Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:09589/12
Secção:CA- 2º JUÍZO
Data do Acordão:02/21/2013
Relator:ANA CELESTE CARVALHO
Descritores:AÇÃO DE CONTENCIOSO PRÉ-CONTRATUAL,
ALTERAÇÃO DO PROGRAMA DO PROCEDIMENTO,
ESTABILIDADE DAS REGRAS DO PROCEDIMENTO
Sumário:I. Detectando-se após a apresentação das propostas, na fase de audiência dos interessados, uma desconformidade entre o Programa do Procedimento e o Caderno de Encargos, traduzida numa incompatibilidade entre regras do procedimento, nada obsta a que o Júri do procedimento elimine a cláusula do Programa do Procedimento, se com isso não se mostram desvirtuados os princípios estruturantes da contratação pública.

II. Considerando que todas as propostas haviam sido pontuadas com 100 pontos no subfactor “marca utilizada na AHBVE” e que tal subfactor definido no Programa de Concurso, se mostra incompatível com a submissão do equipamento às estipulações técnicas fixadas no Caderno de Encargos, a eliminação ou desconsideração desse subfactor acarreta que ele não seja aplicável, o que traduz que ele foi neutralizado, por todas as propostas terem ficado com a mesma graduação que tinham antes da eliminação desse subfactor.

III. A actuação do Júri do Procedimento traduziu-se na eliminação da desconformidade que existia entre as peças do procedimento, sem que tivesse alterado o modo de avaliação das propostas, por manter o critério e os factores tal como previstos nas peças do procedimento.

IV. Não se questionando que em matéria de procedimentos de formação de contratos, vigora a regra da inalterabilidade ou da estabilidade das regras do procedimento, maxime, após a fase de apresentação de propostas, devendo as peças do procedimento manter-se inalteradas ao longo de todo o procedimento, assim como a entidade adjudicante deve conformar a sua conduta de modo a não privilegiar ou prejudicar qualquer concorrente, assegurando a igualdade de tratamento dos concorrentes, assegurando essa igualdade na apresentação, na comparação e na avaliação das propostas, enquanto princípios estruturantes dos procedimentos pré-contratuais, não resultam tais princípios estruturantes, no caso concreto, violados.

V. Embora, em regra, se mostre proibida a eliminação, o aditamento ou a modificação das regras do procedimento, devendo-se excluir-se a possibilidade de alteração das regras do procedimento após a apresentação das propostas, casos existem em que se admite essa alteração ou modificação, quando a mesma não for de molde a derrogar as próprias bases da concorrência e/ou a mexer com a essência dos princípios estruturantes da contratação pública.

VI. Ao eliminar um dos subfactores de um dos factores de avaliação das propostas, quando o mesmo havia conduzido à atribuição da mesma pontuação a todas das propostas, é seguro dizer que o Júri do procedimento não procedeu à avaliação das propostas com base em elementos que não constassem do Programa do Procedimento ou no Caderno de Encargos, nem passou a valorar as propostas de acordo com critérios que não estivessem anteriormente definidos, antes tendo tido em consideração os aspectos anteriormente fixados nas peças do procedimento, não definindo de modo inovatório, quer o critérios, quer os factores, quer os itens ou subfactores de avaliação das propostas.

VII. As finalidades que presidem aos invocados princípios, mostram-se in casu respeitadas, não sendo de olvidar a plasticidade que é conferida aos princípios, cuja aplicação se faz em função da realidade subjacente a que são chamados a disciplinar.

VIII. Considerando que as contra-interessadas não deixaram de apresentar certificados em relação ao equipamento proposto e que da conjugação do estabelecido no Programa de Procedimento, no Caderno de Encargos, no Anúncio e no Despacho nº 11535/2010, enquanto normas por que se rege o procedimento, não decorre que a junção de tais certificados, constitua um atributo da proposta, pois a entidade adjudicante ao estabelecer os critérios da adjudicação e ao definir a fórmula de classificação das diversas propostas não teve em conta a respectiva certificação, a sua falta não pode constituir causa de exclusão da proposta, nos termos da alínea d), do nº 2 do artº 146º do CCP, aplicável aos casos em que as propostas sejam apresentadas, sem serem constituídas por todos os documentos exigidos nos termos do disposto no nº 1 do artº 57º do CCP.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. RELATÓRIO

V.............., SA, devidamente identificada nos autos, inconformada, veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco, datada de 09/11/2012, que no âmbito do processo de contencioso pré-contratual, instaurado nos termos do disposto no artº 100º e seguintes do CPTA, movido contra a Associação ........................ e as Contrainteressadas, Jacinto ................... e Man ..... & Bus (Portugal) Soc. Unip., Lda., julgou a ação totalmente improcedente, de anulação do acto de adjudicação e de condenação à exclusão das propostas das contra-interessadas e de adjudicação da proposta da autora, absolvendo a entidade demandada e as contrainteressadas do pedido.

Formula a aqui recorrente nas respetivas alegações, as seguintes conclusões que se reproduzem:

“1. O júri, após conhecer todas as propostas, decidiu alterar o programa do procedimento.

2. As regras e dados constantes das peças do procedimento (cuja noção se encontra no artigo 40° do CCP), como o programa ou caderno de encargos, devem manter-se inalterados durante a pendência dos respectivos procedimentos, sendo proibida e ilegítima a sua alteração (eliminação, aditamento, modificação ou desconsideração).

3. A alteração do programa do procedimento operada pelo júri violou os princípios da imparcialidade e da transparência.

4. O ponto B da matéria de facto provada rege que o programa do procedimento prevê, no seu art. 9°, que as propostas devem ser constituídas pelos certificados dos ensaios dos diversos equipamentos de acordo com as normas em vigor e por entidades credenciadas.

5. As contra-interessadas não apresentaram qualquer certificado dos ensaios do grupo energético P 640 SG D – DHR da marca L.........., de acordo com as normas em vigor, por entidades credenciadas.

6. As contra-interessadas não apresentaram qualquer certificado dos ensaios da tesoura modelo S 530, da marca L.........., de acordo com as normas em vigor, por entidades credenciadas

7. A não exclusão das propostas das contra-interessadas, por omissão de entrega dos certificados referidos nas conclusões anteriores, violou o art. 146° n°2 al. d).”.


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A contra-interessada, Jacinto ..................., Lda. contra-alegou, mantendo a posição assumida na contestação, formulando as seguintes conclusões:

“1ª A A. centra os fundamentos das suas Alegações de Recurso em dois argumentos, a saber:

a) Da violação dos princípios da transparência e da estabilidade e,

b) Da omissão de entrega de certificados.

2ª Ora, o Caderno e Encargos, no seu ponto 9.7 e, a respeito do material de protecção, estabelece que “...o ponto 9.7 do Caderno de Encargos, a respeito do material de protecção que “a carga mínima obrigatória de material de protecção deve ser a seguinte: a) cinco aparelhos respiratórios isolantes de circuito aberto (ARICA), completos de 6.8 litros e 300 bar, em carbono, com peso máximo de 14 quilos, considerando a garrafa cheia, a peça facial e o espaldar e com equipamento certificado conforme EN 137, com as seguintes características: 1) a válvula de admissão de ar á peça facial é fixada por dispositivo não roscado e que dispõe de um mínimo de dois botões de segurança ou fixação”.(pg. 27 da sentença, paragrafo 2).

3ª E, no Anexo VI do Programa de Procedimento – critérios de adjudicação – a respeito dos Aparelhos ARICA consta os seguintes critérios de classificação:

-Marca utilizada na AHBVE-Item mais favorável Sim.

-Localização na cabine-Item Mais Favorável Sim.

-Localização na superstrutura- Item Mais Favorável -Não

-Localização das garrafas reserva na cabine-Item Mais favorável-Não.

