Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
| Processo: | 336/21.7BEBJA |
| Secção: | CT |
| Data do Acordão: | 03/20/2025 |
| Relator: | MARIA DA LUZ CARDOSO |
| Descritores: | ADUANEIRO CONTROLO ADUANEIRO FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO |
| Sumário: | I - A administração aduaneira, nas decisões que profira, está obrigada ao respeito pelo dever de fundamentação, respeito esse fundamental para assegurar o direito de defesa do administrado e, dessa forma, assegurar a tutela jurisdicional efetiva. II - Não está cabalmente fundamentada a decisão proferida pela administração aduaneira (na sequência da qual foi emitida liquidação de direitos aduaneiros e outros encargos, por existirem dúvidas sobre o valor aduaneiro declarado), quando nessa decisão não resulta cabalmente explanada a motivação subjacente à existência de dúvidas fundadas, à não consideração dos elementos adicionais apresentados pelo administrado e ao motivo pelo qual foi tomada uma determinada opção em termos de método adotado, não sendo suficientes meras fórmulas conclusivas. III - A falta de fundamentação só pode ser considerada como irregularidade não invalidante quando foi possível concluir, com a certeza exigível, que a decisão seria sempre a mesma, o que não ocorre quando nem se conseguem alcançar os pressupostos de base da atuação da administração. |
| Votação: | Unanimidade |
| Indicações Eventuais: | Subsecção Tributária Comum |
| Área Temática 1: | |
| Aditamento: |
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| Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os juízes que compõem a 1ª Subsecção Comum da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul I - RELATÓRIO A FAZENDA PÚBLICA (doravante Recorrente), veio recorrer da decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja no dia 16.06.2022, na impugnação judicial apresentada por C........., S.A., (doravante Recorrida), contra o ato de liquidação de direitos e outros encargos, no valor de € 18.949,37, praticado pelo Chefe da Delegação Aduaneira de Sines, referente a importação realizada ao abrigo da declaração nº 2019PT00067064163386, de 14/09/2020, que julgou procedente a impugnação e anulou a liquidação impugnada. Com o requerimento de interposição do recurso, a Recorrente apresentou alegações, formulando, a final, as seguintes conclusões: “CONCLUSÕES A) Vem o presente recurso interposto da douta sentença datada de 14-06-2022, que julgou procedente a impugnação supra identificada, por ter entendido que a liquidação impugnada, objecto mediato da presente impugnação, padecia de falta de fundamentação, o que determinava a sua anulação e prejudicava a apreciação das demais questões e dos demais vícios nos termos do art.º 124.º n.º 2 b) do CPPT; B) Com a devida vénia não pode a Fazenda conformar-se com tal sentido decisório, considerando que existe erro, quer quanto à apreciação da matéria de facto, quer de direito, entendendo que, na sua perspetiva, não existem razões válidas para julgar a impugnação procedente. C) Com efeito, existe erro de julgamento quanto à matéria de facto, porquanto a douta sentença faz uma errada valoração e apreciação da prova carreada para os autos, na medida em que suporta conclusões em factos do probatório, factos esses que não permitiriam retirar tais ilações. Pelo contrário! D) Existe erro de julgamento em matéria de direito por errada aplicação e interpretação do disposto nos artigos 22.º n.º6 do CAU e artigos 60.º n.º 7 e 77.º, n.º 1, da LGT, artigos 70.º e 74.º do CAU e artigos 140.º e 144.º do AE-CAU, não se conformando a Fazenda Pública com a interpretação e conclusões daquele douto tribunal; E) Desde logo, porque resulta da prova carreada para os autos, que a Administração cumpriu o dever de fundamentação do ato de liquidação notificado à impugnante. Do erro de julgamento da matéria de facto e errada valoração da prova: F) Analisados os elementos de suporte para onde remete a decisão em causa, verifica-se que a fundamentação da decisão da DAS é clara e congruente e permite à impugnante ora recorrida, a reconstituição do itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pela Administração Tributária. G) Na verdade, a fundamentação que é dada a conhecer à recorrida, consta do probatório nomeadamente através do ofício n.º 276/2020 (que consta da al. F) da matéria de facto provada), do ofício n.º 286/2020 (que consta da al. H) da matéria de facto provada), da informação para o exercício do direito de audição (informação n.º 68/2020 que consta da al. K) da matéria de facto provada) e da notificação de cobrança (que consta da alínea O) da matéria de facto provada); H) São factos que foram relevados no probatório, e que se mostram suficientes para que a impugnante, aqui recorrida, pudesse ficar a conhecer as razões factuais e jurídicas que estão na génese da liquidação. I) Os referidos documentos, nomeadamente a informação n.º 68/2020 que consta da al. K) da matéria de facto provada), contêm os elementos bastantes para que a recorrida tenha - ao contrário do que concluiu o douto tribunal a quo – conhecimento do porquê do valor declarado ter sido considerado pela DAS como excecionalmente baixo, tenha conhecimento do valor base THESEUS proposto ou “valores médios” e valor declarado (melhor identificados no ponto 11 das alegações), e da “fonte” desse valor proposto; J) Encontram-se ainda indicadas [no ponto 8 daquela informação n.º 68/2020 que consta da al. K) da matéria de facto provada), a taxa de direitos, a taxa de IVA, o montante dos direitos apurados (pela “diferença” entre o valor declarado e o valor proposto), a base tributável do IVA e o montante de IVA (calculado pela “diferença”). K) Dos elementos levados ao probatório, nomeadamente a informação n.º 68/2020 que consta da al. K) da matéria de facto provada), consta ainda que o cálculo é efetuado pela diferença, apurada pela dedução do valor declarado ao valor proposto THESEUS, sendo este conjunto de elementos suficiente, para o cabal esclarecimento sobre a motivação da liquidação e para sindicar o seu cálculo por mera operação aritmética. L) Considerou o douto Tribunal a quo que, não obstante a documentação e as explicações dadas pela Impugnante, aqui recorrida, não se extrai da fundamentação da liquidação o porquê desses elementos não serem esclarecedores. Ora, M) A motivação das razões pelas quais as explicações e documentos não foram suficientes para afastar as dúvidas da DAS, quer quanto ao valor declarado, quer quanto à aplicação do método de determinação do valor aduaneiro, encontra-se devidamente explanada na informação n.