Decisão Texto Integral: | Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:
I…, devidamente identificada nos autos de acção administrativa de impugnação, com tramitação urgente, que instaurou contra o Ministério da Administração Interna (MAI), inconformada, veio interpor recurso jurisdicional da decisão, proferida em 29.10.2021, pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa (TACL), que julgou a acção improcedente e, em consequência, absolveu a Entidade demandada dos pedidos [de anulação da decisão de recusa de asilo e de autorização de residência por protecção subsidiária, emitindo-se decisão no sentido da sua concessão].
Nas respectivas alegações, a Recorrente formulou as seguintes conclusões:
«A) O Tribunal a quo omitiu ou errou na decisão sobre a produção de prova por declarações de parte, contrariando o requerido pela ora recorrente na Petição Inicial.
B) No entendimento da recorrente é absolutamente essencial à boa decisão da causa, em cumprimento do princípio da tutela jurisdicional efectiva, que seja ordenada a sua audição.
C) A recorrente só assim poderá demonstrar a veracidade das suas declarações e aprofundá-las.
D) A Decisão sub judice, enferma do vício de violação de lei, por desrespeito dos prazos previstos nos artigos 28.º e 29.º da Lei de Asilo.
E) Em 29/12/2015, foi proferida pelo Diretor Nacional Adjunto do SEF decisão de prossecução para instrução do pedido de Asilo da recorrente, constante de fls. 56 do PA.
F) A 05/03/2021 o Exmo. Sr. Ministro da Administração Interna decide recusar o seu pedido de proteção internacional, conforme consta a fls. 107 do PA.
G) Este subprocedimento encerra uma fase de instrução, culminando na decisão final de recusa ou de concessão do pedido de proteção internacional (cfr. artigos 27.º a 29.º da Lei de Asilo).
H) A decisão impugnada está inquinada por vício de violação de lei por verificado o vício procedimental decorrente da ultrapassagem dos prazos previstos nos artigos 28.º e 29.º da lei de Asilo.
I) A duração da fase de instrução prevista no artigo 28.º da Lei de Asilo, em que o legislador optou por consagrar um prazo especial de seis meses para a fase da instrução, que apenas pode ser excepcionalmente estendido por outros três meses “em casos de especial complexidade”, não pode ser ultrapassada sem que se retirem consequências, designadamente de deferimento tácito.
J) A Lei do Asilo confere ao silêncio da Administração no prazo fixado para o decurso da instrução o valor de deferimento do pedido de protecção internacional, assim como confere o valor de deferimento tácito quando a Administração nada diz no prazo para decisão sobre a admissibilidade ou não do pedido de proteção internacional.
K) Sem prejuízo do disposto no n.º 1 do artigo 130.º do Código de Procedimento Administrativo (CPA), sob a epígrafe ATOS TÁCITOS, nestes devem também ser incluídos todos aqueles em que tendo a Administração um dever de decidir em determinado prazo não o faça, nos termos do n.º 2 daquele artigo.
L) Razão pela qual a Recorrente reitera que, pelo menos 50 meses depois, daquele que deveria ter sido o prazo da instrução (que deveria ter sido até 6 meses) e/ou o prazo da apresentação da proposta do SEF ao membro do Governo responsável pela área da administração (que deveria ter sido até 10 dias) e/ou o prazo da decisão deste último (que deveria ter sido até 8 dias), o procedimento apresenta um vício de lei, que se invoca, por insanado e insanável.
M) Interpretação diversa colide e viola os princípios fundamentais do Estado de Direito Democrático plasmados nos seus artigos 1.º, 2.º, 8.º, 13.º, 20.º e 267.º, n.º 5, do artigo 41.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, do artigo 18.º Declaração Universal dos Direitos do Homem, dos artigos 2.º, 3.º, 5.º, 6.º e 14.º a Convenção Europeia dos Direitos do Homem, da Convenção de Genebra de 28 de julho de 1951 e o Protocolo Adicional de 31 de janeiro de 1967), designadamente no direito da recorrente a um processo célere.
N) Conforme resulta do artigo 84.º da Lei do Asilo, tais processos assumem um carácter urgente.