-Localização das garrafas de reserva na superstrutura:Item Mais favorável-Sim.

-Localização das garrafas de reserva na superestrutura Item mais favorável SIM....”.(pg. 27 da sentença, prgf. 2).

4ª Ora, apresentado o Relatório Preliminar, a aqui Recorrente apresentou uma reclamação a qual, uma vez analisada e ponderada pelo Júri, permitiu a este verificar que existia uma incompatibilidade entre o disposto no Caderno de Encargos, que exige que a válvula de admissão de ar á peça facial disponha de um mínimo de dois botões de segurança ou fixação, e o critério de classificação que valoriza o aparelho da marca utilizada na AHBVE constante do Programa do Procedimento, na medida em que sendo este da marca Drager o mesmo não possui dois botões de segurança ou fixação. (pg. 27 da sentença-prgf. 3).

5ª Perante esta incompatibilidade, o Júri decidiu que ela poderia ter influenciado a proposta apresentada pelos concorrentes, bem como constatou que a A. respondeu que o equipamento proposto era da marca Fenzi, do tipo utilizado na AHBVE, razão pela qual obteve pontuação máxima neste item, o que não corresponde á verdade, pois a marca utilizada na AHBVE é da marca Drager. (pg. 27 da sentença-último parágrafo).

6ª E, em conformidade, o Júri deliberou anular a pontuação concedida no item «Marca utilizada na AHBVE”, mantendo as restantes pontuações, passando a constar do teor do relatório que a empresa que viesse a ser escolhida como adjudicatária deveria fornecer aparelhos respiratórios que cumprissem com as características exigidas na Portaria nº 12.535/2010 de 15 de Julho (ou melhor, Despacho n.° 12.535/2010 de 15 de Julho da Autoridade Nacional de Protecção Civil, sendo que o Júri incorreu em manifesto lapso de escrita revelado pelo contexto da declaração rectificável nos termos do artº. 249º do C.Civil, já que a aludida Portaria não existe) ou seja, não levou em consideração a similitude dos mesmos com os equipamentos utilizados na AHBVE. Por tal razão, o Júri entendeu corrigir os valores deste item e proceder a um novo cálculo do factor “qualidade de concepção” para todos os concorrentes (pg. 28 de sentença-prgf. 1).

7ª Os factos expostos demonstram que a actuação do Júri não merece censura em considerar que a incompatibilidade entre o Programa de Procedimento e o Caderno de Encargos influenciou a proposta apresentada pelos concorrentes, induzindo em erro, na medida em que uns concorrentes poderão ter proposto um equipamento de outra marca por dispor de um mínimo de dois botões e outros um equipamento da marca Drager por ser a marca utilizada na AHBVE e o item mais valorizado, mas dispondo apenas de um botão (pois a marca Drager só possui um botão). Em face desse erro, nenhum concorrente pode ser beneficiado ou prejudicado pela utilização do critério “Marca utilizada na AHBVE”, daí que a eliminação do mesmo foi a solução mais justa e igualitária por se aplicar a todos. (pg. 29 da sentença-prgf. 1).

8ª Além disso, a manutenção daquele critério não iria alterar a pontuação dos concorrentes, na medida em que nenhum deles obteria a pontuação máxima neste item, já que a A. não propôs um equipamento da marca utilizada na AHBVE e as Contra-Interessadas apresentaram um equipamento daquela marca, mas que dispunha apenas de um botão. Ou seja, nenhuma das concorrentes estava em condições de obter pontuação naquele item pelo que a sua eliminação em nada as afectou. (prgf. 2 da pg. 29 da sentença)

9ª Assim, a eliminação do critério não prejudicou ou privilegiou qualquer um dos concorrentes e causou qualquer lesão, nem resulta demonstrado que a entidade adjudicante tenha agido com intenção de favorecer determinado candidato, pelo que a eliminação do critério não consubstancia violação dos princípios da estabilidade das peças do procedimento, imparcialidade ou transparência, devendo ser inoperante. (Paragrafo 3 da pg. 29 da sentença.)

10ª O segundo fundamento alegado pela Recorrente é descrito por ela como o da “omissão de certificados”. Ora, no art. 9º, nº 1, al. h), d “Programa do Procedimento”, estabelece-se: “As propostas devem ser constituídas pelos seguintes documentos:

(…)

h) Certificados dos ensaios dos diversos equipamentos de acordo com as normas em vigor e por entidades credenciadas;”.

11ª E a aqui Contra-Recorrente, ao contrário do que alega a Recorrente, juntou, de facto, certificados, quer do grupo energético, quer da tesoura, como se constata pela leitura do Relatório Preliminar e do Relatório Final, bem como da Reclamação apresentada pela Recorrente, em sede de Audiência Prévia – tudo documentos juntos aos autos.

12ª Acresce que o Grupo L.......... possui certificação da quase totalidade dos seus produtos, como pode comprovar a Recorrente, em virtude dela ser o representante para Portugal das ferramentas L...........

13ª Apenas a má-fé, em nítida atitude de abuso de direito, levou a Recorrente – representante da marca em Portugal – a alegar o que veio alegar, como se ignorasse a existência de certificação daqueles equipamentos.

14ª E a própria Recorrente propôs a mesma marca e modelos, pelo que não poderia, também por esta razão, ignorar a existência dos certificados para os equipamentos propostos para serem fornecidos, pela aqui Contra-Recorrente.

15ª Defende a Recorrente que a al. h) do art. 9º do programa de procedimento impôs a “(…) apresentação de documentos destinados a atestar o cumprimento de uma condição, relativa à execução do contrato, inserida pela entidade adjudicante, a qual não se encontra submetida à concorrência: os equipamentos a fornecer devem estar certificados de acordo com as normas em vigor e por entidades credenciadas.

16ª Por outro lado, a Recorrente labora em erro claro de interpretação dos normativos do CCP, põe si invocados. Na verdade, o artº 57º, nº 1, al. c), do CCP determina que a proposta dos concorrentes é constituída pelos “Documentos exigidos pelo programa do procedimento que contenham os termos ou condições, relativos a aspectos da execução do contrato não submetidos à concorrência pelo caderno de encargos, aos quais a entidade adjudicante pretende que o concorrente se vincule”.

17ª Ora, diferentemente do que entende a recorrente, esta não é a situação dos autos, porquanto os certificados dos ensaios em causa são elaborados por outras entidades, o que significa que o concorrente não se pode vincular a eles, pois que apenas obrigam e vinculam quem os emite.

18ª A aqui Contra-Recorrente não fabrica produtos e equipamentos da marca “L..........”.

Daí que a alegada falta – no que se não concede – não poderia constituir motivo de exclusão da aqui Contra-Recorrente, quer por a tal se opôr o princípio da proporcionalidade, quer por não se enquadrar na previsão do artº 70, nº 2, al. b), do CCP.

19ª A Recorrente confunde erroneamente duas situações totalmente distintas:

-uma, é um termo ou condição, relativo a um aspecto não submetido à concorrência, mas que não viola o caderno de encargos;

-outra, é a de um termo ou condição que viole aspectos da execução do contrato submetidos à concorrência pelo caderno de encargos.

Como se pode verificar, os certificados de ensaios dos equipamentos em causa sempre diriam respeito a condições sobre aspectos não submetidos à concorrência que não violam o caderno de encargos, o que, nunca poderia constituir motivo de exclusão, quer por a tal se opôr o princípio da proporcionalidade, quer por não se subsumirem à previsão do artº 70, nº 2, al. b), do CCP.