º 68/2020 que consta da al. K) da matéria de facto provada). N) Nesta informação que foi levada ao probatório, complementada pelo ofício n.º 276/2020 (que consta da alínea F) da matéria de facto provada) remetido pela recorrente, são expressas as razões, pelas quais a recorrida não conseguiu afastar as “dúvidas fundadas” que, nos termos do disposto no n.º 2 do art.º140.º do AE-CAU, legitimam a Administração Tributária a decidir que o valor das mercadorias, não pode ser determinado de acordo com o artigo 70.º, n.º1 do Código Aduaneiro da União. O) De igual forma, a Administração Tributária informou a ora recorrida, que a apresentação de documentos autênticos que atestassem o valor transacional declarado não invalidava que as autoridades aduaneiras mantivessem as dúvidas fundadas «caso esses documentos não permitam justificar o valor transacional declarado. P) Ora, sendo certo que a impugnante não juntou prova bastante para justificar o preço declarado para a mercadoria em questão face ao valor THESEUS correspondente, nem esclareceu, sem margem para qualquer dúvida, a razão de tal preço, não se vislumbra que outras considerações adicionais poderiam ter sido formuladas pela DAS relativamente às explicações dadas pela Impugnante ora recorrida. Q) Considerou ainda a douta sentença recorrida que não se consegue compreender o porquê de ter sido excluída a aplicação do método de determinação do valor aduaneiro baseado no valor transacional e a necessidade de adotar métodos secundários, com o argumento de que não foi possível aceder às características das mercadorias; R) Em relação a este aspeto importa, ter presente que, ao contrário do que conclui o douto tribunal, consta do ponto 7 da informação para o exercício do direito de audição já acima referida (que consta da al. K) da matéria de facto provada), o motivo: por um lado, a impossibilidade de aceder às características das mercadorias (que não, as abrangidas pela declaração aduaneira aqui em causa) e por outro, o facto da descrição dos itens das faturas ser demasiado genérica o que impedia uma caracterização objetiva das mercadorias. S) Deveras, a AT não dispunha de outros elementos com vista a estabelecer um valor de substituição, que não fosse o recurso aos valores médios constantes das bases de dados disponibilizados na ferramenta AMT. T) Posto isto é forçoso concluir, que a fundamentação usada pela DAS para efeitos da rejeição do método do valor transacional, encontra-se plenamente realizada e é perceptível para o administrado “colocado na posição de um destinatário normal”. U) Concluiu ainda o douto tribunal a quo que a Administração não ponderou nem se pronunciou, sobre o exercício do direito de audição exercido pela ora recorrida. Vejamos, V) Segundo jurisprudência assente, o cumprimento dos direitos de defesa por parte das Administrações dos Estados membros (sempre que tomem decisões que recaem no âmbito de aplicação do direito da União) basta-se com a observância do prazo decorrido entre o momento em que a Administração em causa recebeu as observações da pessoa ou empresa em causa em sede de audição prévia e a data em que tomou a sua decisão, mas já não, que tenha em conta nas suas decisões as observações suscitadas; W) Por outra via, a legislação aduaneira da União estabelece regras próprias em matéria de audição prévia do interessado antes de ser tomada uma decisão, pelas autoridades aduaneiras, que tenha consequências adversas para o interessado, veja-se o disposto no artigo 22.º, n.º 6 do CAU (aplicável no contexto da cobrança de uma dívida aduaneira em face do que dispõe o artigo 29.º do CAU), nos artigos 8.º a 10.º do AD-CAU e nos artigos 8.º e 9.º do AE-CAU. X) Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, uma violação dos direitos de defesa, só implica a anulação da decisão se, na inexistência dessa irregularidade, o procedimento pudesse conduzir a um resultado diferente. Y) Em face do acima exposto, a audição prévia do interessado, no quadro de uma ação de cobrança de uma dívida aduaneira, deve atender ao regime legal consagrado no Direito da União, o qual deve ser interpretado à luz do principio fundamental do direito da União do respeito dos direitos de defesa, e a forma como esse princípio é interpretado pela jurisprudência designadamente do Tribunal de Justiça da União Europeia. Z) Termos em que, é forçoso concluir que a Administração Tributária não violou o disposto nessa norma. AA) Por outra via, no âmbito do exercício do direito de audição, face aos requerimentos (anteriormente) apresentados pela recorrida, apenas foi trazido um elemento novo, ou seja, a recorrida contesta o facto da DAS arguir que não teve a possibilidade de aceder às mercadorias quando as mesmas foram objeto de controlo físico. Ora este elemento novo apresentado assenta no pressuposto errado de que a DAS se refere às mercadorias que constam da declaração aduaneiro objeto de liquidação. BB) Por outro lado, esse argumento é apenas uma conclusão, pelo que, não se impunha, em face do que dispõe o n.º 7 do artigo 60.º da LGT, que a DAS tivesse de se pronunciar quanto à mesma em sede da fundamentação do ato de liquidação. CC) Por fim, no cenário hipotético de se vir a concluir que as autoridades aduaneiras violaram o disposto no n.º 7 do artigo 60.º do LGT, sempre seria de considerar a jurisprudência do Tribunal de Justiça suprarreferida, que dita que o Tribunal nacional não deve, ainda assim, anular o ato de liquidação, já que, e pelas razões acima indicadas, se na ausência dessa alegada irregularidade, o procedimento não conduziria a um resultado diferente. DD) Daí que não se acompanhe a sentença recorrida quando conclui pela não fundamentação do ato de liquidação. EE) Pelo exposto, entende a Fazenda Pública que a douta sentença errou no seu julgamento, sendo imperioso concluir que a liquidação em apreço não padece do apontado vício de falta de fundamentação, impondo-se a revogação da sentença aqui em escrutínio. Termos em que, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a douta decisão recorrida, com todas as legais consequências.” * O Recorrida, devidamente notificada da admissão do recurso, apresentou contra-alegações, tendo as suas conclusões o seguinte teor: “F) CONCLUSÕES 1. As presentes Contra-Alegações têm por objeto o Recurso interposto pela Fazenda Pública da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja (“TAF de Beja”), em 14/06/2022, no processo n.