Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1523/19.3BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:03/13/2025
Relator:ALDA NUNES
Descritores:NACIONALIDADE
ADOÇÃO NA MAIORIDADE
ART 14º DA LEI DA NACIONALIDADE NA REDAÇÃO DE 2024
Sumário:
Votação:MAIORIA. C/ VOTO VENCIDO
Indicações Eventuais:Subsecção Administrativa Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo – Subsecção Comum do Tribunal Central Administrativo Sul:


Relatório


O Instituto dos Registos e do Notariado, IP, veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo TAF de Almada, a 11.7.2024, na presente ação administrativa instaurada por AA, que julgou a ação totalmente procedente e, em consequência, condenou a entidade demandada a conceder a nacionalidade portuguesa ao autor.


O recorrente alegou e concluiu o recurso nos seguintes termos:

I. A Adoção, de acordo com o disposto no nº 1 do artigo 1973º do CC, constitui-se por sentença judicial, mais se referindo no artigo seguinte quanto aos requisitos gerais:

“Artigo 1974.º

(Requisitos gerais)

1 - A adoção visa realizar o superior interesse da criança e será decretada quando apresente reais vantagens para o adotando, se funde em motivos legítimos, não envolva sacrifício injusto para os outros filhos do adotante e seja razoável supor que entre o adotante e o adotando se estabelecerá um vínculo semelhante ao da filiação.

2 - O adotando deverá ter estado ao cuidado do adotante durante prazo suficiente para se poder avaliar da conveniência da constituição do vínculo.”

II. E, o artigo 5º da LN, constitui a adoção como via aquisitiva da nacionalidade portuguesa, determinando o artigo 16º (Aquisição por adoção) do Regulamento da Nacionalidade Portuguesa (RN) que:

“Adquirem a nacionalidade portuguesa, por mero efeito da lei, os adotados por português.”

POR SEU LADO:

III. Diz-nos o artigo 14º da LN, após a alteração efetuada pela Lei Orgânica n.º 1/2024, de 05/03 que além de lhe ter alterado a redação, lhe acrescentou dois números novos:

a. “Artigo 14.º

Efeitos do estabelecimento da filiação

b. 1 - Sem prejuízo do disposto no número seguinte, só a filiação estabelecida durante a menoridade produz efeitos relativamente à nacionalidade.

2 - Quando a filiação seja estabelecida na maioridade, só pode ser atribuída a nacionalidade originária nos casos em que o estabelecimento da filiação ocorra na sequência de processo judicial ou quando seja objeto de reconhecimento em ação judicial, após o trânsito em julgado da sentença, sem prejuízo do estabelecido em matéria de revisão de decisão estrangeira.

3 - No caso referido no número anterior, a atribuição deve ser requerida nos três anos seguintes ao trânsito em julgado da decisão.”

IV. Com esta alteração, a melhor e mais correta interpretação será no sentido de que o atual nº 1 daquela norma continua a refletir o entendimento anterior de que na sua abrangência se incluem, quer a filiação biológica, quer a filiação adotiva;

V. No entanto, após as alterações levadas a cabo pela Lei Orgânica n.º 1/2024, de 5 de março, aquele nº 1 tem que ser conjugado com os seus nºs 2 e 3.

VI. E, os nºs 2 e 3 daquele artigo 14º da LN referem-se à atribuição da nacionalidade originária, a qual se circunscreve ao artigo 1º da LN, artigo que conjuga o ius sanguinis puro e o ius soli;

VII. Ou seja, o estabelecimento da filiação referida naqueles números 2 e 3 diz respeito, apenas, ao estabelecimento da filiação biológica, a qual pode ocorrer na maioridade e, ainda assim, relevar em sede de nacionalidade portuguesa, nos casos em que tal estabelecimento ocorra por intermédio de processo judicial ou decorra de reconhecimento em ação judicial;

VIII. É, o que decorre, linearmente, dos elementos histórico e sistemático em conjugação com o elemento literal e atento o disposto no artigo 9º do CC quanto à interpretação da norma em causa, a qual é ainda corroborada pela “Exposição de Motivos” constante do Projeto de Lei n.º 133XV, proposto pelo partido socialista (PS) e que esteve na base da 10ª alteração à lei da nacionalidade, levada a cabo pela Lei Orgânica n.º 1/2024;

ATÉ PORQUE:

IX. A atribuição e aquisição são conceitos diferentes, conforme decorre dos artigos 11º e 12º LN, que, com as epígrafes “Efeitos da atribuição” e “Efeitos das alterações de nacionalidade” respetivamente, determinam que a atribuição da nacionalidade portuguesa produz efeitos desde o nascimento, sem prejuízo da validade, das relações jurídicas estabelecidas com base em outra nacionalidade; e, os efeitos das alterações de nacionalidade só se produzem a partir da data do registo dos atos ou factos de que dependem;