20ª Acresce que, da conjugação do estabelecido no Programa de Procedimento, Caderno de Encargos, Anúncio e Despacho nº 11535/2010, publicado na D.R. nº 136, II Série de 15/07 não resulta que a junção dos certificados dos ensaios do grupo energético e a tesoura de acordo com as normas em vigor e por entidades credenciadas constitua um atributo da proposta, pois a entidade adjudicante ao estabelecer os critérios da adjudicação e definir a fórmula de classificação das diversas propostas não teve em conta a respectiva certificação, pelo que a sua falta não pode constituir causa de exclusão da proposta.

21ª E os mencionados certificados não fazem parte integrante dos termos ou condições relativos a aspectos da execução não submetidos à concorrência pelo caderno de encargos, aos quais a entidade adjudicante pretende que o concorrente se vincule.

Como escreve Jorge Andrade da Silva in “Código dos Contratos Públicos”, Comentado e Anotado, 3ª Edição, pág. 231 e citando a douta sentença recorrida: “...são requisitos impostos unilateralmente pela entidade adjudicante quanto a aspectos da execução, que, como tal, não são negociáveis e, consequentemente, submetidos à concorrência e cuja satisfação pelo concorrente, portanto, não constitui atributo da proposta, mas condição de adjudicação, não tendo influência na valoração da proposta por não se tratar de aspectos da execução submetidos a concorrência...”.

22ª Da análise do caderno de encargos não resulta que a apresentação dos certificados dos ensaios do grupo energético e tesoura de acordo com as normas em vigor e por entidades credenciadas constitua uma condição de adjudicação e que, por isso, devam ser apresentados com a proposta.

Aliás, o que resulta do caderno de encargos é que com o fornecimento seriam entregues todos os equipamentos, acessórios e ferramentas indispensáveis ao seu bom funcionamento e respectivos certificados (cláusula 7 nº 2), constituindo estes uma condição de entrega dos bens e, portanto, uma obrigação do adjudicatário. O fornecimento a realizar no âmbito do contrato deverá ser integralmente executado no prazo proposto, a contar da data da celebração do contrato (cfr. Clausula 4ª do Caderno de Encargos), o que significa que o fornecimento é realizado após a adjudicação, pelo que o entrega dos certificados nunca poderiam constituir condição de adjudicação. (pg. 23 da sentença-prgrf. 4 até pg. 24, menos ultimo prgf.)”.


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A recorrida, Associação ................................. contra-alegou, formulando as seguintes conclusões:

“I. O Júri do Procedimento não alterou a qualificação das propostas com base em elementos que não constassem do Programa do Concurso ou do Caderno de Encargos, nem passou a valorar as propostas de acordo com critérios que não estivessem anteriormente definidos, antes teve em consideração os parâmetros previamente fixados, não definiu de forma inovatória os critérios a considerar na avaliação do factor Qualidade de Concepção relativamente ao item “Aparelhos ARICA”, nem elegeu certos aspectos das propostas susceptíveis de receber uma especial pontuação, não sonegou informação aos concorrentes e não alterou nem introduziu quaisquer elementos que se tivessem sido conhecidos no momento da preparação das propostas poderiam ter influenciado essa preparação.

II. Com efeito, os demais elementos – como sejam, a localização na cabine, a localização das garrafas de reserva na cabine e a localização das garrafas de reserva na superestrutura – mantiveram-se relativamente ao item Aparelhos ARICA, que, por serem conhecidos no momento da preparação, foram objecto de ponderação nas propostas.

III. E também não foram adoptados quaisquer elementos susceptíveis de produzir efeitos discriminatórios relativamente a qualquer um dos concorrentes, pois que, tendo todos os concorrentes obtido, no Relatório Preliminar, a mesma pontuação (100) no item “Marca utilizada na AHBVE”, a eliminação desta, relativamente a todos eles, deixa-os numa situação estritamente igual.

IV. Nem se invoque que o Tribunal recorrido deixou de fora todos os que decidiram não concorrer, porquanto, como refere a douta sentença impugnada, uns concorrentes poderão ter proposto um equipamento de outra marca por dispor de um mínimo de dois botões e outros um equipamento da marca Drager por ser a marca utilizada na AHBVE e o item mais valorizado, mas dispondo apenas de um botão.

V. Além disso, a manutenção do critério “marca utilizada na AHBVE” não iria alterar a pontuação dos concorrentes, na medida em que nenhum deles obteria a pontuação máxima neste item, já que a Recorrente não propôs um equipamento da marca utilizada na AHBVE e as contra-interessadas apresentaram um equipamento daquela marca, mas que dispunha apenas de um botão, ou seja, nenhuma das concorrentes estava em condições de obter pontuação naquele item, pelo que a sua eliminação em nada as afectou, daí que a supressão de tal critério não prejudicou ou privilegiou qualquer um dos concorrentes e não causou qualquer lesão.

VI. Aliás, como escreve Rodrigo Esteves de Oliveira, in “Os princípios gerais da contratação pública” – “Estudos de Contratação Pública – I”, Centro de Estudos de Direito Público e Regulação, Coimbra Editora, Ano 2008, o princípio da estabilidade das peças do procedimento “não determina que todas as alterações aos documentos normativos do procedimento sejam ilegais. Sendo claramente um princípio pertinente para regular essas questões, e podendo até implicar a sua inadmissibilidade de princípio, a sua efectiva contribuição para a elaboração da “norma-do-caso” está sempre dependente da situação concreta, podendo acontecer que o caso não contenda afinal com os valores ou interesses a cuja tutela esse princípio vai votado ou podendo também acontecer que existam outros princípios ou valores que. na hipótese em apreço. se revistam de maior dignidade ou peçam uma solucão harmonizadora. (...)” – pág. 64 – o sublinhado e destacado é nosso.

VII. Ora, no caso concreto, a solução propugnada pelo Júri do procedimento, que não foi para além dos critérios ou factores fixados, não tendo, por conseguinte, existido violação dos princípios da transparência e da estabilidade das regras concursais, sempre seria, de algum modo, reclamada por outros princípios gerais aqui aplicáveis, como é o caso do princípio do favor do concurso e do princípio da proporcionalidade.

VIII. Verifica-se, pois, que não só não foram violados os princípios da estabilidade das peças do procedimento ou da transparência, que tenham levado a um tratamento desigual e injusto dos concorrentes, beneficiando uns em detrimento de outros, como era a única actuação possível em face do “princípio do favor do concurso” e da proporcionalidade.

IX. Os certificados dos ensaios do grupo energético e tesoura de acordo com as normas em vigor e por entidades credenciadas, não são documento essenciais, uma vez que, apesar de o Programa de Procedimento exigir os documentos em causa, a verdade é que no caderno de encargos não há qualquer menção ou exigência de aplicação dos mesmos, que é claramente omisso a este título.

X. Na verdade, não resulta das peças do procedimento e do Despacho n.° 11535/2010, publicado na D.R. n.° 136, II Série de 15/07, que a junção dos ditos certificados constitua um atributo da proposta, já que a Recorrida ao estabelecer os critérios da adjudicação e definir a fórmula de classificação das diversas propostas não teve em conta a respectiva certificação.

XI. De onde decorre que por este motivo, e de harmonia com o previsto no artigo 57° n° 1 do CCP, sempre seria ilegítima a exclusão das propostas das contra-interessadas com base na falta de um documento cuja aplicabilidade não se acha sequer prevista no caderno de encargos.

XII. Com efeito, apesar de o programa de concurso mencionar que a proposta deve conter os certificados dos ensaios dos diversos equipamentos de acordo com as normas em vigor e por entidades credenciadas, a verdade é que tais documentos não cabem em nenhuma das categorias referidas no artigo 57° do CCP, não sendo a sua exigência legalmente admissível.

XIII. De onde se conclui, evidentemente, que as propostas só poderiam ter sido excluídas pela falta de documentos que contenham atributos da proposta, documentos relativos à execução do contrato, ou do documento com nota justificativa do preço, quando o preço apresentado seja anormalmente baixo, o que manifestamente não sucede com os documentos que a Recorrente considera alegadamente em falta.