º 336/21.7BEBJA, a qual julga procedente a Impugnação Judicial apresentada pela aqui Recorrida do ato de liquidação praticado pela DAS no montante global de € 18.949,37 (dezoito mil, novecentos e quarenta e nove euros e trinta e sete cêntimos), relativo a direitos aduaneiros e IVA, entendendo que tal ato de liquidação não se encontra devidamente fundamentado, 2. O que por sua vez, determina a anulação do mesmo, obstando ao conhecimento dos demais vícios invocados pela Recorrida em sede de Impugnação Judicial. 3. Em concreto, decorre da Sentença Recorrida que tal falta de fundamentação é particularmente evidente nos seguintes aspetos: por que motivo a documentação apresentada pela Recorrida não foi suficientemente esclarecedora para dissipar as dúvidas sobre o preço pago; por que motivo o valor faturado (i.e., preço pago pelas mercadorias que corresponde ao valor declarado na importação) é considerado excecionalmente baixo e com base em que critérios; por que motivo não foi possível aplicar um outro método alternativo para determinação do valor aduaneiro; e por que motivo não foram os argumentos invocados pela Recorrida em sede de audição prévia tidos em consideração pela DAS. 4. Em primeiro lugar, alega a Fazenda Pública que o ato de liquidação impugnado se encontra devidamente fundamentado uma vez que a DAS indicou o valor (alegadamente, um valor médio estatístico AMT/THESEUS) com o qual terá comparado o valor declarado pela Recorrida na importação, o qual corresponde, tal como já referido e demonstrado inúmeras vezes, ao preço que pagou pela aquisição das mercadorias em causa (valor transacional). 5. Ora, a este respeito, sempre se dirá que, não obstante tal valor médio AMT/THESEUS ter sido indicado, onde claramente a DAS falhou na fundamentação do ato de liquidação em crise foi na indicação das normas legais que alegadamente justificariam e permitiriam que a suposta diferença entre o valor transacional declarado pelo importador (considerado “excecionalmente baixo”) e um “valor médio AMT” constante de uma base de dados de exclusivo conhecimento da Autoridade Aduaneira, poder ser, por si só, suficiente e legítimo para que a DAS desconsidere o valor transacional como método de determinação do valor aduaneiro, não obstante o importador ter demonstrado que o valor declarado corresponde inequivocamente à totalidade do preço de compra negociado e pago ao fornecedor e, em consequência. 6. Da mesma forma, e na sequência do que se acaba de referir, não indicou igualmente a DAS quais normas legais que alegadamente permitem e legitimam a substituição do valor transacional declarado pelo importador pelo referido valor médio da ferramenta AMT para efeitos de determinação do valor aduaneiro da importação. 7. Sendo certo que a justificação para esta ausência de referência às normas legais que legitimassem o entendimento da DAS é simplesmente o facto de tais normas não existirem, uma vez que a legislação aduaneira, e muito em particular os artigos 70.º e seguintes do Código Aduaneiro da União (CAU), são muito claros no que toca a estabelecer que a determinação do valor aduaneiro para efeitos de cálculo das imposições devidas pela importação de mercadorias é feita, regra geral, com base no valor transacional das mesmas, isto é, com base no preço pago pelo importador ao vendedor, independentemente de tal preço ser reduzido ou não. 8. Em segundo lugar, continua a Fazenda Pública, nas suas Alegações de Recurso, a desconsiderar e ignorar em absoluto o teor e valor probatório da informação e documentação fornecidas pela Recorrida para dissipar as alegadas dúvidas das autoridades aduaneiras. 9. Ora, tal como amplamente demonstrado nos presentes autos e confirmado pela Sentença Recorrida, ao longo do procedimento de liquidação foi junta pela Recorrida documentação diversa (incluindo Ordem de Compra e comprovativo de pagamento), bem como informação sobre os contornos da negociação com o fornecedor, assim se justificando que o valor declarado corresponde efetivamente ao valor pago pelas mercadorias. 10. Sucede que, nas Alegações de Recurso, continua a Recorrente a referir apenas que a Recorrida “não juntou prova bastante para justificar o preço declarado para a mercadoria em questão face ao valor AMT correspondente, nem esclareceu, sem margem para dúvida fundada, a razão de tal preço”. 11. Ora, a este respeito importa esclarecer que não existe, no direito internacional, nem no direito da União Europeia, e menos ainda no direito nacional, qualquer norma que imponha aos importadores o dever/obrigação de explicarem às autoridades aduaneiras uma diferença entre o valor transacional declarado (correspondente ao preço por si negociado e pago – e, assim conhecido) e um “valor estatístico médio da União Europeia para a importação de mercadorias similares” que naturalmente desconhecem. 12. O que a legislação prevê é apenas a obrigação de os importadores, sempre que instados a tal, demonstrarem às autoridades aduaneiras que o valor transacional declarado nas importações corresponde ao preço efetivamente pago, 13. Sendo que, para este efeito, podem os importadores – tal como fez a aqui Recorrida – e tendo em vista a cabal demonstração da circunstância de terem efetivamente pago o valor (transacional) que declararam, procurar explicar às autoridades aduaneiras o modo como o preço das mercadorias foi negociado, bem como fornecer todos os documentos e informações inerentes a tal negociação, como sejam as ordens de compra, as fichas técnicas dos produtos e os comprovativos de pagamento. 14. Ora, fornecida que foi toda esta documentação e informação e, adicionalmente, mantida à disposição das autoridades os registos contabilísticos para a consulta e verificações que se identifiquem adicionalmente necessárias. não concebe a Recorrida que a Recorrente entenda não ter sido junta “prova bastante”, 15. Sendo ainda certo que a DAS, em momento algum, solicitou qualquer informação ou documento em concreto que não tenha sido fornecido, ou mesmo procurou aceder aos registos contabilísticos da Recorrida, aos quais pode aceder a todo o momento. 16. Por fim, não se aceita também a argumentação invocada pela Fazenda Pública no que respeita à impossibilidade de utilização de outro método de determinação do valor aduaneiro que não seja o método do último recurso, com utilização dos valores médios estatísticos AMT. 17. Desde logo porque, em primeiro lugar, tendo em consideração as circunstâncias do caso em apreço, não podem as autoridades aduaneiras simplesmente recusar a aplicação do método do valor transacional dado que os pressupostos de tal afastamento não se encontram reunidos. 