Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
| Processo: | 947/19.0BELRS |
| Secção: | CT |
| Data do Acordão: | 11/13/2025 |
| Relator: | MARGARIDA REIS |
| Descritores: | IMPUGNAÇÃO JUDICIAL IRS MAIS-VALIAS ALIENAÇÃO DO QUINHÃO HEREDITÁRIO |
| Sumário: | I - A cessão de quinhão hereditário, ainda que a herança seja composta apenas por bens imóveis, não constitui alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis, mas antes transmissão de um direito ideal e abstrato sobre uma universalidade jurídica indivisa, não determinando a aquisição de propriedade de qualquer bem concreto. II - Só com a partilha se concretiza a titularidade do direito de propriedade sobre os bens que couberem ao herdeiro, sendo apenas então possível falar em transmissão de direitos reais sobre imóveis. III - A alienação do quinhão hereditário, por traduzir a transmissão de uma quota ideal na herança, não se encontra abrangida pela norma de incidência constante do artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do Código do IRS, que tributa as mais-valias resultantes da alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis. |
| Votação: | UNANIMIDADE |
| Indicações Eventuais: | Subsecção Tributária Comum |
| Aditamento: |
| 1 |
| Decisão Texto Integral: | I. Relatório M… e M… , inconformados com a sentença proferida em 2023-07-12 pelo Tribunal tributário de Lisboa, que julgou improcedente a impugnação judicial que interpuseram tendo por objeto a liquidação de IRS n.º 2019 5000001614, respeitante ao ano de 2017, no montante de EUR 275.242,22, vêm dela interpor o presente recurso. O Recorrente encerra as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões: D) CONCLUSÕES I- A manutenção “na ordem jurídica” da “liquidação de IRS n.º 2019 5000001614, do ano de 2017” revela-se um entendimento totalmente desconforme com o enquadramento legalmente definido; II- Para sustentar tal entendimento, e após elencar e enquadrar muito acertadamente o regime das sucessões, a douta sentença recorrida chama à colação um douto Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, datado de 11/03/2023, proferido no âmbito do processo n.º 305/11.5BELRS (in www.dgsi.pt), que nada tem que ver com o caso concreto – ali trata-se, apenas, de uma questão relacionada com a tributação de tornas e de uma outra respeitante a isenção de mais-valias obtidas com a venda de prédios anteriores a 1989; III- O que se lavrou, e tem relevância, na escritura de datada de 25/09/2017 (reproduzida no ponto 1, da douta factualidade assente e que constitui o documento 4, junto com a petição inicial da presente acção judicial), foi a “cessão de quinhão hereditário” – tudo o resto trata-se de declarações complementares das quais se retira unicamente que a herança, entre outros bens, era composta pelos imóveis ali identificados e, bem assim, caso se viesse (ou venha, ainda) a verificar a existência de outros bens os mesmos “fazem parte da herança, não podendo os herdeiros vir a exigir à compradora quaisquer outras quantias pela venda dos quinhões hereditários”; IV- Por conseguinte, não é correcto nem exacto consignar-se, como se consigna na douta sentença recorrida, que “a herança apenas era constituída por estes direitos” (ou seja, os bens imóveis ali identificados); V- Com reporte à questão central em discussão nos presentes autos, revela-se indiscutível que não existe norma de incidência para tributação da cessão de quinhão hereditário; VI- A cessão de quinhão hereditário não configura uma transmissão de direito real sobre imóvel – consequentemente, não se podem apurar mais valias e, muito menos, tributar em sede de IRS; VII- Na verdade, “a transmissão de direito à meação e bem assim do direito ao quinhão hereditário fazem operar a passagem para a esfera jurídica dos compradores o conteúdo de um direito abstractamente considerado e idealmente definido, como expressão patrimonial ainda incerta e cujas demarcação e abrangência também se patenteiam inseguras; VIII- O que aos adquirentes destes direitos fica atribuída é a possibilidade de poderem exercer naquela universalidade jurídica o seu direito próprio perante os restantes interessados no “direito à meação” e no “quinhão hereditário”, designadamente legitimando-os a, com vista a concretizar esta sua prerrogativa, se e quando assim o entenderem, darem os passos necessários tendentes a haver para si a quota-parte dos bens determinados que integram tal herança; IX- Enquanto se não constatar a efectiva titularidade de algum (ou alguns) bem concreto que constitui tal universalidade jurídica, os protegidos com esta venda não desfrutam do atinente direito sobre certo e determinado bem – Acórdão do S.T.J., de 09/02/2012, processo n.