Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:107/10.6BELLE
Secção:CT
Data do Acordão:04/03/2025
Relator:PATRÍCIA MANUEL PIRES
Descritores:VALOR PATRIMONIAL TRIBUTÁRIO
JUÍZOS DE CONSTITUCIONALIDADE
VALOR DE MERCADO
PRESUNÇÕES LEGAIS
Sumário:I-A instituição da reforma do património e em concreto da específica fórmula de determinação do VPT constante no artigo 38.º do CIMI, visa romper com subjetivismo, e discricionariedade na avaliação dos bens imóveis, passando a estruturar-se numa base totalmente objetiva, padronizada por coeficientes que visam atender às diversas características dos imóveis em questão, tipificando-os de forma minuciosa, mormente, no domínio da quantificação, estabelecendo a medida da sua contribuição individual para efeitos da determinação do respetivo VPT, em nada traduzindo juízos de inconstitucionalidade.

II-O regime de determinação de VPT instituído pela reforma, assenta, essencialmente, em cinco princípios fundamentais, concretamente: (i) Princípio da objetividade, da transparência e da uniformidade do sistema de avaliações prediais; (ii) Princípio do valor de mercado; (iii) Princípio da atualização permanente de valores patrimoniais; (iv) Princípio da universalidade do VPT; (v) Princípio do gradualismo e do pragmatismo.

III-O valor de mercado não é um dado com existência fixa e ontológica, porque a sua determinação depende sempre do funcionamento do próprio mercado que, no caso dos imóveis, só se pode determinar com rigor, caso a caso, quando um determinado bem é transacionado.

IV-O juízo de constitucionalidade, é reafirmado pela possibilidade de demonstração de erro na sua fixação, mediante apresentação de pedido de segunda avaliação o qual pode ser efetuado não só com fundamento em erro na aplicação dos critérios legais de avaliação, mas, outrossim, mediante expressa demonstração de que existe distorção entre o VPT fixado e o valor de mercado do bem imóvel.

Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção Tributária Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO

I- RELATÓRIO

C……………… - Investimentos Turísticos ……………………., S.A. (doravante Recorrente ou Impugnante), veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal administrativo e fiscal de Loulé, que julgou improcedente a impugnação judicial por si deduzida, que teve por objeto os atos resultantes da segunda avaliação para efeitos de Imposto Municipal sobre Imóveis, referentes às frações A, B, BA, BP, C, CQ, D, DD, DH, DN e U do imóvel inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ……….., freguesia de A…………., concelho de A…………, distrito de ……….


***

A Recorrente apresentou as suas alegações, formulando as conclusões, que infra se reproduzem:

“1) A recorrente não se conforma com a matéria de facto dada como provada no ponto 5 do probatório da sentença porquanto (i) o perito apresentou termo de contestação à avaliação efetuada em sede de segunda avaliação e (ii) mesmo que o não tivesse feito a lei não exige que as objeções do perito sejam escritas nem que a impugnação prevista no art. 134.° CPPT esteja dependente de qualquer contestação escrita do perito pelo que não existindo no processo qualquer prova quanto ao que foi alegado verbalmente pelo perito da parte em comissão de avaliação não pode o tribunal concluir que o perito da parte não se insurgiu quanto à avaliação feita de uma das frações.

2) A recorrente entende que face à prova documental e testemunhal produzida nos presentes autos deveriam ter sido incluídos 9 factos provados adicionais aos enunciados no probatório da sentença: Ponto 6 - Algumas das frações objeto de impugnação do VPT estão e já estavam à data da escritura de compra e venda, oneradas com contratos de arrendamento; Ponto 7 - Os contratos de arrendamento constituídos sobre as frações objeto de impugnação foram celebrados previamente à aquisição das frações do complexo da Praça de Touros pela Impugnante; Ponto 8 - Os contratos de arrendamento constituídos sobre as frações objeto de impugnação apresentam rendas de baixo valor, Ponto 9 - O complexo estava, à data da aquisição, e agora mais ainda, em virtude do decurso do tempo, em más condições de conservação; Ponto 10 - Todas as frações em causa na presente impugnação apresentam: - visível degradação de revestimentos, pavimentos e paredes, - pinturas a descascar, - existência de bolores e salitres, - elevados teores de humidade, - rebocos e pinturas fendilhadas, - condições muito deficientes de ventilação; Ponto 11 - O espaço do complexo da Praça de Touros está esteticamente desatualizado, tem fraco movimento de pessoas tanto para os estabelecimentos comerciais como para a praça de touros e os respetivos espaços não estão adaptados para os atuais modelos de exploração habitacional e comercial, sendo evidente o estado de abandono e degradação do complexo; Ponto 12 - O complexo da Praça de Touros não pode ser rentabilizado; Ponto 13 - Não é viável o arrendamento das frações que não se encontram já arrendadas devido às más condições de conservação, estéticas e funcionais do edifício que está completamente desadequado às necessidades do mercado atual; Ponto 14 - Não é viável a realização de obras estruturais atendendo aos condicionamentos legais ao licenciamento urbanístico na zona da Praça de Touros que impedem qualquer alteração do respetivo alvará e consequentemente de uma eventual utilização alternativa da Praça de Touros.

3) O Tribunal a quo reconhece que 1) o objetivo do sistema de apuramento do VPT previsto no CIMI é o de garantir que “o valor patrimonial é próximo do valor de mercado dos imóveis urbanos” sendo “esse facto muito importante para a igualdade entre os contribuintes" (p. 6 da sentença) e 2) “o preço de mercado surge como uma meta ideal à qual o valor patrimonial tributário se pretende equiparar1’ (página 7 da sentença).

4) Não obstante esse reconhecimento, o Tribunal a quo parece entender que o facto de a determinação do valor patrimonial tributário dos prédios se fazer por recurso a uma fórmula (prevista no art. 38° CIMI) que inclui “critérios e coeficientes objetivos, transparentes e uniformes” é suficiente para garantir a constitucionalidade do VPT resultante dessa fórmula, em todos os casos, mesmo naqueles, como o dos autos, em que ficou provado que o valor patrimonial tributário apurado por recurso à fórmula do art. 38° CIMI atinge, em alguns casos, quatro vezes o valor de mercado do bem.

5) Aquilo que vem impugnado nos presentes autos não é a existência, em termos teóricos e abstratos, de uma fórmula objetiva de apuramento do valor patrimonial dos prédios urbanos, mas antes a aplicação dessa fórmula em todos os casos e sem que exista uma cláusula de salvaguarda do sistema que possa ser aplicada nos casos em que é manifesta a desproporção entre o resultado da aplicação da fórmula do art. 38° CIMI e o valor real dos bens (que era afinal a meta a atingir com aquela fórmula) com a consequente violação do princípio da capacidade contributiva na vertente de igualdade de pagamento de impostos prevista no art. 104° da CRP.