18. Em segundo lugar, ainda que tais pressupostos efetivamente se verificassem no caso em discussão – o que não se admite e apenas se equaciona por cautela de patrocínio -, sempre seriam as autoridades aduaneiras obrigadas a realizar todas as diligências necessárias à utilização dos outros métodos, não se limitando a remeter tal obrigação para o importador, como aconteceu neste caso. 19. Em conformidade é o próprio TJUE que refere que “tendo em conta essa obrigação de diligência que lhes é imposta na aplicação dessa disposição, as autoridades aduaneiras são obrigadas a consultar todas as fontes de informação e bases de dados de que dispõem”, 20. O que aparentemente não aconteceu na importação em crise, ou se aconteceu, tal não foi demonstrado pela DAS. 21. Por tudo o que se acaba de expor, não resta outra conclusão que não seja a de se confirmar o teor da Sentença Recorrida, e manter a decisão de anulação do ato de liquidação impugnado. Subsidiariamente à cautela, 22. Caso assim não se entenda, o que apenas se admite por cautela de patrocínio, e na eventualidade deste Tribunal vir a dar razão à Recorrente, e bem assim determinar que o ato de liquidação que impugnado se encontra efetivamente bem fundamentado, à luz dos princípios do direito administrativo, fiscal e aduaneiro aplicáveis, sempre se dirá que, nos termos do disposto no artigo 665.º, n.º 2 do CPC, subsidiariamente aplicável ao processo tributário (nos termos do artigo 2.º, e) do CPPT), se impõe a apreciação dos restantes vícios invocados pela Recorrida em sede de Impugnação Judicial, designadamente: a. Da ilegalidade da recusa do Método do Valor Transacional (artigos 57.º a 79.º da petição inicial) b. Da ilegalidade da interpretação do artigo 140º, do AE-CAU ao caso em apreço (artigos 80.º a 141.º da petição inicial) c. Da ilegalidade da utilização dos valores médios (artigos 142.º a 163.º da petição inicial) d. Da ilegalidade da aplicação do Método do Último Recurso (artigos 164.º a 216.º da petição inicial) e. Da inconstitucionalidade e da ilegalidade resultantes da ingerência das autoridades aduaneiras nos negócios celebrados entre privados (artigos 217.º a 247.º da petição inicial) NESTES TERMOS, E NOS DEMAIS DE DIREITO APLICÁVEIS, DEVE O PRESENTE RECURSO SER JULGADO TOTALMENTE IMPROCEDENTE E, CASO ASSIM NÃO SE ENTENDA, DECIDINDO-SE PELA PROCEDÊNCIA DO RECURSO QUANTO À INEXISTÊNCIA DE FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO DO ATO DE LIQUIDAÇÃO, DEVERÃO SER APRECIADOS OS VÍCIOS ARGUIDOS PELA RECORRIDA EM SEDE DE IMPUGNAÇÃO JUDICIAL, CONCLUINDO-SE PELA ILEGALIDADE DO ATO DE LIQUIDAÇÃO EM APREÇO E A CONSEQUENTE ANULAÇÃO DO MESMO, COM TODAS AS DEMAIS E LEGAIS CONSEQUÊNCIAS. ASSIM SE FAZENDO JUSTIÇA!” * A Digna MAGISTRADA DO MINISTÉRIO PÚBLICO neste Tribunal Central Administrativo Sul emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso. * Colhidos os vistos legais (artigo 657º, n. º2 do Código de Processo Civil (CPC), ex vi artigo 281º, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT)), cumpre apreciar e decidir. * Delimitação do objeto do recurso Em ordem ao consignado no artigo 639º do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282º do CPPT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso. Assim, ponderando o teor das conclusões de recurso cumpre aferir: * II. FUNDAMENTAÇÃO II.1- De facto A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto: “III - FUNDAMENTAÇÃO 6. DOS FACTOS Factualidade Provada Da discussão da causa resultaram provados os seguintes factos com relevância para a decisão a proferir: A) A Impugnante é uma sociedade comercial que tem por objeto o comércio de diversos produtos, nomeadamente peças de vestuário – por acordo; B) No exercício da sua atividade a Impugnante importa artigos de confeção originários de diversos países – por acordo; C) Como tal, a sociedade Impugnante necessita de proceder a importação de tal mercadoria – por acordo; D) A sociedade Impugnante importou, para território nacional, mercadorias ao abrigo de declaração de importação com o nº 2019PT000670604163386, de 14/09/2020, apresentada na Delegação Aduaneira de Sines – cfr. processo administrativo instrutor junto de fls. 292 a 550; E) A citada declaração foi submetida a controlo documental - cfr. processo administrativo instrutor junto de fls. 292 a 550; F) Os serviços da Delegação Aduaneira de Sines remeteram à Impugnante pedido de informação adicional respeitante a essa declaração, através do ofício nº 276/2020, de 14/09/2020 - cfr. doc. nº 2 e processo administrativo instrutor junto de fls. 292 a 550; G) Em resposta ao ofício antes citado, a Impugnante apresentou a Fatura Comercial, a ordem de encomenda, o comprovativo de pagamento e as Fichas Técnicas dos artigos em questão na declaração de importação citada - cfr. processo administrativo instrutor junto de fls. 292 a 550 e doc. nº 3 junto com a pi; H) Os serviços da Delegação Aduaneira de Sines enviaram à Impugnante o ofício nº 286/2020, de 17/09/2020, mediante o qual a instaram a apresentar documentos justificativos dos preços, por si considerados desproporcionalmente baixos ou fornecer dados que permitissem passar à aplicação dos sucessivos métodos secundários de determinação do valor aduaneiro, mais informando o montante proposto para garantia - cfr. processo administrativo instrutor junto de fls. 292 a 550 e doc. nº 4 junto com a pi; I) A Impugnante, em resposta, apresentou requerimento escrito mediante o qual justificou o negócio subjacente e peticionou a concessão da autorização de saída das mercadorias importadas ao abrigo do DAU citado mediante garantia a prestar - cfr. doc. nº 5 junto com a pi; J) A Impugnante prestou garantiu no montante que lhe foi notificado, tendo assim obtido autorização de saída da mercadoria - cfr. processo administrativo instrutor junto de fls. 292 a 550; K) Em 26/10/2020, os serviços da Delegação Aduaneira de Sines, emitiram a informação nº 68/2020 em conformidade com a qual foi projetada decisão de liquidação e cobrança com o seguinte teor: - cfr. processo administrativo instrutor junto de fls. 292 a 550 e doc. nº 6 junto com a pi; L) Com data de 26/10/2020, recaiu sobre tal informação despacho de concordância - cfr. processo administrativo instrutor junto de fls. 292 a 550 e doc. nº 6 junto com a pi; M) A Impugnante foi notificada para exercer o direito de audição sobre a proposta constante desta informação, através