º 2.752/07.8TBTVD.L1.S1” (in www.dgsi.pt); X- “Enquanto a herança se mantiver indivisa, cada herdeiro é titular de um direito a uma quota de uma massa de bens, que constitui um património autónomo e não um direito individual sobre cada um dos bens que a integram; XI- Assim, porque a alienação … de quinhão hereditário, mesmo que a herança seja apenas constituída por bens imóveis, não pode considerar-se “alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis”, não estão sujeitos a IRS os eventuais ganhos resultantes dessa alienação – Acórdão do S.T.A., de25/11/2009, processo n.º 0975/09, no mesmo sentido Acórdão do S.T.A., de 28/01/2015, processo n.º 0450/14” (in www.dgsi.pt); XII- Pelo que, no caso concreto, não se verificou qualquer omissão e/ou inexactidão praticada pelos sujeitos passivos (a ora recorrente e os seus irmãos) com reporte à sua declaração de rendimentos do ano de 2017;
Termina pedindo: Nestes termos, e pelo mais que Vossas Excelências doutamente suprirão, deve conceder-se provimento ao presente recurso – e, consequentemente: a) Deve revogar-se a douta sentença recorrida, na parte em que considerou a impugnação improcedente; b) e, consequentemente, deve, ser dado provimento ao pedido inicial dos ora recorrentes, revogando-se por douto Acórdão a liquidação de IRS número 2019 5000001614, do ano de 2017, anulando-se em consequência a mesma liquidação; - tudo, com as legais consequências, e assim se fazendo, Justiça! *** A Recorrida não apresentou contra-alegações. *** A Digna Magistrada do M.º Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso. *** Questões a decidir no recurso O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, tal como decorre do disposto nos arts. 635.º nºs 4 e 5 e 639.º do Código de Processo Civil (CPC), disposições aplicáveis ex vi art. 281.º do CPPT, salvo se em causa estiver matéria de conhecimento oficioso por este Tribunal. Assim sendo, no caso em apreço, atentos os termos em que foram enunciadas as conclusões de recurso, há que apurar se a sentença recorrida padece dos erros de julgamento de direito que lhe são imputados pelos Recorrente.
II. Fundamentação II.1. Fundamentação de facto Na sentença prolatada em primeira instância consta a seguinte decisão da matéria de facto, que aqui se reproduz: IV. Fundamentação A. Factos Provados: Consideram-se provados os seguintes factos com interesse para a decisão da causa: 1. Em 25/09/2017 foi outorgada escritura pública de «cessão de quinhão hereditário» com o seguinte teor: «(…) compareceram como outorgantes: PRIMEIROS – G…e mulher T….(…); SEGUNDA – M…., (…); TERCEIROS – M…, e mulher P…(…); QUARTO – M…, (…), que outorga na qualidade de administrador único, e em representação da sociedade anónima “D….- MANAGEMENT AND REAL ESTATE INVESTMENTS, S.A.”, (…). DISSERAM OS PRIMEIRO, SEGUNDA E TERCEIROOUTORGANTES: Que, pela presente escritura, cedem ao quarto outorgante, pelo preço de TRÊS MILHÕES QUATROCENTOS E CINQUENTA E CINCO MIL EUROS, que já receberam, o quinhão hereditário que lhes pertence nas heranças indivisas abertas por óbito de seu pai L….., (…) e de sua mãe A…(…). Mais declararam: Que são os únicos herdeiros das heranças abertas por óbito de seus pais, (…). Que as referidas heranças são compostas, entre outros, pelos seguintes bens imóveis: artigo urbano xxx, da freguesia de Pordb.es, concelho de Lagoa (Algarve); artigo urbano xxx, da freguesia de Vouzela e Paços de Vilharigues, concelho de Viseu;, artigo rústico xxx, da freguesia de Vouzela e Paços de Vilharigues, concelho de Viseu; artigo urbano xxx, da freguesia de Santiago do Cacém, Santa Cruz e São Bartolomeu da Serra, concelho de Santiago do Cacém; um terço do artigo rústico xx, Secção R, da