, à fachada a mesma comungue para todas as frações autónomas que dela integram. Ademais, importa ter presente que, in casu, a classificação foi de interesse público à qual é aplicável não o nº 4, mas o número subsequente o qual estatui que: “5 - Um bem considera-se de interesse público quando a respetiva proteção e valorização represente ainda um valor cultural de importância nacional, mas para o qual o regime de proteção inerente à classificação como de interesse nacional se mostre desproporcionado.” Com efeito, o reconhecimento do valor cultural de um bem através da classificação implica responsabilidades de proteção acrescidas, incluindo uma avaliação rigorosa das propostas de intervenções e obras, que devem pautar-se pela preservação dos elementos que conferem aos bens interesse patrimonial. Logo, se foi atribuído interesse público apenas à fachada é porque foi, efetivamente, ponderada e devidamente valorada a necessidade singular da sua proteção e preservação. De relevar, outrossim, que não se vislumbra que a interpretação sufragada pelo Tribunal a quo, tenha violado os demais artigos, sendo que o artigo 18.º, nº1 reporta-se ao ato final do procedimento de classificação e ao seu trâmite, o normativo 21.º aos deveres especiais dos detentores, o 36.º ao dever de comunicação da transmissão e o 37.º ao direito de preferência, pelo que não se vislumbra de que forma o juízo de entendimento preconizado pela 1ª instância tenha violado tais preceitos legais, aliás as questões nele regulamentadas, nem tão-pouco, são controvertidas na presente lide. O mesmo se refira quanto ao artigo 41.º, que se reporta às inscrições e afixações, ao artigo 45.º, cujo âmbito objetivo se coaduna com os projetos, obras e intervenções e ao normativo 60.º que se coaduna com uma disposição residual atinente ao registo patrimonial das classificações. Uma última nota, quanto aos normativos 97.º e 98.º, os quais se reportam aos benefícios e incentivos fiscais e aos emolumentos notariais deles se extratando que a “A definição e estruturação do regime de benefícios e incentivos fiscais relativos à proteção e valorização do património cultural são objeto de lei autónoma.”, e bem assim que “Os atos que tenham por objeto bens imóveis ou móveis classificados, bem como a contração de empréstimos com o fim da respetiva aquisição, estão isentos de quaisquer emolumentos registrais e notariais.” Ora, face a todo o exposto conclui-se que inexiste a violação dos convocados normativos legais. De sublinhar, a final, que o Tribunal a quo não realizou qualquer integração analógica ou interpretação normativa que mereça censura em nada restringindo ou estendendo o seu alcance, donde, que exista uma violação do convocado artigo 9.º, do CC e bem assim dos artigos 2.º, nº1 e 9.º do EBF. De relevar, igualmente, que o facto de o imóvel estar atravessado por um troço de cercas de Lisboa, e, nessa medida, abrangido por servidão administrativa do património cultural, não permite, igualmente, subsumir a realidade fática no artigo 6.º, alínea g), do CIMT. Note-se que o termo utilizado é que “o mesmo se encontra atravessado” pelas cercas de Lisboa, e que não que está inserido nas mesmas. Entende-se, assim, que a decisão recorrida é a que melhor se coaduna com a ratio legis da concessão das isenções, até porque, como ensina NUNO SÁ GOMES[3] “a criação dos benefícios fiscais tem que se fundamentar na tutela e prossecução de interesses públicos constitucionalmente relevantes, superiores aos da própria tributação que impedem”. Face a todo o exposto, improcedem na íntegra todos os fundamentos avançados pela Recorrente, devendo, assim, manter-se a decisão recorrida.” No caso dos autos, estão em causa duas fracções do mesmo imóvel, pelo que, com os mesmos fundamentos aduzidos no aresto acabado de transcrever, improcedente terá de ser também o presente recurso. Advogam ainda os Recorrentes que a sentença sob recurso não ponderou o disposto no Decreto-Lei n.º 309/2009, de 23/10, diploma que estabelece o novo procedimento de classificação dos bens imóveis de interesse cultural, bem como o regime das zonas de protecção e do plano de pormenor de salvaguarda. A primeira nota que cumpre dar é a de que o diploma mencionado não se encontrava em vigor à data dos factos, pelo que nenhuma relevância possui para a discussão aqui em apreço. Acresce ainda que o diploma mencionado se limita a estabelecer o procedimento a que as entidades públicas devem obedecer na classificação dos bens culturais imóveis, em nada alterando a classificação jurídica dos mesmos. Vejamos agora a questão da isenção no que respeita à fracção “AW” do edifício inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 2........., da freguesia do Sacramento, concelho de Lisboa. Sobre esta questão, discorreu o Tribunal a quo: “Mas se é assim quanto às frações “S” e “T” do artigo 1........., mais evidente se torna a situação quanto à fração “AW” do artigo 2.........