XIV. A douta sentença recorrida não merece, pois, qualquer reparo, devendo, por conseguinte, ser mantida nos seus precisos termos, já que não violou nenhum preceito legal.”.


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A contra-interessada, Man ........& ............(Portugal) Soc. Unipessoal, Lda. contra-alegou, formulando as seguintes conclusões:

“A) A douta Sentença proferida pelo Tribunal a quo deve ser integralmente mantida por ter procedido a uma adequada aplicação do direito;

B) O presente procedimento adjudicatário – Concurso Público – é plenamente válido e legal, não tendo ocorrido qualquer preterição dos requisitos legais atinentes à idoneidade do mesmo;

C) Conforme bem julgado pelo Tribunal a quo, o Júri do Procedimento teve em consideração os parâmetros previamente fixados e limitou-se a rectificar um lapso, impondo uma solução que impedisse a repetição do procedimento concursal, e que não prejudicasse qualquer concorrente;

D) No que respeita à alegada alteração do Caderno de Encargos e dos critérios de avaliação feita no Relatório Final, veio o Júri do Procedimento a constatar que, relativamente ao equipamento considerado preferencial, o mesmo não possuía 2 botões de segurança ou de fixação, pomo exigido pelo número 1), da alínea a) do artigo 9.7 do Despacho da Autoridade Nacional de Protecção Civil n° 11535/2010, publicado no Diário da República, 2ª série, n° 136, de 15 de Julho, tendo verificado ainda que, quanto a este item, os factores em avaliação no “Anexo VI – QUADRO RESPOSTA” são a “marca do equipamento em uso na AI-IBVE” e a localização dos aparelhos na viatura, não havendo características técnicas especificas que permitam diferenciar as diferentes propostas dos concorrentes;

E) Ora, o Júri optou por sanar a irregularidade, anulando a pontuação concedida no item “Marca utilizada na AHBVE”, mantendo as restantes pontuações, passando a constar do teor do relatório que, a empresa que vier a ser escolhida como adjudicatária, deve fornecer aparelhos respiratórios que cumpram com as características exigidas pelo número 1), da alínea a) do artigo 9.7 do Despacho da Autoridade Nacional de Protecção Civil n° 11535/2010, publicado no Diário da República, 2ª série, n° 136, de 15 de Julho, não sendo levada em consideração a similitude dos mesmos com os equipamentos utilizados na AHBVE;

F) Uma vez constatada a irregularidade supra mencionada, os concorrentes obtiveram no Relatório Preliminar a mesma pontuação (100) no item supra referenciado, pelo que a eliminação desta deixou-os a todos numa situação estritamente igual, alterando quaisquer desconformidades que pudessem existir;

G) Em qualquer caso, o Júri do Procedimento não alterou a qualificação das propostas com base em elementos que não constassem do Programa do Concurso ou do Caderno de Encargos, sendo manifesto que não passou a valorar as propostas de acordo com critérios que não estivessem previamente definidos e conhecidos por todos os concorrentes, nem sonegou qualquer informação aos concorrentes;

H) Pois, o Júri não alterou nem introduziu quaisquer novos elementos que, caso tivessem sido conhecidos no momento da preparação das propostas, pudessem ter influenciado essa preparação, por parte dos concorrentes e, bem assim, também não foram adoptados quaisquer elementos susceptíveis de produzir efeitos discriminatórios relativamente a qualquer um dos concorrentes, não resultando, por isso violados os princípios da igualdade e transparência;

I) Assim, conforme concluiu o Tribunal a quo, não foram violadas quaisquer normas, princípios ou regras do procedimento concursal ou do Código dos Contratos Públicos (“CCP”) que tenham Levado a que tivesse sido dado um tratamento desigual e injusto aos concorrentes, designadamente beneficiando uns em detrimento de outros, pelo que a ora Recorrente não conseguiu colocar em causa a fundamentação e rigor dos pressupostos de facto em que se fundou o Relatório Final;

J) Efectivamente, o Júri do Concurso, analisou e comparou as várias propostas a concurso como lhe competia fazer – e sempre no estreito cumprimento dos princípios essenciais por que se rege este tipo de procedimento, inclusivamente quando teve de realizar estudos é comparações de preços e características dos elementos apresentados nas respectivas propostas, para todas as propostas em concurso, pelo que, o acto objecto de impugnação não merece qualquer reparo jurídico;

K) Acresce que, esta matéria cabe no campo da discricionariedade técnica e, consequentemente, os poderes dos tribunais administrativos estão limitados ao que dispõe o n° 1 do art. 3° do CPTA, pelo que a tese da Recorrente que assenta na arguição de pretensas invalidades, ilegalidades ou irregularidades procedímentais que não são aqui sindicáveis ou susceptíveis de apreciação pelo Tribunal;

L) Ainda que assim não se entenda – o que não se concede, mas que se pondera por mera cautela de patrocínio – a verdade é que, ao contrário do que alega a Recorrente, a ora Contra-Interessada Recorrida, juntou, de facto, certificados, quer do grupo energético, quer da tesoura;

M) Ora, ainda que, por manifesto lapso, a aqui Contra-interessada Recorrida tenha trocado os certificados em apreço – certificado do grupo energético L.......... P640 (indicado na Memória Descritiva, como sendo o equipamento a ser fornecido pela aqui ContraInteressada Recorrida) pelo certificado do grupo L.......... P620 e, pela mesma razão e motivos, tenha trocado o certificado correspondente à tesoura L.......... 510 pelo da tesoura 530 (equipamento proposto na Memória Descritiva junta pela aqui Contra-Interessada Recorrida) –, a alegada troca constatada, nunca seria passível de determinar a exclusão, nos termos do disposto no art. 57°, n° 1, al, c), e 146°, n° 2, al. d), do CCP;

N) Os certificados de ensaios dos equipamentos, não regulando quaisquer aspectos de execução do contrato, não se enquadram minimamente no conceito de elementos documentais contido art. 57°, n° 1, al. c), do CCP, tão pouco se subsumem à previsão do art. 70°, n° 2, al, b), do CCP;

O) Os documentos em causa não integram, assim, o elenco taxativo de documentos que deve compor a proposta, conforme elencado no n° 1 do artigo 57.° do CCP, sendo meramente “adicionais” a estes, pelo que importa concluir que a ora Contra-interessada, apresentou todos os documentos de habilitação de apresentação obrigatória, cumprindo as exigências, tal como definidas no Caderno de Encargos, como bem decidiu o Júri à reclamação apresentada pela Recorrente, em sede de Audiência Prévia;

P) Quer isto dizer que, na organização da documentação acessória, constata-se ter ocorrido um lapso, consistente numa mera irregularidade, plenamente sanável, e que como tal não determina qualquer invalidade no procedimento, tão pouco a exclusão da proposta da ora Contra-Interessada Recorrida, que quando muito, caso a sua proposta viesse a ser objecto de adjudicação, seria notificada para proceder à regularização da desconformidade;

Q) Nesta sequência, improcede a tese da Recorrente, uma vez que a alegada irregularidade na apresentação dos certificados energéticos em apreço não é subsumível ao disposto no artigo 57° do CCP, e não consta do Programa de Procedimento qualquer cominação para tal irregularidade;

R) Não resulta das peças do procedimento e, por outro lado, do Despacho n.° 11535/2010, publicado no DR n.° 136, II série, de 15 de Julho, que a junção dos mencionados certificados corresponda a um atributo da proposta tendo em conta, nomeadamente, que ao estabelecer os critérios da adjudicação e definir a fórmula de classificação das diversas propostas não teve em conta a respectiva certificação;

S) Pelo exposto, improcedem in totum os vícios que a Recorrente pretende imputar à douta Sentença recorrida, pelo que deve ser mantida a mesma, nos seus precisos termos.”.


