Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1821/11.4 BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:09/15/2022
Relator:JORGE CORTÊS
Descritores:IMI.
DATA DA CONCLUSÃO OU DA MODIFICAÇÃO DOS PRÉDIOS URBANOS.
Sumário:Na determinação da data da conclusão ou modificação dos prédios urbanos, com vista à tributação em IMI, releva a emissão da autorização de utilização, por esta condicionar a possibilidade de uso normal do imóvel.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: Acórdão
I- Relatório
A……………………… deduziu impugnação judicial, convolada em acção administrativa especial, contra o Ministério das Finanças, visando a anulação do acto de indeferimento tácito que se formou sobre o recurso hierárquico interposto da decisão que lhe indeferira o pedido de suspensão de aplicação do “inicio de tributação relativa a cada uma das fracções do prédio “inscrito na matriz predial urbana da freguesia de P..........., Lisboa, sob o artigo …….º, e a consequente suspensão “da tributação pelo novo valor tributário… (no total de 2.831,50€), até que seja concedida a respectiva licença de utilização pela CML, mantendo-se, até então, a tributação pelo anterior valor patrimonial”. Mais pede a condenação do Réu a restituir-lhe o valor do IMI que, pelo prédio em causa, pagou em excesso, acrescido de juros de mora.
O Tribunal Tributário de Lisboa, por sentença proferida a fls.266 e ss. (numeração do processo em formato digital - sitaf), datada de 13 de Maio de 2021, julgou a presente acção administrativa improcedente e absolveu a Entidade Demandada dos pedidos.
Inconformado, o Autor, A ……………….., recorreu para este Tribunal Central Administrativo, tendo na sua alegação recursória, junta a fls. 280 e ss. (numeração do processo em formato digital - sitaf), expendido as conclusões seguintes:
«A. O Recorrente peticionou a aplicação do disposto no artigo 10º, nº2, segunda parte, do CIMI, no sentido de se determinar da não relevância da presunção prevista na alínea b) do nº1 do mesmo artigo até que fosse emitida para o edifício a competente autorização de utilização - pedindo também, em consequência, a não tributação, em sede de IMI, pelo novo valor patrimonial atribuído a cada uma das fracções até que fosse emitida a referida autorização de utilização.
B. Apesar de Tribunal a quo ter identificado correctamente o dissídio entre a partes, nunca se refere na decisão ou nos seus fundamentos à aplicabilidade do n.º 2 do artigo 10.º do CIMI, em particular da sua segunda parte, que é a que está em causa.
C. Pelo exposto, estamos perante uma situação de inexistência de sentença, de acordo com o ensinamento de Lopes de Sousa, in Código de Procedimento e de Processo Tributário, p. 353, de que “para além das nulidades, haverá que ter em consideração situações em que poderá estar-se perante situações de inexistência, como é o caso (…) da decisão que não tem por objecto a matéria da causa.”
D. Mesmo que assim não se entendesse a Sentença sempre padeceria de nulidade por omissão de pronúncia sobre questões que o juiz estava obrigado a conhecer, nos termos e para os efeitos do artigo 125.º do CPPT, ou sendo aplicável, do artigo 95.º do CPTA e artigo 615.º, n.º 1, alínea c) ex-vi artigo 1.º do CPTA, dado que se limitou a referir que, tendo sido declarada uma data de conclusão das obras pelo contribuinte, deveria ser essa a considerada para efeitos de início de tributação, convocando para o efeito exclusivo a aplicação do artigo 9º, nº1, c) e do artigo 10.º, n.º 1, b) do CIMI, mas nunca considerou o n.º 2 do artigo 10.º do CIMI, em particular a sua segunda parte; nunca procedeu à sua interpretação de forma a concluir pela sua aplicabilidade ou inaplicabilidade ao caso dos autos: e essa foi precisamente a norma na qual o ora Recorrente baseou a sua pretensão!
E. O ora Recorrente nunca negou ter declarado a data de conclusão das obras que veio a ser considerada (pelo que nunca estaria, aliás, em causa, a 1.ª parte do n.º 2 do artigo 10.º do CIMI que se aplica apenas aos casos não previstos no número anterior”); o que invocou, isso sim, foi (i) que a data de conclusão do prédio não é o mesmo que a data de conclusão das obras; (ii) que o número 1 do artigo 10.º apenas estabelece uma presunção nesse sentido (com o que, aliás, confirma a distinção entre os dois conceitos), e (iii) que no caso em apreço tal presunção não deveria relevar, com base nos elementos que apresentou, em particular os provenientes da Câmara Municipal de Lisboa, nos termos e para os efeitos do n.º 2 do artigo 10.º do CIMI.
F. Pelo que se verifica a nulidade de sentença por omissão de pronúncia.
G. O facto de a própria autorização de utilização – que não apenas o respectivo alvará – não ter sido emitida até 16 de Setembro de 2013 é de relevância fundamental, foi alegado e resulta de prova documental (desde logo o próprio Alvará Camarário constante dos autos, que refere o acto de autorização), pelo que deveria constar da fundamentação de facto.
H. Deverá, por conseguinte, reformular-se o ponto 10 da matéria de facto nos termos do artigo 640.º, n.º 1, alínea c) do CPC ex-vi 281º do CPPT, ou, sendo aplicável, artigo 640.º do CPC ex-vi artigo 1.º do CPTA, requerendo-se que o referido ponto passe a ter a seguinte redacção: // 10) Por despacho de 16.09.2013 foi autorizada a utilização do edifício e das fracções do prédio sito na ………………, 50-50A, na freguesia de ………… e em 19.09.2013 a Câmara Municipal de Lisboa emitiu em nome do Autor o alvará de utilização n.º ………………. sobre o referido edifício (cf. alavará a fls 205 do SITAF).
I. A AT, socorrendo-se da presunção prevista na alínea b) do artigo 10.º do CIMI, na redacção à data vigente (Os prédios urbanos presumem-se concluídos ou modificados na mais antiga das seguintes datas: (…) em que for apresentada a declaração para inscrição na matriz com indicação da data de conclusão das obras), e conjugando-a com a alínea c) do n.º 1 do artigo 9.º, determinou que o IMI seria devido a partir do ano de 2009.