6) A recorrente discorda da análise feita pelo Tribunal a quo do princípio da capacidade contributiva porquanto considera que o princípio da capacidade contributiva, que rege a tributação do património nos termos do art. 104° da CRP, não se traduz numa igualdade formal de tratamento mas exige antes uma igualdade material que, no caso concreto, implica que o quantum do imposto revele a mesma capacidade contributiva ou de pagamento e não apenas a aplicação da mesma fórmula de apuramento do imposto.

7) Ficou provado que o valor de mercado (decorrente quer da escritura de compra e venda quer de avaliações de peritos independentes) das frações aqui em causa é nítida e exorbitantemente inferior ao valor patrimonial tributário fixado na segunda avaliação que ora se impugna (sendo a diferença total superior a 1 milhão de euros).

8) O VPT fixado por recurso à fórmula do artigo 38.° e seguintes do CIMI não correspondeu a cerca de 80% a 90% do respetivo valor de mercado, chegando em alguns casos a 4 vezes o valor de mercado violando-se assim as normas constitucionais atinentes à capacidade contributiva e o desiderato que regeu a reforma da tributação do património em 2003/2004 e que criou o CIMI.

9) A recorrente entende que sendo os impostos formas de ablação do património individual e sendo o direito de propriedade privada um direito constitucionalmente protegido, a sua restrição só pode fazer-se nos termos do art. 18° n° 2 da CRP, logo, nos casos expressamente previstos na Constituição e devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos pelo que, neste caso, não se encontra justificada a restrição do direito de propriedade e a imposição do IMI (na medida do VPT apurado e ora impugnado) porque não existe nenhum outro direito ou interesse constitucionalmente previsto que possa ser invocado para recusar a demonstração do valor de mercado efetivo já que essa demonstração apenas visa efetivar quer o direito do Estado a cobrar o imposto (nos termos previstos na CRP) quer o direito do contribuinte a que a tributação do património seja feita pela medida imposta pelo principio da igualdade.

10) A existência de uma “atualização periódica do VPT”, invocada pelo Tribunal a quo para justificar que a fórmula de apuramento do VPT do CIMI é admissível, é irrelevante para a questão suscitada pela recorrente porquanto aquilo que a recorrente invoca é que, no caso concreto e independentemente de os VPT's terem sido atualizados (na sequência da aquisição da propriedade pela ora recorrente) o VPT continua a refletir uma manifesta e exorbitante diferença, para mais, em relação ao valor de mercado dos imóveis e portanto as cláusulas de correção da fórmula dos arts. 38° e seguintes do CIMI (nomeadamente a atualização) não são suficientes para garantir que o valor apurado para efeitos de tributação, o VPT, corresponda minimamente ao valor de mercado e portanto à medida da capacidade contributiva do seu titular.

11) O princípio da uniformidade invocado pelo Tribunal a quo, pelo qual todos os proprietários terão os seus bens avaliados do mesmo modo, através das fórmulas constantes dos artigos 38.° e seguintes, não garante que a tributação seja realizada obedecendo ao princípio da capacidade contributiva, ao contrário do que concluiu o Tribunal a quo pois o facto de essas formulas serem aplicadas de forma uniforme a todos os contribuintes não faz dela justa e adequada ao principio da capacidade contributiva que a deveria reger.

12) Noutras legislações fiscais, como a espanhola, previu-se a limitação do valor cadastral dos imóveis, estipulando que esse valor (obtido por métodos objetivos) não poderá superar o valor de mercado, entendendo-se este como o preço provável pelo qual poderia vender-se, entre partes independentes, um imóvel livre de ónus, exatamente como defendido pela ora recorrente.

13) O próprio legislador português, tomando consciência da situação perversa que a fórmula objetiva do CIMI estava a criar (apurando valores patrimoniais tributários recorrentemente superiores aos valores de mercado dos bens imóveis) veio prever no Orçamento de Estado para 2009 uma alteração ao art. 76° do CIMI que consagrou um mecanismo de correção do valor patrimonial tributário que resulta da mera aplicação dos critérios objetivos quando esse valor se apresente distorcido relativamente ao valor normal de mercado, no entanto, o novo VPT que corrija a distorção só releva para efeitos de IRS, IRC e IMT, não sendo aplicável quando se pretende a produção de efeitos ao nível do IMI.

14) A mesma preocupação de justiça existe na modelação de outros impostos quando o valor do rendimento tributável se obtém por referência ao valor de transmissão de direitos reais sobe imóveis, como é o caso dos arts. 58°-A e 129° CIRC nos quais o legislador previu formas de o sujeito passivo fazer prova do preço efetivo dos imóveis, garantindo a justiça e a igualdade no tratamento das realidades tributáveis dos contribuintes.

15) A justificação avançada na sentença recorrida para a diferença entre o regime do IMI e do IRC, assente no facto de a CRP exigir que a tributação do património constitua um instrumento de igualdade entre os cidadãos enquanto para a tributação das empresas se exige que a tributação incida fundamentalmente sobre o rendimento real, não pode proceder pois já se demonstrou que, no caso da tributação do património, a remissão constitucional para a igualdade exige a verificação dos critérios da capacidade contributiva prevista no art. 104° CRP e esse critério é, de acordo com o próprio CIMI, um valor aproximado do valor de mercado, o que, de todo, não se verifica no presente caso o que demonstra a inconstitucionalidade invocada.

16) A fixação do valor patrimonial tributário, enquanto base tributável do imposto sobre património, que não atende ao valor efetivo (de mercado) dos bens imóveis nem permite corrigir distorções que se verifiquem entre o valor de mercado e o valor cadastral apurado é ainda inadmissível por duas ordens: i) constitui um ato ilegal por violação do art. 73° LGT e inconstitucional por violação do art. 104° n° 3 CRP e ii) mesmo que assim não se entendesse sempre constituiria ato ilegal por violação do art. 83° LGT.

17) A recorrente entende que ao fixar-se o valor patrimonial tributário por referência aos critérios objetivos dos arts. 38° CIMI sem possibilidade de demonstração do valor de mercado, a lei infere um facto desconhecido (o valor patrimonial tributário) a partir de factos conhecidos (os critérios dos artigos 38° e seguintes do CIMI, isto é, as áreas, os estados de conservação, a tipologia, os elementos de qualidade e minorativos, a idade, etc...) pelo que o CIMI pretende ficcionar um valor de mercado como sendo aquele que resulta da fórmula criada pelo CIMI traduzindo assim uma presunção legal.