de ofício nº 358/2020, de 26/10/2020 - cfr. processo administrativo instrutor junto de fls. 292 a 550; N) A Impugnante exerceu o direito de audição sobre o supra referido projeto de decisão – cfr. doc. nº 7 junto com a pi; O) Mediante ofício com o nº 390, datado de 10/11/2020, foi remetida à Impugnante a decisão de liquidação com o seguinte teor: - cfr. processo administrativo instrutor junto de fls. 292 a 550 e doc. nº 8 junto com a pi; P) A Impugnante procedeu ao pagamento da liquidação antes referida - cfr. doc. nº 9 junto com a pi; Q) Não se conformando com a mesma a Impugnante apresentou, em 09/03/2021, reclamação graciosa desta decisão, para o Diretor da Alfândega de Setúbal - cfr. processo administrativo instrutor junto de fls. 292 a 550; R) Até 07/10/2021 a reclamação graciosa não havia sido decidida - cfr. processo administrativo instrutor junto de fls. 292 a 550; S) Nessa data a sociedade Impugnante apresentou a petição inicial que deu origem ao presente processo de impugnação.” * “7. Factualidade Não Provada Com relevo para a decisão inexistem outros factos, alegados ou de conhecimento oficioso, que devam ser considerados provados.” * Motivação “8. Motivação A convicção do Tribunal sobre toda a matéria de facto resultou da análise crítica aos documentos juntos aos autos, quer pela Impugnante quer pela Entidade Impugnada constantes do processo administrativo - os quais não foram impugnados - conforme referência efetuada em cada uma das alíneas da matéria de facto provada” * II.2 - De direito A Recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por C........., S.A. (ora Recorrida), contra o ato de liquidação de direitos aduaneiros e imposto sobre o valor acrescentado, referente a importação realizada ao abrigo da declaração n.º2019PT00067064163386, de 14/09/2020, no valor de €18.949,37, por ter entendido, em síntese, que o ato de liquidação impugnado padecia de falta de fundamentação. Considera a Recorrente que a sentença enferma de erro de julgamento, porquanto faz errada valoração da prova carreada para os autos, na medida em que suporta conclusões em factos do probatório, factos esses que não permitiriam retirar tais ilações e, ainda, por errada aplicação e interpretação do disposto nos artigos 22º n.º 6 do CAU e artigos 60º n.º 7 e 77º, n.º 1, da LGT, artigos 70º e 74º do CAU e artigos 140º e 144º do AE-CAU. Defende que, contrariamente ao decidido pelo tribunal de 1.ª instância, o ato de liquidação não padece de falta de fundamentação, sendo perfeitamente percetível o percurso cognoscitivo seguido pela Autoridade Tributária e Aduaneira, não sendo necessário que a Administração tenha em conta, na sua decisão, as observações suscitadas em sede de audição prévia, salientando ainda que a decisão não poderia ser outra senão a que foi tomada. Vejamos. De relevar, ab initio, que a Recorrente não procedeu à impugnação da matéria de facto em ordem ao consignado no artigo 640º do CPC, nada requerendo em termos de aditamento ou supressão do competente acervo probatório, razão pela qual a mesma se encontra devidamente estabilizada. Atenhamo-nos aos factos que relevam, ou seja, aqueles que antecedem a liquidação impugnada, a saber: Resulta em síntese do probatório que a Recorrida é uma sociedade comercial de direito português que se dedica à comercialização de diversos produtos, nomeadamente peças de vestuário. No exercício da sua atividade, procede frequentemente à importação de mercadorias a partir de diversos mercados, que se destinam a ser comercializados no mercado nacional e estrangeiro. No âmbito da importação em causa, veio a Delegação Aduaneira de Sines (doravante DAS) impor a correção do valor declarado pela Recorrida na correspondente declaração de importação, por considerar que o mencionado valor declarado é “excecionalmente baixo” quando comparado com o preço médio estatístico atribuído a mercadorias com a mesma classificação pautal constante de uma base dados vulgarmente designada por AMT/THESEUS, bem como a consequente liquidação de direitos aduaneiros e IVA em conformidade com o valor corrigido. Inconformada com tal liquidação, a Recorrida dela deduziu Reclamação Graciosa necessária, ao abrigo do disposto no artigo 133.º - A, do CPPT. Nessa sequência e em face da formação do respetivo indeferimento tácito, foi a mesma judicialmente impugnada pela Recorrida junto do TAF de Beja. Entre os vários vícios sustentados pela Recorrida, consta a ilegalidade do ato de liquidação em causa por vício de falta de fundamentação, quer material, quer legal, que sustentasse tal ato, bem como, a ilegalidade da recusa do Método do Valor Transacional; a ilegalidade da interpretação do artigo 140º, do Ato de Execução do Código Aduaneiro da União ao caso em apreço; a ilegalidade da utilização dos valores médios; a ilegalidade da aplicação do Método do Último Recurso e, ainda, a inconstitucionalidade e a ilegalidade resultantes da ingerência das autoridades aduaneiras nos negócios celebrados entre privado. A questão central em análise nestes autos é precisamente a de se saber em que medida é legítimo o entendimento da Autoridade Tributária e Aduaneira, e muito em particular da DAS, no sentido de poder recusar o valor transacional declarado pelo importador em sede de importação de mercadorias e proceder à sua correção tão somente por considerar que tais valores são “excecionalmente baixos” em comparação com alegados preços médios estatísticos de mercadorias com a mesma classificação pautal, constantes de uma base dados vulgarmente designada por AMT/THESEUS, não obstante o facto de o importador demonstrar cabalmente que os referidos valores declarados correspondem aos preços por si efetivamente negociados e pagos. O TAF de Beja concluiu pela verificação do primeiro dos vícios referidos (i.e., vício de falta de fundamentação) e declarou a anulação da respetiva liquidação. Para assim decidir, considerou o tribunal recorrido: “E, a final desse procedimento, apesar dos elementos solicitados e apresentados, concluiu pela liquidação sustentada do modo constante do probatório. Ora, compulsada a fundamentação da liquidação dela se extrai, expressamente, que foi entendido que tais elementos, consubstanciados em documentos, não foi esclarecedora para a determinação do valor aduaneiro em causa. Contudo, já não se extrai da mesma porque é que essa documentação não foi esclarecedora. Designadamente não se mostra esclarecida a circunstância pela qual os valores documentados pela Impugnante, relativamente à mercadoria importada, são