J. Porém, no caso, a actualização do VPT do prédio não foi acompanhada de uma inerente valorização económica, porquanto, sem a autorização de utilização, o Recorrente estava impedido de utilizar qualquer uma das fracções do prédio, fosse para que fim fosse; utilização directa, arrendamento, alienação por qualquer forma ou qualquer outro.
K. Nos termos do artigo 10.º, n.º 2 do CIMI:
O chefe de finanças da área da situação dos prédios fixa, em despacho fundamentado, a data da conclusão ou modificação dos prédios, nos casos não previstos no número anterior e naqueles em que as presunções nele enunciadas não devam relevar, com base em elementos de que disponha, designadamente os fornecidos pelos serviços da administração fiscal, pela câmara municipal ou resultantes de reclamação dos sujeitos passivos.
L. Embora nunca o tivesse referido, é possível concluir que o Tribunal a quo partiu do pressuposto de que o n.º 2 do artigo 10.º do CIMI não seria aplicável por não estarmos perante um caso “não previsto no número anterior” – dado que se bastou com a constatação de que no caso a data de conclusão das obras era conhecida por ter sido declarada.
M. Porém, o referido n.º 2 tem aplicação em dois tipos distintos de situações: os casos “não previstos no n.º anterior” (é a 1.ª parte) e os casos em que, embora se verifiquem as previsões do n.º1, essas não devam relevar como presunção de conclusão ou modificação do prédio (esta é a 2.ª parte do n.º 2) – o que é claramente confirmado pela doutrina acima citada.
N. A AT recusou a aplicação do n.º 2 do artigo 10.º do CIMI, com base em quatro ordens de motivação principais, que o Tribunal a quo poderia e deveria ter sindicado e corrigido, como a ora Recorrente peticionou, o que não fez.
O. A decisão de indeferimento da AT resultou, em suma, do seguinte:
a) O contribuinte declarou, ele próprio, a data da conclusão das obras, na sua declaração Modelo 1 do IMI, pelo que não se vislumbra ser necessário o chefe de finanças competente fixar a data da ocorrência desse evento;
b) O n.º 2 do artigo 10.º apenas deverá ser aplicado quando se desconhece a data da ocorrência da conclusão das obras de edificação de um prédio, ou quando a data que é indicada na declaração Modelo 1 não corresponde à verdade;
c) Não é correcto aplicar o valor patrimonial anterior, porquanto ele não corresponde à realidade física actualmente existente;
d) O momento relevante para aplicação do artigo 10.º n.º 2 do CIMI será sempre a data da conclusão ou modificação física do prédio, e não a do início de utilização do prédio para o fim a que se destina, prevalecendo, para este efeito, sempre a realidade física existente.
P. Porém, nenhum dos referidos motivos podia proceder, e como tal deveriam ter sido julgados improcedentes pelo Tribunal.
Q. É a própria alínea b) do nº 1 do artigo 10.º do CIMI que, juntamente com o corpo desse nº 1, expressamente afirma que a data indicada na declaração Modelo 1 do IMI constitui uma mera presunção.
R. E o n.º 2 vem enunciar os casos em que as presunções resultantes do número anterior não são aplicáveis, entre eles figurando as situações em que essas presunções “não devam relevar”.
S. O que o chefe do serviço de finanças tem de fixar é a “data da conclusão do prédio” (com o consequente início da tributação), e não proceder a uma repetição meramente tabelar daquilo que já lhe foi declarado pelo contribuinte, quando este indique a data da conclusão das obras.
T. Assim, aquilo que compete ao chefe do serviço de finanças quando, nos termos do n.º 2 do artigo 10.º, fixa uma data de conclusão ou modificação dos prédios diversa da que resulta do n.º 1 desse artigo, é precisamente a definição do início da tributação, ou da tributação pelo novo valor.
U. Donde ter plena justificação que sejam tidas em consideração, para aplicação da expressão “não devam relevar”, quaisquer circunstâncias que determinem a injustiça - de acordo com o princípio do benefício - de se iniciar a tributação no momento que resultaria do n.º 1 do artigo 10º.
V. A data de conclusão das obras só vale como presunção precisamente porque se presume que, a partir da conclusão das obras de um edifício, ele pode iniciar a sua utilização, e, portanto, dele resulta um valor, uma utilidade para o seu proprietário, utilidade e valor esses que se pretende tributar.
W. Nos casos em que tal presunção seja infirmada – como é o caso dos autos – não deve haver dúvida na fixação de diferente data para o início da tributação.
X. Daí que mesmo a mera aplicação do n.º1 já possa fazer o início de tributação divergir da data de efectiva conclusão física das obras, podendo, nomeadamente, ser fixada uma data de conclusão dos “prédios” (cfr. o corpo do n.º1) coincidente com a data da emissão das licenças camarárias (al. a)), ou com a do início efectivo de utilização (al. c)), ou com a da possibilidade da sua normal utilização (al. d)).
Y. Se a hipótese fosse a inversa, isto é, se fosse possível começar a utilização do prédio em causa mesmo antes da conclusão das obras, a AT nem hesitaria em iniciar a tributação desde essa possibilidade de utilização prévia.
Z. Ao prever essa possibilidade expressamente (na alínea d) do nº 1 do artigo 10º) a lei confere sem margem para dúvidas uma relevância capital à possibilidade de utilização do edifício como factor de início de tributação, sem dúvida por reconhecer – aplicando o princípio do benefício - a justiça de tributar quem já pode colher do prédio o benefício que lhe é próprio.
AA. Como no caso da alínea d), também a alínea a) do n.º 1 do artigo 10º coloca a tónica, não na “realidade física”, como pretende a AT, mas sim na “realidade jurídica” da existência de licença camarária, como factores de determinação do início da tributação.
BB. Não pode haver dois paus e duas medidas na determinação do início da tributação: ela deve iniciar-se quando, de acordo com o princípio do benefício, ou da capacidade contributiva, seja justo, assim devendo ser aplicada a previsão de desconsideração das presunções que consta do n.º 2 do artigo 10º, quer essa aplicação resulte numa antecipação do início da tributação (em favor da AT) face ao determinado pelas presunções do número anterior, quer essa aplicação resulte num adiamento do início da tributação (em benefício do contribuinte) face às mesmas presunções.