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O Ministério Público junto deste Tribunal notificado, nos termos e para efeitos do disposto no artº 146º do CPTA, não emitiu parecer.

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O processo vai, sem vistos dos Exmos. Juízes-Adjuntos, à Conferência para julgamento, por se tratar de um processo urgente.

II. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela recorrente, sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos arts. 660º, n.º 2, 664º, 684º, nºs 3 e 4 e 690º, n.º 1 todos do CPC ex vi artº 140º do CPTA.

As questões suscitadas, ordenadas segundo a sua ordem lógica de conhecimento, resumem-se, em suma, em determinar se a decisão judicial recorrida enferma de:

1. Violação dos princípios da imparcialidade e da transparência, por alteração do programa do procedimento [conclusões 1., 2. e 3.];

2. Violação do artº 146º, nº 2, al. d) do CCP, por falta de entrega de certificados [conclusões 4., 5., 6. e 7.].

III. FUNDAMENTOS

DE FACTO

O Tribunal a quo deu como assentes os seguintes factos:

A – No Diário da República II Série, n.° 185, de 26/09/2011, parte L – Contratos Públicos foi publicado o seguinte Anúncio:

Associação ................................

(...)

2. Objecto do contrato

Designação do contrato_ fornecimento de um veículo com a nomenclatura de Veículo Urbano de Combate a Incêndios (VUCI)

12. Critérios de Adjudicação

Proposta economicamente mais vantajosa

Factores e eventuais subfactores acompanhados dos respectivos coeficientes de ponderação: Qualidade de concepção 45%

Preço 25 %

Prazo de garantia 10%

Plano de Formação 8%

Prazo de entrega 7%

Assistência Técnica 5%

Cfr. fls. 75 e ss do PA apenso aos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

B – O programa do procedimento previa no seu art.° 9.° o seguinte:

As propostas devem ser constituídas pelos seguintes documentos: li) certificados dos ensaios dos diversos equipamentos de acordo com as normas em vigor e por entidades credenciadas

Cfr. fls. 10 e 11 do PA apenso aos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

C – No art.° 14.°, Anexo V e VI do Programa do Procedimento consta o seguinte:


Art.° 14.°

“1. A Adjudicação será feita segundo o critério da proposta economicamente mais vantajosa, de acordo com o modelo de avaliação constante do Anexo V (critérios de adjudicação) e Anexo VI (quadro resposta – critérios de adjudicação) ao presente Programa de Procedimento e que dele fazem parte integrante (...).

«(...)»


ANEXO VI

QUADRO RESPOSTA

CRITÉRIOS DE ADJUDICAÇÃO


(…)

Chassis (veículo completo)

(…)

Superstrutura

(...)

Chassis – circuito eléctrico

(...)

Motor principal

(...)

Caixa de Velocidades e transmissão

(...)

Embraiagem

(...)

Direcção

(...)

Suspensão dianteira

(...)

Suspensão traseira

(...)

Pneus

(...)

Motor de arranque

(...)

Alternador

(...)

Bateria

(...)

Sistema de água – Bomba de água

(...)

Sistema automático de espuma

(...)

Acessórios

(...)

Carga técnica

(...)

Unidade eléctrica-gerador

(...)

Rebarbadora

(...)

Grupo energético hidráulico

(...)

Moto serra disco

(...)

Moto serra corrente

(...)

Bomba de água eléctrica

(...)

Ventilador pressão positivo

(...)

Aparelhos Arica

Marca utilizada na AHBVE - Item Mais Favorável Sim

Localização na cabine - Item Mais Favorável Sim

Localização na superstrutura - Item Mais Favorável Não

Localização das garrafas de reserva na cabine Item Mais Favorável Não

Localização das garrafas de reserva na superstrutura Item mais favorável Sim Torre de iluminação técnica

Cfr. fls. 10, 12, 23 a 30 do PA apenso aos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

D – As cláusulas 4ª e 7ª do Caderno de Encargos dispõem o seguinte:


Cláusula 4ª – Prazo de entrega

“O fornecimento a realizar no âmbito do contrato deverá ser integralmente executado no prazo proposto, a contar da data da celebração do contrato.”

Obrigações do adjudicatário

Cláusula 7ª – Local e condições de entrega dos bens


“2. Com o fornecimento, serão entregues todos os equipamentos, acessórios e ferramentas indispensáveis aos seu bom funcionamento, respectivos certificados (...)

E – O Anexo 1 do Caderno de Encargos dispõe que:


Cláusula 1ª – Objecto

(...) fornecimento de um veículo com a nomenclatura de Veículo Urbano de Combate a Incêndios (VUCI) para a Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários Egitanenses (AHBVE) até ao montante de 250.000,00 € nos termos das cláusulas técnicas constantes do Anexo I ao presente Caderno de Encargos

Anexo I

Especificações Técnicas


Definição e âmbito de aplicação

É um veículo do tipo 4x4 de categoria M1, dotado de bomba de serviço de incêndios, destinado prioritariamente à intervenção nos incêndios em edificações, podendo intervir em operações de desencarceramento, de acordo com Norma europeia 1846-1,2,3. O veículo deverá respeitar as especificações técnicas constantes no Despacho da Autoridade Nacional de Protecção Civil n.° 11535/2010 publicado no Diário da República, 2.ª série, n.° 136 de 15 de Julho correspondentes à descrição da “ficha técnica 3 – veículo de combate a incêndios

Cfr. fls. 33 do PA apenso aos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

F – O Anexo I, pontos 9.3 e 9.7 do Caderno de Encargos dispõe o seguinte:

9.3 — Material de salvamento

A carga mínima obrigatória de material de salvamento deve ser a seguinte:

e) nos veículos com o Tanque A, a carga mínima obrigatória deve ser acrescida do seguinte equipamento:

1) um grupo energético, com motor térmico, capaz de desenvolver a pressão mínima de 680 bar, que permita o trabalho simultâneo de mais de duas ferramentas, com dois carretéis de 20 metros cada;”

(...)

4) Uma tesoura com força de corte igual ou superior a 440 KN abertura das lâminas, ponta a ponta, igual ou superior a 280 mm conforme EN 13204”

“9.7 – Material de Protecção

A carga mínima obrigatória de material de protecção deve ser a seguinte:

a) Cinco aparelhos respiratórios isolantes de circuito aberto (ARICA) (...) com as seguintes características:

1) A válvula de admissão de ar à peça facial é fixada por dispositivo não roscado e que dispõe de um mínimo de dois botões de segurança ou fixação;

Cfr. fls. 59 do PA apenso aos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

G – Apresentaram-se ao concurso as empresas Jacinto ............., S........, Lda, Man ....................., V.............., SA. Luís ......................, I.......... Portugal – Industrial e ...............Segurança, SA e I............– Com. Ind................. – Cfr. fls. 143 do PA apenso aos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

H – A Jacinto ................, S............., Lda apresentou a proposta de fls. 167 a 572 do PA apenso aos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

I – A Man ............. & ....... Portugal, Soc. Unip., Lda apresentou a proposta de fls. 573 a 1065 do PA apenso aos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

J – A V.............., SA apresentou a proposta de fls. 1067 e ss do PA apenso aos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

K – Em 24/02/2012 foi elaborado relatório preliminar de análise de propostas apresentadas ao concurso público do qual se extrai o seguinte:

«(...)»

- Cfr. fls. 1832 e ss do PA apenso aos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

L – A Autora exerceu o direito de audição – Cfr. fls. 1872 e ss do PA apenso aos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

M – Em 21/03/2012, o Júri do Procedimento elaborou o Relatório Final de Análise de Propostas apresentadas ao concurso público em referência do qual se extrai o seguinte:


1. Análise da Reclamação

i) Grupo Energético

Reclamação:

«(...)»

