Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 1087/13.1BELRA |
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Secção: | CT |
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Data do Acordão: | 07/15/2025 |
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Relator: | TERESA COSTA ALEMÃO |
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Descritores: | NULIDADE POR CONTRADIÇÃO ENTRE OS FUNDAMENTOS E A DECISÃO CUMPRIMENTO DO JULGADO ANULATÓRIO |
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Sumário: | I – Não é nula por contradição entre os fundamentos e a decisão a sentença cujas premissas de facto ou de direito invocadas só podiam conduzir à conclusão decisória tirada; II – Não havendo dúvidas de que as liquidações impugnadas foram anuladas na totalidade em sede de pronúncia arbitral, a AT, em execução de julgado, deveria ter dado cumprimento a tal julgado anulatório; III - Não o tendo feito, é de manter a sentença que a condenou nos termos em que o fez. |
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Votação: | Unanimidade |
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Indicações Eventuais: | Subsecção Tributária Comum |
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Aditamento: | ![]() |
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Decisão Texto Integral: | I. RELATÓRIO A Directora-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), veio interpor recurso da sentença, proferida em 18 de Junho de 2014, pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, que julgou a presente execução, interposta por D...... e G......, procedente e, em consequência, “- condenou a AT: - à anulação integral da liquidação adicional de IRS e da liquidação de juros compensatórios emitidas com referência ao exercício de 2006; - ao pagamento de juros indemnizatórios, à taxa legal aplicável, contados desde a data em que ocorreu o pagamento do imposto e dos juros compensatórios liquidados; e, - ao pagamento de juros moratórios, nos termos do artigo 43.°, n.° 5 da LGT.”.
A Recorrente termina as alegações de recurso formulando as conclusões seguintes: «1. A fixação da matéria de facto é omissa quanto a factos que relevam para a boa da causa. 2. Em sede de factos fixados, no ponto A. registou-se assim: “(…) Foi proferida pelo tribunal arbitral (...) na qual foi decidido o seguinte: § (...) julgar procedente o pedido dos Requerentes e anular as liquidações de imposto (...) nos termos da decisão arbitral. (...)" - negrito e sublinhado nossos. 3. Fixado este facto, importava que o tribunal, procedesse, também, à fixação dos factos atinentes aos termos da decisão arbitral, porquanto foi com base naquele segmento da decisão arbitral que se sustentou a decisão de que ora se recorre. 4. Impunha-se, portanto, levar à matéria de facto fixada os seguintes factos: A decisão arbitral fixou assim: • “Da consulta de todos os elementos constantes do PA junto aos autos conclui-se que os Requerentes não juntaram prova dos custos de construção suportados com o imóvel alienado. Pelo que, atendendo ao disposto no n.° 3 do artigo 46.° do CIRS há que considerar como valor de aquisição o que resulta da aplicação da primeira parte do referido normativo, ou seja, o valor patrimonial inscrito na matriz. (...) § Neste enquadramento legal, a AT ao determinar que o valor de aquisição do imóvel alienado como o valor correspondente ao valor patrimonial atribuído ao imóvel para efeitos da respetiva inscrição na matriz, ou seja, 62.160,19, atuou dentro do quadro legal aplicável." • “Quanto ao valor declarado pelos Requerentes como valor em divida de empréstimo à data da venda (€ 179.562,75) é forçoso concluir que, dos documentos juntos aos autos, não resulta provado que fosse este o valor em dívida. De resto, à luz do disposto na alínea a) do n.° 5 do artigo 10.