Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:795/23.3 BELRA
Secção:CA
Data do Acordão:11/23/2023
Relator:FREDERICO MACEDO BRANCO
Descritores:PENA DISCIPLINAR;
PSP;
PROPORCIONALIDADE;
PROVIDÊNCIA CAUTELAR
Sumário:I – A aplicação de pena expulsiva só deverá ter lugar quando a conduta do arguido atinja de tal forma o prestígio e a credibilidade da instituição que integra, que a sua não aplicação degradaria a imagem dessa entidade, pela imagem de impunidade permissiva que transmitiria.
II - Se é verdade, no que respeita à proporcionalidade da pena, que não podemos perder de vista que estamos perante um agente policial com um específico código deontológico e com um apertado conjunto de deveres de conduta, o que é facto é que se mostra desproporcional aplicar a pena de demissão em resultado do furto numa messe da PSP de refrigerantes com um valor total de cerca de 1€, atenta até a ausência de repercussão publica do referido evento, não estando pois demonstrado que o controvertido crime tenha inviabilizado a manutenção da relação funcional.
III - Efetivamente, e desde logo, o MAI não demonstrou que a infração imputada ao aqui Recorrido, se mostraria inviabilizadora da manutenção da sua relação funcional, não tendo sido, designadamente, evidenciados comportamentos suscetíveis de constituírem um grau de desvalor, determinantes da quebra, definitiva e irreversível, da confiança que deverá existir entre o serviço e o agente.
IV - Tendo-se verificado na aplicação da pena expulsiva, a violação designadamente dos princípios da justiça e da proporcionalidade, naturalmente que a intervenção dos tribunais se mostra legitima, e não violadora do princípio da separação de poderes (artigos 7º e 8º do CPA), tanto mais que ao Recorrido não foram imputados quaisquer factos suscetíveis de determinar a aplicação de pena disciplinar expulsiva, em face do que não merece censura o entendimento de que será provável que, em sede de ação principal, a pretensão venha a ser julgada procedente.
V - Confrontado com o relatório final do instrutor, o órgão competente para a decisão final pode concordar com a pena proposta, ou dela discordar, sendo certo que, decidindo em sentido diverso do proposto pelo instrutor no relatório final, deve o decisor fundamentar devidamente essa decisão e essa discordância, nos termos do disposto no n.º 4 do artigo 101.° da Lei n.º 37/2019.
VI – Efetivamente, a Entidade com competência disciplinar pode, querendo, alterar a pena que vem proposta, só que tem de fundamentar tal intenção, não bastando determinar a qualquer outra entidade sob a sua alçada funcional ou ao instrutor do Processo Disciplinar, a alteração do sentido do proposto.
VII – A mera circunstância do Agente, em resultado do ato punitivo cuja suspensão vem requerida, ficar privado do seu vencimento, naturalmente que terá necessariamente consequências no quadro da gestão da sua economia familiar.
VIII Se é verdade que o Agente não apresentou abundante prova documental das suas despesas mensais, para além das despesas habitacionais, não é despiciente reconhecer que independentemente do valor exato das despesas do agregado familiar, é manifesto que o facto de ficar definitivamente privado do valor integral do seu vencimento, causará necessariamente incontornáveis sobressaltos na sua economia familiar.
IX – Estando em causa um crime de furto simples, realizado por um agente policial, o qual na messe da PSP furtou bens no valor total de cerca de 1€, os quais foram entretanto recuperados, não se reconhece a verificação de qualquer prejuízo ou repercussão pública do referido evento, em face do que, por natureza, não se reconhece que a suspensão da consequente pena expulsiva aplicada prejudique a imagem quer da PSP, quer o interesse publico.
Indicações Eventuais:Subsecção SOCIAL
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo, Subsecção Social, do Tribunal Central Administrativo Sul:

I Relatório
O Ministério da Administração Interna, no âmbito de Providência Cautelar apresentada por L........, Agente da PSP, tendente, em síntese, à suspensão da decisão daquela Entidade, de 29.05.2023, pela qual lhe foi aplicada a pena disciplinar de demissão no âmbito de processo disciplinar contra si instaurado, com o n.º .......6DIS, inconformado com a Sentença proferida 8 de setembro de 2023, que julgou procedente o presente processo cautelar, veio em 29 de setembro de 2023 interpor recurso jurisdicional da referida decisão, proferida em primeira instância no Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria.
Formula o aqui Recorrente/MAI nas suas alegações de recurso, as seguintes conclusões:
“A. A douta Sentença recorrida julgou «totalmente procedente o presente processo cautelar e, em consequência, suspendeu a eficácia da decisão do Ministro da Administração Interna, datada de 29.05.2023, pela qual foi aplicada ao Requerente a pena de demissão, até ao trânsito em julgado da ação principal».
B. Porém, salvo melhor e douta opinião, o Tribunal a quo incorreu em erro sobre os pressupostos de facto e de direito e em erro de julgamento.
C. Na verificação do requisito do fumus boni iuris, o Tribunal a quo incorreu em erro de apreciação dos factos e do direito, na medida em que a competência dos superiores hierárquicos abrange sempre a competência dos subordinados, nos termos do artigo 58.°, n.ºs 1 e 2 do EDPSP, podendo aqueles determinar a reformulação ou anulação de qualquer ato dos seus subordinados. Isto significa que, in casu, o Diretor Nacional da PSP, por ser o órgão máximo da cadeia hierárquica de comando, pode ordenar a reformulação do relatório final do procedimento disciplinar sem que tal constitua uma violação dos princípios da independência e isenção do instrutor.
D. Mesmo que assim não se entenda, o que por mera hipótese académica se admite, in casu, independentemente da verificação deste vício, o conteúdo do despacho suspendendo seria o mesmo.
E. Efetivamente, a pena disciplinar que era proposta antes da reformulação do relatório final era a suspensão agravada, sendo competente para aplicá-la o Diretor Nacional da PSP. Nesse momento, confrontado com os factos praticados pelo ora Recorrido, proporia, em despacho fundamentado, a aplicação de uma pena expulsiva, primeiramente para apreciação no Conselho de Deontologia e Disciplina da PSP e, posteriormente, para decisão do Ministro da Administração Interna.
F. Assim, uma vez que o vício de violação de lei gera a anulabilidade do ato, estando provado que o conteúdo do ato seria o mesmo, nos termos da alínea c) do n.º 5 do artigo 163.° do CPA, não se verifica o efeito anulatório.
G. Quanto à não realização da perícia psiquiátrica médico-legal, bem como à ausência de despacho do instrutor a indeferi-la, consideramos que não é suscetível de gerar nulidade procedimental, por não poder ser considerada uma diligência essencial. Com efeito, o Recorrido já tinha sido submetido a este meio de prova no processo criminal, onde se deram como provados todos os factos que estão na base da acusação disciplinar.
H. Ademais, a Administração encontra-se vinculada aos factos dados como provados no processo crime, por força do caso julgado material e da unidade superior do Estado, não havendo qualquer obrigatoriedade de repetição das diligências probatórias realizadas no processo criminal.
I. No caso vertente, verifica-se que o instrutor mencionou no relatório final que o, então, Arguido já havia sido submetido à perícia psiquiátrica médico-legal no processo crime, tendo-se concluído, conforme a sentença penal transitada em julgado, que a imputabilidade do Recorrido era ligeiramente diminuída.
J. Assim, salvo melhor e douta opinião, entendemos que a douta Sentença recorrida padece de erro sobre os pressupostos de facto e de direito, na análise do requisito do fumus boni iuris.
K. Quanto aos requisitos do periculum in mora e da ponderação de interesses, o Tribunal a quo fundou a sua decisão com base na situação financeira alegada pelo agora Recorrido, nomeadamente na perda de rendimentos.
L. Contudo, o Recorrido apenas juntou prova do montante mensal que despende para pagamento do seu crédito à habitação, não tendo junto qualquer comprovativo de rendimentos do agregado familiar, nem da composição do mesmo.
M. Assim, a douta Sentença recorrida incorreu em erro sobre os pressupostos de facto, por a situação financeira alegada pelo Recorrido não estar devidamente provada.
N. Uma vez que o Tribunal a quo fundamentou a verificação dos requisitos do periculum in mora e da ponderação de interesses na alegada dificuldade financeira em que o Recorrido iria ficar se o ato suspendendo fosse executado, e não estando esta provada, concluímos pela não verificação destes requisitos.
O. Pelo que fica exposto, fica provado e demonstrado que a douta Sentença recorrida incorreu em erro de julgamento, por erro sobre os pressupostos de facto e de Direito, pelo que deve ser anulada.
P. Assim, este Venerando Tribunal Central, enquanto Tribunal de última instância que é, em regra, deve anular a douta Sentença recorrida, substituindo por outra mais conforme à Lei e ao Direito, constituindo uma orientação correta para os tribunais de primeira instância no julgamento destas matérias.
Termos em que, com o mui douto suprimento dos Venerandos Desembargadores, deve este Tribunal Central julgar procedente o presente recurso, por provado, anulando, em consequência, a douta Sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, de 8 de setembro de 2023, substituindo-a por outra que seja mais conforme com a Lei e o Direito, fazendo-se, assim, a acostumada Justiça.”

O aqui Recorrido/L....... veio apresentar as suas contra-alegações de Recurso em 16 de outubro de 2023, nas quais concluiu:
“1. O presente recurso não deve sequer ser admitido;
2. O acórdão proferido Pelo Tribunal administrativo e Fiscal de Leiria é intocável e prima por uma clareza jurídica e superior fundamentação irrefutáveis.
3. A sentença deve manter-se inalterável, fazendo-se dessa forma justiça.
Nestes termos e nos melhores de direito. deve o recurso interposto pelo recorrente não ser admitido, ou se assim, não se entender deve ser negado provimento ao mesmo e a douta sentença recorrida ser mantida inalterável, fazendo, Vs. Exas., dessa forma, sã, serena e objetiva Justiça!”

O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado em 20 de outubro de 2023, veio a emitir Parecer em 24 de outubro de 2023, no qual, a final, conclui que “Somos do parecer que deve ser negado provimento ao recurso apresentado, mantendo- se na íntegra a sentença a recorrida, por a mesma não padecer dos vícios que lhe vêm assacados, nem de qualquer outro que cumpra conhecer.”
Com dispensa de vistos prévios (art.º 36º, nº 2, do CPTA), cumpre decidir.
II - Questões a apreciar
Importa apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, sendo que o objeto do Recurso se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, ex vi Artº 140º CPTA, onde se suscitou, designadamente, que “Tribunal a quo incorreu em erro sobre os pressupostos de facto e de direito e em erro de julgamento”.