Anexo 2

«(...)»

Cfr. fls. 1892 e ss do PA apenso aos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido

N – Por deliberação da Direcção da AHBVE de 28/03/2012 foi determinada a adjudicação do concurso ao concorrente Jacinto .............., S......, Lda pelo valor de 210.000,00 nas condições da respectiva proposta e as constantes do relatório - Cfr. fls. 1924 e ss do PA apenso aos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido,

O – Em 05/05/20 12 entre a AHBVE e Jacinto .............., S..........ucrs, Lda foi lavrado documento intitulado “contrato para fornecimento de um veículo com a nomenclatura de veículo urbano de combate de incêndio (V.U.C.I.)” do qual consta que:

“(…)

Conforme estabelecido no Relatório Final de Apreciação das Propostas, o adjudicatário compromete-se a fornecer a viatura equipada com:

Grupo Energético: ref P 640 SG-DRR20, marca L..........;

Tesoura: ref S 530, marca L..........;

Aparelhos respiratórios: equipamento que cumpram com o disposto na Portaria n.° 12535/2010, de 15 de Julho, devendo, em caso de dúvida, ser apresentado documento emitido pela ANPC que certifique a conformidade dos mesmos com a referida Portaria.

(...)” - Cfr. fls. 2034 e ss do PA apenso aos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.”.

DE DIREITO

Considerada a factualidade supra fixada, não impugnada pela recorrente, importa apreciar os termos do presente recurso.

1. Violação dos princípios da imparcialidade e da transparência, por alteração do programa do procedimento [conclusões 1., 2. e 3.]

Nos termos invocados pela recorrente a sentença recorrida incorre em violação dos princípios da imparcialidade e da transparência, por ter ocorrido uma alteração do Programa do Procedimento.

Alega que na alínea M) dos factos assentes está dado como provado que o júri, em sede de relatório final, quando já conhecia todas as propostas, considerou que devia anular a pontuação concedida na item “Marca utilizada na AHBVE”, mantendo as restantes pontuações, corrigindo os valores deste item e procedendo a um novo calculo do facto qualidade de concepção para todos os concorrentes, o que constitui uma alteração do programa do procedimento.

Vejamos.

Do Anexo VI ao Programa de Procedimento, sobre os critérios de adjudicação, a respeito dos aparelhos ARICA, constam os seguintes factores de avaliação: “Marca utilizada na AHBVE – Item mais favorável Sim (…)” [cfr. alínea C) dos factos assentes].

Extrai-se do ponto 9.7 do Caderno de Encargos, relativo ao material de protecção que “a carga mínima obrigatória do material de protecção deve ser a seguinte: a) cinco aparelhos respiratórios (…) com as seguintes características: 1) A válvula de admissão de ar à peça facial é fixada por dispositivo não roscado e que dispõe de um mínimo de dois botões de segurança ou fixação” [cfr. alínea F) do probatório].

Compulsando o teor da alínea M) dos factos assentes resulta que o júri do procedimento considerou que “(…) existe uma incompatibilidade entre o disposto no caderno de encargos e um dos critérios de classificação (…) no que se refere à marca do aparelho respiratório, ao ser valorizado como “item mais favorável” que tal equipamento fosse da marca que é utilizada na AHBVE, no presente caso, da marca DRAGER. A reclamação apresentada permitiu concluir que o equipamento considerado preferencial, não possui 2 botões de segurança ou de fixação, como exigido no número 1), da alínea a) do artigo 9.7 da Portaria nº 1253/2010, de 15 de Julho. (…) Pelo exposto, o Júri considera que deve anular a pontuação concedida no item “Marca utilizada na AHBVE”, mantendo as restantes pontuações, passando a constar o teor do presente relatório que, a empresa que vier a ser escolhida como adjudicatária, deve fornecer aparelhos respiratórios que cumpram com as características exigidas na Portaria nº 1253/2010, de 15 de Julho, não sendo levada em consideração a similitude dos mesmos com os equipamentos utilizados na AHBVE. Por tal razão, o Júri entendeu corrigir os valores deste item e proceder a um novo cálculo do factor “Qualidade de concepção” para todos os concorrentes. (…)”.

Tendo presente os factos assentes no probatório, assim como a alegação das partes é possível compreender que existe uma desarticulação entre o teor das peças do procedimento, quanto às exigências constantes do Programa do Procedimento e previstas no Caderno de Encargos.

Como se disse na sentença, “Após a reclamação apresentada pela Autora, o Júri do concurso constatou que existe uma incompatibilidade entre o disposto no caderno de encargos, que exige que a válvula de admissão de ar à peça facial disponha de um mínimo de dois botões de segurança ou fixação, e o critério de classificação que valoriza o aparelho da marca utilizada na AHBVE constante do Programa do Procedimento, na medida em que sendo este da marca Drager o mesmo não possui 2 botões de segurança ou fixação.”.

Considerando essa incompatibilidade que efectivamente existe e é real e incontestada nos autos, considerou o Júri do procedimento que a mesma poderá ter influenciado a proposta apresentada pelos concorrentes.

Para tanto, detectando essa desconformidade, deliberou o Júri do procedimento que a empresa que viesse a ser escolhida como adjudicatária deveria fornecer aparelhos respiratórios que cumprissem as características previstas na Portaria nº 12535/2010, de 15/07 (em rigor, está em causa a aplicação do Despacho nº 11535/2010, da Autoridade Nacional de Protecção Civil, publicado no Diário da República, 2ª Série, nº 136, de 15/07 e não da citada Portaria, que é inexistente), isto é, não levando em consideração a similitude com os equipamentos utilizados na AHBVE.

Em consequência, o Júri veio a anular o item “marca utilizada na AHBVE”, procedendo a um novo cálculo do factor “Qualidade de concepção” para todos os concorrentes, sem a consideração desse item, que passou a considerar “não aplicável”.

No demais, manteve os itens e factores tal como previstos nas peças do procedimento.

A sentença recorrida julgou que essa actuação do Júri do procedimento “não merece censura” e que em face desse erro “nenhum concorrente pode ser beneficiado ou prejudicado pela utilização do critério “marca utilizada na AHBVE”, daí que a eliminação do mesmo foi a solução mais justa e igualitária por se aplicar a todos.”.

Mais resulta da sentença que “a manutenção daquele critério não iria afectar a pontuação dos concorrentes, na medida em que nenhum deles obteria a pontuação máxima neste item, já que a autora não propôs um equipamento da marca utilizada na AHBVE e as contra-interessadas apresentaram um equipamento daquela marca, mas que dispunha apenas de um botão. Ou seja, nenhuma das concorrentes estava em condições de obter pontuação naquele item, pelo que a sua eliminação em nada as afectou. Assim, a eliminação do critério não prejudicou ou privilegiou qualquer um dos concorrentes e não causou qualquer lesão, nem resulta demonstrado que a entidade adjudicante tenha agido com intenção de favorecer determinado candidato, pelo que a eliminação do critério não consubstancia violação dos princípios da estabilidade das peças do procedimento, imparcialidade ou transparência, devendo ser inoperante.”.

Este julgamento afigura-se correcto, considerando as especificidades do caso concreto.

Após a apresentação das propostas e da sua avaliação, designadamente, após a apresentação de reclamação por parte de uma concorrente na fase de audiência dos interessados, a entidade adjudicante detectou uma incompatibilidade entre o prescrito no Programa do Procedimento e o previsto no Caderno de Encargos, em termos em que ambas as cláusulas são inconciliáveis.

Em face dessa desconformidade, a actuação da entidade adjudicante traduziu-se em anular o item de avaliação das propostas, referente à “marca utilizada na AHBVE”, previsto no Programa do Procedimento, por este não se harmonizar com o previsto no Caderno de Encargos.