° do ClRS são excluídos de tributação os ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar; se no prazo de 24 meses contados da data da realização, o valor da realização, deduzido da amortização de eventual empréstimo contraído para a aquisição do imóvel, for reinvestido na construção, ampliação ou melhoramento de outro imóvel exclusivamente com o mesmo destino e desde que esteja situado em território português. (...)§ Ora, como vimos supra, o imóvel em questão não foi adquirido, mas construído, pelo que não pode aceitar-se a dedução do valor declarado pelos Requerentes. (...) § improcedem as razões invocadas pelos requerentes." • “(...) há que concluir (como concluiu a AT) que tal valor não deverá ser considerado no caso em apreço.” 5. Desta omissão decorre erro nos pressupostos de facto e de direito. 6. A sentença recorrida ignora o segmento da decisão “(...) nos termos da presente decisão arbitral. (...) - segmento, de resto, fixado em A. dos Factos. 7. O que não se pode ter por admissível, tanto mais que a própria sentença reconhece que "apenas parte das alegações formuladas pelos Exequentes tiveram provimento” 8. E constitui erro de julgamento. Assim como constitui erro de julgamento a conclusão de que só "está em causa o segmento decisório da decisão arbitral”. 9. Afirmação que se revela, até, contraditória com a afirmação final contida na sentença “sem prejuízo do cabal cumprimento do julgado exequendo, poderá a AT vir a praticar os atos necessários e adequados para que os Exequentes sejam tributados em sede de IRS de acordo com a fundamentação fáctico-juridica da decisão arbitral exequenda” 10. A decisão recorrida não pode, por um lado, fixar: • que a decisão a executar o deve ser nos termos da presente decisão arbitral. • que "apenas parte das alegações formuladas pelos Exequentes tiveram provimento" e • que "poderá a AT vir a praticar os atos necessários e adequados para que os Exequentes sejam tributados em sede de IRS de acordo com a fundamentação fáctico-juridica da decisão arbitral exequenda” 11. e, por outro lado, decidir dar provimento ao pedido do exequente. Ao fazê-lo incorre, ainda, em oposição entre os fundamentos e a decisão, o que constitui nulidade da sentença, nos termos da alínea c) do n° 1 do art. 615° do CPC. 12. A AT procedeu à execução da decisão arbitral, nos exactos termos em que a mesma foi proferida, o que resulta indubitável do cumprimento escrupuloso de todos os segmentos da decisão: i. No segmento que considerou que a AT actuou dentro do quadro legal aplicável ao determinar que o valor de aquisição do imóvel alienado é o valor de € (supra 5.I., 6. e 7); ii. No segmento que decidiu que não pode aceitar-se a dedução do montante de € 179.562,75, declarado pelos Requerentes relativo a empréstimos alegadamente contraídos para construção do imóvel e declarados em dívida à data da (supra 5.II, 8. e 9.); iii. No segmento que declarou a ilegalidade da correcção referente ao reinvestimento relevante para efeitos de exclusão de tributação de mais sede de IRS, decidindo no sentido da exclusão de tributação do reinvestimento declarado pelos Requerentes, no montante de € 78.000,00. iv. Quer ainda na parte em que a AT é condenada a pagar os juros indemnizatórios devidos aos Requerentes, os quais, sendo devidos “nos termos da presente decisão arbitral", deverão ser pagos na respectiva proporção do que foi declarado ilegal, mas não, como é de direito, na parte em que foi decidido ter a AT actuado quadro legal e na parte em que não foi aceite a dedução do montante de €179.562,75. 13. E, procedeu a uma correcta aplicação das normas legais. Quer da 2ª parte do n.