O) Cai por terra a interpretação e integração contra-sistémica que o Tribunal a quo pretende fazer, quando ex vi do artigo 86.º da Lei do Asilo, o deveria ter feito de harmonia com a Declaração Universal dos Direitos do Homem, a Convenção Europeia dos Direitos do Homem, a Convenção de Genebra de 28 de julho de 1951 e o Protocolo Adicional de 31 de janeiro de 1967.
P) A decisão por manifestamente extemporânea, deve culminar com a concessão de proteção internacional à recorrente.
Q) O recurso ora interposto para o TCAS abrange o invocado erro de julgamento sobre a questão de querer imputar à recorrente o ónus de no decurso do procedimento sub judice o país donde fugiu ter mudado de presidente.
R) A…, marido da recorrente, pertencia ao corpo de segurança do General F… e, em final de setembro de 2010, ambos foram detidos, por razões político-partidárias.
S) O ditador J… foi presidente da República Democrática do Congo até 2018, não tendo qualquer pudor em utilizar a força para eliminar os seus contestatários (e familiares destes), como era o caso daqueles.
T) A tomada de posse, como Presidente da República, de F…., apenas ocorreu após as eleições de 2018.
U) O facto de terem cessado as razões com base nas quais a recorrente poderia ter obtido a requerida (e admitida) proteção internacional, que a não ter acontecido pelo decurso de cerca de 5 anos de instrução veiculada pela recorrida, não serve como fundamentação válida para a recorrente deixar de beneficiar do direito de asilo em Portugal.
V) A decisão recorrida deve ser revogada e substituída por outra que conceda proteção internacional à recorrente.».
Notificado para o efeito, o Recorrido não apresentou contra-alegações.
O juiz a quo pronunciou-se pela improcedência das invocadas nulidades da sentença recorrida.
O Ministério Público, junto deste Tribunal, notificado nos termos e para efeitos do disposto nos artigos 146º e 147°, do CPTA, não emitiu parecer.
Sem vistos dos Exmos. Juízes-Adjuntos, por se tratar de processo urgente (cfr. o nº 2 do artigo 36º do CPTA), o processo vem à Conferência para julgamento.
As questões suscitadas pela Recorrente são delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, nos termos do disposto no nº 4 do artigo 635º e nos nºs 1 a 3 do artigo 639º, do CPC ex vi nº 3 do artigo 140º do CPTA, significando que:
- nas alegações de recurso deve o recorrente indicar as razões de facto e de direito pelas quais discorda da decisão recorrida, considera que não observou as formalidades legais na sua elaboração ou incorreu em erros de julgamento, que constituam os fundamentos para a sua anulação, revogação ou modificação, terminando com as conclusões, em que resume, sintetiza os fundamentos da discordância alegada;
- por serem uma súmula das alegações de recurso está vedado o alargamento nas conclusões do âmbito das alegações, ou seja, as conclusões de recurso que versem sobre matéria não tratada nas alegações são totalmente irrelevantes (no mesmo sentido v. o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 8.6.2018, no proc. nº 1840/16.4T8FIG-A.C1, in www.dgsi.pt);
- por outro lado, como resulta do disposto no mencionado artigo 635º, a delimitação do objecto do recurso, das questões que cumprem ao tribunal superior conhecer, é efectuada pelas conclusões, significando que se estas não sumariarem todas as questões vertidas nas alegações de recurso, só as constantes das conclusões e nos termos em que o forem, serão apreciadas pelo tribunal de recurso [para além das que forem de conhecimento oficioso].
Servem as tecidas considerações para explicitar que nas alegações do presente recurso vem invocada a nulidade da sentença recorrida por não produção de prova por declarações de parte e por vício de violação de lei por desrespeito dos prazos previstos nos artigos 28º e 29º da Lei do Asilo.
Nas conclusões de recurso, no entanto, apenas consta que o tribunal omitiu ou errou na decisão sobre a produção da prova por declarações de parte e que a decisão recorrida enferma do vício de violação de lei por violação dos prazos referidos nos referidos artigos da Lei do Asilo.
Em face do que as questões que cumprem a este Tribunal conhecer consistem, de acordo com as conclusões do recurso, em saber se a sentença recorrida incorreu em nulidade por omissão de pronúncia sobre o requerimento de prova por declarações de parte e se enferma de erros de julgamento ao considerar a acção improcedente.