O enquadramento a dar à questão consiste na alteração do Programa do Procedimento, pela desaplicação de uma das normas do procedimento, referente ao item “marca utilizada na AHBVE”, relativo ao factor de avaliação das propostas “Qualidade de concepção”, sendo a questão suscitada em recurso saber se a actuação do Júri do procedimento é violadora dos princípios da imparcialidade e da transparência, nos termos constantes das conclusões do recurso.

Não se questionando que em matéria de procedimentos de formação de contratos, vigora a regra da inalterabilidade ou da estabilidade das regras do procedimento, maxime, após a fase de apresentação de propostas, devendo as peças do procedimento manter-se inalteradas ao longo de todo o procedimento, assim como a entidade adjudicante deve conformar a sua conduta de modo a não privilegiar ou prejudicar qualquer concorrente, assegurando a igualdade de tratamento dos concorrentes, assegurando essa igualdade na apresentação, na comparação e na avaliação das propostas, enquanto princípios estruturantes dos procedimentos pré-contratuais, importa aferir se tais princípios estruturantes resultam, no caso concreto, violados.

Em regra, mostra-se proibida a eliminação, o aditamento ou a modificação das regras do procedimento – cfr. Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira, “Concursos e Outros Procedimentos de Contratação Pública”, Almedina, 2011, pág. 210.

Havendo de considerar o momento em que a alteração das regras do procedimento ocorre, se antes, se depois da apresentação das propostas, deve “excluir-se em regra a possibilidade de qualquer alteração que tenha lugar após o termo do prazo para a apresentação das propostas ou candidaturas, impondo-se por isso, no caso de a mesma ser necessária, que se proceda à anulação do procedimento, à revogação da respectiva decisão de contratar. (…) nesse momento posterior ao termo do prazo de apresentação das propostas, o princípio da inalterabilidade das disposições constantes das peças do procedimento se apresenta, salvo raras excepções, como inderrogável (…)” (sublinhado nosso) – cfr. autores e obra cit., pág. 211.

Assim, casos existem, designadamente, quando essa alteração ou modificação das regras do procedimento não for de molde a derrogar as próprias bases da concorrência e/ou a mexer com a essência dos princípios estruturantes da contratação pública aplicáveis, em que poderá haver necessidade de alterar elementos constantes dos documentos conformadores do procedimento pré-contratual.

Nestes casos, só uma análise do caso concreto permitirá concluir ou pela publicação de anúncio rectificativo, ou pela concessão de prazo aos candidatos ou proponentes para alteração da proposta ou pela decisão de não adjudicação, devidamente fundamentada.” – cfr. Cláudia Viana, “Os Princípios Comunitários na Contratação Pública”, Coimbra Editora, 2007, pág. 233-234.

Haverá violação dos princípios estruturantes da contratação pública, como o da igualdade de tratamento entre concorrentes ou o da imparcialidade, se a entidade adjudicante derroga ou modifica regra do procedimento, com vantagem para um concorrente, sem que os demais tenham a possibilidade de rever a sua proposta.

No caso em apreço, o critério de avaliação das propostas é o da proposta economicamente mais vantajosa, de acordo com o artº 14º do Programa do Procedimento, tendo em conta o Modelo de avaliação indicado no Anexo V, segundo o qual os factores de ponderação são a “qualidade de concepção”, o “preço”, o “prazo de garantia”, o “plano de formação”, o “prazo de entrega” e a “assistência técnica”.

Tais factores de avaliação das propostas encontram-se densificados em subfactores ou itens, nos termos constantes do Anexo VI do Programa do Procedimento, sendo o factor “qualidade de concepção” avaliado, de entre outros, pelo subfactor “marca utilizada na AHBVE”.

O que se verifica é tendo o Júri do procedimento inicialmente pontuado todas as propostas com 100 pontos, quanto ao item “marca utilizada na AHBVE”, veio a eliminar esse subfactor, mantendo todas as restantes pontuações.

Assim, ao eliminar tal item é seguro dizer que o Júri do procedimento não procedeu à avaliação das propostas com base em elementos que não constassem do Programa do Procedimento ou no Caderno de Encargos, nem passou a valorar as propostas de acordo com critérios que não estivessem anteriormente definidos, antes tendo tido em consideração os aspectos anteriormente fixados nas peças do procedimento, não definindo de modo inovatório, quer o critérios, quer os factores, quer os itens ou subfactores de avaliação das propostas.

A actuação do Júri do procedimento consistiu em eliminar a detectada desconformidade entre o definido no Programa do Procedimento e o Caderno de Encargos, sem introduzir qualquer alteração na avaliação das propostas que havia sido anteriormente feita.

Tendo sido dada a classificação de 100 pontos a todas as propostas e eliminando-se esse subfactor do âmbito do sistema de classificação das propostas, significa que esse subfactor foi neutralizado.

Na prática, significa que as propostas ficaram com a mesma graduação que tinham antes da eliminação desse subfactor.

Por outras palavras, o Júri do Procedimento eliminou a desconformidade que existia entre as peças do procedimento, sem que essa sua actuação tivesse alterado o modo de avaliação das propostas.

O Júri do procedimento não foi para além dos critérios, dos factores e dos subfactores anteriormente previstos, não definindo ex novum factor ou subfactor de avaliação, pelo que, é de recusar que o caso configurado em juízo constitua uma derrogação ao princípio da estabilidade das regras do procedimento, da imparcialidade e da transparência, invocados pela recorrente.

A avaliação das propostas continuou a fazer-se nos termos do critério e dos factores e subfactores previstos nas peças do procedimento, não tendo a eliminação de um dos itens de um dos factores, a virtualidade de produzir qualquer alteração ao modo de avaliação das propostas, considerando que todas haviam obtido a mesma pontuação no item eliminado.

É, pois, seguro dizer que no caso dos autos não existiu um tratamento diferenciado de um concorrente em detrimento de outro, ou que tenha existido um tratamento desigual ou injusto dos concorrentes ou que não tenha sido assegurado o princípio da igualdade entre todos os concorrentes e da comparabilidade objectiva das propostas, pelo que, não pode proceder o alegado erro de julgamento por violação dos princípios da estabilidade das regras do procedimento, da imparcialidade e da transparência.

As finalidades que presidem aos invocados princípios, mostram-se in casu totalmente respeitadas, não sendo de olvidar a plasticidade que é conferida aos princípios, cuja aplicação se faz em função da realidade subjacente a que são chamados a disciplinar.

Como refere J. J. Gomes Canotilho, os princípios “configuram normas impositivas de uma optimização, compatíveis com vários graus de concretização, consoante os condicionalismos fácticos e jurídicos.”, in Manual de Direito Constitucional”, pág. 1161.

Termos em que, em face de todo o exposto, improcedem as conclusões do recurso em análise.

2. Violação do artº 146º, nº 2, al. d) do CCP, por falta de entrega de certificados [conclusões 4., 5., 6. e 7.]

Sustenta ainda a recorrente que em virtude de se verificar a falta de entrega de certificados por parte das concorrentes, ora contra-interessadas, a admissão das suas propostas traduz-se na violação do disposto na alínea d), do nº 2 do artº 146º do CCP.

Alega que a alínea B) da matéria de facto assente prevê no seu artº 9º que as propostas devem ser constituídas pelos certificados dos ensaios dos diversos equipamentos de acordo com as normas em vigor e por entidades credenciadas, não tendo as contra-interessadas apresentado qualquer certificado dos ensaios do grupo energético P 640 SG D – DHR da marca L.........., nem o certificado dos ensaios da tesoura modelo S 530, da marca L...........

Vejamos.