º 1 do art. 22° do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (Decreto Lei n° 10/2011, de 20 de Janeiro): “A decisão arbitral é tomada por deliberação da maioria dos seus podendo esta ser decomposta para esse efeito em pronúncias parciais.” – negrito e sublinhado nossos. Quer do artigo 24 do mesmo diploma: “ 1 - A decisão arbitral sobre o mérito da pretensão (...) vincula a administração tributária (...) devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos judiciais tributários, alternativa ou cumulativamente, consoante o caso: § a) praticar o acto tributário legalmente devido em substituição do acto objecto da decisão arbitral; § b) Restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito; § c) (...); § d) Liquidar as prestações tributárias em conformidade com a decisão afoitral ou abster-se de as liquidar.” - sublinhado nosso. Termos em que, e com o mui douto suprimento de V. Exas, deve o presente Recurso Jurisdicional ser julgado totalmente procedente, e revogada a douta sentença recorrida, assim se fazendo Justiça» **** **** Assim, atento o exposto e as conclusões das alegações do recurso interposto, temos que, no caso concreto, as questões a decidir são as de saber se a sentença recorrida é nula, nos termos do art. 615.º n.º1 c) do CPC, por oposição entre os fundamentos e a decisão e se incorreu em erro de julgamento nos pressupostos de facto e de direito ao ter erradamente condenado AT à anulação integral da liquidação adicional de IRS e da liquidação de juros compensatórios emitidas com referência ao exercício de 2006. **** Colhidos os vistos legais, cumpre decidir já que a tal nada obsta. **** II. FUNDAMENTAÇÃO II.1. De facto A decisão recorrida fixou a seguinte factualidade: “A. Em 18.01.2013, foi proferida sentença por tribunal arbitral no âmbito do processo de arbitragem voluntária n.º 84/2012-T, que correu termos no CAAD - Centro de Arbitragem Administrativa, relativo à impugnação da liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) relativa ao exercício de 2006, e de juros compensatórios, consubstanciada nos documentos de cobrança nº 20…….. e n.s 20…., no valor total de € 22.626,04, o qual foi pago pelos Exequentes, na qual foi decidido o seguinte: "(...) decide-se julgar procedente o pedido dos Requerentes e anular as liquidações de imposto impugnadas com as consequências legais de restituição dos valores liquidados pelos requerentes acrescidos dos juros indemnizatórios, nos termos da presente decisão arbitral." - cf. documento de fls. 7 a 37 dos autos em suporte físico, que se dá por integralmente reproduzido; B. A AT não apresentou recurso jurisdicional da decisão referida no ponto A. supra - facto não controvertido alegado no ponto 3.9 da petição inicial; C. A AT restituiu aos Exequentes o valor de € 10.961,34, a título de imposto, e o montante de € 1.023,46, referente a juros compensatórios - cf. documentos de fls. 38 e 39 dos autos em suporte físico, que se dão por integralmente reproduzidos; D. Em data não determinada, os Exequentes apresentaram requerimento junto do Serviço de Finanças de Benavente pedindo a devolução da totalidade do valor pago relativamente à liquidação adicional de IRS e liquidação juros compensatórios identificadas no ponto A supra, bem como para revogar os atos de execução praticados - cf. documentos de fls. 40 a 42 dos autos em suporte físico, que se dão por integralmente reproduzidos; E. Em 18.02.2013, foi preparada uma Informação pela Direção de Serviços de Consultadoria Jurídica e Contencioso da AT relativamente à execução da decisão arbitrai referida no ponto A. supra, na qual, para além do mais, consta o seguinte; “V-Da Execução do Julgado 1. De harmonia com a alínea b) do artigo 24.3 do RJ AT, a decisão arbitrai sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a AT a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação. 2. Nos termos supra expostos, a decisão arbitral em referência transitou em julgado. > quer na parte em que considerou que a AT actuou dentro do quadro legal aplicável ao determinar que o valor de aquisição do imóvel alienado é o valor de € 62.160,19 quer no segmento da decisão em que decidiu que não pode aceitar-se a dedução do montante de € 179.562,75, declarado pelos Requerentes relativo a empréstimos alegadamente contraídos para construção do imóvel e declarados em dívida à data da alienação, havendo que concluir (como concluiu a AT) que tal não deverá ser considerado no caso em apreço; > quer na parte em que declarou a ilegalidade da correcção referente ao