freguesia de Porches, concelho de Lagoa (Algarve); Que se obrigam a caso venha a ser exigida alguma quantia à compradora que corresponda a uma dívida da herança - seja qual for o motivo dessa dívida e desde que a mesma' tenha origem num facto anterior à presente data, pagar essa dívida ou reembolsar a compradora se esta já a tiver liquidado. Que os bens constantes da herança são os que constara do Modelo 1 do IMI, não existindo quaisquer outros e, caso existam, fazem parte da herança, não podendo os herdeiros vir a exigir à compradora quaisquer outras quantias pela venda dos quinhões hereditários objeto da presente escritura. Que o prédio rústico situado no sítio dos Alporchinhos, descrito na Conservatória do RegistoPredial de Lagoa (Algarve) sob o número d………… da, freguesia da Porches, e inscrito na matriz predial rústica da dita freguesia, sob o artigo xx, Secção R, se encontra na posse da herança, e dos de cujus, há mais de cinquenta anos, interruptamente, sendo essa posse pacífica e pública, a qual é transmitida na presente data para a compradora, tendo já sido solicitado à sociedade G…. - Hotéis e Turismo, S.A. a emissão do documento no qual é atestado o referido anteriormente. Nesse contexto, os herdeiros obrigam-se a realizar todas as diligências necessárias à obtenção do documento citado e a entregá-lo à compradora. (…). Documentos (…) comprovativos da liquidação e cobrança do IMT e documento (…) comprovativos da liquidação e cobrança da verba 1.1. da Tabela Geral do Imposto de Selo, ambos relativos à presente transmissão.» - cf. escritura pública a págs. 21 do SITAF; 2. Ao abrigo da ordem de serviço n.º OI201801420 foi realizado procedimento de inspecção tributária aos Impugnantes, em sede de IRS do ano de 2017, tendo sido apurado e concluído o seguinte: «III. DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORREÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS À MATÉRIA TRIBUTÁVEL - Na sequência de ação de controlo às aquisições efetuadas pela sociedade D....- Management and Real Estate Investments SA, NIPC 51…., detetou-se que esta sociedade adquiriu os quinhões hereditários cedidos pelos herdeiros: G...., (…); M…., (…); M…, (…); Na escritura de Cessão de Quinhão Hereditário celebrada em 25/09/2017 pelo valor de €3.455.000,00, os herdeiros anteriormente identificados, declararam-se como sendo os únicos herdeiros das heranças abertas por óbito de seus pais, L…., NIF 1…, que ocorreu em 26/06/2011 (NIF Herança 70…), e A…, NIF 1…., que ocorreu em 21/03/2014 (NIF Herança 7….). Os quinhões hereditários alienados são compostos pelos seguintes bens imóveis: artigo urbano xxx, da freguesia de Porches, concelho de Lagoa (Algarve), ao qual foi atribuído o valor de €3.350.000,00 para efeitos de IMT; artigo urbano xxx, da freguesia de Vouzela e Paços de Vilharigues, concelho de Vouzela, ao qual foi atribuído o valor de €25.000,00 para efeitos de IMT, embora o valor considerado tenha sido o seu valor patrimonial, €25.160,00, nos termos do artigo 12° do Código do IMT; artigo rústico xxx, da freguesia de Vouzela e Paços de Vilharigues, concelho de Vouzela, ao qual foi atribuído o valor de €5.000,00 para efeitos de IMT; artigo urbano xxx, da freguesia de Santiago do Cacém, Santa Cruz e São Bartolomeu da Serra, concelho de Santiago do Cacém, ao qual foi atribuído o valor de €25.000,00 para efeitos de IMT, embora o valor considerado tenha sido o seu valor patrimonial, €25.370,90, nos termos do artigo 12º do Código do IMT; um terço do artigo rústico xxx, secçãoxxx, da freguesia de Porches, concelho de Lagoa (Algarve), ao qual foi atribuído o valor de €50.000,00 para efeitos de IMT. Verifica-se que, com a transmissão a título oneroso (por €3.455.000,00), a favor da D....- Management and Real Estate Investments SA, NIPC 51…, sujeita a IMT, houve uma alteração ao direito de propriedade destes imóveis, que corresponde à quota-parte do património que compunha a herança e que constituía o quinhão hereditário pertencente a cada um dos herdeiros. Nos termos da alínea a) do n° 1 do artigo 10° do Código do IRS, constituem mais-valias sujeitas a tributação, os ganhos obtidos resultantes da alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis. Em consulta ao sistema informático da AT, verificou-se que os herdeiros não declararam a mais-valia obtida no anexo G na declaração de rendimentos modelo 3 de IRS entregue. (…) vai ser apurada a mais-valia total de acordo com o disposto nos artigos 43°, 44°, 45º e 50º do Código do IRS:
Embora na escritura de Cessão de Quinhão Hereditário conste apenas o valor total da transmissão (€3.455.000,00), para apuramento da mais ou menos valia, por imóvel, foram considerados os valores declarados para efeitos de IMT, ou o valor patrimonial, se superior ao declarado, de acordo com o disposto no n.º 2 do artigo 44° do Código do IRS. Nesta situação encontram-se os artigos xxx e xxx. No valor de aquisição consideraram-se os valores patrimoniais à data dos óbitos, nos termos da alínea a) do n° 1 do artigo 45° do Código do IRS, atualizados de acordo com o disposto no artigo 50° do Código do IRS. Por óbito de L…., os três descendentes herdaram 1/2 (1/6 cada) dos artigos xxx, xxx e xxx, sendo os restantes 3/6 herdados por A…. Por óbito desta última, os três descendentes herdaram os 3/6 dos artigos xxx, xxx e xxx (1/6 cada) e os artigos xxx e xxx (1/3 cada), sendo que a autora da sucessão possuía apenas 1/3 do artigo rústico xxx. De acordo com o quadro anterior, a mais-valia total apurada é de €3.330.006,67, pelo que, dividindo a mesma pelos três herdeiros, conclui-se que cada um obteve uma mais-valia de €1.110.002,22. Nos termos do n° 2 do artigo 43º do Código do IRS, o valor do rendimento qualificado como mais valia é considerado em 50% do seu valor, ou seja €555.001,11, constituindo esta a correção a efetuar ao rendimento tributável do Sujeito Passivo. (…). IX- DIREITO DE AUDIÇÃO (…). Face ao que expôs, o SP, na pessoa do seu procurador, conclui que não existe norma de incidência para tributação da cessão de quinhão hereditário, a cessão de quinhão hereditário não configura uma transmissão de direito real sobre imóvel e como tal, não se verifica qualquer omissão e/ou inexatidão praticada na declaração de rendimentos do ano de 2017. Verificou-se que, com a transmissão onerosa, operada através de escritura de Cessão de Quinhão Hereditário, todos os herdeiros apresentaram-se como titulares de um direito que, em conjunto, permitiu a alteração ao direito de propriedade imóveis. Através desta mesma escritura, o comprador adquiriu direitos reais sobre os imóveis transmitidos. O n° 1 do artigo 2050° do Código Civil dispõe que “O domínio e posse dos bens da herança adquirem-se pela aceitação, independentemente da sua apreensão material”. (…). Com efeito, a disposição dos bens da herança, não está dependente de uma partilha, desde que, essa disposição, seja efetuada, conjuntamente por todos os herdeiros, conforme prevê o artigo 2091° n° 1 do Código Civil: “os direitos relativos à herança só podem ser exercidos conjuntamente por todos os herdeiros”. O artigo 2124º do Código Civil estabelece: “A alienação de herança ou de quinhão hereditário está sujeita às disposições reguladoras do negócio jurídico que lhe der causa”... Da moldura jurídica do artigo 2124º, em conjugação com o n.º 1 do artigo 2091º, ambos do Código Civil, resulta que a alienação do quinhão hereditário, sem que exista uma partilha ou especificação de bens, é possível, desde que, realizada conjuntamente com todos os herdeiros. Da aplicação do disposto no artigo 2124º se conclui que a alienação do quinhão hereditário encontra-se sujeito às disposições reguladoras do negócio jurídico que lhe der causa, neste caso, uma transmissão onerosa efetuada através de escritura pública. Refira-se ainda que a transmissão do quinhão hereditário consubstanciou uma verdadeira transmissão de direitos reais sobre bens imóveis (concretos e determinados) que compunham a herança, pois foi precisamente isso que a sociedade compradora adquiriu: os direitos reais, o direito pleno de propriedade dos imóveis que compunham o quinhão hereditário transmitido.» - cf. relatório de inspecção tributária a págs. 112 do SITAF; 3. Em consequência das correcções efecutadas no âmbito do procedimento de inspecção tributária referido no ponto anterior foi emitida, em nome dos Impugnantes, a liquidação de IRS n.