III – Fundamentação de Facto
Dá-se por reproduzida a matéria de facto fixada em 1ª Instância – Art.º 663º nº 6 .
Em qualquer caso, sem prejuízo do referido, para permitir uma mais fácil e intuitiva avaliação da matéria controvertida e verificação do objeto do Processo, infra se transcrevem alguns dos factos fixados:
“(…)
30. Em 24.06.2021 o instrutor do processo disciplinar n.º .......6DIS elaborou acusação contra o Requerente no âmbito do referido processo, com o seguinte teor (cf. acusação a fls. 214 e seguintes do processo instrutor):
“(…)
Artigo 1.°
No dia .. de .. de 2017, entre as ..H.. e as ..H.., o arguido, introduziu- se nas instalações da messe do Comando Distrital da PSP de Santarém, sitas na Avenida do Brasil, n.º 1, Santarém, com o propósito de se apoderar de bens que ali viesse a encontrar.
Artigo 2º
Para ali se introduzir, o arguido forçou a fechadura da porta que dá acesso a tais instalações, inutilizando-a, provocando um dano no valor de 7,95€ (sete euros e noventa e cinco cêntimos).
Artigo 3.º
O Arguido entrou na messe, percorreu o respetivo interior e dali retirou e levou consigo, fazendo suas, duas garrafas de sumo da marca «C.», no valor total de € 1,11 (um euro e onze cêntimos).
Artigo 4.º
Pelo exposto foi o Arguido condenado como autor material de um crime de furto simples - conforme decisão proferida pelo Tribunal Judicial da Comarca de Santarém, relativa ao NUIPC 11/17.7 PESTR, transitada em julgado a 14 de janeiro de 2021, tendo sido condenado com a pena de 40 (quarenta) dias de multa, à taxa diária de 7,00 € (sete euros) e ao pagamento da taxa de justiça no valor de 2 (duas) Unidades de Conta.
Artigo 5.º
As condutas descritas constituem assim infração disciplinar nos termos do Artigo 3.o do EDPSP, tendo o arguido infringido o Dever de Aprumo previsto no Artigo 19.o, n.ºs 1 e 2, alíneas a)e f) do mesmo estatuto.
Artigo 6.º
O arguido não goza de nenhuma das circunstâncias dirimentes da responsabilidade disciplinar previstas no Artigo 38J do EDPSP.
Artigo 7.
O arguido não beneficia de nenhuma das circunstâncias atenuantes da responsabilidade disciplinar regulada pelo Artigo 39o do EDPSP.
Artigo 8.º
Tem como circunstâncias agravantes da responsabilidade disciplinar as previstas nas alíneas b) - a premeditação, e f) - a afetação da honra, do brio e do decoro profissional, ambas do nº 1 do Artigo 40J do EDPSP.
Artigo 9.º
A infração praticada pelo arguido, cometida a título de dolo, coloca em causa o prestígio e o bom nome da instituição, constituindo uma infração disciplinar muito grave, conforme resulta do Artigo 23° do EDPSP.
Artigo 10.°
Assim, conforme resulta do Artigo 46° do EDPSP, à conduta do arguido corresponde a pena disciplinar de aposentação compulsiva [Artigos 30°, n.º 1 al. e) e 35°] ou de demissão [Artigos 30°, n.º 1, al. f) e 36°].
(…)”
45. Em 29.05.2023 o Ministro da Administração Interna aplicou a pena disciplinar de demissão ao Requerente, no âmbito do processo disciplinar n.º .......6DIS (cf. despacho de fls. 372 do processo instrutor);