valor do reinvestimento relevante para efeitos de exclusão de tributação de mais valias em sede de IRS, decidindo no sentido de exclusão de tributação do valor do reinvestimento declarado pelos Requerentes, no montante de € 78.000,000. > quer ainda na parte em que a AT é condenada a pagar os juros indemnizatórios devidos aos Requerentes, os quais, sendo devidos "nos termos da presente decisão arbitral", deverão ser pagos na respectiva proporção do decaimento. Razão pela qual, deverá a presente decisão arbitral ser executada, nos exactos termos que resultam de todo o seu decisório, de acordo com o supra explicitado, no ponto III -1., 2., e 3. e no ponto V-1. E 2. (...)"- cf. documento de fls. 46 a 49 dos autos em suporte físico, que se dá por integralmente reproduzido; F. Em 07.06.2013, foi proferido despacho pelo Chefe do Serviço de Finanças de Benavente relativamente ao requerimento apresentado pelos Exequentes referido no ponto D. supra, no qual, para além do mais, consta o seguinte: “Em face do decidido pelo Árbitro do CAAD Centro de Arbitragem Administrativa, no âmbito do ps 84/2012-T, cuja Decisão Arbitral faz parte integrante do presente Processo Administrativo, considerando a informação prestada pela Direção de Serviços de Consultadoría Jurídica e Contencioso, confirmo os elementos carreados para o Documento de Correcçõo que deu origem à liquidação n.º 20……. referente ao IRS do ano de 2006, com um valor a pagar de € 12.987,76. (...) -cf. documento a fls. 45 dos autos em suporte físico, que se dá por integralmente reproduzido; G. Em 13.08.2013, os Exequentes apresentaram petição de execução da sentença proferida no processo de arbitragem voluntária n.º 84/2012-T, que correu termos no CAAD - Centro de Arbitragem Administrativa - cf. carimbo aposto a fls. 1 dos autos em suporte físico.”
No que diz respeito à motivação da prova fixada, a sentença tem o seguinte teor: “A convicção do Tribunal resultou da análise dos documentos juntos aos autos, que se encontram identificados na matéria de facto dada como assente, os quais não foram impugnados pelas Partes.” *** II.2. Como se viu, a Recorrente entende que os factos que foram dados como provados não são suficientes para a decisão a proferir, nomeadamente, quando transcreveu, apenas, o segmento decisório, entendendo ser muito relevante o aditamento dos seguintes segmentos da decisão arbitral: «• “Da consulta de todos os elementos constantes do PA junto aos autos conclui-se que os Requerentes não juntaram prova dos custos de construção suportados com o imóvel alienado. Pelo que, atendendo ao disposto no n.° 3 do artigo 46.° do CIRS há que considerar como valor de aquisição o que resulta da aplicação da primeira parte do referido normativo, ou seja, o valor patrimonial inscrito na matriz. (...) § Neste enquadramento legal, a AT ao determinar que o valor de aquisição do imóvel alienado como o valor correspondente ao valor patrimonial atribuído ao imóvel para efeitos da respetiva inscrição na matriz, ou seja, 62.160,19, atuou dentro do quadro legal aplicável." • “Quanto ao valor declarado pelos Requerentes como valor em divida de empréstimo à data da venda (€ 179.562,75) é forçoso concluir que, dos documentos juntos aos autos, não resulta provado que fosse este o valor em dívida. De resto, à luz do disposto na alínea a) do n.° 5 do artigo 10.° do ClRS são excluídos de tributação os ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar; se no prazo de 24 meses contados da data da realização, o valor da realização, deduzido da amortização de eventual empréstimo contraído para a aquisição do imóvel, for reinvestido na construção, ampliação ou melhoramento de outro imóvel exclusivamente com o mesmo destino e desde que esteja situado em território português. (...)§ Ora, como vimos supra, o imóvel em questão não foi adquirido, mas construído, pelo que não pode aceitar-se a dedução do valor declarado pelos Requerentes. (...) § improcedem as razões invocadas pelos requerentes." • “(...) há que concluir (como concluiu a AT) que tal valor não deverá ser considerado no caso em apreço.”» Ora, entendendo este Tribunal que foi dado o devido cumprimento às regras impostas no art. 640.