desconsiderados já que apenas é referida a sua excecional desconformidade com alegada média de preços de mercadorias idênticas nos últimos seis meses. Sem, contudo, que tais dados sejam apresentados, bastando-se a citar a sua fonte – valores AMT - por forma a que a Impugnante pudesse aferir do modo como foi determinada tal mediana e dar-lhe o seu assentimento, ou não. O que, importa referir, a Entidade Impugnada não estava dispensada de apresentar pois que não os referenciou minimamente por forma a que a Impugnante pudesse sequer aferir da sua aplicabilidade ao caso. E, por outro lado, não se apresenta efetivamente demonstrada a análise da documentação apresentada assim como os requerimentos com os quais eram apresentados e mediante os quais a Impugnante procurava explicitar os contornos subjacentes ao negócio, aos fornecedores e, em particular, esclarecer das suas razões para o valor da mercadoria ser o que demonstrou ter sido pago e que, como tal, declarou. Com efeito, a decisão impugnada, e bem assim o projeto da decisão, refere-se ao valor faturado das mercadorias em causa se apresentar excecionalmente baixo, designadamente por apelo aos valores AMT, isto é, para mercadorias da mesma classificação pautal importados em território nacional nos últimos seis meses. Todavia, sem a integração de tais dados tal como referido no parágrafo antecedente. Aqui chegados, importa também aferir se a insuficiência da fundamentação factual se mostra igualmente ao nível do enquadramento legal da decisão. Refere-se a mesma à exclusão da possibilidade de aplicação do método de método de determinação do valor aduaneiro baseado no valor transacional, prevista no art. 70º do Código Aduaneiro da União, e à necessidade de adotar métodos secundários de determinação do valor aduaneiro, previstos no art. 74º do mesmo diploma. Ora, também nesta vertente, não se compreende a decisão, maxime, porque é que não foi possível aplicar o método de determinação do valor, com o argumento de que não foi possível aceder às características das mercadorias, designadamente do preço, quando foram prestadas pela Impugnante informações adicionais, como solicitado, nesse sentido.». Destacou ainda, o Tribunal a quo que: «(…) Aliás, estas foram questões e estes foram argumentos invocados pela Impugnante em sede de direito de audição que a Administração não ponderou, e sobre os quais não se pronunciou, como evidencia o teor da decisão final que se limita a referir que, face à informação complementar aduzida em sede de direito de audição, a AT mantém fundadas dúvidas sobre o valor aduaneiro declarado pelo que decide manter a aplicação do método do último recurso previsto no nº 3 do art. 74º do CAU». Concluindo assim que: «Pelo que se conclui assistir razão à Impugnante, ao defender que a liquidação impugnada não se encontra clara e suficientemente fundamentada (…). (…) a liquidação impugnada, que se configura como o objeto mediato da presente impugnação, padece de falta de fundamentação, o que determina a sua anulação». No que respeita à evidente falta de fundamentação do ato de liquidação em crise, resulta da sentença recorrida que, no entendimento do Tribunal a quo, tal falta de fundamentação é particularmente evidente nos seguintes aspetos: por que motivo a documentação apresentada pela Recorrida não foi suficientemente esclarecedora para dissipar as dúvidas sobre o preço pago; por que motivo o valor faturado (i.e., preço pago pelas mercadorias que corresponde ao valor declarado na importação) é considerado excecionalmente baixo e com base em que critérios; por que motivo não foi possível aplicar um outro método alternativo para determinação do valor aduaneiro; e por que motivo não foram os argumentos invocados pela Recorrida em sede de audição prévia tidos em consideração pela DAS. Vejamos de que lado está a razão. Desde já se adianta que a decisão recorrida não carece de reparo. As questões suscitadas pela ora Recorrente no presente recurso, não são novas e foram já apreciadas nomeadamente no recente acórdão deste TCAS de 2024.11.21, proferido no processo nº 98/22.0BEBJA, o qual subscrevemos na qualidade de 1ª Adjunta, disponível em www.dgsi.pt. Assim e considerando que sobre as questões suscitadas pelo presente recurso, com matéria factual semelhante e idênticas alegações e conclusões de recurso, se pronunciou já esta Seção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, não vendo razão para divergir do decidido, visando a interpretação e aplicação uniforme do direito (cfr. artigo 8º n.º 3 do Código Civil (CC)), acolhe-se sem qualquer reserva a fundamentação ali acolhida, e que se passa a transcrever, com as necessárias adaptações ao caso em apreciação: “(…) A questão controvertida respeita a direitos aduaneiros e IVA respetivo. Como decorre do art.º 3.º, n.º 2, da Lei Geral Tributária (LGT), ambos são tributos, sendo, por isso, aplicado este diploma legal ao respetivo procedimento, sem prejuízo, naturalmente, das especificidades que decorram do direito da União Europeia, nomeadamente do Código Aduaneiro da União [CAU – Regulamento (UE) n. °952/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 9 de outubro de 2013] e respetivos atos delegados [cfr. designadamente o Regulamento Delegado (UE) 2015/2446 da Comissão, de 28 de julho de 2015] e de execução [cfr. designadamente o Regulamento de Execução (UE) 2015/2447 da Comissão, de 24 de novembro de 2015] – cfr. art.º 1.º, n.º 1, da LGT. Nos termos do art.º 1.º, n.º 1, do CAU, este “determina as normas e procedimentos gerais aplicáveis às mercadorias à entrada ou à retirada do território aduaneiro da União”, sendo, em termos de procedimento, aplicável a legislação nacional naquilo que não esteja especificamente regulamentado na legislação da União Europeia. Do ponto de vista da fundamentação, não pode, pois, deixar de se atentar nas exigências previstas no nosso ordenamento interno. Assim, o dever de fundamentação dos atos administrativos em geral insere-se no princípio constitucionalmente consagrado, no art.º 268.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa, nos termos do qual “os atos administrativos (…) carecem de fundamentação expressa e acessível quando afetem direitos ou interesses legalmente protegidos” Ao nível dos atos tributários, o dever de fundamentação formal encontra-se especificamente previsto no art.º 77.º da LGT, cujos n.