º 2019 5000001614, do ano de 2017 no valor total de €275.242,22 - cf. liquidação a págs. 153 do SITAF. Nada mais se provou com interesse para a decisão da causa. * O Tribunal julgou provada a matéria de facto relevante para a decisão da causa com base na análise crítica e conjugada dos documentos constantes dos autos e identificados nos factos provados. * II.2. Fundamentação de Direito Os Recorrentes não se conformam com a sentença, por considerarem que nela se fez uma errada qualificação dos factos, pois a cessão de quinhão hereditário não configura uma transmissão de direito real sobre imóvel, pelo que não se podem apurar mais valias e, muito menos, tributar em sede de IRS, assim se tendo ali feito uma incorreta interpretação e aplicação aos factos do disposto no art. 10.º, n.º 1, alínea a) do CIRS. Têm os Recorrentes razão na sua alegação. Com efeito, a interpretação da norma em questão foi recentemente pacificada pela jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, através do Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário, proferido em2025-04-29, no proc. n.º 033/24.1BALSB, aí se tendo afirmado que a tributação, em sede de mais-valias, não incide sobre a transmissão do quinhão hereditário quando a herança é integrada por bens imóveis, como ocorre no presente caso. Com efeito, a cessão do quinhão hereditário é distinta da alienação do direito de propriedade que o proprietário ou comproprietário detém sobre bens imóveis. Assim, a situação em causa não se enquadra no preceito do CIRS referido, porquanto não ocorreu qualquer transmissão onerosa de direitos reais sobre bens imóveis, resultando do próprio preceito que a incidência tributária recai sobre a “alienação onerosa de direitos reais sobre imóveis” e não sobre a alienação do quinhão hereditário. Deste modo, a referida cessão não está sujeita a tributação em sede de mais-valias, no âmbito do IRS, dado que, com a cessão de quinhão hereditário, se transmite apenas um direito ideal e abstrato sobre a herança. Só com a realização da partilha se estabelece a titularidade concreta do direito de propriedade sobre os bens imóveis que integram a mesma. Assim sendo, por semelhança ao caso em apreço e por economia de meios, visando a interpretação e aplicação uniforme do direito (cf. art. 8.º n.º 3 do Código Civil), aqui se acolhe na íntegra e sem reserva a argumentação jurídica aduzida no supracitado aresto do Pleno da Seção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo proferido em 2025-04-29, no proc. n.º 033/24.1BALSB, que se transcreve no extrato pertinente: (…) Ora, sobre esta questão pronunciou-se, muito recentemente, este Supremo Tribunal, em termos que merecem a nossa adesão e que, por isso mesmo, aqui ora se reproduzem. Assim, por Acórdão de 12 de Fevereiro de 2025, lavrado no Processo n.º 82/19, foi sufragado o entendimento, avesso ao subscrito pela Recorrente, de que “assumindo o cessionário a posição do herdeiro cedente, a qual não corresponde, não se reconduz ou equivale à de proprietário, pois não dispõe nem passou a dispor de direito pleno sobre qualquer bem imóvel (o que se aferirá, sendo caso disso, em sede de futura partilha), evidencia-se que não ocorreu qualquer alienação de bens imóveis, não se verificando a situação prevista na alínea a) do número 1 do artigo 10.º do Código do IRS.” Para tal sentido, estribou-se este Supremo Tribunal na seguinte fundamentação, a qual se subscreve integralmente: “A norma posta em evidência nos autos - art. 10º nº 1 al. a) do CIRS -, na redacção em vigor à data dos factos, determina que “[c]onstituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de: (…) Alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis e afetação de quaisquer bens do património particular a atividade empresarial e profissional exercida em nome individual pelo seu proprietário”. Desde logo, com interesse para a matéria dos autos, cabe notar que, nos termos do art. 2030º nº 2 do C. Civil herdeiro é o “que sucede na totalidade ou numa quota do património do falecido e legatário o que sucede em bens ou valores determinados”, ou seja, o herdeiro sucede no património enquanto universalidade ou sucessor universal, quer seja no seu todo - totalidade do património do de cujus - quer seja numa quota do património do de cujus. Neste ponto, tal como aponta Inocêncio Galvão Telles, Direito das Sucessões, Noções Fundamentais, 6.