º do CPC, e aceitando-se que estes segmentos decisórios poderão trazer uma melhor visão geral da decisão arbitral exequenda, aceita-se tal aditamento, o qual ficará a fazer parte do ponto A. do probatório, logo a seguir à expressão “na qual foi decidido o seguinte:” Acontece, porém, que, para além dos segmentos agora aditados, este Tribunal entende ser relevante aditar outros, também consignados na decisão arbitral, por forma a clarificar a questão decidenda, o que faz ao abrigo do art. 662.º n.º 1 do CPC. Assim, ainda no ponto A. do probatório, seguidamente aos segmentos aditados supra, aditam-se os seguintes: «(…) Em conclusão e em obediência ao princípio da legalidade constitucionalmente consagrado, não pode o aplicador de uma norma de incidência tributária extravasar os limites que essa mesma norma impõe como condição ou pressuposto para a sua aplicação. Pelo que, a aplicação da lei em vigor, interpretada nos termos sustentados pela AT nos presentes autos se afigura contrária à Constituição, por violação do disposto no artigo 103.º, nº 2 da Lei Fundamental. O legislador não faz qualquer referência à possibilidade de aplicação dos critérios de limitação do valor de reinvestimento utilizados pela AT, pelo que, os atos tributários emanados enfermam de erro sobre os pressupostos de facto e de direito. Em consequência, há que considerar as liquidações de imposto ilegais, por violação de lei, e em consequência determinara sua anulação. Verificados os pressupostos legais previstos no nº 5, do artigo 10º do ClRS, que permitem considerar como excluído de tributação o valor do reinvestimento realizado pelos Requerentes, o qual à luz da factualidade resultante provada nos presentes autos foi de € 78.000,00, devia o mesmo ter sido excluído da tributação em sede de IRS. Por tudo isto as liquidações impugnadas são ilegais e devem ser anuladas.» Estabilizada a matéria de facto, vejamos agora o recurso que que nos vem dirigido. II. 3. De Direito Como se viu, no caso concreto, a Recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, imputando-lhe nulidade por oposição entre os fundamentos e a decisão, nos termos da alínea c) do n.° 1 do art. 615.° do CPC. Para tanto, defende, em suma, que, tendo a decisão arbitral que ser vista como um todo, e tendo sido dada parcial razão à AT nos valores utilizados no apuramento das mais-valias, e contendo o segmento decisório a menção “nos termos da presente decisão arbitral”, estava a AT autorizada a executar a decisão tendo em conta os valores que foram confirmados pela decisão exequenda. A sentença recorrrida, teve o seguinte discurso fundamentador: “Do segmento decisório da acima referida decisão arbitrai resulta, de forma clara e inequívoca, que o árbitro nomeado determinou a anulação das liquidações impugnadas e a restituição dos valores pagos pelos ora Exequentes, acrescidos de juros indemnizatórios. Sendo este o segmento decisório da decisão arbitral, a AT terá, necessariamente, de dar cumprimento ao mesmo. O que significa que in casu a AT apenas terá dado integral cumprimento ao julgado quando tiver anulado as liquidações impugnadas e procedido à restituição integral do valor pago pelos ora Exequentes, acrescido de juros indemnizatórios. (…) Ora, flui dos factos provados que a AT apenas restituiu aos Exequentes o valor de € 10.961,34, a título de imposto, e o montante de € 1.023,46, referente a juros compensatórios (cf. ponto C. dos factos provados). Face ao acima exposto, verificamos, portanto, que a AT ainda não deu integral cumprimento ao segmento decisório da decisão arbitral proferida no processo n.