18) Ao impedir a demonstração do valor de mercado dos bens viola-se o princípio de inadmissibilidade de presunções inilidíveis e consequentemente o princípio da igualdade (vertido no art. 13° e 104° CRP) que o primeiro visa proteger.

19) Neste caso é posto em causa o princípio da não discriminação dos contribuintes (vertente negativa do princípio da igualdade - art. 13° e 104° n° 3 CRP) e o princípio da proporcionalidade da atuação da Administração Pública, previsto no artigo 266° n° 2 da CRP, pelo que ficaria vedada a possibilidade de instituir uma presunção inilidível que traduz uma tipificação fechada da lei fiscal, atentatória do princípio da igualdade e cuja restrição não é justificada pelos interesses de praticabilidade que visa assegurar.

20) Mesmo que não se considerasse existir uma presunção legal e ao invés se entendesse que os artigos 38° e seguintes do CIMI promovem a avaliação direta dos bens imóveis objeto de tributação sempre teria de se atender ao regime previsto nos artigos 83° e seguintes da LGT que determinariam a proibição, no caso concreto, de fixação de um VPT manifestamente superior àquele que corresponde ao valor de mercado dos imóveis ou “valor real efetivo dos bens sujeitos a tributação".

21) A violação do art. 83° da LGT, lei de enquadramento do sistema fiscal português, à qual deve submeter-se a modelação concreta dos diversos impostos, constitui manifesta ilegalidade, tradutora, no caso concreto, de uma consequente inconstitucionalidade por violação do princípio da capacidade contributiva estabelecido no art. 104° n° 3 da CRP.

22) A recorrente não se conforma com a conclusão do Tribunal a quo de que não se verificam as ilegalidades e inconstitucionalidades apontadas porque (i) considerou que em duas das frações o valor de aquisição era ligeiramente superior ao valor de avaliação e (ii) considerou que a existência de um meio de reação gracioso e extraordinário - a revisão do art. 78° LGT - era suficiente para acautelar a posição da impugnante.

23) O facto de o valor de aquisição de duas das frações ser ligeiramente superior ao VPT fixado em nada contende com a tese defendida na presente impugnação porque aquilo que a ora recorrente considera é que o valor de avaliação resultante das fórmulas objetivas previstas nos artigos 38° e seguintes do CIMI tem de poder ser corrigido mediante demonstração do valor de mercado dos bens (e não, necessariamente do valor de aquisição) por o CIMI não ter previsto uma cláusula de salvaguarda que operasse nas situações em que VPT fixado excede manifestamente o valor real dos bens (como aqui ficou demonstrado por referência a relatórios de peritos independentes).

24) A recorrente discorda da conclusão do Tribunal a quo de que a existência do meio de revisão previsto no art. 78° da LGT é suficiente para justificar a validade do sistema de tributação do património nos casos em que o VPT excede o valor de mercado dos bens porquanto a tese do tribunal atenta contra o direito constitucional de acesso ao direito e à justiça dos tribunais pois implica concluir que o tribunal concorda com a Impugnante em que o sistema tem de ser dotado de uma cláusula que permita atender à justiça do caso concreto mas depois demite-se da sua função de julgar os vícios de ilegalidade e inconstitucionalidade de atos de avaliação que lhe foram submetidos pelo simples facto de existirem também meios graciosos de reação contra esses atos (sendo certo que só os tribunais têm o dever de conhecimento oficioso das questões de constitucionalidade, e já não a AT que, estando sujeita ao princípio da legalidade, entende que deve agir no estrito cumprimento da letra da lei pelo que sendo colocada esta questão à AT através de eventual revisão oficiosa, a sua resposta seria provavelmente no sentido de ter agido em conformidade com a lei - o CIMI - não lhe cabendo a apreciação da conformidade constitucional dessa lei).

25) A revisão do art. 78° da LGT é um meio alternativo aos meios processuais normais e além disso, um meio extraordinário, pois aquilo que se visa com a existência deste artigo é estender para 4 anos o prazo do contribuinte para reagir contra erros ou injustiças da AT pelo que nunca a existência da revisão extraordinária do art. 78° da LGT poderia ser invocada para inviabilizar o conhecimento de qualquer erro ou injustiça que sejam suscitados através dos meios de reação normais, como é, no presente caso, a impugnação dos atos de fixação dos valores patrimoniais na sequência do prévio esgotamento dos meios graciosos previstos no procedimento de avaliação tudo conforme previsto no art. 134° do CPPT.

26) Pelos motivos apontados a sentença do TAF de Loulé que considerou improcedente a impugnação deve ser revogada pelo TCA por assentar numa incorreta apreciação dos factos e sobretudo numa interpretação jurídica inadmissível.

Nestes termos, e nos demais de Direito julgados aplicáveis, deverá ser dado provimento ao presente recurso, anulando-se a sentença proferida pelo TAF de Loulé, assim se fazendo a boa e costumada JUSTIÇA!”


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A Recorrida DRFP optou por não apresentar contra-alegações.

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A Digna Magistrada do Ministério Público (DMMP) neste Tribunal Central Administrativo Sul emitiu parecer no sentido de ser negado provimento do recurso apresentado pela Impugnante.

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Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir.

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II - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Com relevância para a decisão a proferir nos presentes autos, dão-se como provados os seguintes factos:


“1.

No dia 26 de Julho de 2008, C…………….– INVESTIMENTOS ………………………, SA, adquiriu, pelo preço respectivo, as seguintes fracções pertencentes ao prédio urbano sito em C………., Praça ………, Areias ……….., freguesia e concelho de A…………….., descrito na Conservatória do Registo Predial de A……… sob o número ………….. e inscrito na matriz urbana sob o artigo ………..:

a) Fracção A, pelo preço de € 523.878,89 – cfr. fls. 42-52 e 53 dos autos;

b) Fracção B, pelo preço de € 172.481,12 - cfr. fls. 42-52 e 56 dos autos;

c) Fracção BA, pelo preço de € 9.866,03 - cfr. fls. 42-52 e 56 dos autos;

d) Fracção BP, pelo preço de € 9.819,53 - cfr. fls. 42-52 e 59 dos autos;

e) Fracção C, pelo preço de € 1.362.051,03 - cfr. fls. 42-52 e 60 dos autos;

f) Fracção CQ, pelo preço de € 55.246,68 - cfr. fls. 42-52 e 61 dos autos;

g) Fracção D, pelo preço de € 74.783,02 - cfr. fls. 42-52 e 64 dos autos;

h) Fracção DD, pelo preço de € 55.246,68 - cfr. fls. 42-52 e 65 dos autos;

i) Fracção DN, pelo preço de € 4.874,98 - cfr. fls. 42-52 e 66 dos autos;

j) Fracção U, pelo preço de € 113.295,29 - cfr. fls. 42-52 e 67 dos autos;


2.