IV – Do Direito
No que aqui releva, discorreu-se no discurso fundamentador da decisão recorrida:
“Como vimos já, refere a este propósito o Requerente que a decisão disciplinar de demissão cuja eficácia aqui pretende ver suspensa padece de diversos vícios de violação de lei por erro nos pressupostos de facto e de direito, que de seguida melhor serão analisados.
(…)
Ora, o primeiro vício que o Requerente aponta ao processo disciplinar é o da sua prescrição, uma vez que os factos em causa no processo se reportam ao dia 28.01.2017, e a decisão final foi proferida apenas em 29.05.2023.
(…)
Conclui-se, assim, que não assiste razão ao Requerente neste ponto, não se verificando a prescrição invocada.
O Requerente não se conforma, ainda, com o facto de, apresentado o relatório final ao Diretor Nacional da PSP, este ter ordenado a reformulação do mesmo de forma a fazer dele constar a pena proposta de demissão ou aposentação compulsiva. Entende que esta determinação viola o princípio da independência do instrutor, e que o Diretor Nacional deveria ter alterado a proposta de pena se com ela não concordava, levando-a ao Conselho de Deontologia e Disciplina. Afirma que, assim, este Conselho emitiu parecer sobre uma pena que já estava proposta, antes aliás de o instrutor elaborar o relatório final do procedimento.
De facto, dispõe o seguinte o artigo 101.° da Lei n.º 37/2019, sobre a decisão final do procedimento disciplinar:
“(…)
1 - A entidade competente decide, concordando ou não com as conclusões e propostas do relatório do instrutor.
2 - O despacho punitivo é fundamentado e contém, ainda que por mera declaração de concordância com o relatório, pareceres, informações ou propostas:
(…)
4 - A decisão, quando não concordante com a proposta formulada no relatório final do instrutor, é fundamentada e proferida no prazo máximo de 30 dias contados das seguintes datas:
a) Da receção do processo, quando a entidade competente para punir concorde com as conclusões do relatório final;
b) Do termo do prazo que marque, quando ordene novas diligências.
5 - Na decisão não podem ser invocados factos não constantes da acusação nem referidos na resposta do arguido, exceto quando excluam, dirimam ou atenuem a sua responsabilidade disciplinar. ”
Em idênticos termos para o que aqui importa decidir, dispunha também o n.º 2 do artigo 88.° da Lei n.º 7/90 que “a entidade que decidir o processo fundamentará a decisão quando discordar da proposta constante do relatório do instrutor”.
Afigura-se-nos, efetivamente, que neste ponto assiste razão ao Requerente, o que bastará para conceder provimento à pretensão suspensiva que aqui promove.
De facto, confrontado com o relatório final do instrutor, o órgão competente para a decisão final pode concordar com a pena proposta, ou dela discordar, sendo certo que, decidindo em sentido diverso do proposto pelo instrutor no relatório final, deve o decisor fundamentar devidamente essa decisão e essa discordância, nos termos do disposto no n.º 4 do artigo 101.° da Lei n.º 37/2019.
Não é legalmente admissível que o órgão decisor, que tem apenas competência para emitir a decisão final, ordene ao instrutor que reformule o relatório final por forma a fazer dele constar a pena que a entidade competente para decidir entende ser a mais adequada aos factos e ao direito aplicável. Tal determinação põe em causa a independência e a isenção do instrutor do procedimento disciplinar, e deita por terra toda a instrução que por ele tenha sido levada a cabo, deixando o arguido e, no caso concreto, o Tribunal, perante uma situação em que, essencialmente, o mesmo relatório final, com os mesmos factos e mesmas normas jurídicas aplicáveis, propõe para o mesmo caso duas penas distintas.
A violação do disposto nos artigos 101.° da Lei n.º 37/2019 e 88.° da Lei n.º 7/90 não se reconduz, apenas, a um vício procedimental no caso concreto - redunda verdadeiramente numa violação de princípios, como seja o da independência e isenção do instrutor do processo disciplinar, conforme é sublinhado pelo Requerente no seu articulado inicial.
Restará, assim, concluir que neste aspeto assiste razão ao Requerente, e que se verifica o vício de violação de lei apontado, motivo pelo qual se torna provável que, em sede de ação principal, a pretensão do Requerente vá proceder, tudo bastando para decretar a providência solicitada.
O Requerente tece, depois, uma série de considerações acerca do seu estado emocional e psicológico. Afirma, em primeiro lugar, ter sido observado por uma psicóloga nos serviços de Psicologia da PSP, sem que nunca lhe tenha sido transmitido o resultado dessa observação.
De facto, não consta de qualquer dos elementos juntos aos autos que o resultado desta avaliação psicológica tenha sido comunicada ao Requerente, mas também não resulta da lei que o instrutor do procedimento tivesse de a dar a conhecer. Pelo contrário, ao instrutor cabe realizar as diligências instrutórias que não tenha por impertinentes ou dilatórias, e vertê-las na acusação e no relatório final, explicitando o modo como cada diligência contribuiu, ou não, para a formação da sua convicção relativamente à factualidade que deu como provada. Não é obrigatório e não é exigido em momento algum pela legislação aplicável que o instrutor dê a conhecer ao Requerente, os autos de inquirição de testemunhas, os relatórios de avaliações, ou quaisquer outros meios de prova mobilizados na sua integralidade - sem prejuízo da possibilidade de examinar o processo ou de solicitar a sua confiança, que sempre está ao alcance do arguido e dos seus mandatários constituídos.
O Requerente afirma ainda que solicitou a sua submissão a junta médica superior de saúde para avaliar o seu grau de imputabilidade, pedido que não mereceu qualquer resposta, positiva ou negativa, por parte do instrutor.
Vejamos o que dispõe a este propósito o artigo 97.° da Lei n.º 37/2019, a propósito da Produção da prova oferecida pelo arguido:
“1 - As diligências requeridas pelo arguido podem ser recusadas em despacho devidamente fundamentado do instrutor, quando:
a) Os meios de prova requeridos sejam considerados irrelevantes ou supérfluos;
b) O meio de prova seja inadequado, de obtenção impossível ou muito duvidosa;
c) O requerimento tenha finalidade meramente dilatória.
(…)
9 - Finda a produção da prova oferecida pelo arguido, podem ainda ordenar-se, por despacho fundamentado, novas diligências que se tornem indispensáveis para o completo esclarecimento da verdade, sem prejuízo de nova audição do arguido. ”
Como resulta das normas supra transcritas, o arguido tem o direito de apresentar, com a defesa escrita, diligências instrutórias para serem realizadas acerca dos factos alegados na referida defesa. E o instrutor do procedimento, estando vinculado aos princípios da investigação e da descoberta da verdade material, deve realizar as diligências requeridas pelo arguido, sem prejuízo da possibilidade que lhe é concedida pelo n.º 1 do citado artigo 97.°, nos termos do qual poderá recusar, em despacho fundamentado, a realização das mencionadas diligências.
No caso concreto, não existiu qualquer despacho fundamentado do instrutor tendente à recusa das diligências instrutórias solicitadas pelo Requerente, pelo que desconhece o Requerente e também o Tribunal o motivo pelo qual esta diligência não foi realizada pelo instrutor, em clara violação do disposto no acima transcrito artigo 97.° do Estatuto Disciplinar.
Também por este prisma, e com fundamento no cometimento desta nulidade processual, será provável a procedência da pretensão do Requerente na ação principal.
(…)
Face ao exposto, temos que se encontra preenchido o requisito do fumus boni iuris, sendo provável que, em sede de ação principal, a pretensão do Requerente venha a proceder.
*
Para sustentar o requisito do periculum in mora, como vimos, o Requerente refere que o vencimento que recebe é a sua única fonte de rendimento, criando a sua supressão desânimo e desalento ao Requerente e agregado familiar.