X. A aquisição originária (atribuição) abrange dois tipos de situações, num deles a aquisição decorre diretamente da lei, verificados que sejam os pressupostos por esta exigidos, no outro, a lei apenas configura em quadro que poderá determinar a aquisição originária da nacionalidade portuguesa, se e quando um outro elemento – a vontade do interessado - se manifestar nesse sentido;

XI. A aquisição derivada reporta a situações em que a aquisição da nacionalidade portuguesa não retroage à altura do nascimento, vindo a intervir, antes, em momento ulterior da vida do interessado; este tipo de aquisição é mais frágil já que algumas das vias previstas para o efeito – aquisição por efeito da vontade – ficam sujeitas à Oposição que o MP lhes poderá mover, nos temos do artigo 9º da LN; por outro lado, o estatuto que se adquire no caso da aquisição derivada da nacionalidade é mais restrito, nomeadamente quanto aos direitos de natureza

Política.

XII. A adoção do Recorrido, porque decretada por sentença judicial prolatada e transitada em julgado na sua maioridade, não cumpre o disposto no artigo 14º nº 1 da LN o qual, aplicando-se, quer à filiação biológica, quer à filiação adotiva, inviabiliza o pedido por aquele interessado formulado.

XIII. O princípio da igualdade, plasmado expressamente no artigo 13º da Constituição da República Portuguesa e no artigo 6º do CPA não condiciona minimamente a interpretação defendida pelo Recorrente quanto à redação atual do artigo 14º da LN.

NA MEDIDA EM QUE:

XIV. Não podemos esquecer que estamos perante conceitos diferentes e com diferentes efeitos a nível da nacionalidade portuguesa: o artigo 14º nº 1 aplica-se às atribuições e aquisições - entre estas a adoção - e os nºs 2 e 3 aplicam-se ao estabelecimento da filiação biológica - pressuposta pela nacionalidade originária - e, portanto, apenas às vias atributivas da nacionalidade portuguesa consignadas no artigo 1º da LN;

XV. Sendo certo que é na atribuição originária da nacionalidade – e, portanto, em sede de filiação biológica - que faz sentido aceitar a exceção do estabelecimento da filiação na maioridade, nos casos em que existe processo judicial que a estabeleça ou haja reconhecimento judicial da mesma;

XVI. Porque, sendo a adoção o vínculo que, à semelhança da filiação natural, mas independentemente dos laços do sangue, se estabelece legalmente entre duas pessoas nos termos dos artigos 1973.º e seguintes do CC, certo é que, em rota de colisão com o raciocínio vertido na douta sentença de que se recorre, a filiação biológica é a única em causa em sede de atribuição de nacionalidade e, nessa medida a única visada pelos nºs 2 e 3 do atual artigo 14º, sendo que diversamente, a adoção, se traduz apenas numa via aquisitiva da nacionalidade portuguesa, a par das vias aquisitiva por efeito da vontade e das naturalizações;

XVII. Por último, residindo em Portugal o Recorrido poderá adquirir a nacionalidade portuguesa por naturalização, ao abrigo do artigo 6º nº 1 da LN , caso possua cinco anos de residência legal em território nacional e preencha os restantes pressupostos indicados naquela norma e, caso tal pedido de naturalização seja deferido, será de transcrever a certidão original (ou na sua impossibilidade, lavrando-se o assento por inscrição, nos termos do disposto no artigo 50º nº 2 do RN) averbando-se, para além da naturalização, a adoção.

XVIII. Termos em que nos melhores de Direito e com o douto suprimento de V. Exas.:

I. A douta sentença a quo padece de erro grave na interpretação e aplicação do artigo 14º da LN, na sua redação atual ao caso dos autos;

II. Pelo que deve o presente recurso proceder e, em consequência, ser revogada a decisão proferida pelo douto Tribunal a quo, mantendo-se na ordem jurídica portuguesa a decisão de indeferimento do pedido do Recorrido prolatada em 02/08/2019.

O autor contra-alegou o recurso e formulou as conclusões seguintes:

A. Entende o Recorrido que nada há a apontar à sentença recorrida e que o Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada andou bem ao julgar a ação totalmente procedente, pelo que deve ser negado provimento ao recurso interposto, mantendo-se a citada sentença incólume, na ordem jurídica.

B. Sucede que o Recorrente entende que a sentença não interpretou corretamente os n.ºs 2 e 3 do artigo 14.º da LN em face do elemento histórico-sistemático e literal estipulado no artigo 9.º do CC.

C. Segundo o IRN, apesar do n.º 1 do artigo 14.º da LN não distinguir entre filiação biológica e filiação adotiva, os n.ºs 2 e 3 do artigo 14.º da LN, que surgiram com a Lei Orgânica n.º 1/2024, de 5 de março, fazem essa distinção, referindo-se somente à filiação biológica através da atribuição da nacionalidade originária, a qual se circunscreve ao artigo 1.º da LN.