Em 25 de Agosto de 2008, C……….. – INVESTIMENTOS ………………….., SA, apresentou, via internet, as declarações Modelo 1 de IMI relativas àqueles prédios, bem como à fracção DH, que foram avaliados para efeito de determinação do respectivo valor patrimonial tributário – facto admitido por acordo.

3.

Nos dias 24 de Novembro de 2008, 13 e 27 de Fevereiro de 2009, C……………– INVESTIMENTOS ……………………, SA, requereu a segunda avaliação destes prédios – facto admitido por acordo.

4.

Em Novembro de 2009, foi realizada a segunda avaliação dos prédios, tendo sido utilizada a fórmula «Valor Patrimonial Tributário = Valor base dos prédios edificados X Área bruta de construção mais a área excedente à área de implantação X Coeficiente de afectação X Coeficiente de localização X Coeficiente de qualidade e conforto X Coeficiente de vetustez», tendo sido apurados os seguintes VPTs:

a) Fracção A, VPT de € 569.650,00;

b) Fracção B, VPT de € 710.370,00, tendo sido consideradas as seguintes minorações: 0,020 pela localização e operacionalidade relativas e 0,015 pelo estado deficiente de conservação;

c) Fracção BA, VPT de € 39.440,00;

d) Fracção BP, VPT de € 26.670,00, tendo sido considerada a minoração de 0,030 pelo estado deficiente de conservação;

e) Fracção C, VPT de € 1.407.780,00;

f) Fracção CQ, VPT de € 54.340,00, tendo sido considerada a minoração de 0,025 pelo estado deficiente de conservação;

g) Fracção D, VPT de € 79.760,00, tendo sido considerada a minoração de 0,030 pelo estado deficiente de conservação;

h) Fracção DD, VPT de € 54.340,00, tendo sido considerada a minoração de 0,025 pelo estado deficiente de conservação;

i) Fracção DN, VPT de € 5.440,00;

j) Fracção DH, VPT de € 126.940,00, tendo sido considerada a minoração de 0,025 pelo estado deficiente de conservação.cfr. últimos documentos do apenso, em fls. não numeradas anteriores à Informação da Impugnação.


5.

A segunda avaliação da fracção U foi efectuada através da fórmula V3 por se tratar de fracção destinada a complexo de piscinas, tendo dela resultado o VP T de € 191.150,00, contra o qual não se insurgiu o perito da Impugnante – cfr. documento 47 do apenso.

6.

As fracções em causa nos autos foram avaliadas a solicitação da Impugnante, para efeito da presente Impugnação da qual seriam parte integrante os respectivos relatórios, tendo sido tomada em consideração o mês de Abril de 2011 para efeito de determinação do valor respectivo – cfr. fls. 47-51 dos autos, maxime 103 e 106 (esta com lapso de escrita, pois que refere que a “avaliação imobiliária das fracções” se reporta “à data de Abril de 2001” , data em que a Impugnante ainda nem as havia adquirido) e 251.”

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A motivação da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte:

“Os documentos referidos não foram impugnados pelas partes e não há indícios que ponham em causa a sua genuinidade.”


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III-FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO


In casu, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, julgou totalmente improcedente a impugnação judicial deduzida contra as segundas avaliações respeitantes às frações autónomas A, B, BA, BP, C, CQ, D, DD, DH, DN e U do imóvel inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 8878.

Mais importa ter presente que, em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.


Assim, ponderando o teor das conclusões de recurso cumpre aferir:

· Se a sentença recorrida padece de nulidade por omissão de pronúncia;

· Se incorreu em erro de julgamento de facto, por um lado, por ter descurado realidade de facto, devidamente alegada e suportada em prova documental e testemunhal e que carece do competente aditamento, e por outro lado, porque comporta factualidade cuja asserção carece, em parte, de ser suprimida;

· Se padece de erro de julgamento por errónea interpretação dos pressupostos de facto e de direito, ao ter sentenciado:

o A constitucionalidade da fórmula de determinação do VPT de prédios urbanos, e sua conformidade com o princípio da capacidade contributiva e igualdade;

o A inexistência de presunções nas normas de incidência e inerente juízo de constitucionalidade;

o A ausência de violação dos fins da avaliação direta e do artigo 104. °, n.° 3, da CRP;

Apreciando.

Comecemos pela nulidade por omissão de pronúncia.

A propósito da omissão de pronúncia dispõe o artigo 125.º, nº1, do CPPT que constitui nulidade a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar.

Preceituando, por seu turno, a primeira parte da alínea d), do nº 1, do artigo 615.º do CPC, que a decisão é nula, quando “o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.


Na verdade, a nulidade da decisão por omissão de pronúncia sucede apenas quando a mesma deixe de decidir alguma das questões suscitadas pelas partes, salvo se a decisão tiver ficado prejudicada pela solução dada a outra questão submetida apreciação do Tribunal.


Dir-se-á, neste particular e em abono da verdade que, as questões submetidas a apreciação do tribunal identificam-se com os pedidos formulados, com a causa de pedir ou com as exceções invocadas, desde que não prejudicadas pela solução de mérito encontrada para o litígio. De notar para o efeito que, as questões não são passíveis de qualquer confusão conceptual com as razões jurídicas invocadas pelas partes em defesa do seu juízo de valoração, porquanto as mesmas correspondem a simples argumentos e não constituem questões na dimensão valorativa preceituada no citado normativo 615.º, nº 1, alínea d), do CPC.


Conforme doutrinado por ALBERTO DOS REIS (1) “[s]ão, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão” .


Apreciando.


A Recorrente sustenta, e se bem interpretamos a sua alegação na medida em que a mesma não é clara, que a decisão recorrida padece da aludida nulidade, porquanto tendo o pedido da Impugnante por objeto as avaliações de 11 frações não poderia o Tribunal afastar as ilegalidades e inconstitucionalidades apontadas por recurso apenas a três dessas frações, carecendo da inerente análise para as demais.


Porém, não lhe assiste razão, na medida em que o Tribunal a quo conheceu de todas as questões que foram convocadas na petição inicial, sendo que a convocação de três situações específicas e contempladas no probatório teve apenas como desiderato adensar o juízo de constitucionalidade que foi convocado pela Recorrente, ou seja, mais não representava que um reforço argumentativo no sentido de que não resultava demonstrada a realidade convocada pela Recorrente, e daí a sentenciada improcedência.