Alega que tem dois filhos que tem de sustentar, e que o ato cuja eficácia pretende suspender põe os filhos em perigo de subsistência, obrigando ainda os seus filhos a deixar de estudar, e colocando em risco a manutenção da casa.
Mais afirma que paga €268,49 mensais à C. a título de prestação de crédito à habitação.
Dispõe efetivamente o n.º 1 do artigo 120.° do CPTA, a este propósito, que “as providências cautelares são adotadas quando haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal”.
Para que se encontre preenchido o requisito do periculum in mora será necessário, portanto, que se verifique na esfera jurídica do requerente das providências um “fundado receio de que, quando o processo principal chegue ao fim e sobre ele venha a ser proferida uma decisão, essa decisão já não venha a tempo de dar resposta adequada às situações jurídicas envolvidas no litígio, seja porque (a) a evolução das circunstâncias durante a pendência do processo tornou a decisão totalmente inútil; seja, pelo menos, porque (b) essa evolução conduziu à produção de danos dificilmente reparáveis” (cf. MÁRIO AROSO DE ALMEIDA e CARLOS ALBERTO FERNANDES CADILHA, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina, Coimbra, 4.a Edição, 2017, pág. 970).
Conforme decidido a este propósito pelo Acórdão do Tribunal Central Administrativo (TCA) Norte de 24.04.2015 (Proc. n.º 00831/14.4BEAVR). “para aferir da verificação ou não deste requisito, o juiz deve ponderar as circunstâncias concretas do caso em função da utilidade da sentença e não decidir com base em critérios abstratos, ponderando, designadamente, sobre as dificuldades que envolvem o restabelecimento da situação que deveria existir se a conduta ilegal não tivesse tido lugar - cfr. Acs. do STA de 09.06.2005 - Proc. n.° 0412/05, de 10.11.2005 - Proc. n.° 0862/05, de 01.02.2007 - Proc. n.° 027/07, de 14.07.2008 - Proc. n.° 0381/08, de 12.02.2012 - Proc. n.° 0857/11 e Ac. do TCAN de 14.09.2012 - Proc. n.° 03712/11.0BEPRT, disponíveis em «www.dgsi.pt/jtcn»”.
Ora, o decretamento das providências tem em vista, desde logo, impedir a criação de uma situação de facto consumado, que impossibilite a restauração natural da esfera jurídica do interessado na eventualidade de procedência da sua pretensão principal, por irreversibilidade da sua situação.
Mas o preceito em causa faz não só apelo à constituição de uma situação de facto consumado, também se referindo, alternativamente, à produção de prejuízos de difícil reparação, o que igualmente se pretende evitar.
Prejuízos de difícil reparação são aqueles cuja reintegração no plano dos factos se perspetiva difícil, seja porque pode haver prejuízos que, em qualquer caso, se produzirão ao longo do tempo e que a reintegração da legalidade não é capaz de reparar ou, pelo menos, de reparar integralmente - cf., nesse sentido, por todos, Acórdãos do STA de 12.01.2012, Proc. n.° 0857/11 e do TCA Norte de 10.10.2014, Proc. n.° 00548/14.0BEBRG, disponíveis em www.dgsi.pt.
Ora, revertendo ao caso concreto e à pena aplicada ao Requerente, correspondente a uma pena de demissão que, naturalmente, implica a perda de vencimento do funcionário a quem foi aplicada a pena, fazemos nossa a fundamentação do acórdão do TCA Sul de 22.04.2010 (Proc. n.° 0607/10, na qual pode ler-se o seguinte:
“(…)
Ora, é nosso entendimento ser da natureza das coisas que a demissão de uma pessoa e a consequente perda de vencimento causam nessa pessoa danos patrimoniais e não patrimoniais que a posterior eventual anulação do ato nunca poderá ressarcir por completo:
As dificuldades inerentes a viver-se durante o tempo do processo sem rendimentos nunca poderão ser integralmente ressarcidas à posteriori.
Neste sentido, veja-se o Ac. do STA de 28/01/2009, proc. n° 1030/08, consultável in www.dgsi.pt, onde se pode ler:
«Ora, é jurisprudência pacífica deste STA e também do STJ, que a privação do vencimento de um funcionário ou agente do Estado e, designadamente de um magistrado, em consequência da imediata execução do ato punitivo que o afaste de funções, causa prejuízos irreparáveis ou, pelo menos, de difícil reparação ao visado com esse ato, se tal privação diminuir drasticamente o seu nível de vida ou do seu agregado familiar, pondo em risco a satisfação das necessidades normais, correspondentes ao padrão de vida médio das famílias de idêntica condição social. Cf. neste sentido, entre outros, o acórdãos do STA de 14.07.08, rec. 381/08, de 25.07.07, rec. 462/07, de 18.05.07, rec. 1085/06, de 13.01.05, rec. 1273/04 e de 18.02.2002, rec. 1859/02 e, entre outros, os acórdãos do STJ de12.04.2005, P.1150/05, de 14.09.06, P.3071/06.»
(…)”
É entendimento também deste Tribunal que a perda do vencimento do Requerente lhe causará a si e ao seu agregado familiar prejuízos de muito difícil reparação, pois os danos causados pela perda de vencimento durante toda a duração de um processo judicial dificilmente serão totalmente repostos a posteriori.
Termos em que se tem por verificado, também, o requisito do periculum in mora para a concessão desta providência.
*
Ainda que se tenha concluído pela verificação do fumus boni iuris e do periculum in mora relativamente ao pedido de suspensão de eficácia de ato administrativo, dispõe o n.° 2 do artigo 120.° do CPTA que “a adoção da providência ou das providências é recusada quando, devidamente ponderados os interesses públicos e privados em presença, os danos que resultariam da sua concessão se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua recusa, sem que possam ser evitados ou atenuados pela adoção de outras providências”.
Ora, no caso dos autos, a situação do Requerente caso não se suspenda a eficácia da decisão é de constrangimento financeiro, do qual podem decorrer transtornos na sua vida privada como seja a impossibilidade de se sustentar a si e aos seus filhos, e a impossibilidade de suportar os gastos fixos em que mensalmente incorre.
No caso da Entidade Requerida, é referido na oposição que o crime cometido pelo Requerente assume especial relevância na comunidade e causa assinalável alarme social, especialmente quando praticado por um elemento da PSP contra a própria instituição.
Não se ignorando a gravidade da infração e do afirmado, afigura-se-nos contudo que o decretamento da providência não trará especial constrangimento para o interesse público, aqui assumindo novamente a fundamentação do acórdão do TCA Sul de 22.04.2010, no qual se afirma que a “depreciação da imagem e o desprestígio das forças policiais, que resultam da manutenção do agente ao serviço, são diminutas, pois, numa sociedade urbana, essencialmente anónima, caracterizada pela vivência em conjunto de centenas de milhares de pessoas, o público em geral não terá nunca conhecimento da manutenção do agente em serviço enquanto durar o processo judicial, a menos, como é evidente, que tal seja objeto de notícia nos meios de comunicação social. O conhecimento do facto será obviamente restrito ao seu círculo de amigos e agentes que com ele trabalham. Mas, mesmo neste círculo, as pessoas compreenderão certamente que as decisões de expulsão só se tornam irreversíveis, caso sejam impugnadas em Tribunal, após decisão judicial. E hoje, graças também ao papel dos meios de comunicação social, a generalidade das pessoas tem a perceção que existem processos cautelares que podem suspender decisões da administração. Donde, o desprestígio será certamente muito diminuto.
A eficácia imediata da pena de demissão acarretará pelo contrário graves prejuízos ao recorrente, que verá o seu nível de vida reduzido drasticamente. ”
Atento o exposto, temos que os danos que resultam da concessão da providência são inferiores aos resultantes da sua recusa, pelo que nada obsta ao decretamento da providência e à concessão da pretensão do Requerente, tudo conforme a final se determinará.”

