Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1834/19.8BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:10/09/2025
Relator:ANA CRISTINA LAMEIRA
Descritores:NÃO TOMAR CONHECIMENTO DO RECURSO
CONFORMAÇÃO COM UM DOS FUNDAMENTOS DE IMPROCEDÊNCIA DA ACÇÃO
ART. 635º, Nº 5 DO CPC
Sumário:I – Compulsadas a argumentação e conclusões das respectivas alegações recursivas, constata-se que somente foi “atacada” uma das causas da improcedência da acção, a excepção peremptória de prescrição, não sendo questionado o juízo realizado pelo Tribunal a quo quanto à falta de pressupostos do regime de responsabilidade extracontratual do Recorrido/Réu, no âmbito da Lei nº 67/2007, de 31.12, o mesmo constituiu um limite do conhecimento deste Tribunal de Apelação, atento o estatuído no artigo 635º, nº 5 do CPC.
II - Donde, independentemente do resultado do recurso, no que respeita à aludida prescrição, sempre se mantém a improcedência da acção por falta de pressupostos do regime de responsabilidade, que, nesta parte, transitou em julgado, e, em consequência, a sentença recorrida absolveu o Réu/Recorrido dos pedidos.
III- Assim, a apreciação do recurso sempre seria inútil, uma vez que, ainda que fosse provido, nunca a Recorrente obteria o efeito jurídico pretendido – a revogação da sentença-, uma vez que sempre se manteria o julgamento nela efectuado de absolvição do Réu do pedido, com fundamento na aludida não verificação dos pressupostos do regime de responsabilidade civil extracontratual.
IV- Atento o preceituado no artigo 652º, nº 1 alínea h) do CPTA ex vi artigo 140.º, nº 3 do CPTA, não cabe a este Tribunal de Apelação tomar conhecimento do objecto do recurso.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção Administrativa Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes da Subsecção Comum da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Sul


I. RELATÓRIO

.... , Lda., Autora, ora Reclamante, veio reclamar para a Conferência da Decisão Sumária da Relatora que, ao abrigo do disposto no artigo 652.º, n.º 1, alínea h, do Código de Processo Civil (CPC) ex vi art. 140.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), decidiu julgar findo o recurso jurisdicional, por não haver que conhecer do seu objecto, por si interposto da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, em 24 de Janeiro de 2025, pela qual foi decidido julgar totalmente improcedente, por não provada, a presente acção administrativa, e, em consequência, absolveu o Réu, Estado Português, dos pedidos por si formulados.

O Recorrido, Estado Português, representado pelo DMMP, não se pronunciou sobre a presente reclamação.

I.1 A reclamação para a conferência constitui o meio adjectivo próprio ao dispor da parte que se sinta prejudicada pela decisão individual e sumária do relator sobre o objecto do recurso, podendo o recorrente/reclamante, nessa reclamação, restringir o objecto do recurso no uso do direito conferido pelo art. 635°, n.° 4, do CPC, mas não pode ampliar o seu objecto, faculdade limitada ao recorrido nos termos do art. 636°, n.° 1 do mesmo Código, isto é, limitada à parte vencedora que tendo decaído em alguns dos fundamentos da acção, apesar disso, obteve vencimento no resultado final. A reclamação para a conferência da decisão sumária proferida apenas pelo relator faz retroagir o conhecimento em conferência do mérito da apelação ao momento anterior àquela decisão sumária.
Cumpre, pois, reapreciar as questões suscitadas pela Reclamante/Recorrente em sede de conclusões, e oficiosamente fazendo retroagir o conhecimento do recurso ao momento anterior à decisão singular proferida.