D. No entender do Recorrente, não só a literalidade daqueles dois números que passaram a integrar o artigo 14.º da LN apontam nesse sentido, como o Projeto de Lei n.º 133XV (já junto como DOC. 1 às alegações de recurso) não evidencia qualquer referência ou argumento que possa alterar a única interpretação possível em face, nomeadamente, da literalidade da norma em causa.

E. Ainda de acordo com o entendimento do IRN, o princípio da igualdade não é violado por esta interpretação, dado que estamos perante conceitos diferentes e com diferentes efeitos a nível da nacionalidade portuguesa.

F. Ora, a questão em análise prende-se essencialmente com a interpretação dos n.ºs 2 e 3.º do artigo 14.º da LN, defendendo o Recorrente uma interpretação daquelas normas excessivamente literal, apenas e unicamente com base no elemento literal das mesmas, desconsiderando os restantes elementos e critérios de interpretação que devem ser tidos em conta na interpretação das mencionadas normas. Vejamos.

G. No que respeita a esta interpretação, e ainda que se possa considerar que o elemento literal do artigo 14.º da LN pode indiciar que os n.ºs 2 e 3 se aplicam ao estabelecimento da filiação biológica, torna-se excessivo considerar, como faz o IRN, que o n.º 1 se aplica à filiação biológica e à filiação adotiva, enquanto os restantes apenas se aplicam à filiação biológica.

H. Isto porque, tal interpretação é redundante e carece de sentido, pois, no que respeita à filiação biológica, se por um lado, o n.º 1 do artigo 14.º da LN estipula que só a filiação biológica estabelecida durante a menoridade produz efeitos relativamente à nacionalidade, por outro lado, os n.ºs 2 e 3 estabelecem que, em determinados casos, a filiação biológica estabelecida durante a maioridade pode relevar para a atribuição da nacionalidade originária.

I. Esta interpretação é contraditória, porque leva a que o n.º 2 do artigo 14.º da LN contrarie o estipulado pelo n.º 1 daquela norma: se a filiação biológica estabelecida na maioridade releva, em determinados casos, para a atribuição da nacionalidade originária, então não é só a filiação biológica estabelecida durante a menoridade que produz efeitos relativamente à nacionalidade, pois a estabelecida na maioridade também pode relevar.

J. Acresce que esta interpretação, sufragada pelo Recorrente, não é conforme com a Constituição por ser violadora do princípio da igualdade previsto no artigo 13.º da Constituição, dado que trata de forma diferente e desigual a filiação biológica e a filiação adotiva, sem qualquer fundamento ou justificação.

K. Com efeito, dispondo a lei que os adotados por portugueses adquirem a nacionalidade por mero efeito da lei, visando igualar a situação jurídica daquele que é adotado plenamente à daquele que é filho biológico, não se vislumbra fundamento para se tratar de forma diferente aquilo que a lei trata de forma igual.

L. A própria sentença recorrida o realça - e bem - ao referir que “Ademais, sendo a adoção o vínculo que, à semelhança da filiação natural, mas independentemente dos laços do sangue, se estabelece legalmente entre duas pessoas nos termos dos artigos 1973.º e seguintes, do Código Civil (artigo 1586.º, do Código Civil), as normas do artigo 14.º, da Lei da Nacionalidade, não podem deixar de ser interpretadas no sentido de que abrangem, também, a filiação adotiva, face ao princípio constitucional da igualdade, que postula que se dê tratamento igual a situações de facto essencialmente iguais e tratamento desigual para situações de facto desiguais.” (realces nossos).

M. No mesmo sentido, visando tratar de forma igual a filiação biológica e adotiva, estipulam os artigos 1586.º e 1986, n.º 1, do CC.

N. Posto isto, conclui-se que a interpretação das normas do artigo 14.º da LN não se pode esgotar no seu elemento literal - nem tal é admissível à luz da primeira parte do já mencionado artigo 9.º, n.º 1, do CC - devendo ter-se em conta os restantes elementos e critérios de interpretação existentes.

O. Desde logo, considerando o elemento sistemático e a consequente inserção do artigo 14.º da LN no sistema como um todo, retira-se, por um lado, do abrigo do artigo 5.º da LN e do artigo 16.º do RNP, que os adotados por portugueses adquirem a nacionalidade por mero efeito da lei e, por outro, que, de acordo com os artigos 1586.º, 1986.º, n.º 1, e 2157.º do CC, a lei visa igualar a situação jurídica da filiação adotiva à da filiação biológica.

P. Relativamente ao elemento histórico, do Projeto de Lei n.º 133XV (já junto como DOC. 1 às alegações de recurso) não se retira de modo algum que o n.º 1 do artigo 14.º da LN inclui a filiação biológica e a filiação adotiva, enquanto os n.ºs 2 e 3 apenas incluem a filiação biológica.