CC. De tudo se conclui que não pode ter-se exclusivamente em conta a realidade física existente, antes deverá ser considerada também a realidade jurídica – para a qual a alínea a) e a alínea d) do n.º 1 do artigo 10º claramente apontam – para se proceder a uma correcta aplicação do mandato de não conferir “relevância” às presunções do n.º 1 do artigo 10º, a qual nunca poderá postergar nem o princípio do benefício, que o n.º 2 e todo o artigo 10.º pretende concretizar, nem os princípios da justiça e igualdade tributária, não só igualdade, como igualdade de armas, entre a Administração Tributária e os contribuintes, mas também a igualdade dos contribuintes entre si, isto é, por exemplo, a igualdade entre os contribuintes que construíram edifícios que podem utilizar ou aproveitar, e aqueles que construíram edifícios que, por motivos que os ultrapassam, não podem utilizar ou aproveitar.
DD. É o próprio Tribunal a quo que, a propósito da distinção entre autorização de utilização e o alvará que titula essa autorização, invoca doutrina e jurisprudência do STA que dão precisamente conta da importância máxima da autorização de utilização: tal jurisprudência – Ac. do STA de 05.2020, processo n.º 01189/08.6BEVIS – em vez de enfraquecer a posição do Recorrente, só a robustece, como fica patente ao verificar-se que o STA explica na referida citação que a “(…) formulação das citadas presunções legais de conclusão dos prédios urbanos aponta inequivocamente no sentido de se privilegiar a substância económica da situação do sujeito passivo, em detrimento da forma jurídica pela qual se inscreve no mundo jurídico, impondo a tributação sempre que a utilização efectiva do prédio constituir manifestação do aproveitamento da utilidade de um imóvel de que seja proprietário, pelo qual revela a sua capacidade contributiva.”.
EE. Ora, isto é precisamente o que o Recorrente – que nem sequer tinha possibilidade jurídica de utilizar efectivamente o imóvel – tem vindo a defender.
FF. Pelo que, ao contrário do que vem referido na sentença recorrida, a fundamentação do acórdão do STA citado não poderia nunca justificar uma decisão de improcedência da acção – já que no caso dos presentes autos não faltava apenas o alvará mas também a própria autorização de utilização – dela decorrendo, pelo contrário, um fundamento claro de procedência da acção.
GG. A Sentença recorrida viola ainda o princípio da capacidade contributiva – revelada, quanto aos prédios, nos termos o artigo 2.º do CIMI, no qual se postula 3 requisitos necessários para que se possa estar perante o conceito de prédio para efeitos fiscais: a estrutura física, a patrimonialidade e o valor económico.
HH. Este último, o valor económico, significa que o bem tem que ser susceptível de gerar rendimentos ou outro tipo de utilidades para o seu titular, o que, conforme referido, não é possível sem a autorização de utilização, dado que sem ela o prédio não serve quaisquer necessidades do contribuinte, por não poder ser utilizado quer para sua habitação, quer para arrendamento, quer para alienação ou qualquer outro fim.
Nestes termos, deverá o presente recurso ser julgado procedente, e em consequência:
1. Ser declarada inexistente, ou nula, a sentença recorrida por omissão de pronúncia, e ser apreciada pelo Tribunal ad quem a concreta questão da aplicabilidade da segunda parte do nº 2 do art. 10º do CIMI ao caso;
2. Ser acrescentado o facto respeitante à prática do próprio acto de autorização apenas em 16 de Setembro de 2013, nos termos acima propugnados;
3. Ser determinada a não tributação de cada uma das fracções do prédio em causa pelo novo VTP até à data em que foi concedida a autorização de utilização, mantendo-se até então a tributação pelo anterior valor patrimonial;
4. Ser AT condenada a rever oficiosamente todos os actos de liquidação de IMI praticados depois da nova avaliação até à data da emissão da autorização de utilização, no sentido de o imposto ser calculado de acordo com o valor patrimonial anterior do prédio.
5. Ser a AT condenada a devolver ao Recorrente as quantias pagas em excesso, acrescidas dos respectivos juros indemnizatórios calculados desde as datas dos respectivos pagamentos até à sua devolução integral.»
X
O recorrido, Ministério das Finanças, contra-alegou, conforme requerimento de fls. 312 e ss. (numeração em formato digital – sitaf), tendo aí formulado o seguinte quadro conclusivo:
«A - O Recorrente intentou ação, convolada em administrativa, que correu termos sob o processo nº1821/11.4BELRS, no Tribunal Tributário de Lisboa, com os seguintes fundamentos:
· O prédio em causa está concluído e foi constituída propriedade horizontal, não tendo sido obtida licença de utilização pela Câmara Municipal de Lisboa, apesar das diligências promovidas junto da mesma, pelo que,
· Por razão “que não lhe é imputável e que impede o prédio de servir as necessidades próprias para os fins a que se destina, como sejam, quer a sua normal utilização, quer poderem ser arrendadas ou vendidas quaisquer das suas fracções autónomas”.
· Assim, atento o princípio do benefício e uma maior equidade e justiça na arrecadação das receitas fiscais, cuja preocupação do legislador está presente no Preâmbulo do CIMI, bem como o disposto no nº 2, do art.10º, do CIMI, “com a previsão nele constante da existência de elementos que possam obstar à relevância das previsões típicas incluídas no nº 1”, “que não pode deixar de ser entendida como um mandato de consideração de circunstâncias de facto que possam obstar ao início da tributação, (…). precisamente por se entender que essas circunstâncias influem no benefício que pode ser colhido do prédio em causa, e que, por isso, a influência delas resultante deve preponderar sobre as presunções previstas no nº 1”.
B. Nos termos do disposto no art.10º do CIMI, os prédios urbanos presumem-se concluídos na mais antiga das seguintes datas – em que for apresentada a declaração para inscrição da matriz com a indicação da data de conclusão das obras, conforme al. b) do nº 1).
C. Após essa data, o prédio inscrito sob o artigo ………..º da freguesia dos P........... ficou sujeito a tributação, nos termos do disposto no art. 9º, nº1, al. c) do CIMI, em substituição do lote de terreno inscrito sob o artigo 1361º da mesma freguesia dos P..........., onde o prédio foi implantado.
D. Assim, a data a considerar será a da conclusão das obras relativamente a qualquer das datas referidas nas restantes alíneas do nº1 do artº10º do CIMI, uma vez que essa foi a data inscrita na declaração modelo 1 pelo proprietário (Recorrente) que entendeu indicá-la antes de concedida a licença camarária.