ª Ed., Coimbra Editora, 1991, pág. 189, diga-se que “em resumo (...) herdeiro é o que sucede no “universum ius” do falecido ou numa quota desse “universum ius”, entendendo por este o património como unidade jurídica. Num caso ou noutro há sucessão universal. A diferença está em que no primeiro caso a universalidade fica a pertencer a um só herdeiro, ao passo que no segundo fica a pertencer a dois ou mais, e então cada um tem uma quota.”. A partir daqui, só é possível a um herdeiro transmitir a sua quota parte na universalidade - universalidade que é o património uno e indiviso do de cujus, conjunto abstrato - enquanto se permanecer em tal indivisão, no sentido de que a alienação do quinhão hereditário só é possível até à partilha da herança, na medida em que, uma vez partilhada a herança (e sendo a partilha o acto pelo qual são adjudicados bens concretos da herança a cada herdeiro para preenchimento do respectivo quinhão) por definição deixa de existir quinhão hereditário, até porque, por efeito da partilha, os bens que tiverem vindo preencher o respectivo quinhão hereditário confundem-se, então, com o património pessoal do herdeiro. Nestas condições, tendo presente o art. 2124º do C. Civil, o que o herdeiro transmite é o direito à herança, o “direito de quinhão hereditário”, que traduz uma quota-parte ideal da herança. Na verdade, tal como refere Rabindranath Capelo de Sousa, Lições de Direito das Sucessões, Vol. II, 2.ª Ed., Coimbra Editora, 1997, pág. 98, “Pela alienação de quinhão hereditário indiviso transfere-se para o adquirente o direito de quinhão em causa, que abrange, v. g., direitos de gestão (art. 2091º do CCiv), direitos à recepção de rendimentos (art. 2092.º, CCiv) e direitos de exigir a partilha e de composição da quota (art. 2101.º, CCiv).(...)”. Com este pano de fundo, o Acórdão deste Supremo Tribunal de 25-11-2009, Proc. nº 0975/09, www.dgsi.pt concluiu que: “I - Enquanto a herança se mantiver indivisa, cada herdeiro é titular de um direito a uma quota de uma massa de bens, que constitui um património autónomo e não um direito individual sobre cada um dos bens que a integram. II - Assim, porque a alienação (…) de quinhão hereditário, mesmo que a herança seja apenas constituída por bens imóveis, não pode considerar-se “alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis”, não estão sujeitos a IRS os eventuais ganhos resultantes dessa alienação. (…)”Com efeito, “(…) só com a partilha é que o herdeiro se torna pleno titular dos direitos (seja qual for a respectiva natureza) que por ela lhe couberem. E, ainda que a herança seja constituída por bens imóveis, só com a partilha passa a ser titular do direito de propriedade (singular ou em compropriedade) sobre eles e nessa qualidade a poder exercer os direitos correspondentes”. Nesta sequência, importa também ter presente o Acórdão deste Supremo Tribunal de 28-01-2015, Proc. nº 0450/14, www.dgsi.pt, onde se ponderou que: “…Como bem se refere na sentença recorrida é entendimento pacífico da doutrina e da jurisprudência, que “enquanto a herança se mantiver indivisa, cada herdeiro é titular de um direito a uma quota de uma massa de bens, que constitui um património autónomo e não um direito individual sobre cada um dos bens que a integram”. (Acórdão do STJ, de 07.05.2009 - Processo nº 08B3572 que aqui seguimos. Em sentido idêntico, entre outros, v. os Acórdãos da Relação do Porto, de 04.03.2002 - Processo nº 0151906 e da Relação de Lisboa, de 12.06.96 - Processo nº 1936 e de 26.11.96 - Processo nº 740.) Efectivamente só com a partilha é que o herdeiro é considerado sucessor único dos bens que lhe foram atribuídos cfr artigo 2119 do CC. Embora cada um dos herdeiros tenha desde a abertura da sucessão direito a uma parte ideal da herança, é apenas com a partilha que esse direito se concretiza tornando certos e determinados os bens que couberem ao herdeiro E só após a partilha é que o herdeiro se torna pleno titular dos direitos que por ela lhe couberem. E, ainda que a herança seja constituída por bens imóveis, só com a partilha