º, na medida em que, como resulta da certidão do IPPAR, o prédio não se encontra sequer classificado, nem no todo, nem em parte, como sendo de interesse público, apenas se encontrando atestado que o mesmo se encontra abrangido por servidão administrativa do património cultural, conforme Decreto nº 67/97 de 31.12, por se encontrar em zona protegida do edifício onde se encontra instalado o Café “A..........”. Consequentemente, claro se torna que não se encontram reunidas as condições para que a aquisição da referida fração beneficie da isenção de IMT nos termos do artigo 6º, alínea g) do CIMT, porquanto as servidões administrativas e as vinculações legais de interesse público que advêm de tais classificações não se projetam sobre o prédio, dado que o ato classificatório não o inclui na sua totalidade e a norma de isenção de IMT refere se a prédios e não a servidões.” E com total acerto. Efectivamente, não existindo qualquer classificação atribuída pelo IPPAR atestando o seu interesse cultural e sendo que sobre o mesmo apenas impende uma servidão administrativa do património cultural, julgou com acerto o Tribunal a quo, pelo que o presente recurso terá de ser julgado improcedente, também nesta parte. Vêm ainda os recorrentes arguir que os imóveis se encontram inseridos na zona da “Lisboa Pombalina” classificadas como conjunto de interesse público, conforme Portaria nº 740-DV/2012, DR, 2ª serie, pelo que não podem restar dúvidas acerca do valor cultural dos mesmos. Este é um argumento novo, nunca antes esgrimido pelos Recorrentes em sede de petição inicial. Consequentemente, nos termos do disposto no art, 635º do CPC não pode ser objecto de apreciação por este Tribunal. Na verdade, como ensina Abrantes Geraldes, in Recursos em Processo Civil, 7ª Edição, Almedina, pág. 141, “As questões novas não podem ser apreciadas no recurso, quer em homenagem ao princípio da preclusão, quer por desvirtuarem a finalidade dos recursos, pois estes destinam-se a reapreciar questões, e não a decidir questões novas, por tal apreciação equivaler a suprimir um ou mais órgãos de jurisdição .” Finalmente vêm ainda os Recorrentes argumentar que esta interpretação é ofensiva do princípio da capacidade contributiva, já que os Recorrentes, enquanto proprietários de prédios urbanos com valor cultural estão sujeitos a encargos financeiros e a procedimentos burocráticos mais gravosos do que os proprietários de imóveis de construção recente. Analisemos. O Princípio da Capacidade Contributiva mais não é do que uma decorrência do Princípio da Igualdade, que encontra consagração genérica no art. 13º da CRP (neste sentido, vide os acórdãos do Tribunal Constitucional nº 57/1995, de 16-02-1995; n.º 437/2006, de 12-07-2006; nº 306/2010, de 14-07-2010; nº 590/2015, de 11-11-2015; nº 620/2015, de 03-12-2015). O que o legislador constitucional pretende com a consagração do princípio que aqui nos ocupa é que todos os cidadãos ou entidades sujeitas a impostos, não possam ser tratados de forma diferente, em situações iguais. Donde a lei fiscal deverá tratar de forma igual o que é igual e de forma diferente o que é diferente (vertentes positiva e negativa do princípio da igualdade). No entanto, não basta que exista um tratamento igual de factos relevantes à luz da mesma capacidade contributiva, mas, também, que aqueles factos ou indícios sejam reveladores de uma capacidade contributiva distinta e, deste modo, sejam tratados de forma diferente, o que, no fundo significa um afloramento do Princípio da Proporcionalidade. Assim, este princípio da capacidade contributiva funciona como um pressuposto e como critério de tributação. Por um lado, impede que a tributação atinja uma riqueza que não existe e, por outro lado, impede que possa ser cobrado mais imposto do que aquele que o património dos contribuintes possa suportar. Baixando agora ao caso sub judice, os Recorrentes não concretizam em que situações é que poderia existir violação do princípio aqui tratado. Limitam-se a alegar, de forma vaga e genérica, que a decisão proferida nos moldes em que foi, viola o princípio da capacidade contributiva porque “enquanto proprietários de prédios urbanos com valor cultural e que estão sujeitos a encargos financeiros e a procedimentos burocráticos mais gravosos do que os proprietários de imóveis de construção recente, ficam impedidos de usar o benefício fiscal aqui em causa.” ficando por saber que encargos financeiros são esses que são superiores aos dos demais proprietários e, muito menos, que procedimentos burocráticos serão esses que onerem os Recorrentes de forma distinta dos demais proprietários. Ora, ao não ter invocado qualquer realidade fáctica que permita aferir da mencionada violação, improcedente também terá de ser o presente recurso, nesta parte. * CUSTASNo que diz respeito à responsabilidade pelas custas do presente Recurso, atendendo ao total decaimento dos recorrentes, as custas são da sua responsabilidade. [cfr. art. 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC, aplicável ex vi art. 2.º, alínea e) do CPPT]. *** III- Decisão Face ao exposto, acordam, em conferência, os Juízes da 1ª Sub-Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso. Custas pelos Recorrentes. Lisboa, 19 de Junho de 2024 Cristina Coelho da Silva - Relatora Susana Barreto Tânia Meireles da Cunha |