E. De acordo com o artº12.º do CIMI, e porque não foi indicada qualquer incorreção à inscrição matricial do prédio em causa, a matriz é o registo de onde consta, designadamente, a caracterização dos prédios, a localização e o seu valor patrimonial tributário, a identidade dos proprietários e, sendo caso disso, dos usufrutuários e superciários, sendo atualizadas anualmente com referência a 31 de Dezembro.
F. Neste sentido decidiu bem o Tribunal a quo quando julgou a ação improcedente.
G. Para tanto, invocou os seguintes fundamentos, com os quais se concorda:
“De acordo com as partes, o dissídio consiste apenas na interpretação do artigo 10º do Código do IMI (CIMI), entendendo o Autor que a presunção a que alude o n.º1 deve, no caso, ser desaplicada nos termos do n.º 2 por a licença de utilização ter data posterior à data de conclusão das obras, posição não veiculada pela AT. (…) // Já no artigo 9º do mesmo Código prevê-se, na alínea c) do n.º 1, que o IMI é devido a partir do ano, inclusive, da conclusão das obras de edificação, de melhoramento ou de outras alterações que hajam determinado a variação do valor patrimonial tributário de um prédio.
H. Há ainda que atender ao Regime Jurídico da Urbanização e Edificação (RJUE), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 dezembro, onde se dispõe no nº5 do artigo 4.º que “Está sujeita a autorização a utilização dos edifícios ou suas frações, bem como as alterações da utilização dos mesmos.”, no n.º 1 do artigo 62.º que “A autorização de utilização de edifícios ou suas frações autónomas destina-se a verificar a conclusão da operação urbanística, no todo ou em parte, e a conformidade da obra com o projeto de arquitectura e arranjos exteriores aprovados e com as condições do licenciamento ou da comunicação prévia.” e no n.º 1 do artigo 74.º que “As operações urbanísticas objecto de licenciamento são tituladas por alvará, cuja emissão é condição de eficácia da licença.”.
Distinguindo a natureza do alvará de licença de operação urbanística do alvará de utilização de edifícios, a doutrina refere sobre o transcrito artigo 74.º do RJUE que:
«Ao contrário do nº 1, o nº 3 do artigo em anotação não prevê de forma expressa que o alvará seja condição da eficácia das operações de autorização de utilização (…) terá de se concluir ter sido intenção do legislador que o alvará enquanto título das autorizações tem uma função distinta do alvará enquanto título das licenças.
Se, (…) o alvará não for, neste caso, condição de eficácia, não se altera (…) a posição jurídica do interessado já que poderá utilizar de imediato o edifício ou fração (…) a leitura mais consentânea do disposto no nº 3 do artigo 74º foi a de intencionalmente não atribuir ao alvará de utilização a sua tradicional função integrativa de eficácia.
Na prática, a entender-se o contrário, tal implicaria uma mora forçada aos interessados, que apenas poderiam iniciar ou prosseguir os trabalhos ou utilizar a obra no fim de uma ação judicial a que forçosamente teriam de lançar mão para obter o título que permitiria a efetiva produção dos efeitos do ato silente em causa.[...]» (OLIVEIRA, Fernanda Paula, e outros, Regime Jurídico da Urbanização e Edificação Comentado, 2.ª Edição, Almedina, 2009 pp. 475-476).
Atendendo a este regime, também sobre uma questão em que se discutia a possibilidade de a data da licença de utilização ser a relevante para efeitos de IMI, pronunciou-se a jurisprudência tendo sido decidido que:
«[...] Este quadro jurídico e dogmático permite afirmar com segurança que o alvará não constitui condição de eficácia da autorização, assumindo a natureza de acto certificativo mediante o qual a administração verifica o cumprimento pelo destinatário do título das normas legais e regulamentares aplicáveis à utilização pretendida do edifício.
A interpretação segundo a qual a normal utilização do edifício apenas seria possível na data da emissão do alvará de utilização (10 agosto 2007) é refutada como os seguintes argumentos:
1º O legislador não considera como presunção de conclusão do prédio urbano a emissão de alvará de autorização de utilização, diferentemente do que estabelece para a licença camarária (art.10 nº 1 als.a) e d) CIMI);
2º Para o legislador releva decisivamente como ano do início da tributação aquele em que se verificar uma qualquer utilização, desde que não precária, ainda que sem título jurídico correspondente; ou a mera possibilidade da normal utilização do prédio para os fins que se destina, conferida pelo proferimento de despacho de autorização (art.10º
nº1 als.c) e d) CIMI)
3º A formulação das citadas presunções legais de conclusão dos prédios urbanos aponta inequivocamente no sentido de se privilegiar a substância económica da situação do sujeito passivo, em detrimento da forma jurídica pela qual se inscreve no mundo jurídico, impondo a tributação sempre que a utilização efectiva do prédio constituir manifestação do aproveitamento da utilidade de um imóvel de que seja proprietário, pelo qual revela a sua capacidade contributiva.
4º O elenco de presunções de conclusão dos prédios urbanos (estabelecido no art.10º nº1 CIMI) não distingue utilizações tituladas e não tituladas; pretende contemplar qualquer situação fáctica ou jurídica que revele estar integrada na esfera jurídica do sujeito passivo uma nova realidade física com expressão económica (com a designação de prédio urbano), traduzindo um acréscimo patrimonial que legitima a sujeição a tributação. [...]» (Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo n.º01189/08.6BEVIS, de 05-2020, disponível em www.dgsi.pt).
Aplicando esta mesma fundamentação ao caso dos autos temos, pois, que não releva para efeitos de tributação em sede de IMI a data da concessão da licença de utilização, mas sim a data de conclusão das obras, nos termos conjugados da alínea c) do nº1 do artigo 9.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 10.º, ambos do CIMI.”
I. Concluindo o aresto que
“Não decorrendo dos autos nem sendo alegada qualquer outra data, a decisão em crise não padece, pois dos vícios invocados, pelo que improcede totalmente a acção”.
J. Face ao exposto, decidiu bem o Tribunal a quo ao aplicar o artigo 10º, nº2, do CIMI.
Nestes termos e nos mais de Direito, deve o presente recurso ser julgado improcedente, mantendo-se a decisão judicial, ora em recurso.».