ºs 1 e 2 determinam que: “1 - A decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária. 2 - A fundamentação dos atos tributários pode ser efetuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo”. “A fundamentação deve consistir, no mínimo, numa sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito que motivaram a decisão…” Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, Lei Geral Tributária Anotada e Comentada, 4.ª Edição, Encontro da Escrita, Lisboa, 2012, p. 676., para que o respetivo destinatário consiga perceber o iter cognoscitivo e para que, por outro lado, seja possível o controlo, quer administrativo, quer jurisdicional, do ato em causa. Deve ser, pois, clara, expressa, congruente e suficiente, de maneira a esclarecer inteiramente o seu destinatário, cumprindo, dessa forma, o desiderato constitucionalmente consagrado. Apliquemos estes conceitos ao caso dos autos. Compulsada a factualidade assente, não impugnada [a menção ao erro de julgamento quanto à matéria de facto, constante de C) das conclusões, não configura qualquer impugnação da mesma, mas tão-só discordância face ao decidido pelo Tribunal a quo considerando os factos assentes], designadamente o primeiro pedido de informação adicional remetido à Impugnante, a informação proferida após o exercício do direito de audição e a notificação de cobrança, conclui-se que: a) No documento referido em b) do probatório, é feita menção à existência de um valor estatístico médio da União Europeia para a importação de mercadorias similares, disponibilizado através de ferramenta de monitorização automática (descrita genericamente, na primeira das informações, como “tecnologia de informação que usa métodos estatísticos avançados, através de um algoritmo estatístico, para a deteção de padrões de fraude aduaneira”); É indicada a existência de dúvidas fundadas que implicam a obtenção de informação adicional que justifique os valores transacionais excepcionalmente baixos declarados; b) São, nessa sequência, pedidos elementos adicionais para justificação de tal valor (provas adicionais); c) Após a apresentação sucessiva de elementos pela Impugnante, são proferidas nova informações [cfr. factos c) a g)], na qual a administração aduaneira refere que a documentação / informação apresentada não veio trazer qualquer esclarecimento adicional ou clarificar as dúvidas existentes, dado que os elementos apresentados não justificam o facto de o valor faturado das mercadorias importadas desproporcionalmente baixo, em comparação com os valores de referência; d) A administração concluiu que continuavam a persistir as dúvidas fundadas quanto ao valor aduaneiro declarado; e) Nessa sequência, após uma menção meramente conclusiva a conceitos de direito é referido que “uma diferença de preço como a constatada parece ser suficiente para justificar as dúvidas da autoridade aduaneira e a rejeição por parte desta do valor aduaneiro declarado das mercadorias em causa”; f) Ainda nos termos da referida informação, a administração menciona que a informação facultada pela Impugnante não permite determinar o valor aduaneiro por aplicação das disposições relativas ao método do valor transacional e descreve os diversos métodos existentes, para, a final, afirmar que se aplica o método previsto no art.º 74.º, n.º 3, do CAU, como método de último recurso (cf. ponto g) do probatório, n.º 7 da informação 170/APV/19); g) Na sequência, e por referência ao concreto documento de importação, refere-se: a. “Algumas das mercadoras importadas têm um preço de aquisição unitário por quilograma mais baixo, relativamente aos preços médios declarados para o mesmo tipo de mercadorias, no território nacional, nos últimos 6 meses…”; b. Não são exequíveis os métodos referidos nas als. a) a c) do n.º 2 do art.º 74.º do CAU, por inexistir possibilidade de aceder às caraterísticas das mercadorias importadas, referindo-se, ainda, que a descrição dos itens das faturas é demasiado genérica; c. O método previsto no art.º 74.º, n.º 2, al. d), do CAU não pode ser utilizado, porque não há possibilidade de apurar os custos das matérias-primas e das operações de fabrico, utilizadas para produzir na China as mercadorias importadas; d. Conclui com um projeto de liquidação (…); h) A Impugnante foi notificada para se pronunciar, o que fez; i) Foi emitida a notificação de cobrança, na qual se refere que, face à informação complementar prestada pela Impugnante, se mantêm as fundadas dúvidas sobre o valor aduaneiro declarado, concluindo-se, como na informação precedente, pela aplicação do método previsto no art.º 74.º, n.º 3, do CAU e novamente reafirmando-se o valor de liquidação e garantia [cf. ponto k) da matéria assente, destes autos]. Considera a Recorrente que, quanto ao valor anormalmente baixo, tal fundamentação foi dada a conhecer à Recorrida, como decorre dos ofícios e decisão proferida [cfr. informações / ofícios, pontos b) e ss. do probatório]. O Tribunal a quo concluiu verificar-se uma fundamentação deficiente, assente num juízo meramente conclusivo. E de facto assim é. Com efeito, compulsados todos os elementos juntos aos autos, verifica-se que a administração aduaneira se limita a fazer reiteradamente uma menção a valores estatísticos médios, que nunca densifica se não em termos de valor final global, ficando por perceber quais os elementos concretos e específicos de confronto, a amostragem considerada (se é que foi feita alguma amostragem) e por que motivo conclui como concluiu. Não nos estamos a referir ao cálculo final, que está claramente efetuado, mas sim nas premissas que o sustentaram, carecendo, pois, de pertinência o referido nas conclusões J) e K). Por outro lado, entende a Recorrente que se encontra devidamente explanada a motivação pela qual as explicações e os documentos apresentados pela Recorrida não foram suficientes para afastar as dúvidas. Sem razão. Com efeito, a posição da administração surge de forma que nos parece claramente conclusiva. Não se consegue perceber por que motivo as explicações e os documentos apresentados são insuficientes, na medida em que não está expressa qualquer análise dos mesmos. O exercício do direito de audição, quando traz ao procedimento novos elementos de facto ou de direito, como in casu, carece necessariamente de ser apreciado, apartando-os ou acolhendo-os. Daí que o art.º 60.º, n.