A matéria de facto relevante é a constante da sentença recorrida, a qual, por não ter sido impugnada, aqui se dá por reproduzida, nos termos e para os efeitos do disposto no nº 6 do artigo 663º do CPC, ex vi o nº 3 do artigo 140º do CPTA.
Importa agora apreciar os fundamentos do recurso.
i) Da nulidade da sentença por omissão de pronúncia
Alega a Recorrente que o tribunal recorrido omitiu (ou errou) na decisão sobre a decisão da prova por declarações de parte, que peticionou na petição inicial e que entende ser absolutamente essencial à boa decisão da causa e, em cumprimento do princípio da tutela jurisdicional efectiva, que seja ordenada a sua audição.
Resulta da alegação e das conclusões de recurso que o respectivo objecto é a sentença de improcedência proferida pelo tribunal recorrido.
Lida a decisão recorrida constata-se que a mesma não faz, efectivamente, qualquer alusão ao requerimento de prova por declarações de parte, formulado pela A./recorrente, ou à decisão que recaiu sobre o mesmo, a ter existido.
Contudo, imediatamente antes da sentença recorrida encontra-se um despacho do juiz a quo com a epígrafe “Da produção adicional de prova” que analisa o pedido de prova por declarações formulado pela A./recorrente e termina com a decisão de indeferimento desse pedido.
Donde, é de entender que o juiz a quo não decidiu de tal requerimento na sentença recorrida por não ter que o fazer, por o mesmo já ter sido decidido em momento anterior à sua prolação, não se verificando a invocada omissão de pronúncia.
Até porque, de acordo com o disposto na alínea d) do artigo 615º do CPC, só ocorre nulidade da sentença por omissão de pronúncia quando o tribunal não se pronuncia, em absoluto, sobre questões - matérias respeitantes ao pedido e à causa de pedir - que devesse apreciar e conhecer, quer sejam de conhecimento oficioso quer sejam colocadas à apreciação e decisão do tribunal pelos sujeitos processuais. O que não se verifica na situação em apreciação.
Por fim, não tendo a Recorrente interposto recurso do despacho de indeferimento do pedido de prova por declarações de parte, o mesmo transitou em julgado, pelo que a este Tribunal está vedado o conhecimento desta questão até na vertente de erro de julgamento.
Em face do que não podem proceder as conclusões A) a C) do recurso.
Dos erros de julgamento de direito:
Alega a Recorrente que: i) o acto impugnado não respeitou os prazos previstos nos artigos 28º e 29º da Lei do Asilo, porque em 29.12.2015 foi proferida decisão pelo Director Nacional Adjunto do SEF para prossecução para instrução do seu pedido de asilo e só em 5.3.2021 o Ministro da Administração Interna decidiu recusar esse pedido, ultrapassando o prazo de 6 meses previsto para a instrução que apenas pode ser excepcionalmente estendido por três meses, devendo considerar-se que ocorreu deferimento tácito do seu pedido, nos termos da Lei do Asilo e do nº 1 do artigo 130º do CPA, pelo que o procedimento padece do vício de violação de lei, insanado e insanável, interpretação diversa colide com o disposto nos artigos 1º, 2º, 8º, 13º, 20º e 267º, nº 5 da CRP, do artigo 41º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, do artigo 18º Declaração Universal dos Direitos do Homem, dos artigos 2º, 3º, 5º, 6º e 14º a Convenção Europeia dos Direitos do Homem, da Convenção de Genebra de 28 de Julho de 1951 e o Protocolo Adicional de 31 de Janeiro de 1967), designadamente no direito a um processo célere, prevendo a artigo 84º da Lei do Asilo que tais processos são urgentes; ii) errou o tribunal recorrido ao querer imputar-lhe o ónus de no decurso do procedimento o país de onde fugiu ter mudado de presidente, o facto de terem cessado as razões com base nas quais podia ter obtido a concessão do direito de protecção internacional, com as alterações da presidência no seu país de origem, atendendo ao decurso de cinco anos de instrução do seu pedido, não serve como fundamentação válida para deixar de beneficiar do direito de asilo em Portugal.
Da sentença recorrida, a propósito da questão i), extrai-se o seguinte:
«(…), o segundo subprocedimento já encerra uma ampla fase de instrução, culminando na decisão final de recusa ou de concessão do pedido de proteção internacional (cfr. artigos 27.º a 29.º da Lei de Asilo).