1.2. Recapitulando as conclusões apresentadas pela Reclamante em sede de Alegação de recurso jurisdicional:

“A – A decisão é nula nos termos do artigo 1º do CPTA e alínea c) do nº 1 do artigo 615º do CPC.
B– O Tribunal “a quo” cometeu erro na fundamentação de facto, no seu ponto 8.
C- De facto, este ponto está errado, uma vez que o ofício enviado pela entidade administrativa, contendo o despacho de arquivamento dos autos por prescrição, data de 30/09/2016.
D- O facto que deveria ser elencado como provado, porque é o que resulta do processo à margem, é o de que, “ Em 30/09/2016, foi feito um ofício a enviar à autora o despacho proferido no processo nº NUI/CO/001126/12.3.ECLSB, nos termos do qual “o procedimento pela contraordenação objecto destes autos se encontra prescrito, face ao confronto entre a data da infracção e a data do último acto processual e a presente data (…)”.
E- Tal erro lança a dúvida sobre o envio do despacho e respectiva recepção e contradiz os elementos processuais que serviram de base à decisão, tornando-a ambígua, senão mesmo ininteligível.
F- Também, o Meritíssimo Juiz cometeu erro de julgamento dos factos, quando entendeu que procedeu a excepção da prescrição.
G- Foi via do processo de contra-ordenação, com encerramento da actividade da autora e consequentes prejuízos, o qual acabaria por acabaria por culminar em decisão de arquivamento por prescrição, que advém o direito de peticionar os prejuízos causados.
H- O direito da Autora a uma eventual indemnização, apesar de envolver actos de 2012, só se concretiza, quando o processo é arquivado.
I- Os factos já existiam desde 2012, e já tinham causado prejuízos à ora recorrente, mas o respectivo ressarcimento não era exigível, na medida em
L- Durante o correr dos autos, os actos da entidade administrativa, embora geradores de prejuízos, não permitiam qualquer pedido de reparação, uma vez que poderiam ser corroborados por uma decisão de condenação no processo de contra ordenação”.

Termos em que deve ser julgado procedente o presente recurso e, em consequência, ser revogada a sentença recorrida.
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Nas contra-alegações o Réu formulou as seguintes conclusões:
O A entendeu impugnar esta sentença por meio de recurso alegando, em síntese, erro na apreciação da matéria de facto, que conduziu à procedência da excepção de prescrição do direito de propor acção;
Na douta sentença agora posta em crise, o Mmº Juíz valorou corretamente a matéria de facto e considerou acertadamente a data em que a ora recorrente tomou conhecimento do direito que lhe assistia;
E concluiu, acertadamente, ser a acção intempestiva;
A douta sentença não violou qualquer norma legal ou principio geral de Direito
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Dispensados os vistos, mas enviada cópia do projecto de acórdão às Sras. Juízas Desembargadoras Adjuntas, vem o presente processo à conferência para decisão.
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II - Do mérito da decisão reclamada

A reclamação para a conferência constitui o meio adjectivo próprio ao dispor da parte que se sinta prejudicada pela decisão individual e sumária do relator, nos termos, in casu, das disposições conjugadas dos artigos 643.º, n.º 4 e 652.º, n.º 3, ambos do CPC, aplicáveis ex vi artigo 145.º, n.º 3, do CPTA.
Por despacho da relatora de 16.05.2025 foram suscitadas questões que obstam à admissibilidade do presente recurso.
Em resposta a Recorrente pronunciou-se no sentido de ser o recurso admitido.
Cumpre, pois, reapreciar tais questões que balizaram a decisão singular proferida.

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III. Fundamentação

A Recorrente, e ora Reclamante, vem reclamar da Decisão Sumária da relatora, proferida a 16 de Junho de 2025, que decidiu julgar findo o recurso, por não haver que conhecer do seu objecto.

A decisão reclamada teve o seguinte teor:

“Nos termos do disposto nos artigos 641º, n.ºs 1 e 5, 652.º, n.º 1, alíneas b) e h) do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi artigos 1.º e 140.º, nº 3, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), o Despacho a quo de admissão da interposição de recurso jurisdicional, qualificação da sua espécie, regime de subida e fixação dos respectivos efeitos, não vincula o tribunal ad quem, não constituindo caso julgado formal.
O que significa que o juiz relator do tribunal de recurso, aquando da aferição dos pressupostos da admissibilidade, regularidade e legalidade do recurso jurisdicional, pode corrigir a qualificação e/ou regime de subida e efeitos atribuídos, bem como, naturalmente, não admitir o recurso interposto.
Apreciando;
Na sentença recorrida o Tribunal a quo ao analisar a conduta imputada à ASAE, consistente no facto de ter apreendido e selado os equipamentos de venda de combustível da Recorrente/Autora, que esta imputou como sendo uma actuação ilegal, entendeu não verificado o requisito da ilicitude para efeitos de aferição dos pressupostos cumulativos da responsabilidade civil extracontratual do Réu. Bem como nem os danos, supostamente, incorridos com o encerramento temporário do seu estabelecimento, não podem (ou não devem) ser imputados à conduta do Réu, que apenas se limitou a cumprir a lei – cfr. artigo 3.º, n.º 1 do CPA”.
Não se quedando por aí prosseguiu a sentença recorrida no sentido de que sempre estaria prescrito o direito reivindicado pela Autora, tendo concluído:
“Não obstante a legalidade da conduta empreendida pelo Réu, a verdade é que, mesmo partindo de uma suposta ilegalidade da apreensão e selagem dos instrumentos de fornecimento de combustível – que nasceu da necessidade de cessação temporária da actividade ilícita prosseguida pela Autora, até à reposição da legalidade – dúvidas não restam que a Autora, no ano de 2013, estava plenamente ciente da ilicitude e dos danos em que incorreu, reportada esta à data da apreensão. Com efeito, a Autora teve pleno conhecimento, no ano de 2013, da verificação dos pressupostos do instituto da responsabilidade civil, pelo que, vindo apenas, no ano de 2019, a accionar esse mecanismo, o direito que agora pretende exercer já se encontra extinto, excepção perentória que procede, conforme invocada pelo Estado Português”.