Foi peticionado no presente Processo a suspensão de eficácia do ato que aplicou ao aqui Recorrido pena disciplinar de demissão.

Correspondentemente, decidiu-se no Tribunal a quo, julgar verificados os pressupostos de que a lei faz depender a concessão de providências cautelares, deferindo-se a requerida providência, suspendendo-se o ato de aplicação da pena de demissão.

Refira-se desde já que a decisão proferida em 1ª instância, será para manter.

Vejamos:
Veio o Ministério da Administração Interna recorrer da sentença que deferiu a requerida providência cautelar de suspensão da eficácia do despacho que suspendeu a aplicação da pena de demissão aplicada ao aqui Recorrido, invocando que o “Tribunal a quo incorreu em erro sobre os pressupostos de facto e de direito e em erro de julgamento”.

As providências cautelares serão deferidas desde que se verifiquem cumulativamente os seguintes requisitos:
i) Fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal (periculum in mora)
ii) Que seja provável que a pretensão formulada ou a formular no processo principal venha a ser julgada procedente (fumus boni juris);
iii) Que da ponderação de interesses dos interesses públicos e privados em presença resulta que os danos decorrentes da concessão da providência não se mostram superiores àqueles que podem resultar da sua recusa, ou que, sendo superiores, possam sere evitados ou atenuados pela adoção de outras providências (proporcionalidade e adequação da providência).

A decisão proferida pelo tribunal a quo é lapidar, nomeadamente no que concerne à verificação do periculum in mora, cujo conteúdo aqui se ratifica, pelas consequências imediatas para o aqui Recorrido em virtude da aplicação da pena de demissão que lhe foi aplicada, pela rutura da sua economia pessoal que a mesma determinaria, pela ausência de quaisquer outros rendimentos suscetíveis de fazer face às suas necessidades básicas de sobrevivência.