E neste circunspeto, a Autora veio aduzir, entre o mais, que “(...) [i]sto é, pelo menos 50 meses depois, daquela que deveria ter sido o prazo da instrução (que deveria ter sido até 6 meses) e/ou o prazo da apresentação da proposta do SEF ao membro do Governo responsável pela área da administração (que deveria ter sido até 10 dias) e/ou o prazo da decisão deste último (que deveria ter sido até 8 dias).” E concluiu que “[d]este modo, salvo o devido respeito por entendimento diverso, o procedimento apresenta um vício de lei, que se invoca, por insanado e insanável.”
Primeiramente, sempre se dirá que no tocante à duração da fase de instrução prevista no artigo 28.º da Lei de Asilo merece ser reproduzida a doutrina expendida – e de que comungamos – pelas Autoras, Ana Sofia Pinto e Oliveira e Anabela Russo arrazoando, entre o mais, que “[o] legislador optou por prever um prazo geral de seis meses para a fase da instrução (artigo 28.º, n.º 2), que pode ser estendido por outros três meses “em casos de especial complexidade”. A Lei do Asilo não confere ao silêncio da Administração no prazo fixado para o decurso da instrução o valor de deferimento ou de indeferimento do pedido de proteção internacional. Embora o processo administrativo preveja a possibilidade de os titulares de direitos reagirem contra o silêncio da Administração, quando um ato administrativo tenha sido ilegalmente omitido 117 (117 CPTA, artigos 66.º e ss.) (…) (vide “Lei do asilo: anotada e comentada” / coord. A. Sofia Pinto Oliveira, Anabela Russo, Lisboa, Petrony, 2019, p. 223). (sublinhado nosso)
Por sua vez, há que não olvidar – como já foi anteriormente abordado –, que finda a fase de instrução, o SEF lavra proposta fundamentada de concessão ou recusa do estatuto de proteção internacional, notificando o requerente para sobre esta se pronunciar em 10 dias, [o que sucedeu no caso concreto, conforme resulta da alínea H) do probatório /cfr. n.º 2 do artigo 29.º da Lei de Asilo]. Na sequência, a proposta é enviada ao Diretor Nacional do SEF [proposta que consta precisamente da parte final da Informação n.º …/…/21 e que manteve na íntegra e nos seus precisos termos o referido projeto de decisão, sustentado na Informação n.º …/…/2016 conforme emerge da alínea K) do probatório] que, por seu turno, a remete, em 10 dias, ao responsável ministerial pela pasta da Administração Interna – o que também sucedeu no caso concreto por via do Diretor Nacional Adjunto, tal como resulta da alínea L) do probatório –, órgão competente para, em 8 dias, decidir homologar ou não o parecer [como sucedeu através do despacho de recusa proferido pelo Ministro da Administração Interna, conforme consta da alínea M) do probatório]. Tomada a decisão pelo Ministro, o SEF notifica o requerente da mesma, em língua que este compreenda, e bem assim os representantes do ACNUR e do CPR, caso o requerente tenha consentido na sua representação [o que sucedeu no presente caso concreto, conforme plasmado na alínea N) do probatório / cfr. n.º 6 do artigo 29.º da Lei de Asilo].
Contudo e antes de mais, cumpre referir que a decisão deve ser expressa, pois nesta fase a lei não concede efeitos substantivos ao silêncio. E há que não descorar o disposto no n.º 1 do artigo 130.º do Código de Procedimento Administrativo (CPA) quanto aos atos tácitos, ou seja, “[e]xiste deferimento tácito quando a lei ou regulamento determine que a ausência de notificação da decisão final sobre pretensão dirigida a órgão competente dentro do prazo legal tem o valor de deferimento.” Por outras palavras, e de acordo com o estatuído no n.º 1 do artigo 130.º do CPA de 2015, a formação de deferimento tácito tem de estar expressamente prevista em lei ou regulamento extravagante, sendo certo que in casu inexiste tal lei extravagante a prever a formação de deferimento tácito no tocante à concessão ou recusa de proteção internacional.