Q. É a própria exposição de motivos a reconhecer que existiria um tratamento diferenciado nas situações potencialmente idênticas (de menoridade e maioridade), ao fazer-se depender do momento em que a filiação é estabelecida a relevância dessa filiação para efeitos de atribuição da nacionalidade.

R. Ou seja, tratar de forma diferente a filiação durante a menoridade e a filiação durante a maioridade consubstanciaria um tratamento desigual de situações semelhantes sem fundamento que o justifique, o que poderia violar o princípio da igualdade.

S. Isto porque, o fundamento de que a influência educativa que o progenitor, regra geral, exerce sobre os filhos ocorre durante o período de formação de personalidade destes, isto é, durante a fase da vida em que o caráter de cada um pode ser moldado pela influência de terceiros, desaparecendo, em via de regra, na maioridade, deixou de ser considerado.

T. Desta forma, deixou de se considerar que uma filiação estabelecida depois da maioridade não poderia funcionar como elemento presuntivamente revelador da integração sociológica e psicológica do filho na comunidade nacional do progenitor, pois não só a filiação estabelecida antes da maioridade não é garantia de que o menor beneficia da referida integração sociológica ou psicológica (podendo nem privar com o progenitor de nacionalidade portuguesa), nem o seu estabelecimento após a maioridade é evidência da ausência desses laços.

U. A lógica subjacente (ou os motivos subjacentes) à alteração do artigo 14.º da LN pelo legislador está intrinsecamente ligada a esta alteração de pensamento.

V. E esta alteração de pensamento não só é aplicável à filiação biológica, como também à filiação adotiva.

W. De facto, de acordo com o elemento histórico, a lógica permanece a mesma, seja para a filiação biológica, seja para a filiação adotiva.

X. Por fim, tendo em conta o elemento teleológico, conclui-se que o fim que a norma visa realizar - a intencionalidade subjetiva da regra - é, precisamente, eliminar a desigualdade de tratamento que existia entre filiação na menoridade e filiação na maioridade, independentemente de estarmos perante uma filiação biológica ou adotiva.

Y. Certamente que a intenção do legislador não foi eliminar a desigualdade de tratamento que existia entre filiação na menoridade e filiação na maioridade, apenas no que respeita à filiação biológica, deixando de fora a filiação adotiva, dado que a própria lei salvaguarda e estabelece a igualdade de tratamento entre a filiação biológica e adotiva.

Z. A intenção do legislador foi antes garantir a igualdade de tratamento, em determinadas situações, e no que respeita à filiação biológica e adotiva, da filiação na menoridade e da filiação na maioridade.

AA. Aliás, se assim não fosse, questiona-se qual a justificação e com que finalidade o legislador trataria de forma desigual ambas as filiações (biológica e adotiva), questão a que o próprio IRN não responde.

BB. Assim, sendo a adoção do vínculo que, à semelhança da filiação natural, mas independentemente dos laços de sangue, se estabelece legalmente entre duas pessoas, as normas do artigo 14.º da LN, nomeadamente os n.ºs 2 e 3, de acordo com os elementos e critérios interpretativos supra referidos, têm de ser interpretadas no sentido de que abrangem, também a filiação adotiva, face ao princípio constitucional da igualdade e tal como sufragou – e bem- a sentença recorrida.

Nestes termos, …, deve o presente recurso ser julgado totalmente improcedente, com todas as demais consequências, confirmando-se na íntegra a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada aqui recorrida.


O Ministério Público junto deste Tribunal notificado nos termos e para efeitos do disposto no artigo 146º do CPTA, emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.


Sem vistos, mas mediante envio prévio do projeto aos Senhores Desembargadores adjuntos, vêm os autos a conferência para decidir.


Objeto do recurso:


A questão a decidir neste processo, tal como vem delimitada pelas alegações e conclusões do recurso, é a de saber se a sentença recorrida enferma de erro de julgamento de direito, quanto à interpretação e aplicação do artigo 14º, nº 2 e nº 3 da Lei da Nacionalidade, aprovada pela Lei nº 37/81, de 03/10, na redação da Lei Orgânica nº 1/2024, de 5.3.


Fundamentação


De facto.


Na sentença recorrida foi fixada a seguinte matéria de facto, que não vem impugnada no recurso:

A. «O Autor, AA, nasceu no dia 09.09.1992, em ... (documento de fls. 11, do processo administrativo, remetido pela Entidade Demandada, digitalizado e incorporado nos autos a fls. 231 a 336 - PA).

B. O Autor tem nacionalidade brasileira (documento de fls. 11, do PA).

C. O Autor é filho adotivo do cidadão português BB, nascido a 11 de janeiro de 1967, filho de CC e de DD (documentos de fls. 13, 38 a 41 e 47, do PA).

D. A adoção do Autor pelo cidadão português BB foi decretada por sentença da Vara da Família da Comarca de Criciúma, Poder Judiciário do Estado de Santa Catarina, República Federativa do Brasil, proferida em 25.11.2016, nos autos n.º ...-..., transitada em julgado em 10.2.2017 (documentos de fls. 38 a 41, do PA).