Atentos os elementos disponíveis, é sem surpresa que o Tribunal a quo concluiu que igualmente se mostrará preenchido o pressuposto do fumus boni juris, ao entender, perfunctoriamente, ser provável em sede de ação principal que a pretensão do Recorrido venha a ser julgada procedente.

Acompanhamos, também neste aspeto, o raciocínio adotado pelo tribunal a quo.

A aplicação de pena expulsiva só deverá ter lugar quando a conduta do arguido atinja de tal forma o prestígio e a credibilidade da instituição que integra, que a sua não aplicação degradaria a imagem dessa entidade, pela imagem de impunidade permissiva que transmitiria.

E é aqui que importa ponderar a questão da proporcionalidade da pena aplicada em função da infração cometida.

Se é verdade, no que respeita à proporcionalidade da pena, que não podemos perder de vista que estamos perante um agente policial com um específico código deontológico e com um apertado conjunto de deveres de conduta, o que é facto é que se mostra desproporcional aplicar a pena de demissão em resultado do furto de uma messe da PSP de dois sumos de laranja com o valor total de 1,11€, atenta até a ausência de repercussão publica do referido evento, não estando pois demonstrado que o controvertido crime tenha inviabilizado a manutenção da relação funcional.

Não se está com a precedente afirmação a isentar de responsabilidade o facto do agente da PSP ter praticado um furto no interior das instalações da PSP, mas antes a antecipar que a referida pena se mostrará manifestamente desproporcional.

Efetivamente, e desde logo, o MAI não demonstrou que a infração imputada ao aqui Recorrido, se mostraria inviabilizadora da manutenção da sua relação funcional, não tendo sido, designadamente, evidenciados comportamentos suscetíveis de constituírem um grau de desvalor, determinantes da quebra, definitiva e irreversível, da confiança que deverá existir entre o serviço e o agente.

Não se ignora que a Administração gozará de algum poder discricionário na aplicação de penas em função das infrações imputadas a um qualquer arguido, sendo que, em qualquer caso, tal não poderá extravasar ou contrariar as balizas legalmente estabelecidas para o efeito.

Tendo-se verificado na aplicação da pena expulsiva, a violação designadamente dos princípios da justiça e da proporcionalidade, naturalmente que a intervenção dos tribunais se mostra legitima, e não violadora do princípio da separação de poderes (artigos 7º e 8º do CPA), tanto mais que ao Recorrido não foram imputados quaisquer factos suscetíveis de determinar a aplicação de pena disciplinar expulsiva, em face do que não merece censura o entendimento de que será provável que, em sede de ação principal, a pretensão venha a ser julgada procedente.

Vejamos, em qualquer caso, o suscitado no Recurso:
Entende o Recorrente que se inverificará o requisito do fumus boni iuris, na medida em que a competência dos superiores hierárquicos abrange sempre a competência dos subordinados, nos termos do artigo 58.°, n.ºs 1 e 2 do EDPSP, podendo aqueles determinar a reformulação ou anulação de qualquer ato dos seus subordinados.

Se é verdade o afirmado a final, o que é facto é que a alteração ou reformulação da instrução processual não se basta com um mero despacho conclusivo, mas antes pressupõe a existência de um despacho fundamentado a justificar a opção adotada divergente da anteriormente proposta.

Como discorrido na Sentença Recorrida, “(…) confrontado com o relatório final do instrutor, o órgão competente para a decisão final pode concordar com a pena proposta, ou dela discordar, sendo certo que, decidindo em sentido diverso do proposto pelo instrutor no relatório final, deve o decisor fundamentar devidamente essa decisão e essa discordância, nos termos do disposto no n.º 4 do artigo 101.° da Lei n.º 37/2019.

Efetivamente, a violação do disposto nos artigos 101.° da Lei n.º 37/2019 e 88.° da Lei n.º 7/90 não se reconduz, apenas, a um vício procedimental, redundando numa violação da independência e isenção do instrutor do processo disciplinar.

Por outro lado, mas no mesmo sentido, quanto o Recorrente afirma que a pena proposta antes da reformulação determinada era a de suspensão agravada, está a reconhecer que a sua ulterior conversão em pena expulsiva, se mostra insuficientemente justificada por resultar de um mero despacho conclusivo de “reformulação”.

A Entidade com competência disciplinar pode, querendo, alterar a pena que vem proposta, só que tem de fundamentar tal intenção e não determinar a qualquer outra entidade sob a sua alçada funcional ou ao instrutor do Processo Disciplinar, a alteração do sentido do proposto.

Quanto à não realização da perícia psiquiátrica médico-legal proposta, é certo que a Recorrente não se poderia limitar a ignorar a solicitação da sua realização, mesmo já tendo a mesma sido realizada no âmbito do paralelo processo crime, sendo que, sendo caso disso, bastaria ser feita expressa remissão para a mesma, o que não foi feito. Acresce que a própria perícia havia concluído que a imputabilidade do Recorrido era ligeiramente diminuída, como o Recorrente reconhece.