Dir-se-á, portanto, que surge como um robustecimento do iter de valoração conceptual, ou seja, o Tribunal a quo estabeleceu um juízo crítico sobre os vícios arguidos pela Recorrente, concluindo, para o efeito, pela sua improcedência, logo, como é bom de ver, tal realidade em nada pode traduzir uma nulidade por omissão de pronúncia, quando muito erro de julgamento.


E por assim ser, improcede, na íntegra, o alegado em termos de nulidade da decisão recorrida por omissão de pronúncia.



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Atentemos, ora, no erro de julgamento de facto.

A Recorrente começa por advogar uma alteração à matéria de facto, concretamente do ponto 5, visando a supressão da menção de que o perito da parte não se insurgiu quanto à avaliação feita de uma das frações.

Mais requer o aditamento de nove factos, que identifica como pontos 6 a 14.

Vejamos, então, do cumprimento dos respetivos requisitos legais.

Para o efeito, importa começar por aferir se a Recorrente cumpriu os requisitos consignados no artigo 640.º do CPC.

Preceitua o aludido normativo que:

“1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:

a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;

b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.

3 - O disposto nos n.os 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.”

Com efeito, no que diz respeito à disciplina da impugnação da decisão de 1ª. instância relativa à matéria de facto, a lei processual civil impõe ao Recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso, quanto ao fundamento em causa. Ele tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorretamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizadas, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adotada pela decisão recorrida (2).

No concernente à observância dos requisitos constantes do citado normativo relativamente à prova testemunhal, a indicação exata das passagens de gravação dos depoimentos que se pretendem ver analisados, além de constituírem uma condição essencial para o exercício esclarecido do contraditório, servem sobretudo de parâmetro da amplitude com que o tribunal de recurso deve reapreciar a prova.

Mais importa ter presente que, nem todos os factos alegados pelas partes, ainda que provados, carecem de integrar a decisão atinente à matéria de facto, porquanto apenas são de considerar os factos cuja prova (ou não prova) seja relevante face às várias soluções plausíveis de direito. Por outro lado, cumpre distinguir entre factos provados e meios de prova, sendo que uns não se confundem com os outros.

Sendo, ainda, de relevar que a seleção da matéria de facto só pode integrar acontecimentos ou factos concretos, que não conceitos, proposições normativas ou juízos jurídico-conclusivos, sendo que as asserções que revistam tal natureza devem ser excluídas do acervo factual relevante ou indeferido o seu aditamento.

“[q]uestão de facto é (..) tudo o que se reporta ao apuramento de ocorrências da vida real e de quaisquer mudanças ocorridas no mundo exterior, bem como à averiguação do estado, qualidade ou situação real das pessoas ou das coisas” e que “(..) além dos factos reais e dos factos externos, a doutrina também considera matéria de facto os factos internos, isto é, aqueles que respeitam à vida psíquica e sensorial do indivíduo, e os factos hipotéticos, ou seja, os que se referem a ocorrências virtuais”. (3)

“As afirmações de natureza conclusiva devem ser excluídas do elenco factual a considerar, se integrarem o thema decidendum, entendendo-se como tal o conjunto de questões de natureza jurídica que integram o objeto do processo a decidir, no fundo, a componente jurídica que suporta a decisão. Daí que sempre que um ponto da matéria de facto integre uma afirmação ou valoração de factos que se insira na análise das questões jurídicas a decidir, comportando uma resposta, ou componente de resposta àquelas questões, tal ponto da matéria de facto deve ser eliminado.” (4).

Visto o respetivo regime normativo, importa, desde já, evidenciar que se para efeitos da alteração ao probatório, se encontram preenchidos os respetivos requisitos legais, o mesmo não sucede quanto aos aditamentos ao probatório.

Expliquemos, então, porque assim o entendemos.

No âmbito da alteração da factualidade constante no ponto 5, evidencia a Recorrente que tem de ser expurgada a menção “contra o qual não se insurgiu o perito da impugnante”, por a mesma não corresponder à realidade dos factos, na medida em que o perito apresentou termo de contestação à avaliação efetuada em sede de segunda avaliação, convocando, para o efeito, os documentos 11 e 15 da p.i.

Ora, não obstante o cumprimento desses requisitos legais, a verdade é que mediante confronto dos meios probatórios que convoca, não se infere o aduzido erro, na medida em que, pese embora o documento 11 junto com a p.i. respeite, efetivamente, à fração “U”, a verdade é que o mesmo mais não representa que o resultado da segunda da avaliação, em nada permitindo inferir no sentido da desajustada realidade de facto, dele constando apenas a expressa menção de que “no caso de não concordar com o resultado da segunda avaliação, poderá, querendo, impugná-lo judicialmente (…)”.

No concernente ao documento 15, o mesmo respeita, tão-só, ao requerimento de segunda avaliação da fração autónoma “A”, do artigo …………, não podendo, naturalmente, lograr o efeito pretendido pela Recorrente.

É certo que a Recorrente faz, outrossim, menção à documentação constante no Processo Administrativo instrutor (PA), mas a verdade é que essa referência é absolutamente genérica nada densificando quanto a um específico e particular documento, sua identificação a fls. desse PA, conforme vinculação legal supra evidenciada, em nada podendo, portanto, proceder e no sentido por si almejado.

De relevar, in fine, que, não obstante o supra aludido não se vislumbra, de todo, qualquer utilidade para a presente lide na aludida supressão, atentos os erros de julgamento que lhe são assacados, nem, de resto, a Recorrente o materializa com a devida substanciação.

E por assim ser, improcede a visada supressão, mantendo-se, por conseguinte, o ponto 5 do probatório inalterado.

Prosseguindo, ora, com os aditamentos ao probatório.

Neste particular, requer que o probatório passe a contemplar, atenta a prova documental e testemunhal produzida, as seguintes asserções:

Ponto 6 - Algumas das frações objeto de impugnação do VPT estão e já estavam à data da escritura de compra e venda, oneradas com contratos de arrendamento;

Ponto 7 - Os contratos de arrendamento constituídos sobre as frações objeto de impugnação foram celebrados previamente à aquisição das frações do complexo da Praça de Touros pela Impugnante;

Ponto 8 - Os contratos de arrendamento constituídos sobre as frações objeto de impugnação apresentam rendas de baixo valor,

Ponto 9 - O complexo estava, à data da aquisição, e agora mais ainda, em virtude do decurso do tempo, em más condições de conservação;

Ponto 10 - Todas as frações em causa na presente impugnação apresentam: - visível degradação de revestimentos, pavimentos e paredes, - pinturas a descascar, - existência de bolores e salitres, - elevados teores de humidade, - rebocos e pinturas fendilhadas, - condições muito deficientes de ventilação;

Ponto 11 - O espaço do complexo da Praça de Touros está esteticamente desatualizado, tem fraco movimento de pessoas tanto para os estabelecimentos comerciais como para a praça de touros e os respetivos espaços não estão adaptados para os atuais modelos de exploração habitacional e comercial, sendo evidente o estado de abandono e degradação do complexo;

Ponto 12 - O complexo da Praça de Touros não pode ser rentabilizado;

Ponto 13 - Não é viável o arrendamento das frações que não se encontram já arrendadas devido às más condições de conservação, estéticas e funcionais do edifício que está completamente desadequado às necessidades do mercado atual;

Ponto 14 - Não é viável a realização de obras estruturais atendendo aos condicionamentos legais ao licenciamento urbanístico na zona da Praça de Touros que impedem qualquer alteração do respetivo alvará e consequentemente de uma eventual utilização alternativa da Praça de Touros.