E. Por decisão de 10.11.2018, proferida no processo n.º 1611/18.3..., transitada em julgado em 09.01.2019, o Tribunal da Relação de Lisboa decidiu “conceder a revisão e confirmação da sentença proferida nos autos nº ...-... da Vara de Família da Comarca de Criciúma, Poder Judiciário, Estado de Santa Catarina, República Federativa do Brasil, proferida em 25.11.2016 e transitada em julgado por decurso do prazo que se iniciou em 23.01.2017 e terminou em 10.2.2017, que julgou procedente o pedido de adoção com destituição de pátrio poder peticionado por BB, adotante, e EE, pai biológico, relativamente ao adotando e filho AA, e declarou BB como genitor de AA, decidindo igualmente que este passa a chamar-se AA.” (documentos de fls. 17 e 57 a 60, do PA).

F. Em 05.02.2019, o Autor requereu à Conservatória dos Registos Centrais a atribuição da nacionalidade portuguesa, ao abrigo do disposto no artigo 5.º, da Lei n.º 37/81, de 03 de outubro, por ter sido adotado pelo nacional português BB, dando origem ao procedimento que correu termos na Conservatória dos Registos Centrais sob o n.º ……. (documentos de fls. 1 e 62 do PA).

G. Por despacho de 02.08.2019, proferido no procedimento referido na alínea anterior, o Conservador-Auxiliar da Conservatória dos Registos Centrais indeferiu a feitura do registo de aquisição da nacionalidade portuguesa com fundamento em que a sentença que decretou a adoção foi proferida já na maioridade do Autor “o que contradiz o princípio estruturante da nacionalidade portuguesa constante do art.º 14º da Lei n.º 37/81 de 3 de Outubro.” (documento a fls. 67 e 68, do PA)».

O Direito


Erro de julgamento de direito - artigo 14º, nº 2 e nº 3 da Lei da Nacionalidade, aprovada pela Lei nº 37/81, de 3.10, na redação da Lei Orgânica nº 1/2024, de 5.3.


Em causa nos autos um pedido de aquisição de nacionalidade portuguesa por adoção.


O autor, ora recorrido foi adotado por cidadão de nacionalidade portuguesa.


O vínculo de adoção foi constituído por sentença da Vara da Família da Comarca de Criciúma, Poder Judiciário do Estado de Santa Catarina, República Federativa do Brasil, proferida em 25.11.2016, nos autos nº ...-..., transitada em julgado em 10.2.2017.


A sentença do tribunal estrangeiro foi revista e confirmada por sentença do Tribunal da Relação de Lisboa de 14.11.2018, proferida no processo nº 1611/18.3..., transitada em julgado a 9.1.2019.


Como o autor/ recorrido nasceu a 9.9.1992, o mesmo foi adotado na maioridade, quando tinha 26 anos de idade.


Nos termos do art 5º da Lei da Nacionalidade (ei nº 37/81, de 3.10, alterada pela Lei nº 25/94, de 8.19, pelo DL nº 194/2003, de 8.23 e pelas Leis Orgânicas nº 1/2004, de 1.15; nº 2/2006, de 17.4; nº 1/2013, de 29.7; nº 8/2015, de 22.6; nº 9/2015, de 29.7; nº 2/2018, de 5.7 e nº 1/2024, de 5.3) e dos artigos 1º, nº 1 e 16º do Regulamento da Nacionalidade Portuguesa (DL nº 237-A/2006, de 14.12, alterado pelos DL nº 43/2013, de 1.4; nº 30-A/2015, de 27.2; nº 71/2017, de 21.6; nº 26/2022, de 18.3 e nº 41/2023, de 2.6) o direito a adquirir a nacionalidade portuguesa pelos adotados adquire-se, automática e definitivamente, por mero efeito da lei, a partir da data do trânsito em julgado da decisão que reviu e confirmou a anterior decisão do tribunal estrangeiro que decretou a adoção (ou a partir da data do trânsito da sentença estrangeira para as situações em que o país do tribunal estrangeiro que decretou a adoção esteja abrangido por acordo celebrado com Portugal, que dispense a indicada revisão e confirmação da sentença) – [cfr Ac do TCAS, de 18.6.2020, processo nº 467/08.9...].


Assim, com o trânsito em julgado da decisão de revisão e confirmação da sentença decretada pelo tribunal estrangeiro o adotado adquire, de imediato, o direito à nacionalidade portuguesa.


Os efeitos da aquisição da nacionalidade portuguesa por adoção só se produzem a partir da data do registo (art 12º do RN). Para tanto deve o adotado proceder à declaração para fim de aquisição da nacionalidade, que cumpre ser registada (no registo central da nacionalidade) pela Conservatória dos Registos Centrais (arts 16º, 18º, nº 1, al b) e 22º, nº 2 da LN).