X
O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal notificado não emitiu pronúncia.
X
Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.
X
II- Fundamentação
1.De Facto.
A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:
1) Em 01-06-2005 foi registada na Conservatória do Registo Predial de Lisboa a aquisição pelo Autor do prédio composto por parcela de terreno sito na ……………., Lapa, descrito sob o n.º ………. da freguesia de ……… (cf. certidão a págs. 19 do ficheiro a fls. 1 a 57 do SITAF);
2) Em 05-08-2009 foi elaborado um documento designado “PROPRIEDADE HORIZONTAL” do qual se extrai, nomeadamente, o seguinte:
«No dia cinco de Agosto de dois mil e nove, em Lisboa [...] perante mim [...] compareceram como outorgantes: A ……………….. [...]
PELOS OUTORGANTES FOI DECLARADO:
Que são donos e legítimos possuidores de uma parcela de terreno, com a área de quatrocentos e trinta metros quadrados, sito na Calçada ………………, na freguesia da Lapa, concelho de Lisboa, descrito na Quarta Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o número setecentos e quarenta e seis, da dita freguesia, com a aquisição registada a seu favor pela inscrição correspondente à apresentação dezasseis de um de Junho de dois mil e cinco, inscrito na matriz predial da freguesia dos P........... sob o artigo …... [...]
Que como resulta dos supra citados processos camarários, o identificado prédio reúne os requisitos legais para ser submetido ao regime da propriedade horizontal [...]»
(cf. escritura a págs. 11 a 15 do ficheiro a fls. 1 a 57 do SITAF);
3) Em 03-12-2009, o Autor entregou uma declaração Modelo 1 do IMI constando 31-07-2009 como data de conclusão das obras do prédio descrito em 1) (facto não controvertido e cf. informação a fls. 19 do PA apenso aos autos);
4) Em 04-02-2011, deu entrada nos serviços da AT um requerimento em nome do Autor constando a final o seguinte:
«[...]Nestes termos, Requer a V. Exa. [...]
a suspensão do novo valor patrimonial atribuído a cada uma das fracções, para efeitos da tributação em sede de IMI, até que seja emitida a competente autorização de utilização.»
(cf. requerimento a págs. 41 a 44 do ficheiro a fls. 1 a 57 do SITAF);
5) Em 11-03-2011 o Chefe do Serviço de Finanças proferiu despacho a indeferir o requerimento descrito em 4) (cf. despacho a págs. 47 do ficheiro a fls. 1 a 57 do SITAF);
6) Em 30-05-2011 deu entrada nos serviços da AT um requerimento em nome do Autor do qual se extrai ter em vista recorrer hierarquicamente do despacho descrito em 5) (cf. requerimento a págs. 48 a 53 do ficheiro a fls. 1 a 57 do SITAF);
7) Em 07-09-2011 os serviços da AT elaboraram uma informação sobre o recurso descrito em 6), da qual se extrai, além do mais, o seguinte:
«[...] 5. Assim, atento o caso aqui controvertido, uma vez recepcionada a declaração modelo 1 do IMI, em cumprimento do artº 13º do CIMI, ou seja, para fins de inscrição do prédio, constituído em propriedade horizontal na respectiva matriz urbana, nela constando a data da conclusão das obras, em 31.07.2009, não se vislumbra ser necessário o chefe de finanças competente fixar a data da ocorrência desse evento, nos termos do nº 2 do artº 10º deste código, atendendo a que consubstancia um elemento indispensável tido em conta na avaliação das fracções autónomas "A" a "J" do artigo ……, em apreço, em virtude dessa data ter sido fornecida pelo próprio recorrente e assim considerada, nos termos previstos no nº 1 do mesmo dispositivo legal, para efeitos do artº 37º e seguintes do código.
6. Portanto, no âmbito do contexto legal referido, refuta-se a convicção de que apenas deverá ter aplicação o nº 2 do artº 10º do CIMI, quando se desconhece a data da ocorrência da conclusão das obras de edificação de um prédio, ou, quando a data que é indicada na declaração modelo 1 não corresponde à verdade e, portanto, não deva relevar, para efeitos da tributação, em sede de IMI, sendo que, ademais, também não se afigura plausível proceder de conformidade com a solicitação do recorrente, no sentido de que o IMI incida, até que cada uma das fracções do prédio, em causa, possa ser utilizada para o fim a que se destina, sobre o valor patrimonial, enquanto terreno para construção, em virtude de não ser essa a realidade física actualmente existente.
7. Finalizando, em concordância com tudo o anteriormente exposto, uma vez que se afigura que o despacho ora recorrido dá cumprimento à legislação aplicável em vigor, considerando as fracções autónomas "A" a "J" do artigo nº ……. da freguesia de P........... concluídas, na data de conclusão de obras indicada na declaração modelo 1 recepcionada em 03.12.2009, conforme o artº 10º do CIMI, propõe-se o não provimento do recurso hierárquico, por carecer de sustentação legal.
8. Refira-se, ainda, que o momento relevante para a aplicação do artº 10º, nº 2 do CIMI, será sempre a data da conclusão ou modificação física do prédio e não a do inicio de utilização do prédio para o fim a que se destina.
Aliás, a data referida no nº 2 deste artº 10º deve ser inequivocamente comprovada, determinando o facto relevante para a sujeição a IMI da nova realidade física, afastando assim as presunções do seu nº 1. [...]»
(cf. informação a págs. 8 a 14 do ficheiro a fls. 79 a 92 do SITAF);
8) Em 15-09-2011 deram entrada os presentes autos neste Tribunal (cf. registo do SITAF);
9) Em 22-11-2011 a Subdiretora-Geral da AT proferiu despacho sobre a informação descrita em 7) no sentido do indeferimento do recurso descrito em 6) (cf. despacho a págs. 8 a do ficheiro a fls. 79 a 92 do SITAF);
10) Em 19-09-2013 a Câmara Municipal de Lisboa emitiu em nome do Autor o alvará de utilização n.º ……………. sobre o edifício sito na …………………, 50-50A, na freguesia de Lapa (cf. alvará a fls. 205 do SITAF).»
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Não existem factos alegados e não provados com interesse para a decisão da causa.