Nestes termos, esta segunda fase do procedimento pode terminar:
(i) Com uma decisão homologatória – de concessão da proteção internacional, a qual concederá ao requerente a concomitante autorização de residência, por 5 ou 3 anos, conforme se explicou supra, e o investirá num conjunto de direitos;
(ii) Com uma decisão não homologatória – de recusa de concessão da proteção internacional (como ocorreu no caso concreto ora em apreço), a qual o requerente tem a opção de impugnar perante os tribunais administrativos, em 15 dias e com efeito suspensivo (n.º 1 do artigo 30.º), e face à qual tem 30 dias para sair de Portugal (n.º 1 do artigo 31.º);
(iii) Por extinção, nos termos do artigo 32.º.
(…)
Assim, do exposto, não resulta, pois, que a decisão impugnada esteja inquinada, de algum modo, por vício de violação de lei por verificado o vício procedimental decorrente da ultrapassagem dos prazos previstos nos artigos 28.º e 29.º da lei de Asilo, nos precisos termos em que esse mesmo vício foi suscitado pela ora Autora.».
E o assim bem decidido é para manter.
Até porque em sede de recurso a Recorrente, que não impugnou a decisão da matéria de facto, mormente os factos de que se extrai os vários actos proferidos em sede de instrução do seu pedido de protecção internacional, e na decisão impugnada, se limita a discordar do decidido, reiterando o que já tinha alegado na acção, no respectivo articulado, sem concretizar as razões porque discorda e os termos em que centra o seu ataque ao decidido e respectiva fundamentação.
O juiz a quo decidiu que, independentemente do tempo que demorou desde o início do segundo subprocedimento, com a instrução do pedido, até ao acto de decisão final, foram observados os trâmites previstos nos artigos 28º e 29º da Lei do Asilo e que, finda a instrução, a decisão não tinha que ser de deferimento, podendo ser como foi, de recursa da protecção internacional requerida.
Independentemente do que, ao contrário do que alega a Recorrente, nem da Lei do Asilo, no artigo 28º, nem do nº 1 do artigo 130º do CPA, se pode retirar a ilação de que a lei atribui à demora da Administração a instruir o procedimento para além dos seis meses (mais três), o efeito de deferimento tácito.
Mais, a Recorrente não explica porque entende que interpretação diversa daquela que [erradamente] defende colide com o disposto nos artigos 1º, 2º, 8º, 13º, 20º e 267º, nº 5 da CRP, do artigo 41º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, do artigo 18º Declaração Universal dos Direitos do Homem, dos artigos 2º, 3º, 5º, 6º e 14º a Convenção Europeia dos Direitos do Homem, da Convenção de Genebra de 28 de Julho de 1951 e o Protocolo Adicional de 31 de Janeiro de 1967), designadamente no direito a um processo célere, prevendo a artigo 84º da Lei do Asilo que tais processos são urgentes, até porque, pretendendo ficar em Portugal e tendo-lhe sido concedida autorização de residência provisória no território nacional até à decisão final do procedimento [v. factos E) e F)], não foi prejudicada pela alegada demora da respectiva instrução.
Donde, não podem proceder as conclusões de D) a P) do recurso.
Quanto ao alegado ii), extrai-se da fundamentação da sentença recorrida o seguinte:
«(…), o que resulta do probatório, para além do não cumprimento do respetivo ónus dos factos que alegou quanto ao pedido de asilo, ou subsidiariamente, de autorização de residência por proteção subsidiária, é que inexiste, de igual modo, a contemporaneidade da ameaça/receio de perseguição que Autora teme por força de eventual regresso ao seu país de origem, motivada pela atuação do seu marido no período temporal que mediou entre 2010 (por ocasião da sua detenção em setembro de 2010) e 2011 (já no momento do abandono por parte da Autora da RDC e posterior ida para a República de Angola).
Melhor concretizando, cabe ao requerente do pedido de asilo ou, subsidiariamente, de autorização de residência por razões humanitárias, o ónus da prova dos factos que alega. E para tanto, exige-se um relato coerente, credível e suficientemente justificador do sentimento de impossibilidade de regressar ao país de origem por parte do requerente do pedido de asilo/protecção subsidiária, que os factos apurados permitem concluir não existir, desde logo pela incoerência da narração e falta de credibilidade dos motivos que são apresentados como justificativos da medida de proteção. E, note-se que não está demonstrado nos autos que a Autora tivesse sido alvo de tratamento que colocasse em causa a sua vida ou integridade física, por parte das autoridades da RDC.