Foi neste momento do procedimento que a Conservatória dos Registos Centrais indeferiu a feitura do registo de aquisição da nacionalidade portuguesa com fundamento em que a sentença que decretou a adoção foi proferida na maioridade do autor e, assim, contrariava o disposto no artigo 14º da LN, na redação em vigor à data da prática do ato (2.8.2019), pela Lei Orgânica nº 2/2018, de 5.7: Só a filiação estabelecida durante a menoridade produz efeitos relativamente à nacionalidade.


A sentença recorrida proferida a 11.7.2024, corretamente, aplicou ao caso o disposto no artigo 14º da Lei da Nacionalidade na redação dada pela Lei Orgânica nº 1/2024, de 5.3, ou seja:


Artigo 14º


Efeitos do estabelecimento da filiação


1 - Sem prejuízo do disposto no número seguinte, só a filiação estabelecida durante a menoridade produz efeitos relativamente à nacionalidade.


2 - Quando a filiação seja estabelecida na maioridade, só pode ser atribuída a nacionalidade originária nos casos em que o estabelecimento da filiação ocorra na sequência de processo judicial ou quando seja objeto de reconhecimento em ação judicial, após o trânsito em julgado da sentença, sem prejuízo do estabelecido em matéria de revisão de decisão estrangeira.


3 - No caso referido no número anterior, a atribuição deve ser requerida nos três anos seguintes ao trânsito em julgado da decisão.


A aplicação ao caso em análise do artigo 14º da Lei da Nacionalidade, na redação que lhe foi dada pela Lei Orgânica nº 1/2024, de 5.3, não vem impugnada.


O mesmo se diga sobre a interpretação do nº 1 do artigo 14º da Lei da Nacionalidade na redação atual - só a filiação estabelecida durante a menoridade produz efeitos relativamente à nacionalidade – aplicável tanto à filiação natural/ biológica como à filiação adotiva.


O recorrente discorda da interpretação feita pela sentença recorrida, do disposto no nº 2 e nº 3 do art 14º da LN na redação de 2024, que entende ser errada em face do elemento histórico-sistemático e literal estipulado no artigo 9.º do CC.


O tribunal a quo decidiu: a norma do n.º 2, do artigo 14.º, da Lei da Nacionalidade, é aplicável aos casos em que o estabelecimento da filiação na maioridade ocorra antes da data da entrada em vigor da Lei Orgânica n.º 1/2024, de 5 de março, contando-se a partir desta data o prazo de três anos previsto no n.º 3, do artigo 14.º, da Lei da Nacionalidade, conforme prevê o artigo 5.º, da Lei Orgânica n.º 1/2024, de 5 de março, tendo este diploma legal entrado em vigor no primeiro dia do mês seguinte ao da sua publicação (artigo 9.º).


A lei não estabelece outros requisitos para aquisição da nacionalidade portuguesa por adoção, para além dos estabelecidos no artigo 14.º, da Lei da Nacionalidade, inserido no Capítulo VI (disposições gerais), que dispõe sobre os efeitos do estabelecimento da filiação sem distinguir, abrangendo a filiação biológica e a adotiva, como, aliás, a Entidade Demandada reconhece.


Ademais, sendo a adoção o vínculo que, à semelhança da filiação natural, mas independentemente dos laços do sangue, se estabelece legalmente entre duas pessoas nos termos dos artigos 1973.º e seguintes, do Código Civil (artigo 1586.º, do Código Civil), as normas do artigo 14.º, da Lei da Nacionalidade, não podem deixar de ser interpretadas no sentido de que abrangem, também, a filiação adotiva, face ao princípio constitucional da igualdade, que postula que se dê tratamento igual a situações de facto essencialmente iguais e tratamento desigual para situações de facto desiguais.


O recorrente defende a seguinte interpretação das normas em causa:

com esta alteração, a melhor e mais correta interpretação será no sentido de que o atual nº 1 daquela norma continua a refletir o entendimento anterior de que na sua abrangência se incluem, quer a filiação biológica, quer a filiação adotiva;

No entanto, após as alterações levadas a cabo pela Lei Orgânica n.º 1/2024, de 5 de março, aquele nº 1 tem que ser conjugado com os seus nºs 2 e 3.

E, os nºs 2 e 3 daquele artigo 14º da LN referem-se à atribuição da nacionalidade originária, a qual se circunscreve ao artigo 1º da LN, artigo que conjuga o ius sanguinis puro e o ius soli;

Ou seja, o estabelecimento da filiação referida naqueles números 2 e 3 diz respeito, apenas, ao estabelecimento da filiação biológica, a qual pode ocorrer na maioridade e, ainda assim, relevar em sede de nacionalidade portuguesa, nos casos em que tal estabelecimento ocorra por intermédio de processo judicial ou decorra de reconhecimento em ação judicial.