Não se reconhece, pois, que a Sentença recorrida padeça de qualquer erro sobre os pressupostos de facto e de direito, na análise do requisito do fumus boni iuris.

Quanto ao periculum in mora entende o Recorrente que o Tribunal a quo fundou a sua decisão apenas com base na situação financeira alegada pelo agora Recorrido, nomeadamente na perda de rendimentos, o qual apenas terá juntado prova do montante mensal que despende para pagamento do seu crédito à habitação, não tendo junto qualquer comprovativo de rendimentos do agregado familiar.

A afirmação do Recorrente é falaciosa, pois que é manifesta a perturbação na economia familiar do corte do vencimento de qualquer dos seus membros, em resultado da determinada demissão.

Efetivamente, a circunstância do aqui Recorrido, em resultado do ato cuja suspensão vem requerida, ficar privado do seu vencimento, naturalmente que tal terá necessariamente consequências no quadro da gestão da sua economia familiar.

Se é verdade que o Recorrido não apresentou abundante prova documental das suas despesas mensais, para além das despesas habitacionais, não é despiciente reconhecer que independentemente do valor exato das despesas do agregado familiar, é manifesto que o facto do Recorrido ficar definitivamente privado do valor integral do seu vencimento, causará necessariamente incontornáveis sobressaltos na sua economia familiar.

“A privação do vencimento de um funcionário ou agente do Estado e, designadamente de um magistrado, em consequência da imediata execução do ato punitivo que o afaste de funções, causa prejuízos irreparáveis ou, pelo menos, de difícil reparação ao visado com esse ato, se tal privação diminuir drasticamente o seu nível de vida ou do seu agregado familiar, pondo em risco a satisfação das necessidades normais, correspondentes ao padrão de vida médio das famílias de idêntica condição social” (cfr. entre outros, o Acórdão do STA, de 28/1/2009, e a jurisprudência aí citada).

Quanto ao requisito da ponderação de interesses, nos termos do nº 2 do Artº 120º CPTA, importa verificar se os danos que resultam da concessão da requerida providência cautelar para o interesse público, são superiores aos que poderiam resultar da sua recusa, para o aqui Recorrido.

A decisão sobre o decretamento da providência cautelar impõe a formulação de um juízo de valor, fundado na comparação da situação da aqui Recorrido com o interesse público.

Em qualquer caso, como refere Viera de Andrade, in A Justiça Administrativa (Lições), pág. 303, “[...] não se trata aqui de ponderar o interesse público com o interesse privado, mesmo que muitas vezes o interesse do requerido seja o interesse público e o interesse do requerente seja o interesse privado: o que está aqui em conflito são os resultados ou os prejuízos que podem resultar para os interesses, da concessão ou a recusa da concessão, para todos os interesses envolvidos, sejam públicos, sejam privados. [...] o que está em causa não é ponderar valores ou interesses entre si, mas danos ou prejuízos e, portanto, os prejuízos reais, que numa prognose relativa ao tempo previsível de duração da medida, e tendo em conta as circunstâncias do caso concreto, resultariam da recusa ou da concessão (plena ou limitada) da providência cautelar.”

Está aqui em causa um crime de furto simples, realizado por um agente policial, o qual na messe da PSP furtou dois sumos no valor total de 1,11€, bens entretanto recuperados, pelo que se não reconhece a verificação de qualquer prejuízo ou repercussão pública do referido evento, em face do que, por natureza, não se reconhece que a suspensão da consequente pena expulsiva aplicada prejudique quer a imagem da PSP, quer o interesse publico.

Com relevância para a solução a dar à presente questão retoma-se o referido no acórdão deste TCAN nº 0290/09BEPNF-A, em cujo sumário se pode ler, designadamente, que:
“A apreciação do requisito negativo enunciado no n.º 2 do art. 120.º não se traduz num juízo de ponderação entre o interesse público e o interesse privado, visto que o que releva são os resultados ou os prejuízos que podem resultar para os interesses, da concessão ou a recusa da concessão, para todos os interesses envolvidos sejam eles públicos ou privados.
Os índices dos interesses públicos que impõem a eficácia ou execução imediata do ato e danos daí derivados decorrentes da concessão da providência suspendenda têm que se encontrar no circunstancialismo que rodeou a sua prática, especialmente nos fundamentos e nas razões invocadas.
(…)
Só quando as circunstâncias do caso concreto revelarem de todo em todo a existência de lesão do interesse público que justifique a qualificação de grave e se considere que essa qualificação, mercê dos prejuízos e danos que gera, deve prevalecer sobre os prováveis prejuízos causados ao requerente é que se impõe a execução imediata do ato (…)”.

Assim, tal como decidido pelo tribunal a quo, não se reconhece que a ponderação de interesses, possa pender no sentido da não concessão da providência requerida.

Aqui chegados e tal como afirmado pelo Ministério Público no seu Parecer, não se reconhece que a decisão recorrida padeça dos vícios que lhe vêm assacados, nem de qualquer outro que cumpra conhecer.

* * *

Deste modo, em conformidade com o precedentemente expendido, acordam os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo, subsecção social do presente Tribunal Central Administrativo Sul, negar provimento ao Recurso, confirmando a Sentença Recorrida.

Custas pelo Recorrente

Lisboa, 23 de novembro de 2023
Frederico de Frias Macedo Branco

Pedro Figueiredo

Carlos Araújo