Em acréscimo, os factos invocados pela Autora, ora requerente de proteção internacional ocorridos entre 2010 e 2011 carecem de atualidade e não permitem estabelecer o nexo de causalidade entre os factos alegados e o receio invocado, malgrado a informação que foi disponibilizada pelo Conselho Português para os Refugiados em janeiro de 2017 aquando do conhecimento do projeto de recusa de concessão de proteção internacional, vertido na Informação n.º …/…/16 [cfr. alínea J) do probatório]. E, nessa medida, reforçando o que foi discorrido acerca do enquadramento aplicável aos presentes autos, há que chamar novamente à colação que é concedida autorização de residência por proteção subsidiária aos estrangeiros e aos apátridas a quem não sejam aplicáveis as disposições do artigo 3.º da Lei de Asilo, e que sejam impedidos ou se sintam impossibilitados de regressar ao país da sua nacionalidade ou da sua residência habitual, quer atendendo à sistemática violação dos direitos humanos que aí se verifique, quer por correrem o risco de sofrer ofensa grave.
Mais, desse artigo 7.º da Lei do Asilo decorre que a concessão de autorização de residência por protecção subsidiária não se basta unicamente com a conclusão de que no país da nacionalidade ou da residência habitual do requerente de asilo, existe uma sistemática violação dos direitos humanos – o que não ficou demonstrado nos presentes autos -, sendo também necessário que o mesmo esteja impedido ou se sinta impossibilitado de regressar e permanecer nesse país atendendo a essa sistemática violação dos direitos humanos, o que não sucede, de igual modo, nos presentes autos.
E, por fim, resulta do probatório que a Entidade Demandada procedeu a uma análise de informação contemporânea respeitante à República Democrática do Congo, de acordo com as orientações do Gabinete de Apoio em matéria de Asilo “EASO-Country of Origin Information Report Methodology”, tendo, para o efeito, sido colhidas informações junto de fontes internacionais, como lhe cabia em termos de instrução previamente à tomada da decisão final, ora em dissídio [cfr. ponto 19 da Informação acima citada constante alínea K) do probatório].
Em suma, é patente que os factos relatados pela Autora não se enquadram em nenhuma das situações previstas nos n. os 1 e 2 do artigo 3.º da Lei do Asilo, aliás, tal como resulta das próprias declarações da própria Autora constantes da alínea B) do probatório.
Verifica-se, desde logo, que a Autora não relata factos que permitam concluir que a vida ou a integridade física da mesma, tenham estado em perigo, o que afasta a ideia de receio fundado de perseguição, não obstante não existir uma definição universalmente aceite de “perseguição”, como se refere nos § 51 a 53 do Manual de Procedimentos ACNUR, como acima já tivemos ocasião de abordar.
Assim, da factualidade apurada, designadamente, pelas declarações da Autora, não resulta que esta esteja em qualquer uma das situações referidas no artigo 3.º, n.º 1 da Lei de Asilo, porquanto, não alegou e, em consequência, não provou que, exerceu qualquer das atividades referidas no n.º 1 do mencionado preceito, bem como, não alegou, nem fez prova de que tenha sido perseguida ou gravemente ameaçada em virtude do exercício dessas atividades.
Atentos os factos provados não se extrai dos mesmos que exista qualquer motivo concreto que fundamente um receio sério de, no caso de regressar à RDC, poder vir a ser perseguida em consequência da sua raça, religião, nacionalidade, opiniões políticas ou integração em certo grupo social, tal como discorrido pela Entidade Demandada na sua Informação e que serviu de fundamentação à decisão ora objeto de dissídio. Ou seja, como a Entidade Demandada destacou, entre outra factualidade, na sua Informação, e como já acima foi referenciado, inexiste quanto à Autora qualquer motivação, passível de ser enquadrada no artigo da Lei de Asilo, porquanto ficou por demonstrar a existência de risco pessoal, fundado, de perseguição ou ameaças graves, de acordo com a definição de refugiado e que essa motivação a tenha levado a abandonar Angola, enquanto país onde residia nos últimos anos (2011-2014) e, mais ainda, sopesado o relato da Autora, em razão dos elementos próprios da sua situação pessoal, não existe uma probabilidade de correr risco de ser objeto de violação ao nível da sua segurança e de violação dos seus direitos humanos, caso regresse à RDC, já que ocorreu entretanto uma mudança política significativa por via da tomada de posse como Presidente da República de F…, após as eleições de 2018.