° 84/2012- T. Diga-se que não pode proceder a argumentação expendida na oposição apresentada pela AT, no sentido de que já deu cumprimento à decisão arbitral uma vez que já restituiu aos ora Exequentes o valor proporcional à parte da correção que foi anulada, sustentando, em síntese, que as liquidações em causa foram apenas parcialmente anuladas. Senão vejamos. No caso sub judice, retiramos do segmento decisório da decisão exequenda que não houve lugar à anulação parcial das liquidações impugnadas, mas antes à anulação integral das mesmas. A anulação das liquidações adicionais implica de per si o desaparecimento da ordem jurídica desses atos tributários, com a consequente extinção da dívida tributária apurada. Se o árbitro andou bem ou mal na redação do segmento decisório não é uma questão que possa ou deva, nesta sede, ser apreciada. E certo, e este Tribunal não desconsidera, que, como invoca a AT, apenas parte das alegações formuladas pelos Exequentes no processo arbitral tiveram provimento (cf. ponto A. dos factos assentes). Contudo, o que está em causa nos presentes autos é a execução do segmento decisório da decisão arbitral que determina a anulação das liquidações impugnadas e a restituição integral do valor pago, acrescido de juros indemnizatórios. Como dispõe o artigo 100.° da Lei Geral Tributária (LGT), “A. administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou pardal de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judiáal a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade”, o que, como ensina a melhor doutrina, mais não traduz que um simples postulado do princípio constitucional que dispõe que as decisões dos tribunais transitadas em julgado são obrigatórias para todas as entidades públicas e privadas e prevalecem sobre as de quaisquer outras autoridades (cf. artigo 205.° da Constituição da República Portuguesa). E também um simples corolário do sentido do princípio constitucional nos termos do qual o poder jurisdicional foi constitucionalmente conformado enquanto órgão de soberania, imparcial e independente e por via do qual as decisões são obrigatórias ex natura constitucional e não por força de qualquer poder exterior. (…) Dir-se-á, portanto, in casu, e de acordo com o segmento decisório do julgado exequendo, que a reconstituição da situação que existiria se as liquidações adicionais não tivessem sido emitidas passa, necessariamente, tal como peticionado pelos Exequentes, pela sua anulação e pela restituição integral do valor pago e, bem assim, pelo pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.° da LGT.» Vejamos, pois, lembrando que, nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º1, al. c) do CPC, “É nula a sentença quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;”. A nulidade da sentença decorrente da oposição entre os fundamentos e a decisão encontra também previsão expressa no art. 125.º, nº 1 do CPPT, nos termos da qual é nula a sentença quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão. Tal nulidade sanciona um vício formal, que afecta o respectivo silogismo judiciário, concretizado num vício lógico de construção da decisão, em que as premissas de facto ou de direito invocadas pelo julgador deviam conduzir não à conclusão decisória tirada, mas antes a uma diferente, porventura oposta àquela [neste sentido, entre outros, o acórdão do STA de 01/02/01, processo nº 39.011, o acórdão do STA/Pleno, de 06/02/07, processo nº 322/06 e o acórdão da SCT do STA, de 09/05/07, processo nº 1193/05; Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, 1982, Tomo V, página 141]. Sublinha-se, portanto, que a contradição relevante em termos de nulidade é a havida unicamente entre a decisão e os fundamentos utilizados na sentença; outras contradições configuráveis – como, por exemplo, entre fundamentos de uma mesma decisão, entre decisões, fundamentadas ou não ou entre a decisão e os fundamentos adoptados em diferente decisão, proferida no mesmo processo – podem resultar em erro de julgamento que não na apontada invocada nulidade. Como se refere no acórdão do TCAN, de 25/01/13, no processo nº 00767/07.5 BEPRT, “O que distingue esta invocada nulidade do correspondente erro de julgamento é que ela é um vício