Vejamos, então.

A Recorrente funda o aludido aditamento em prova testemunhal e documental, no entanto, e conforme já antecipámos não cumpre os respetivos requisitos legais.

Senão vejamos.

Quanto à produção de prova testemunhal, pese embora a Recorrente evidencie o depoimento de Jorge …………, não indica, com exatidão, as passagens de gravação desse mesmo depoimento que pretende ver analisado/reapreciado em concreto. Pelo que, não impugna a matéria de facto de acordo com os requisitos supra evidenciados.

Vide, neste concreto particular, o recente Aresto do Tribunal Constitucional, proferido no processo nº 148/2025, de 18.02.2025, do qual se extrata, designadamente, o seguinte.

“Não julgar inconstitucional o artigo 640.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, quando interpretado no sentido de que ao recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto se impõe o ónus suplementar de, no tocante à especificação dos pontos de facto que considera mal julgados, referenciar cada um com o correspondente meio de prova que se indica para o evidenciar.”

Relativamente à prova documental limita-se, mais uma vez, e sem a devida corporização e enumeração detalhada, a convocar os relatórios de avaliação, e fotografias, nada densificando relativamente a esses mesmos documentos.

Note-se, neste âmbito, que não são permitidos, recursos genéricos contra a matéria de facto assente pelo tribunal recorrido: o recurso não pode ser genérico atacando a matéria de facto no seu conjunto sem precisar os pontos concretos, nem pode ser genérico apontando para a prova em geral produzida no processo (5).

Sem embargo do exposto, sempre se dirá que a generalidade das asserções constantes nos pontos que pretende aditar, para além de não se encontrarem devidamente substanciadas no espaço e no tempo “algumas das fracções”, de serem genéricas “os contratos de arrendamento”, com conceitos vagos e indeterminados baixo valor” , “más condições de conservação”, “esteticamente desatualizado”, contemplam, igualmente, juízos eminentemente conclusivos, “ não estão adaptados para os atuais modelos de exploração habitacional e comercial”, “não pode ser rentabilizado”, “não é viável o arrendamento”, “não é viável a realização de obras estruturais”, não podendo, outrossim, integrar o respetivo probatório.

Face ao exposto, rejeita-se, assim, a aludida impugnação.


***

Aqui chegados, uma vez estabilizada a matéria de facto, há, então, que aferir se a decisão recorrida padece do arguido erro de julgamento por errónea interpretação dos pressupostos de facto e de direito.

Vejamos, então.

No atinente à sentenciada constitucionalidade da fórmula de determinação do VPT de prédios urbanos, aduz, desde logo, que inversamente ao propugnado pelo Tribunal a quo, o facto de a determinação do VPT dos prédios se fazer por recurso a uma fórmula (prevista no artigo 38.° CIMI) que inclui critérios e coeficientes objetivos, transparentes e uniformes, a mesma é insuficiente para garantir a constitucionalidade do VPT resultante dessa fórmula, em todos os casos, particularmente em casos como o dos autos, em que ficou provado que o VPT apurado por recurso à fórmula do artigo 38.° CIMI atinge, em alguns casos, quatro vezes o valor de mercado do bem.

Mais densifica que, o que é questionado não é a existência, em termos teóricos e abstratos de uma fórmula objetiva de apuramento do VPT, mas sim a sua aplicação a todos os casos e sem que exista uma cláusula de salvaguarda do sistema que possa ser aplicada nos casos em que é manifesta a desproporção entre o resultado da aplicação da fórmula do artigo 38.° CIMI e o valor real dos bens, com a consequente violação do princípio da capacidade contributiva na vertente de igualdade de pagamento de impostos prevista no artigo 104.° da CRP.

Sendo que, no concreto domínio da capacidade contributiva a igualdade a ter presente e a valorar, não é a igualdade formal de tratamento, mas antes a igualdade material, e a concreta restrição do direito de propriedade só poder realizar-se nos termos do artigo 18.° n° 2 da CRP.

Sufraga, adicionalmente, que as próprias “salvaguardas” advenientes de atualizações periódicas, e, outrossim, da própria estipulação constante no artigo 76.º do CIMI, nada eliminam em termos de desigualdades, sendo certo que quanto a este último mecanismo de eliminação do valor patrimonial distorcido, se mantém uma discriminação de efeitos consoante o imposto em causa, só relevando, incompreensivelmente, para efeitos de IRS, IRC e IMT, não sendo aplicável a sua produção de efeitos ao nível do IMI.

Sindica, in fine, que inversamente ao ajuizado na decisão recorrida, inexistem diferenças significativas no IRC e no Património, que inviabilizem um procedimento similar ao plasmado no artigo 129.º do CIRC, tendente a permitir a demonstração da prova do preço efetivo na transmissão de imóveis.

Vejamos, ora, qual a fundamentação jurídica da decisão recorrida quanto à advogada inconstitucionalidade dos artigos 38.° a 46.° do CIMI.