Extrai-se do teor da alínea B) do probatório que, segundo o artº 9º do Programa do Procedimento, as propostas devem ser constituídas pelos certificados dos ensaios dos diversos equipamentos, de acordo com as normas em vigor e por entidades credenciadas.

Por sua vez da alínea M) dos factos assentes, resulta quanto ao teor do Relatório Final de Análise das Propostas que as concorrentes A e B, ora contra-interessadas apresentaram certificados referentes aos materiais e equipamentos propostos, da marca L.........., embora não correspondentes ao modelo em causa.

Mais aduziu o Júri do Procedimento que os certificados apresentados referem-se ao mesmo fabricante e a um equipamento da mesma gama (tesoura), ainda que referente a modelo diferente, tendo o Júri assumido o conhecimento sobre a idoneidade e qualidade da marca L.........., assente na utilização ao longo dos anos de equipamentos da referida marca, pelo que, considerou tal desconformidade como irrelevante.

Além disso, consta ainda do teor do relatório final que a concorrente reclamante e o concorrente D, apresentam um equipamento da marca L.........., sem que tivessem apresentado qualquer certificado, também não tendo essa falta conduzido à exclusão das suas propostas.

Aqui chegados, impõe dizer-se que a decisão a proferir será aquela que atenda à matéria de facto dada por demonstrada em juízo, por a mesma não se mostrar impugnada pela recorrente.

A recorrente não logrou impugnar a decisão proferida relativamente a qualquer ponto determinado da matéria de facto, conforme consentido nos artigos 684º-A, n.º 2 e 685º-B, do CPC, sendo certo que o artº 685º-B, do CPC, estabelece como ónus a cargo da parte que impugne a decisão relativa à matéria de facto, a necessidade de especificar, sob pena de rejeição, os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados e os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida, o que não se mostra efetuado pela recorrente.

Ora, considerando que no caso das contra-interessadas, em rigor, não se pode falar na omissão de entrega de certificados, por os mesmos terem sido apresentados, ainda que não referentes ao modelo em concreto do equipamento objecto da proposta, não tem razão de ser a convocação do disposto na alínea d), do nº 2 do artº 146º do CCP, aplicável aos casos em que as propostas sejam apresentadas, sem serem constituídas por todos os documentos exigidos nos termos do disposto no nº 1 do artº 57º do CCP.

No caso das contra-interessadas esses documentos foram apresentados, pelo que, não se subsume o caso em presença ao âmbito da factie species invocada pela autora e ora recorrente.

Além disso, como é possível extrair da matéria de facto, a própria autora não apresentou qualquer certificado em relação ao equipamento em causa, pelo que, caso a entidade adjudicante não tivesse decidido como decidiu, segundo o entendimento da autora e ora recorrente, deveria ter ocorrido a exclusão da sua proposta.

Porém, tal como entendeu a sentença recorrida, “(…) da conjugação do estabelecido no Programa de Procedimento, Caderno de Encargos, Anúncio e Despacho nº 11535/2010, publicado no D.R., nº 136, II Série de 15/07 não resulta que a junção dos certificados dos ensaios do grupo energético e tesoura de acordo com as normas em vigor e por entidades credenciadas constitua um atributo da proposta, pois a entidade adjudicante ao estabelecer os critérios da adjudicação e definir a fórmula de classificação das diversas propostas não teve em conta a respectiva certificação, pelo que a sua falta não pode constituir causa de exclusão da proposta.”.

Termos em que, considerando o exposto, improcedem as conclusões formuladas contra a sentença recorrida, por não provadas.


*

Pelo que, nos termos antecedentes, será de denegar provimento ao recurso, mantendo-se a sentença recorrida na ordem jurídica.

*

Sumariando, nos termos do nº 7 do artº 713º do CPC, conclui-se da seguinte forma:

I. Detectando-se após a apresentação das propostas, na fase de audiência dos interessados, uma desconformidade entre o Programa do Procedimento e o Caderno de Encargos, traduzida numa incompatibilidade entre regras do procedimento, nada obsta a que o Júri do procedimento elimine a cláusula do Programa do Procedimento, se com isso não se mostram desvirtuados os princípios estruturantes da contratação pública.

II. Considerando que todas as propostas haviam sido pontuadas com 100 pontos no subfactor “marca utilizada na AHBVE” e que tal subfactor definido no Programa de Concurso, se mostra incompatível com a submissão do equipamento às estipulações técnicas fixadas no Caderno de Encargos, a eliminação ou desconsideração desse subfactor acarreta que ele não seja aplicável, o que traduz que ele foi neutralizado, por todas as propostas terem ficado com a mesma graduação que tinham antes da eliminação desse subfactor.

III. A actuação do Júri do Procedimento traduziu-se na eliminação da desconformidade que existia entre as peças do procedimento, sem que tivesse alterado o modo de avaliação das propostas, por manter o critério e os factores tal como previstos nas peças do procedimento.

IV. Não se questionando que em matéria de procedimentos de formação de contratos, vigora a regra da inalterabilidade ou da estabilidade das regras do procedimento, maxime, após a fase de apresentação de propostas, devendo as peças do procedimento manter-se inalteradas ao longo de todo o procedimento, assim como a entidade adjudicante deve conformar a sua conduta de modo a não privilegiar ou prejudicar qualquer concorrente, assegurando a igualdade de tratamento dos concorrentes, assegurando essa igualdade na apresentação, na comparação e na avaliação das propostas, enquanto princípios estruturantes dos procedimentos pré-contratuais, não resultam tais princípios estruturantes, no caso concreto, violados.

V. Embora, em regra, se mostre proibida a eliminação, o aditamento ou a modificação das regras do procedimento, devendo-se excluir-se a possibilidade de alteração das regras do procedimento após a apresentação das propostas, casos existem em que se admite essa alteração ou modificação, quando a mesma não for de molde a derrogar as próprias bases da concorrência e/ou a mexer com a essência dos princípios estruturantes da contratação pública.

VI. Ao eliminar um dos subfactores de um dos factores de avaliação das propostas, quando o mesmo havia conduzido à atribuição da mesma pontuação a todas das propostas, é seguro dizer que o Júri do procedimento não procedeu à avaliação das propostas com base em elementos que não constassem do Programa do Procedimento ou no Caderno de Encargos, nem passou a valorar as propostas de acordo com critérios que não estivessem anteriormente definidos, antes tendo tido em consideração os aspectos anteriormente fixados nas peças do procedimento, não definindo de modo inovatório, quer o critérios, quer os factores, quer os itens ou subfactores de avaliação das propostas.

VII. As finalidades que presidem aos invocados princípios, mostram-se in casu respeitadas, não sendo de olvidar a plasticidade que é conferida aos princípios, cuja aplicação se faz em função da realidade subjacente a que são chamados a disciplinar.

VIII. Considerando que as contra-interessadas não deixaram de apresentar certificados em relação ao equipamento proposto e que da conjugação do estabelecido no Programa de Procedimento, no Caderno de Encargos, no Anúncio e no Despacho nº 11535/2010, enquanto normas por que se rege o procedimento, não decorre que a junção de tais certificados, constitua um atributo da proposta, pois a entidade adjudicante ao estabelecer os critérios da adjudicação e ao definir a fórmula de classificação das diversas propostas não teve em conta a respectiva certificação, a sua falta não pode constituir causa de exclusão da proposta, nos termos da alínea d), do nº 2 do artº 146º do CCP, aplicável aos casos em que as propostas sejam apresentadas, sem serem constituídas por todos os documentos exigidos nos termos do disposto no nº 1 do artº 57º do CCP.


*

Por tudo quanto vem de ser exposto, acordam os Juízes do presente Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso, mantendo a sentença recorrida na ordem jurídica.

Custas pela recorrente.

(Ana Celeste Carvalho - Relatora)


(Maria Cristina Gallego Santos)

(António Paulo Vasconcelos)