formal, ostensivo, detectável com relativa facilidade pelo próprio julgador, de tal forma que poderá ser ele mesmo a supri-la [ver artigo 668º, nº4, na versão aqui aplicável]. Por sua vez, o erro de julgamento tem a ver com a interpretação e a aplicação das normas legais convocadas, traduzindo-se numa possível, mas eventualmente errada, subsunção dos respectivos factos ao direito. E por isso mesmo, esgotado que está o poder jurisdicional do tribunal a quo [666º nº1 CPC], este erro de julgamento apenas poderá ser remediado pelo tribunal ad quem em sede de recurso jurisdicional”. Ora, descendo ao caso concreto, desde já se adianta que a sentença recorrida não incorreu, de forma evidente, em contradição entre os fundamentos e a decisão e, como tal, não é nula. Com efeito, como se viu, a sentença baseou a sua decisão no segmento decisório, de acordo com o qual, dúvidas não restam, de que a liquidação impugnada foi anulada na sua totalidade e ainda enfrentou a questão, posta pela AT, da eventual anulação parcial da liquidação, concluindo, com razão, que a mesma não ocorreu. Ou seja, as premissas de facto ou de direito invocadas na sentença só podiam conduzir à conclusão decisória tirada. Coisa diferente, e que também foi abordada na sentença recorrida, era se a própria decisão exequenda padecia desse vício, mas, tal questão está claramente apartada do âmbito da presente execução de julgado, devendo a ora Recorrente ter reagido em tempo a tal situação – o que se viu, não aconteceu. Não é, pois, a sentença nula, nos termos do art. 615.º n.º 1 c) do CPC. Aqui chegados, atendendo ao probatório e ao que se deixou dito quanto à inexistência de nulidade da decisão recorrida, é já antecipável a decisão a proferir quanto ao invocado erro de julgamento. De facto, e apesar de a decisão exequenda ter dado razão a parte das questões invocadas pela AT quanto ao valor a considerar no cálculo das mais-valias, a verdade é que, como resulta dos segmentos aditados em A. do probatório, acabou por entender que tal liquidação era ilegal, nos seguintes termos: “O legislador não faz qualquer referência à possibilidade de aplicação dos critérios de limitação do valor de reinvestimento utilizados pela AT, pelo que, os atos tributários emanados enfermam de erro sobre os pressupostos de facto e de direito. Em consequência, há que considerar as liquidações de imposto ilegais, por violação de lei, e em consequência determinara sua anulação. Verificados os pressupostos legais previstos no nº 5, do artigo 10º do ClRS, que permitem considerar como excluído de tributação o valor do reinvestimento realizado pelos Requerentes, o qual à luz da factualidade resultante provada nos presentes autos foi de € 78.000,00, devia o mesmo ter sido excluído da tributação em sede de IRS. Por tudo isto as liquidações impugnadas são ilegais e devem ser anuladas.” Ora, daqui resulta não haver qualquer dúvida de que a liquidação impugnada foi anulada na totalidade, e não apenas parcialmente. Se o foi mal ou bem, como acima se disse, é questão que não pode ocupar este Tribunal e que devia ter sido posta numa eventual impugnação da decisão arbitral. Desta forma, não tendo a AT devolvido a totalidade do valor da liquidação de IRS impugnada, assistia razão aos Exequentes, sendo de manter a sentença, a qual não merece qualquer censura, que condenou a AT: “- à anulação integral da liquidação adicional de IRS e da liquidação de juros compensatórios emitidas com referência ao exercício de 2006; - ao pagamento de juros indemnizatórios, à taxa legal aplicável, contados desde a data em que ocorreu o pagamento do imposto e dos juros compensatórios liquidados; e, - ao pagamento de juros moratórios, nos termos do artigo 43.°, n.° 5 da LGT.” Improcede, nestes termos, o recurso da AT. III. DECISÃO Face ao exposto, decide-se negar provimento ao recurso, mantendo-se a sentença recorrida. Custas pela Recorrente. Registe e notifique. Lisboa, 15 de Julho de 2025
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