Como os Tribunais superiores têm abundantemente decidido, as conclusões do recurso assumem a importante finalidade de delimitar o objecto do recurso, ou seja, as questões sobre as quais impende sobre o Tribunal de recurso o dever de conhecer e de decidir, sob pena de omissão ou de excesso de pronúncia.
Por isso, assumem a relevância de revelar a matéria objeto de reapreciação judicial, assim como as respetivas razões ou fundamentos porque se pede essa reapreciação e a prolação de decisão judicial diferente daquela que foi proferida.
Compulsadas a argumentação e conclusões das respectivas alegações recursivas (supra transcritas), ao contrário do que alega a Recorrente no seu requerimento precedente, constata-se que somente foi “atacada” uma das causas da improcedência da acção, a excepção peremptória de prescrição, não sendo questionado o juízo realizado pelo Tribunal a quo quanto à falta de pressupostos do regime de responsabilidade extracontratual do Recorrido/Réu, no âmbito da Lei nº 67/2007, de 31.12, o que constituiu um limite do conhecimento deste Tribunal de apelação por efeitos do estatuído no artigo 635º, nº 5 do CPC, porquanto “Os efeitos do julgado, na parte não recorrida, não podem ser prejudicados pela decisão do recurso…”.
Donde, independentemente do resultado do recurso, no que respeita à aludida prescrição, sempre se mantém a improcedência da acção por falta de pressupostos do regime de responsabilidade, que, nesta parte, transitou em julgado, e, em consequência, a sentença recorrida absolveu o Réu/Recorrido dos pedidos.
Importa ter presente que no caso estamos na presença de um recurso jurisdicional, onde se pretende um julgamento de 2º grau, ou seja, a revisão de uma anterior decisão, a qual constitui assim o objecto daquele primeiro.
Contudo, se o recorrente aparentemente inconformado com uma decisão jurisdicional, não ataca os seus fundamentos, essa revisão não se apresenta minimamente viável [vide neste sentido, cfr. o acórdão STA, de 11-1-94, proferido no âmbito do recurso nº 33.468, e também o acórdão deste TCA Sul, de 4-5-2006, proferido no âmbito do recurso nº 4.756/2000].
Assim, a apreciação do recurso sempre seria inútil, uma vez que, ainda que fosse provido, nunca a Recorrente obteria o efeito jurídico pretendido – a revogação da sentença-, uma vez que sempre se manteria o julgamento nela efectuado de absolvição do pedido com fundamento na aludida não verificação dos pressupostos do regime de responsabilidade civil extracontratual do Réu.
Sendo que também quanto à suscitada nulidade da sentença e erro de julgamento do ponto 8 do probatório, o mesmo relevaria para apreciação do eventual erro de julgamento relativo ao termo a quo do prazo prescricional.
Logo, a Recorrente não detém qualquer interesse processual no prosseguimento do recurso, o que constitui uma condição da admissibilidade do próprio recurso. De todo o exposto, porque este tribunal superior não se encontra vinculado à decisão proferida pelo tribunal a quo que admitiu o recurso, nos termos do artigo 641º, nº 5 do CPC, então, atento o preceituado no artigo 652º, nº 1 alínea h) do mesmo Código ex vi artigo 140.º, nº 3 do CPTA, não se irá tomar conhecimento do objecto do recurso”.

Atenta a decisão reclamada que aqui se acompanha e se reforça, conforme atrás fundamentado, então terá de claudicar a reclamação apresentada pela Reclamante/Recorrente.


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IV. Decisão

Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Subsecção Comum da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal Central Administrativo Sul em indeferir a reclamação apresentada, confirmando a Decisão Sumária da Relatora [que não conheceu do objecto do recurso].

Custas pela Recorrente.

Notifique.

Lisboa, 09 de Outubro de 2025


Ana Cristina Lameira, Relatora
Lina Costa
Marta Cavaleira