“O Código do IMI trouxe como referência principal da tributação de bens imóveis o seu valor de mercado, afastando-se do paradigma anterior que avaliava tais bens de acordo com o seu rendimento anual.(…)
As normas dos artigos 38.° a 46.° do CIMI estatuem as regras da determinação do valor patrimonial tributário dos prédios urbanos para habitação, comércio, indústria e serviços, bem como dos prédios da espécie «outros».
Tal determinação resulta, nos termos do n.° 1 do artigo 38.°, da expressão «Valor Patrimonial Tributário = Valor base dos prédios edificados X Área bruta de construção mais a área excedente à área de implantação X Coeficiente de afectação X Coeficiente de localização X Coeficiente de qualidade e conforto X Coeficiente de vetustez», estando cada um dos critérios e coeficientes regulados nos artigos seguintes.
Tratam-se, pois, de critérios e coeficientes objectivos, transparentes e uniformes, pois que os avaliadores têm que usar, exclusivamente, os critérios e coeficientes legais que dependem apenas das características intrínsecas e do contexto urbano em que se insere o prédio.
Apesar de o legislador ter pretendido aproximar o valor patrimonial tributário do preço de mercado, é evidente que não é possível obter uma equiparação exacta, desde logo porque os contratos imobiliários dependem da vontade de cada uma das partes, sendo que essas são subjectivas e potencialmente irrepetíveis, pois que oscilam também de acordo com satisfações financeiras e estéticas que são variáveis.
É "de assinalar a maneira como o valor dos prédios urbanos, relativamente aos quais reina (...) a total arbitrariedade, conduz ao valor real ou se aproxima o mais possível do valor real desses imóveis. Um valor que, convenhamos, não pode ser nem o valor declarado nos contratos nem o praticado no mercado. O primeiro, porque, atento o ambiente generalizado de simulação desse valor em que se vive impunemente desde há anos sem reais possibilidades de repressão eficaz, está longe, muito longe mesmo, de constituir ou de se aproximar sequer do valor real dos prédios. O segundo, porque o valor de mercado se apresenta como o valor de um mercado imobiliário especulativo, em virtude de diversos factores entre os quais avulta o constituído pelo longo período de rendas habitacionais congeladas. Não é, por isso, um valor apurado num mercado que se configure como um mercado normal, como um mercado em que o valor dos imóveis se apresente expurgado da forte componente especulativa em que assenta. Daí que o valor real dos imóveis, o valor dos imóveis próprio de um mercado que funcione em condições de normalidade ou em condições que se aproximem da normalidade, de um mercado não perturbado portanto, se situe, como é fácil de ver, algures entre o valor declarado simulado e o valor praticado especulativo" - cfr. CASALTA NABAIS, "As bases constitucionais da reforma da tributação do património", Fisco, n.° 111/112, Janeiro de 2004, p. 20.
O preço de mercado surge, assim, como uma meta ideal ao qual o valor patrimonial tributário se pretende equiparar, motivo pelo qual é este periodicamente actualizado. (…) não parecendo "haver ofensa à directriz constitucional vigente em sede de tributação do património, antes pelo contrário. Efectivamente, o que o artigo 104.º, n.° 3, da Constituição determina é que «a tributação do património deve contribuir para a igualdade entre os cidadãos »" (…)
Por outro lado, o princípio da igualdade fiscal tem ínsita as ideias de universalidade (todos os cidadãos devem pagar impostos) e da uniformidade (tal dever deve ser aferido pelo mesmo critério). A capacidade contributiva é um critério para aferir tal uniformidade, sendo que é mais importante na tributação do rendimento que na do património, servindo para afastar o legislador fiscal do arbítrio, obrigando-o a determinar o bem revelador de capacidade contributiva - cfr. Casalta Nabais, Direito Fiscal, Almedina, 3.a edição, pp. 153-158, maxime 155-156, e 182.
No caso dos autos, não se vislumbra que a fórmula de determinação do valor patrimonial tributário viole a capacidade contributiva: dada a utilização dos critérios objectivos que constam da fórmula, todos os proprietários de prédios urbanos terão o seu bem avaliado do mesmo modo e tributado de forma igualitária.
Sendo que, como se viu, quanto à tributação do património, o que a Constituição exige é que ela constitua um instrumento de igualdade entre os cidadãos - artigo 104.°, n.° 3 -, ao contrário do que sucede na tributação das empresas que deve incidir fundamentalmente sobre o seu rendimento real - n.° 2 do mesmo artigo 104.°. Diferença que justifica a diferença de regime do IMI e do IRC, aqui se possibilitando a demonstração do valor real do prédio.
A ausência de tal possibilidade na tributação do património, dada a apontada diferença constitucional, é, pois, conforme à lei fundamental.”

Ora, tendo presente a fundamentação jurídica supra expendida não se vislumbra que o Tribunal a quo tenha incorrido no alegado erro de julgamento na medida em que, a sentenciada conformidade constitucional, é a que decorre quer do concreto intuito da reforma do património, das diretrizes que estabeleceram a nova fórmula de determinação do VPT, do desiderato a elas inerente, e sua conformação com os demais princípios constitucionais.

Expliquemos, então, porque assim o entendemos.

Comecemos por atentar no preâmbulo do CIMI, aprovado pelo DL 287/2003, de 12 de novembro, do qual se extrata, designadamente, o seguinte:

“Com este Código opera-se uma profunda reforma do sistema de avaliação da propriedade, em especial da propriedade urbana. Pela primeira vez em Portugal, o sistema fiscal passa a ser dotado de um quadro legal de avaliações totalmente assente em factores objectivos, de grande simplicidade e coerência interna, e sem espaço para a subjectividade e discricionariedade do avaliador.
É também um sistema simples e menos oneroso, que permitirá uma rapidez muito maior no procedimento de avaliação.
A concepção do novo sistema de avaliações beneficiou de um vasto acervo de informação, análises e estudos preparados desde há vários anos pelos serviços da Direcção-Geral dos Impostos, os quais foram actualizados e complementados segundo directrizes estabelecidas.
Foram acolhidas, no essencial, as recomendações do relatório da Comissão de Desenvolvimento da Reforma Fiscal, bem como os critérios do anteprojecto do Código de Avaliações elaborado em 1991, actualizados mais tarde no âmbito da Comissão da Reforma da Tributação do Património, considerando-se, nomeadamente, a relevância do custo médio de construção, da área bruta de construção e da área não edificada adjacente, preço por metro quadrado, incluindo o valor do terreno, localização, qualidade e conforto da construção, vetustez e características envolventes.
Estes factores são complementados com zonamentos municipais específicos, correspondentes a áreas uniformes de valorização imobiliária, com vista a impedir a aplicação de factores idênticos independentemente da localização de cada prédio e de cada município no território nacional.
Consagram-se, pois, no Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI) os contornos precisos da realidade a tributar, partindo para isso de dados objectivos que escapem às oscilações especulativas da conjuntura, de modo que sirvam de referência a uma sólida, sustentável e justa relação tributária entre o Estado e os sujeitos passivos.
Por outro lado, criam-se organismos de coordenação e supervisão das avaliações, com uma composição que garante a representatividade dos agentes económicos e das entidades públicas ligadas ao sector, mantendo-se as garantias de defesa das decisões dos órgãos de avaliações.
Os objectivos fundamentais das alterações propostas são, pois, o de criar um novo sistema de determinação do valor patrimonial dos imóveis, o de actualizar os seus valores e o de repartir de forma mais justa a tributação da propriedade imobiliária, principalmente no plano intergeracional.”