º 7, da LGT, aplicável in casu, que respeita ao dever de fundamentação, ainda que sistematicamente esteja inserido em disposição legal atinente ao princípio da participação, refira expressamente que “[o]s elementos novos suscitados na audição dos contribuintes são tidos obrigatoriamente em conta na fundamentação da decisão”. E, naturalmente, essa tomada em consideração dos elementos apresentados pelo administrado tem de estar vertida na fundamentação do ato. Apenas dessa forma o dever de fundamentação se pode considerar cabalmente cumprido. Este dever não é uma mera formalidade a se; é por respeito ao mesmo que se deve sustentar de forma cabal a posição da administração para, dessa forma, levar ao conhecimento do administrado os fundamentos de facto e de direito que a suportaram na sua decisão. Apenas o cumprimento deste dever assegura o adequado exercício do direito de defesa [princípio geral do direito da União Europeia – cfr., v.g., os Acórdãos do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) de 18.12.2008, Sopropé, C- 349/07, EU:C:2008:746, n.ºs 36 a 38, e de 09.11.2017, Ispas, C-298/16, EU:C:2017:843, n.º 26] por parte do administrado (incluindo o de impugnação judicial), sendo fundamental para assegurar a tutela jurisdicional efetiva, garantida pela nossa lei fundamental, no seu art.º 20.º. Não se põe em causa que pudessem subsistir dúvidas fundadas à administração. No entanto, essa subsistência tem de estar fundamentada. Ora, tal não sucede nos autos, dado que a administração se quedou, como referido, por fórmulas conclusivas, vazias de conteúdo. Assistia à administração o dever de esclarecer por que motivos os elementos juntos pela ora Recorrida não eram suficientes. E tal não ocorreu. Entende ainda a Recorrente, quanto à questão do método secundário que veio a ser adotado, que está perfeitamente esclarecida a opção tomada, na medida em que é convocada a impossibilidade de aceder às caraterísticas das mercadorias e o facto de a descrição das faturas ser demasiado genérica. Ora, neste caso, a administração limita-se a elencar os diversos métodos e a concluir, sem o detalhe exigível, pela impossibilidade de não se aceder às caraterísticas das mercadorias e ao facto de haver uma descrição muito genérica das faturas, não explicando por que motivo os elementos apresentados pela impugnante, designadamente as fichas técnicas das mercadorias importadas, não respondem ou não permitem ultrapassar as alegadas limitações. Logo, a fundamentação usada não permite sustentar a rejeição do método do valor transacional. Alega ainda a Recorrente que existem regras próprias em matéria de direito de audição. Ora, in casu, tal não se põe em causa. Com efeito, o art.º 22.º, n.º 6, do CAU (aplicável ex vi art.º 29.º do CAU) faz menção à obrigatoriedade de as autoridades aduaneiras ouvirem o requerente antes da decisão que pretendem tomar [cfr. igualmente o art.º 8.º do Regulamento de Execução (UE) 2015/2447 e o art.º 8.º do Regulamento Delegado (UE) 2015/2446, ambos já referidos supra]. Ora, a decisão recorrida não vai no sentido de não ter sido ouvido o administrado. Vai, sim, no sentido de tal exercício não ter sido minimamente analisado (ou pelo menos externada essa análise), razão pela qual é convocado o disposto no art.º 60.º, n.º 7, da LGT [cfr. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 28-11- 2019 - Processo: 9032/15.3BCLSB]. Aliás, veja-se que o próprio n.º 3 do art.º 8.º do Regulamento de Execução (UE) 2015/2447 da Comissão, de 24 de novembro de 2015, vai no sentido de ser registada a posição do administrado tomada na sequência da sua audição, sendo que, tratando-se de procedimento decisório, é para nós exigência consentânea com essa menção a explicação em torno do afastamento dos argumentos, de facto ou de direito, esgrimidos. Ou seja, a questão é que, como aliás já referido anteriormente, os elementos trazidos pelo administrado em sede de exercício de audição foram, ad limine, afastados, sem mais. Não há, como referimos, qualquer fundamentação a este respeito. Finalmente, carece de razão a Recorrente, quanto ao referido nas conclusões X) a DD), onde, no fundo, se apela à teoria do aproveitamento do ato. Sendo certo que a chamada teoria do aproveitamento do ato (há muito acolhida entre a doutrina e a jurisprudência) encontra consagração no art.º 163.º, n.º 5, do Código do Procedimento Administrativo, não se pode afirmar perentoriamente, in casu, que o conteúdo do ato não pudesse ser outro. Ora, a inoperância da força invalidante do vício que inquina o ato, em virtude da preponderância do conteúdo sobre a forma, só ocorre se se puder afirmar inequivocamente que o ato só podia ter o conteúdo que teve em concreto. Assim, nestes casos, a invalidade não é operante, em virtude da conformidade substancial do ato praticado (3) Cfr. José Carlos Vieira de Andrade, O dever de fundamentação expressa de actos administrativos, Almedina, Coimbra, 2007, pp. 329 a 336. V. a este propósito o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 28.03.2019 (Processo: 24/08.0BELRS). Neste sentido, aponta a jurisprudência do TJUE, segundo a qual a violação dos direitos de defesa, em particular do direito de ser ouvido, só implica a anulação da decisão tomada no termo do procedimento administrativo em causa se, na inexistência dessa irregularidade, o procedimento pudesse conduzir a um resultado diferente (cfr. os Acórdãos de 14.02.1990, França/Comissão, C-301/87, EU:C:1990:67; de 05.10.2000, Alemanha/Comissão, C-288/96, EU:C:2000:537, de 01.10.2009, Foshan Shunde Yongjian Housewares & Hardware/Conselho, C-141/08 P, EU:C:2009:598, de 10.09.2013, PPU - G. e R., C-383/13, EU:C:2013:553, de 03.07.2014, Kamino International Logistics e Datema Hellmann Worldwide Logistics, C-129/13 e C-130/13, EU:C:2014:94).A verdade é que, in casu, não se consegue, na concreta circunstância da causa, concluir com a certeza exigível que a decisão seria sempre a mesma, justamente por nem se conseguir alcançar os pressupostos de base da atuação da administração, nos termos já expressos supra. Como tal, não assiste razão à Recorrente». Esta fundamentação do acórdão que se acabou de transcrever é totalmente transponível para os presentes autos, aqui também se concluindo que não tem razão a Recorrente. Em face do exposto, improcedem todas as conclusões das alegações de recurso. Pelo que, a sentença que assim decidiu não padece de qualquer erro de julgamento, devendo, por isso, ser confirmada. * III. DECISÃO Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO, SUBSECÇÃO COMUM, deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida. Custas pela Recorrente. Registe e notifique. Lisboa, 20 de março de 2025. ---------------------------------- [Maria da Luz Cardoso] ---------------------------------- [Ângela Cerdeira] ------------------------------ [Teresa Costa Alemão] |