Não resultando, pois, da matéria de facto assente que a Autora esteja carecida de proteção internacional, de resto, como se disse, nem sequer invocou qualquer motivo, para que possa ser considerado refugiado, no sentido enunciado no artigo 2.º, n.º 1, alínea ac) da Lei de Asilo.
As declarações da Autora não são suscetíveis de criar a convicção de que é uma pessoa verdadeiramente necessitada de proteção internacional e que pretendeu fugir por falta de segurança no país onde residia habitualmente e de que é nacional, não resultando, das mesmas que a vida da Autora corra risco e que as autoridades do seu país não estejam em condições de providenciar a sua segurança. Elas afiguram-se-nos, pois, destituídas de credibilidade, não sendo suscetíveis de evidenciar a existência de risco de perseguição.
Ora, manifestamente a Autora, também, não preenche nenhuma das situações a que se refere o n.º 2 do artigo 3.º da Lei do Asilo.
Assim, não está demonstrada a possibilidade razoável de a Autora vir a sofrer perseguição – no sentido referido no artigo 5.º da Lei do Asilo - que as autoridades nacionais, ou o Estado sejam incapazes de proporcionar proteção, nos termos previstos no artigo 6.º da citada Lei, não estando evidenciada a alegada possibilidade de o Estado ser agente de perseguição, não obstante os referidos relatos da Autora relativamente à intervenção do seu marido aquando do governo de J… e enquanto trabalhara com o General F… na qualidade de guarda-costas, e seu chefe de segurança, que como se disse são destituídos dos necessários pormenor e credibilidade.
Nos termos do ponto 195, do Manual de Procedimentos da ACNUR, mais concretamente, da Segunda Parte com a epígrafe “Procedimentos para a determinação da condição de refugiado”, “[o]s fatos relevantes de cada caso têm de ser fornecidos em primeiro lugar pelo próprio solicitante. Incumbirá, então, à pessoa competente para a determinação da sua condição (o examinador) apreciar a validade de qualquer elemento de prova e a credibilidade das suas declarações.”.
Por sua vez, o ponto 196 do referido Manual de Procedimentos da ACNUR prevê que “[c]onstitui um princípio geral de direito que o ónus da prova compete à pessoa que submete um pedido. Contudo, é possível que um solicitante não consiga ser capaz de fundamentar as suas declarações em provas documentais ou outros meios. Casos em que o solicitante conseguirá fornecer elementos de prova para todas as suas declarações serão mais a excepção do que a regra. Na maioria dos casos, após fugir de uma perseguição, uma pessoa chega apenas com o indispensável e, muito frequentemente, sem documentos pessoais. Desse modo, apesar de, a princípio, solicitante deter o ônus da prova, o dever de certificar e avaliar todos os fatos relevantes é repartido entre ele e o examinador. De fato, em alguns casos, caberá ao examinador a utilização de todos os meios disponíveis para a produção dos elementos de prova necessários à instrução do pedido. No entanto, nem sempre essa investigação independente terá sucesso e podem existir declarações que não sejam susceptíveis de prova. Em tais casos, se a declaração do requerente parecer crível, deverá ser concedido ao solicitante o benefício da dúvida, a menos que existam boas razões para pensar o contrário.”
Por fim, no ponto 204, o Manual de Procedimentos da ACNUR refere ainda que “o benefício da dúvida apenas deverá ser concedido quando todos os elementos de prova disponíveis tiverem sido obtidos e confirmados e quando o examinador estiver satisfeito quanto à credibilidade geral do solicitante. As declarações do solicitante deverão ser coerentes e plausíveis e não deverão ser contraditórias face à generalidade dos fatos conhecidos.”
Melhor concretizando, ainda que se possa admitir uma satisfação mitigada do ónus da prova as declarações da Autora, como enunciamos, não permitem que a sua situação seja abrangida ou subsumida ao princípio do benefício da dúvida, concretamente, quanto às referidas circunstâncias que determinaram a vinda para Portugal, que deve ser concedido quando exista manifesta dificuldade de prova dos factos invocados e documentos apresentados pelo requerente de asilo/autorização de residência por proteção subsidiária, desde que as declarações prestadas pareçam credíveis, o que não é o caso.