A literalidade daqueles dois números e o Projeto de Lei n.º 133XV não evidencia qualquer referência ou argumento que possa alterar a única interpretação possível de apenas estar em causa a filiação biológica.

O princípio da igualdade não é violado por esta interpretação, dado que estamos perante conceitos diferentes (atribuição/aquisição) e com diferentes efeitos a nível da nacionalidade portuguesa (arts 11º e 12 da LN).

A adoção do recorrido, porque decretada por sentença judicial prolatada e transitada em julgado na sua maioridade, não cumpre o disposto no art 14º, nº 1 da LN, o qual, aplicando-se, quer à filiação biológica, quer à filiação adotiva, inviabiliza o pedido por aquele interessado formulado.


Vejamos.


O artigo 14º da Lei da Nacionalidade na atual redação dispõe, como indica a respetiva epígrafe, sobre os efeitos do estabelecimento da filiação – na menoridade e na maioridade - relativamente à nacionalidade.


Os artigos 11º e 12º da Lei da Nacionalidade dispõem sobre os feitos da atribuição e aquisição da nacionalidade.


Nos termos do artigo 11º a atribuição da nacionalidade portuguesa produz efeitos desde o nascimento, sem prejuízo da validade das relações jurídicas anteriormente estabelecidas com base em outra nacionalidade.


O artigo 12º refere que os efeitos das alterações de nacionalidade só se produzem a partir da data do registo dos atos ou factos de que dependem.


As normas em causa, os arts 11º e 12º, por um lado, e o art 14º, por outro lado, regulam efeitos diferentes, os da nacionalidade e os da filiação. Mas é destes últimos que estamos a tratar no caso.


As alterações de 2024 ao artigo 14º da Lei da Nacionalidade nortearam-se precisamente pelo princípio constitucional da igualdade, porque à redação anterior foram «apontando principalmente o tratamento diferenciado que impõe a situações potencialmente idênticas, ao fazer depender do momento em que a filiação é estabelecida a relevância dessa filiação para efeitos de atribuição da nacionalidade» (cfr exposição de motivos do Projeto de Lei nº 133XV).


Ora, o entendimento do recorrente, apegado à letra dos nº 2 e 3 do artigo 14º - só pode ser atribuída a nacionalidade originária – ao advogar que o estabelecimento da filiação referida naqueles números diz respeito, apenas, ao estabelecimento da filiação biológica, trata de forma diferente e desigual a filiação biológica e a filiação adotiva, quando o propósito da lei da nacionalidade - artigo 5º da LN e art 16º do RNP - e da lei civil – artigos 1586º, 1974º, nº 1 e 1986º, nº 1 do Código Civil - é igualar a situação jurídica do adotado plenamente à do filho biológico. Assim, o art 1986º, nº 1 do CC dispõe que pela adoção plena o adotado adquire a situação de filho do adotante e integra-se com os seus descendentes na família deste. E o adotado por nacional português adquire a nacionalidade portuguesa, por mero efeito da lei (artigo 5º da LN e art 16º do RNP). Se a lei trata de forma igual a filiação biológica e a filiação adotiva, a interpretação do recorrente não está conforme com o disposto no artigo 13º da CRP.


Como refere o recorrido, o elemento histórico e o elemento teleológico da norma indicam-nos que o objetivo do aditamento dos nº 2 e 3 ao artigo 14º da LN, em 2024, foi o de «eliminar a desigualdade de tratamento que existia entre filiação na menoridade e filiação na maioridade, independentemente de estarmos perante uma filiação biológica ou adotiva». A intenção do legislador de 2024 foi «garantir a igualdade de tratamento, em determinadas situações, e no que respeita à filiação biológica e adotiva, da filiação na menoridade e da filiação na maioridade».


Pelo exposto, os requisitos para a aquisição da nacionalidade portuguesa por adoção decretada na maioridade são:

1. que a mesma seja feita na sequência de processo judicial, a partir da data do trânsito em julgado da sentença ou da decisão que reviu e confirmou anterior sentença estrangeira que decretou a adoção;

e que

2. seja requerida nos três anos seguintes ao trânsito em julgado da decisão, de forma a não manter indefinidamente aberta a incerteza sobre a matéria.


In casu, atentos os factos provados, o autor/ recorrido, cidadão de nacionalidade brasileira, nascido a 9.9.1992, foi adotado já na maioridade, por sentença da Vara da Família da Comarca de Criciúma, Poder Judiciário do Estado de Santa Catarina, República Federativa do Brasil, transitada em julgado em 10.2.2017, tendo o Tribunal da Relação de Lisboa, por decisão de 10.11.2018, proferida no processo nº 1611/18.3..., transitada em julgado em 9.1.2019, concedido a revisão e a confirmação da sentença que decretou a adoção.


A 5.2.2019 o autor/ recorrido requereu à Conservatória dos Registos Centrais a atribuição da nacionalidade portuguesa, portanto, quando a nova redação do artigo 14º da LN entrou em vigor, a 1.4.2024 (cfr arts 5º e 9º da Lei Orgânica nº 1/2024, de 5.3), começou a correr o prazo de três anos para esse efeito.