passa a ser titular do direito de propriedade sobre eles e nessa qualidade a poder exercer os direitos correspondentes. No caso dos autos, como se referiu, com a cessão foi transmitido o direito ao quinhão hereditário pelo que o que se transmite é, como se refere no Ac. do STJ de 09.02.2012 - Proc. 2752/07.8TBTVD.L1.S1, “um direito abstractamente considerado e idealmente definido, como expressão patrimonial ainda incerta e cujas demarcação e abrangência também se patenteiam inseguras”. Não ocorreu, portanto, uma alienação de imóveis concretamente identificados, até porque só com a realização da partilha seria possível estabelecer a titularidade do direito de propriedade sobre tais imóveis. Como se referiu já no acórdão de 25 11 2009 do STA in processo 0975/09 citado na sentença sob recurso “Assumindo o cessionário a posição do herdeiro cedente a sua situação jurídica não é igual à do proprietário, o qual dispõe de direito pleno sobre o bem que pretende alienar, pelo que não estamos perante a “alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis” a que se refere o citado artº 10º do CIRS. E face à clareza da norma da incidência - artigo 10 do CIRS al a) em causa, não há também que fazer apelo ao critério económico que o artigo 11/3 da LGT consagra, já que a tal subsidariedade só é de acorrer quando persistir dúvida sobre o sentido da norma de incidência a interpretar, o que, aqui, manifestamente, não ocorre. …”. Por outro lado, o Acórdão deste Supremo Tribunal de 15-06-2016, Proc. nº 01863/13, www.dgsi.pt, dá nota que “… constituindo a herança indivisa uma universalidade relativamente à qual não houve ainda partilha de bens (art. 2119° do CCivil), estamos em presença de um «património autónomo» partilhado, em regime de comunhão (e não em compropriedade), pelos co-herdeiros, os quais não detêm qualquer direito próprio sobre cada bem individualizado que compõe a herança indivisa, sendo apenas seus titulares em comunhão. Na expressão do acórdão do STJ, de 21/4/2009, proc. n.º 635/09 «… até à partilha, os herdeiros são titulares, tão somente, do direito “a uma fracção ideal do conjunto, não podendo exigir que essa fracção seja integrada por determinados bens ou por uma quota em cada um dos elementos a partilhar (cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, Cód. Civil Anotado, Vol. III, 2ª ed, pág. 347-348, e Vol. VI, pág. 160, Capelo de Sousa, Lições de Direito das Sucessões, Vol. II, 2ª ed, pág. 90-92, 99 e 126; Revista dos Tribunais, nº 84, pág. 196, nº 87, pág. 126 e nº 88, pág. 95)". Só depois da realização da partilha é que o herdeiro poderá ficar a ser proprietário ou comproprietário de determinado bem da herança. (…) A partilha “converte os vários direitos a uma simples quota (indeterminada) de um todo (determinado) em direito exclusivo de uma parcela determinada do todo” (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. VI, págs. 195 -196 e 203).» …”. Ora, como já ficou dito, o art. 10º nº 1 al. a) do CIRS -, na redacção em vigor à data dos factos, determina que “[c]onstituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de: (…) Alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis e afetação de quaisquer bens do património particular a atividade empresarial e profissional exercida em nome individual pelo seu proprietário”, impondo-se ter presente que a norma de incidência não admite interpretação extensiva nem analógica e o critério económico tem de ter respaldo legal - art. 11º da LGT. Pois bem, a transmissão do quinhão hereditário da herança quando integrada por bens imóveis, como é o caso, é distinta da alienação do direito de propriedade que o proprietário ou o comproprietário detém sobre bens imóveis, o que significa que a situação em causa não se enquadra no citado preceito do CIRS, porquanto, in casu, não ocorreu uma transmissão onerosa de direitos reais sobre bens imóveis, sendo que emerge do preceito em apreço que a norma de incidência tributária incide sobre a “alienação onerosa de direitos reais sobre imóveis” e não sobre o direito ao quinhão hereditário, o que equivale a dizer que a sua alienação em causa não está sujeita a tributação em sede de mais-valias no âmbito do IRS, dado que, com a