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A convicção do Tribunal relativamente à matéria de facto dada como provada, conforme discriminado nos vários pontos do probatório, resulta dos factos alegados pelas partes e da análise dos documentos por estas juntos, que não foram impugnados, dando-se por integralmente reproduzido o teor dos mesmos bem como o do PA apenso aos autos.
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Na conclusão H), o recorrente pretende a reformulação do n.º 10 do probatório, nos termos seguintes:
«10) Por despacho de 16.09.2013 foi autorizada a utilização do edifício e das fracções do prédio sito na ………………, 50-50A, na freguesia de Lapa e em 19.09.2013 a Câmara Municipal de Lisboa emitiu em nome do Autor o alvará de utilização n.º 370/UT/2013 sobre o referido edifício (cf. alvará a fls. 205 do SITAF)».
Compulsados os autos, impõe-se deferir o requerido, dado corresponder aos elementos constantes dos autos.
Termos em que se julga procedente a presente imputação.
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Ao abrigo do disposto no artigo 662.º/1, do CPC, adita-se a seguinte matéria de facto:
11. O Requerimento referido em 4. tinha o teor seguinte:
« - O requerente é, em conjunto com a sua mulher, dono e legítimo possuidor do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, composto de 10 fracções autónomas, das quais 6 se destinam a habitação com dois lugares de estacionamento cada um e 4 destinados a lugares de estacionamento, sito na Calçada das ………….., em Lisboa e inscrito na matriz predial da freguesia de P........... sob o artigo ………….º. // - A propriedade horizontal sob o referido prédio foi constituída por escritura pública celebrada em 5 de Agosto de 2009, conforme cópia da certidão da escritura que se junta e se dá por integralmente reproduzida - Doc. 1. // - Na sequência da prévia apresentação do Modelo 1 do IMI, ao conjunto das fracções autónomas em que o prédio se veio a dividir por força da constituição da propriedade horizontal foi atribuído o valor de € 2.831.570,00. // - O valor patrimonial anterior - terreno para construção inscrito na matriz sob o artigo 1361º, freguesia dos P........... - era de €448.781,24-Doc. 2. // - A transformação implicou, por conseguinte, que o IMI a pagar pelo prédio, no ano de 2010, passou de 448.781,24*0.675% = € 3.029,27 // - para 2.831.570,00*0,35% = € 9.910,50. // - Trata-se, por conseguinte, de uma diferença correspondente a € 6.881,23, ou seja, um acréscimo de 327%.
Sucede, porém, que o referido acréscimo do tributo da responsabilidade do requerente não foi acompanhado da inerente susceptibilidade de incremento dos seus rendimentos. // - Com efeito, a verdade é que não é possível ultimar o processo conducente à obtenção da autorização de utilização final do prédio e de cada uma das fracções autónomas que o integram. // - Com efeito, o lote de terreno onde o edifício veio a ser construído havia sido adquirido pelo requerente à Câmara Municipal de Lisboa, na sequência de um longo processo, no ano de 2002, conforme cópia da escritura de compra e venda, que se junta e se dá por integralmente reproduzida - Doc. 3. // - A referida aquisição pelo requerente foi realizada, de acordo com a informação técnica dos serviços camarários e com a aprovação dos competentes órgãos decisores, como complemento de lote, já que o requerente também é titular do prédio sito na Calçada …………….., n.º 48, em Lisboa. // - Porém, veio a detectar-se posteriormente que a venda naquela modalidade não seria admissível, porquanto entre ambos os lotes do requerente atravessa-se o aqueduto das águas livres, o que, por si só, retira aos lotes a característica de contiguidade. // - Logo que se apercebeu desse facto, o requerente apresentou na Câmara Municipal de Lisboa um pedido de rectifícação da escritura pública de compra e venda do lote, de forma a que se retire a menção ao facto de a venda ter sido realizada ao abrigo do regime de complemento de lote e, em consequência, se obtenha o cancelamento da anexação constante da Conservatória do Registo Predial, tendo o referido requerimento dado origem ao processo nº ……………… - Doc. 4 // - Volvidos mais de quatro anos, o processo continua por decidir, por motivos não imputáveis ao requerente, o que inviabiliza a utilização das fracções autónomas ou, sequer, a sua alienação. // - Inúmeras têm sido as diligências do requerente junto da Câmara Municipal de Lisboa com o objectivo de obter uma decisão definitiva para este processo e, dessa forma, poder concluir o processo de legalização do edificado, mas todas se têm revelado totalmente infrutíferas, até ao presente. // - A presente situação é, por conseguinte, a de que o imposto é devido porque o requerente declarou que as obras de edificação se encontravam concluídas - artigo 9º, n.º 1, al. c) CIMI - e apresentou o competente Modelo 1 do IMI - artigo 10º, n.º 1, al. b) CIMI - mas a valorização patrimonial para efeitos fiscais daí resultantes não foi acompanhada, até ao presente, de uma inerente valorização económica, dado que o requerente esta impedido de utilizar ou vender o prédio ou cada uma das fracções autónomas que o integram. // - Deve pois V. Exa., nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 10º, n.º 2 do CIMI, determinar que a presunção de actualização do valor patrimonial estabelecida na al. b) do número 1 do mesmo artigo não deverá relevar enquanto não tiver sido emitida para as fracções autónomas e partes comuns do edifício a competente autorização de utilização.
Nestes termos, // Requer a V. Exa. se digne admitir o presente requerimento e, uma vez confirmada a veracidade dos factos agora invocados - nomeadamente através da obtenção da confirmação dos factos ora invocados pela Câmara Municipal de Lisboa - determinar: // a suspensão do novo valor patrimonial atribuído a cada uma das fracções, para efeitos da tributação em sede de IMI, até que seja emitida a competente autorização de utilização. // Até essa data, o prédio deverá continuar a ser tributado de acordo com o valor anterior (enquanto terreno para construção) e, por conseguinte, à taxa aplicável aos prédios não avaliados antes da entrada em vigor do CIMI» - doc. constante do p.a.
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2.2. De Direito.