Como a nova redação da lei se aplica aos casos de estabelecimento da filiação que tenham ocorrido antes da sua entrada em vigor, o autor/ recorrido reúne os requisitos legais do artigo 14º, nº 2 e nº 3 da Lei da Nacionalidade/2024, para lhe ser atribuída a nacionalidade portuguesa.


Razão pela qual e bem a sentença proferida pelo tribunal a quo condenou o ora recorrente a conceder a nacionalidade portuguesa ao autor.


Concluindo, improcede o erro de julgamento imputado à sentença recorrida.


Decisão


Nestes termos, acordam os Juízes da Secção do Contencioso Administrativo – Subsecção Comum deste Tribunal Central Administrativo Sul, em conferência, em negar provimento do recurso e confirmar a sentença recorrida.


Custas pelo recorrente.


Notifique.


*


Lisboa, 2025-03-13,


(Alda Nunes)


(Lina Costa)


(Mara Magalhães – com declaração de voto).


Declaração de voto


Vencida.


Entendo que os parâmetros de interpretação normativa vertidos no artigo 9.º do Código Civil, de natureza literal e lógicos (histórico, sistemático e racional ou teleológico), não suportam a conclusão alcançada no Acórdão de que o artigo 14.º, n.º 2 da Lei da Nacionalidade se aplica, também, à aquisição da nacionalidade portuguesa por adoção.


Com efeito, em termos literais, se é certo que o n.º 1 do artigo 14.º não distingue, já o n.º 2 do mesmo normativo prevê expressamente que “só pode ser atribuída a nacionalidade originária”, e, sistematicamente, remete, por isso, para as situações do artigo 1.º que regula as hipóteses de atribuição da nacionalidade originária. Ou seja, à luz dos elementos literal e sistemático, o artigo 14.º, n.º 2 da Lei da Nacionalidade não contempla as hipóteses de aquisição da nacionalidade reguladas no capítulo II da secção I, incluindo a aquisição por adoção.


Acresce que a posição acolhida no Acórdão também não encontra suporte no elemento histórico. Assim é, porque o que resulta da Exposição de Motivos do projeto de diploma (e de resto se mostra vertido no Parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdade e Garantias) é que a desigualdade que se quis eliminar foi apenas a desigualdade de tratamento que existia entre a filiação na menoridade e a filiação na maioridade. Em nenhum momento se refere ou é possível inferir que, também a esse respeito, se quisesse fazer equivaler, no que respeita à filiação na maioridade, as hipóteses de atribuição da nacionalidade originária e aquisição da nacionalidade por adoção.


Note-se que, não obstante a análise de direito comparativo que é feita no Parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias referir a abrangência, em outros sistemas jurídicos, das situações de adoção, a redação do normativo reporta-se (apenas) à atribuição da nacionalidade originária.


Neste sentido, estes trabalhos preparatórios também denunciam que a ratio que subjaz à alteração introduzida ao n.º 2 do artigo 14.º da Lei da Nacionalidade foi (apenas), reitero, a de pôr termo à diferenciação quanto ao momento da filiação, mas limitando-a à atribuição da nacionalidade, por isso originária, sem se referir à aquisição da nacionalidade designadamente por adoção. É, de resto, o que o Acórdão revela ao citar a exposição de motivos do Projeto de Lei n.º 133XV.


Donde, a meu ver, os elementos histórico e racional não são aptos a que se conclua pela aplicação do disposto no n.º 2 do artigo 14.º à aquisição da nacionalidade por adoção na maioridade.


Acresce que não se assume como evidente que o tratamento diferenciado, das situações de atribuição da nacionalidade originária na maioridade e de aquisição da nacionalidade por adoção na maioridade, viole o princípio da igualdade, porquanto este, enquanto proibição do arbítrio e da discriminação, só é violado quando as medidas legislativas contendo diferenciações de tratamento se apresentem como arbitrárias, por carecerem de fundamento material bastante.


Ora, mesmo relativamente à filiação na maioridade e menoridade que emergia da anterior redação do artigo 14.º da Lei da Nacionalidade, no Parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias se assumia “que a Constituição não proíbe nem impõe uma solução como a que consta do artigo 14.º da Lei da Nacionalidade, deixando essa ponderação ao legislador ordinário”. Nesta matéria da aquisição da nacionalidade vigoram princípios como o da nacionalidade efetiva, que se traduz na ligação efetiva e genuína entre o indivíduo e um Estado, e que poderá consubstanciar fundamento material bastante para a diferenciação que, como entendo (ainda) emerge do artigo 14.º, n.º 2 da Lei da Nacionalidade, entre a atribuição da nacionalidade originária na maioridade e a aquisição da nacionalidade por adoção na maioridade.