Nesta conformidade, conclui-se que a factualidade invocada pela Autora manifestamente não se enquadra nos pressupostos para a concessão de asilo, à luz do artigo 3.º da Lei de Asilo, pelo que a decisão do Ministro da Administração Interna em virtude de ter recusado o direito de asilo, bem a autorização de residência por proteção subsidiária, por não se mostrarem preenchidos os requisitos previstos nos artigos 3.º da Lei de Asilo fez uma correta subsunção jurídica dos factos às normas legais aplicáveis ao caso concreto, pois as declarações proferidas pela Autora não evidenciam que tenha sido perseguida ou gravemente ameaçada de perseguição, em consequência do exercício de atividade referida no n.º 1 do artigo 3.º, ou que exista receio fundado de vir a ser perseguido no seu país ou no de residência, em consequência da sua raça, religião, nacionalidade, opiniões políticas ou integração em certo grupo social.
Em síntese, a Autora não logrou convencer o Tribunal da ameaça real de se encontrar numa das situações a que se refere o artigo 3.º da Lei de Asilo, pelo que, tem de improceder a ação quanto ao seu pedido condenatório de concessão do direito de asilo. * Idêntico raciocínio e argumentos devem ser aduzidos para nos termos das disposições legais aplicáveis considerar inaplicável in casu a proteção subsidiária prevista no artigo 7.º da Lei de Asilo.
(…)».
Ora, do coerente, claro e bem fundamentado entendimento do juiz a quo, reproduzido, não se consegue vislumbrar onde ou como é que o tribunal recorrido pretendeu imputar à Recorrente, como esta alega no recurso, o ónus de, no decurso demorado do procedimento de instrução do seu pedido de protecção internacional, o país de onde fugiu ter mudado de presidente.
O que é afirmado na sentença recorrida é que tal como entendeu a Entidade demandada na decisão impugnada e resulta da factualidade assente inexiste qualquer motivação susceptível de a A. ser enquadrada nos artigos 3º e 7º da Lei do Asilo, por ter ficado por demonstrar a existência de risco pessoal, fundado, de perseguição ou ameaças graves, de acordo com a definição de refugiado e que essa motivação a tenha levado a abandonar Angola, enquanto país onde residia nos últimos anos (2011-2014) e, mais ainda, sopesado o relato da Autora, em razão dos elementos próprios da sua situação pessoal, não existe uma probabilidade de correr risco de ser objecto de violação ao nível da sua segurança e de violação dos seus direitos humanos, caso regresse à RDC, já que ocorreu entretanto uma mudança política significativa por via da tomada de posse como Presidente da República de F…, após as eleições de 2018.
A saber, este já era o entendimento da Entidade recorrida quando em 6.12.2016, na Informação nº …/…/16, foi proposto o indeferimento do pedido de protecção internacional à A./Recorrente [v. facto G)] e se, então, já se entendia que esta podia regressar, sem risco para a sua integridade física ou perigo de vida, ao seu país de origem por ser lá que continuam a residir os seus filhos e pai, sem informação de que sofram ameaças ou perseguições para os efeitos aqui relevantes, o mesmo foi reforçado pelas alterações políticas, entretanto, ocorridas.
Dito de outro modo, à Recorrente foi recusado o seu pedido de protecção internacional por não preencher os pressupostos legais exigidos para o efeito ab initio, no momento em que formulou esse pedido e em função das declarações que prestou. E não porque a demora do procedimento de instrução tenha permitindo a alteração de circunstâncias relativas ao seu país de origem e consequentemente, do sentido daquela decisão que anteriormente seria de concessão. Tal nunca esteve em causa. O sentido da decisão foi sempre recusa do pedido de asilo ou de autorização por razões humanitárias, tendo a argumentação aduzida sido reforçada pelas referidas alterações ocorridas na RDC em 2018.
Em face do que não podem proceder as conclusões Q) a V) do recurso.
Nos termos do artigo 84º da Lei nº 27/2008, de 20 de Junho, o presente processo é gratuito, não havendo lugar a custas.
Por tudo quanto vem exposto acordam os Juízes deste Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso, por não provados os respectivos fundamentos, mantendo a sentença recorrida na ordem jurídica.
Sem custas.
Registe e Notifique.
Lisboa, 17 de Fevereiro de 2022.
(Lina Costa – relatora)
(Catarina Vasconcelos)
(Rui Pereira) |