2.2.1. A presente intenção recursória centra-se sobre os alegados vícios da sentença seguintes:
i) Inexistência da sentença, porquanto não apreciou as questões suscitadas na petição inicial de impugnação («Apesar de Tribunal a quo ter identificado correctamente o dissídio entre a partes, nunca se refere na decisão ou nos seus fundamentos à aplicabilidade do n.º2 do artigo 10.º do CIMI, em particular da sua segunda parte, que é a que está em causa. // Pelo exposto, estamos perante uma situação de inexistência de sentença»)
ii) Nulidade da sentença, por omissão de pronúncia, porquanto a sentença não conheceu da questão alegada, a qual reside em «(i) que a data de conclusão do prédio não é o mesmo que a data de conclusão das obras; (ii) que o número 1 do artigo 10.º apenas estabelece uma presunção nesse sentido (com o que, aliás, confirma a distinção entre os dois conceitos), e (iii) que no caso em apreço tal presunção não deveria relevar, com base nos elementos que apresentou, em particular os provenientes da Câmara Municipal de Lisboa, nos termos e para os efeitos do n.º 2 do artigo 10.º do CIMI».
iii) Erro de julgamento quanto à determinação da matéria de facto, havendo que corrigir os quesitos que discrimina [apreciado supra].
iv) Erro de julgamento quanto ao direito aplicável, porquanto «não pode ter-se exclusivamente em conta a realidade física existente, antes deverá ser considerada também a realidade jurídica – para a qual a alínea a) e a alínea d) do n.º 1 do artigo 10º claramente apontam – para se proceder a uma correcta aplicação do mandato de não conferir “relevância” às presunções do n.º 1 do artigo 10º, a qual nunca poderá postergar nem o princípio do benefício, que o n.º 2 e todo o artigo 10.º pretende concretizar, nem os princípios da justiça e igualdade tributária, não só igualdade, como igualdade de armas, entre a Administração Tributária e os contribuintes, mas também a igualdade dos contribuintes entre si, isto é, por exemplo, a igualdade entre os contribuintes que construíram edifícios que podem utilizar ou aproveitar, e aqueles que construíram edifícios que, por motivos que os ultrapassam, não podem utilizar ou aproveitar».
2.2.2. A sentença julgou improcedente a presente acção administrativa. Estruturou, para tanto, em síntese, a argumentação seguinte:
«A interpretação segundo a qual a normal utilização do edifício apenas seria possível na data da emissão do alvará de utilização (10 agosto 2007) é refutada como os seguintes argumentos: // 1º O legislador não considera como presunção de conclusão do prédio urbano a emissão de alvará de autorização de utilização, diferentemente do que estabelece para a licença camarária (art.10 nº 1 als.a) e d) CIMI); // 2º Para o legislador releva decisivamente como ano do início da tributação aquele em que se verificar uma qualquer utilização, desde que não precária, ainda que sem título jurídico correspondente; ou a mera possibilidade da normal utilização do prédio para os fins que se destina, conferida pelo proferimento de despacho de autorização (art.10º nº1 als.c) e d) CIMI) // 3º A formulação das citadas presunções legais de conclusão dos prédios urbanos aponta inequivocamente no sentido de se privilegiar a substância económica da situação do sujeito passivo, em detrimento da forma jurídica pela qual se inscreve no mundo jurídico, impondo a tributação sempre que a utilização efectiva do prédio constituir manifestação do aproveitamento da utilidade de um imóvel de que seja proprietário, pelo qual revela a sua capacidade contributiva. // 4º O elenco de presunções de conclusão dos prédios urbanos (estabelecido no art.10º nº1 CIMI) não distingue utilizações tituladas e não tituladas; pretende contemplar qualquer situação fáctica ou jurídica que revele estar integrada na esfera jurídica do sujeito passivo uma nova realidade física com expressão económica (com a designação de prédio urbano), traduzindo um acréscimo patrimonial que legitima a sujeição a tributação. [...]» (…). // Aplicando esta mesma fundamentação ao caso dos autos temos, pois, que não releva para efeitos de tributação em sede de IMI a data da concessão da licença de utilização, mas sim a data de conclusão das obras, nos termos conjugados da alínea c) do n.º 1 do artigo 9.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 10.º, ambos do CIMI».
2.2.2. No que respeita aos fundamentos do recurso referidos em i) e ii), o recorrente sustenta, quer a inexistência jurídica da sentença, quer a nulidade da mesma, porquanto terá incorrido em falta de apreciação do objecto da acção.
Apreciação.
A presente linha de argumentação não se oferece procedente. Do facto de a sentença não ter acolhido a posição sustentada pelo autor na petição inicial não decorre que a mesma seja inexistente ou nula por omissão de pronúncia. A sentença apreciou a questão suscitada nos autos, a qual consiste em saber se enferma dos vícios que lhe são apontados o despacho de 11.03.2011, do Chefe do Serviço de Finanças que indeferiu o pedido do autor de suspensão do novo valor patrimonial atribuído a cada uma das fracções, para efeitos da tributação em sede de IMI, até que seja emitida a competente autorização de utilização. Outra questão reside em saber se, ao decidir no sentido e com a fundamentação adoptada, a sentença decidiu com acerto. Questão que se prende com um eventual erro de julgamento em que mesma terá incorrido.
Motivo porque se impõe rejeitar as presentes linhas de argumentação.
2.2.3. O recorrente assaca à sentença recorrida erro de julgamento quanto ao enquadramento jurídico da causa, porquanto o despacho impugnado devia ter sido anulado, com base no erro em que incorreu, ao dar como assente que os prédios em causa se consideram concluídos, para efeitos de IMI, na data do termo das obras de edificação, sem cuidar de apurar se foi ou não emitida a autorização de utilização das fracções em causa e de relevar tal facto em sede da tributação em IMI.
Apreciação.
«Para efeitos [do CIMI], prédio é toda a fracção de território, abrangendo as águas, plantações, edifícios e construções de qualquer natureza nela incorporados ou assentes, com carácter de permanência, desde que faça parte do património de uma pessoa singular ou colectiva e, em circunstâncias normais, tenha valor económico (…)» (artigo 2.º/1, do CIMI). «Os prédios urbanos presumem-se concluídos ou modificados na mais antiga das seguintes datas: // a) Em que for concedida licença camarária, quando exigível; // b) Em que for apresentada a declaração para inscrição na matriz com indicação da data de conclusão das obras; // c) Em que se verificar uma qualquer utilização, desde que a título não precário; // d) Em que se tornar possível a sua normal utilização para os fins a que se destina» (artigo 10.º/1, do CIMI). // «O chefe de finanças da área da situação dos prédios fixa, em despacho fundamentado, a data da conclusão ou modificação dos prédios, nos casos não previstos no número anterior e naqueles em que as presunções nele enunciadas não devam relevar, com base em elementos de que disponha, designadamente os fornecidos pelos serviços da administração fiscal, pela câmara municipal ou resultantes de reclamação dos sujeitos passivos (artigo 10.º/2, do CIMI)».