cessão de quinhão hereditário transmite-se um direito abstractamente considerado e idealmente definido e só com a realização da partilha é que se pode estabelecer a titularidade do direito de propriedade sobre tais bens imóveis. Em suma, alienar um direito sobre um património autónomo (herança) não é a mesma coisa do que alienar um direito de propriedade ou afim sobre um mais imóveis, mesmo que a herança seja constituída apenas por imóveis e não estando a alienação de herança prevista na norma de incidência das transmissões de direitos sobre imóveis não é possível tributá-la em sede de categoria G em IRS por força do princípio da tipicidade da lei fiscal. Diga-se ainda, tal como decidido, que se os efeitos da partilha retroagem à abertura da herança, sendo o herdeiro considerado o sucessor único dos bens que lhe foram atribuídos, significa que todos os demais - incluindo aqueles a que sucedeu (a qualquer título) e aqueles a quem não foram atribuídos os bens - não relevam em matéria de retroactividade da partilha, tendo em atenção a natureza do direito ao quinhão hereditário, enquanto “(…) um direito abstractamente considerado e idealmente definido, como expressão patrimonial ainda incerta e cujas demarcação e abrangência também se patenteiam inseguras” (cfr. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça datado de 9 de fevereiro de 2012 no processo n.º 2752/07.8TBTVD.L1.S1”, de modo que, assumindo o cessionário a posição do herdeiro cedente, a qual não corresponde, não se reconduz ou equivale à de proprietário, pois não dispõe nem passou a dispor de direito pleno sobre qualquer bem imóvel (o que se aferirá, sendo caso disso, em sede de futura partilha), evidencia-se que não ocorreu qualquer alienação de bens imóveis, não se verificando a situação prevista na alínea a) do número 1 do artigo 10.º do Código do IRS, pois que é apenas com a partilha da herança (a qual não é controvertido que não ocorreu) que o direito a uma parte ideal de cada herdeiro se concretiza, tornando certos e determinados os bens que couberem ao herdeiro, de modo que, resulta manifesto que não merece censura o exposto na decisão recorrida, situação que tem um verdadeiro efeito de implosão no que concerne ao presente recurso.” – disponível em www.dgsi.pt.(…) [fim de transcrição]. Assim sendo, e em face do exposto, o presente recurso deve ser julgado integralmente procedente. *** Atento o decaimento da Recorrida, é sua a responsabilidade pelas custas, pelo presente recurso e na 1.ª instância, nos termos do disposto no art. 527.º, n.º 1 e 2 do CPC, aplicável ex vi art. 2.º, alínea e) do CPPT, não lhe sendo devida taxa de justiça pelo presente recurso, visto que nele não contra-alegou (cf. art. 7.º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais – RCP). *** Conclusão: Preparando a decisão, formulamos a seguinte síntese conclusiva: I. A cessão de quinhão hereditário, ainda que a herança seja composta apenas por bens imóveis, não constitui alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis, mas antes transmissão de um direito ideal e abstrato sobre uma universalidade jurídica indivisa, não determinando a aquisição de propriedade de qualquer bem concreto. II. Só com a partilha se concretiza a titularidade do direito de propriedade sobre os bens que couberem ao herdeiro, sendo apenas então possível falar em transmissão de direitos reais sobre imóveis. III. A alienação do quinhão hereditário, por traduzir a transmissão de uma quota ideal na herança, não se encontra abrangida pela norma de incidência constante do artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do Código do IRS, que tributa as mais-valias resultantes da alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis. III. DECISÃO Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção Comum da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, em conceder provimento ao presente recurso, e, em consequência, revogar a sentença recorrida e julgar a impugnação judicial procedente. Custas pela Recorrida, em ambas as instância, não lhe sendo devida taxa de justiça pelo presente recurso. Lisboa, 13 de novembro de 2025 - Margarida Reis (relatora) – Rui A. S. Ferreira – Teresa Costa Alemão. |