A este propósito, colhe-se da jurisprudência os elementos seguintes:
i) «Nos termos do n.º 2 do art.º 10.º do CIMI é da competência do chefe de finanças da área da situação dos prédios fixar, em despacho fundamentado, a data da conclusão ou modificação dos prédios, com base em elementos de que disponha, designadamente os fornecidos pelos serviços da administração fiscal, pela câmara municipal ou resultantes de reclamação dos sujeitos passivos» (1).
ii) «A emissão de alvará de autorização de utilização dos edifícios não é condição da eficácia da autorização, contrariamente ao alvará de licenciamento de operação urbanística (art.74º nºs 1 e 3 Regime Jurídico da Urbanização e Edificação, aprovado pelo DL nº 555/99,16 dezembro). // A tributação em IMI de prédio urbano inicia-se no ano do despacho de autorização de utilização do prédio, o qual torna possível a sua normal utilização para os fins a que se destina; e não no ano da emissão do respectivo alvará de autorização de utilização (arts.9º nº1 al.c) e 10º nº1 al.d) CIMI)». (2)
A questão que se suscita nos autos consiste em saber se o despacho impugnado decidiu de forma correcta, ao considerar como data da conclusão dos prédio em apreço, a data da conclusão das obras e da sua inscrição na matriz ou, se se deve atender a outra data e qual, ao abrigo do disposto no artigo 10.º/2, do CIMI.
Da definição legal de prédio, para efeitos de IMI, resulta a existência de uma fraccão de território, abrangendo construções nele incorporados, que faça parte do património de uma pessoa determinada e que em circunstâncias normais tenha valor económico, impendentemente da susceptíbilidade de produzir (ou não) rendimento (3).
«Só podem ser objecto de arrendamento urbano os edifícios ou suas fracções cuja aptidão para o fim pretendido pelo contrato seja atestada pela licença de utilização» (artigo 5.º/1, do Decreto-Lei n.º 160/2006, de 08.08 (4) ». «Não podem ser realizados actos que envolvam a transmissão da propriedade de prédios urbanos ou de suas fracções autónomas sem que se faça prova da existência da correspondente autorização de utilização, perante a entidade que celebrar a escritura ou autenticar o documento particular» (artigo 1.º/1, do Decreto-Lei n.º 281/99, de 16.07 (5)). «A autorização de utilização de edifícios ou suas fracções autónomas destina-se a verificar a conclusão da operação urbanística, no todo ou em parte, e a conformidade da obra com o projecto de arquitectura e arranjos exteriores aprovados e com as condições do licenciamento ou da comunicação prévia» (artigo 62.º/1, do Regime Jurídico da Edificação e da Urbanização - RJUE, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 555/99, de 16.12).
No caso em exame, pese embora o prédio em causa ter sido inscrito na matriz, após termo das obras, em 2009 (n.º 3 do probatório), verifica-se que o mesmo (e cada uma das suas fracções autónomas) apenas foi objecto de emissão de autorização de utilização em 16.09.2013 (n.º 10 do probatório). Tal deve-se a atraso imputável à Administração (CML), que não providenciou, de forma atempada, pela superação dos obstáculos à emissão da competente autorização de utilização (n.º 11 do probatório).
Perante os elementos recolhidos nos autos, o órgão competente devia ter exercido o poder que lhe assiste «de fixa[r], em despacho fundamentado, a data da conclusão ou modificação dos prédios, nos casos não previstos no número anterior e naqueles em que as presunções nele enunciadas não devam relevar (artigo 10.º/2, do CIMI). As presunções previstas no artigo 10.º/1, do CIMI, estão sujeitas à prova do facto contrário (artigos 73.º da LGT e 350.º do Código Civil). No caso, tal prova foi feita, dado que as fracções apesar de edificadas não podem ser utilizadas para o seu uso normal, por serem desprovidas da autorização de utilização. O prédio (e cada uma das suas fracções) apenas pode constituir fonte de rendimento e, nessa medida, elevar-se a indício de capacidade contributiva, quando se mostre apto ao aproveitamento normal das suas características (prédio urbano); o que apenas sucede com a emissão da autorização de utilização que afiança da possibilidade do uso para o qual foi construído. Assim, é devido o deferimento do pedido de suspensão da tributação em IMI, até à data da emissão da autorização de utilização das fracções em causa. A sentença recorrida incorreu em erro, pelo que deve ser substituída por decisão que determine a anulação do despacho referido em 5) e a sua substituição por decisão que ordene a suspensão da tributação em IMI dos prédios em causa, pelo novo vpt, até 16.09.2013. Os demais pedidos formulados pelo recorrente constituem consequências do segmento decisório em apreço, cujo apuramento requer a realização de actos e operações por parte do recorrido, pelo que deverão ser apuradas em sede de execução do presente julgado anulatório/condenatório, dado que não existem elementos nos autos que permitam, desde já, quantificar o excesso de imposto que terá sido pago.
Termos em que se julgam procedentes as presentes conclusões de recurso.

Dispositivo
Face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida, e ordenar a suspensão da tributação em IMI dos prédios em causa, pelo novo vpt, até 16.09.2013.
Custas pelo recorrido.
Registe.
Notifique.
(Jorge Cortês - Relator)


(1.ª Adjunta – Patrícia Manuel Pires)

(2.º Adjunto – Vital Brito Lopes)

(1) Acórdão do TCAN, de 22-03-2018, P. 00035/10.5BEPNF.
(2) Acórdão do STA, de 06-05-2020, P. 01189/08.6BEVIS.
(3) António dos Santos Rocha e Eduardo Martins Brás, A tributação do Património, (IMI-IMT, Imposto de Selo, anotados e comentados) Almedina, 2018, pp. 27/29.
(4) Diploma que aprova o regime dos requisitos de celebração do contrato de arrendamento urbano.
(5) Diploma que aprova o regime da obrigação de apresentação de licença de utilização na transmissão de propriedade de imóveis urbanos ou suas fracções autónomas.