Dir-se-á, portanto, que a instituição da reforma do património e em concreto da específica fórmula de determinação do VPT constante no artigo 38.º do CIMI, visa romper com subjetivismo, e discricionariedade na avaliação dos bens imóveis, passando a estruturar-se numa base totalmente objetiva, padronizada por coeficientes que visam atender às diversas características dos imóveis em questão, tipificando-os de forma minuciosa, mormente, no domínio da quantificação, estabelecendo a medida da sua contribuição individual para efeitos da determinação do respetivo VPT.

Há, portanto, um intuito de tributar os prédios com base no seu valor real, eliminando desigualdades, e em ordem a obter o valor de mercado dos bens.

Como nos ensina José Maria Fernandes Pires (6), o regime de determinação de valores patrimoniais tributários instituídos pela reforma, assenta, essencialmente, em cinco princípios fundamentais, concretamente:

i. Princípio da objetividade, da transparência e da uniformidade do sistema de avaliações prediais;
ii. Princípio do valor de mercado;
iii. Princípio da atualização permanente de valores patrimoniais;
iv. Princípio da universalidade do valor patrimonial tributário;
v. Princípio do gradualismo e do pragmatismo.

No concreto particular, do aludido princípio do valor de mercado, esclarece-nos o aludido autor que “[o] valor de mercado não é um dado com existência fixa e ontológica, porque a sua determinação depende sempre do funcionamento do próprio mercado que, no caso dos imóveis, só se pode determinar com rigor, caso a caso, quando um determinado bem é transacionado. Por outro lado, é também verdade que o valor de mercado depende da vontade e da condição subjectiva e individual dos intervenientes em cada uma das transacções. Assim, a ocorrência de uma determinada transacção a um determinado valor pode ter sido o resultado da conjugação de uma variedade de factores que é irrepetível noutras transacções, tornando o preço diferenciado por cada uma delas.

O valor das transacções no mercado imobiliário depende ainda das condições económicas, que variam no tempo em função das conjunturas e dos ciclos económicos. Essas variações de conjuntura são particularmente sensíveis no mercado imobiliário, onde os valores de transacção, são normalmente elevados e onde as alterações de conjuntura se traduzem em variações sensíveis dos valores das transacções.”

Ademais, e como evidencia José Casalta Nabais (7), “[o] valor em causa tem em conta toda uma série bastante diversificada e completa de factores, já que abarca a generalidade dos factores que é possível ter em conta, assim como se combinam esses factores numa fórmula cuja complexidade se prende justamente com a preocupação de atingir o valor real, o valor de mercado dos imóveis, ou um valor que dele se aproxime o mais possível. Daí que os factores considerados sejam não só factores estritamente objectivos como sejam os factores, por via de regra, decisivos na formação dos preços dos imóveis num mercado imobiliário normal. Ou seja, aqueles factores em que os agentes económicos num sistema de mercado por via de regra apoiam a formação dos preços dos imóveis.”

Ora, do supra expendido e em sentido inverso ao propugnado pela Recorrente e consonante com o ajuizado na decisão recorrida, não se vislumbra que a fórmula de determinação do VPT possa traduzir as aduzidas inconstitucionalidades, ainda que a obtenção do valor de mercado possa, por vezes, corporizar um valor aproximado, na medida em que, como visto, existem realidades de facto que, naturalmente, são passíveis de apreciação e ponderação casuística e dependem da própria dinâmica negocial, conjuntura económica e vicissitudes que nem sempre são passíveis de tradução num quantum padronizado.

Mas, ainda assim, reconhecendo-se que podem, efetivamente, existir essas dificuldades, a verdade é que o sistema de avaliações tende a obter o valor de mercado, e é conforme com o princípio da legalidade consignado no artigo 103.º, nº2 da CRP, sendo reduzida a margem de apreciação por parte do avaliador.

A propósito da conformidade com a CRP da nova fórmula de determinação do VPT explica Luís Menezes Leitão (8) que:

“(…) O cálculo do valor patrimonial dos prédios através da aplicação aos mesmos da fórmula Vt = Vc x A x Ca x Cl x Cq x Cv, efectuando-se uma sua avaliação aquando de cada transacção, parece-nos ser um a solução melhor do que qualquer das propostas que tinh a m anteriormente sido apontadas neste domínio.
QUATRO - A nova fórmula de determinação do valor patrimonial tributável dos prédios urbanos permitirá corrigir a injustiça que actualmente se verifica em sede de contribuição autárquica, sendo assim plenamente conforme com o art. 104°, n° 3, da Constituição.
CINCO - A nova fórmula de determinação do valor patrimonial tributável dos prédios urbanos é perfeitamente conforme com o princípio da legalidade, enunciado no art. 103°, n° 2, da Constituição, dado que é reduzidíssima a margem de apreciação conferida à Administração Fiscal, um a vez que praticam ente todos os elementos com ponentes da fórmula são objectivos, deixando muito pouca margem para a subjectividade.
SEIS - A consideração do valor tributável do prédio como base para o apuramento dos proveitos em sede de IRC, salvo se a administração fiscal demonstrar que o montante da transacção foi superior, não se apresenta como desconforme com a Constituição, n a medida em que o art. 104°, n° 2, ao determinar que a tributação das em presas incidirá fundamentalmente sobre o rendimento real admite a título excepcional algum a consideração do rendimento normal, quando justificada por indicadores objectivos específicos ou por razões de praticabilidade.
SETE - É precisamente o que se passa com a fixação do valor patrimonial tributável no âmbito dos impostos sobre o património, a qual se apresenta como um factor objectivo, que deve ser também levado em conta para efeitos da determinação do rendimento gerado pela alienação. (…)
NOVE - Não nos parece, porém, que haja inconstitucionalidade nesta solução concreta, na medida em que o alienante tem possibilidade de intervir na fixação do valor patrimonial tributável através do requerimento de segunda avaliação, e a alienação de um imóvel por montante inferior ao valor patrimonial fixado representa ou uma situação de presumível fraude fiscal ou um a renúncia a uma capacidade contributiva efectiva, que se admite que não seja oponível à Administração Fiscal.”

Sufragamos, efetivamente, este juízo de constitucionalidade, sendo que é preciso ter presente e relevar que a fixação deste VPT não é, per se, imutável, entenda-se insuscetível de demonstração que esse valor se encontra erradamente apurado, podendo ser apresentado requerimento de segunda avaliação visando, justamente, essa prova.

Com efeito, sempre que o sujeito passivo, a câmara municipal ou a AT não concordarem com o resultado da avaliação direta de prédios urbanos, podem, respetivamente, requerer ou promover uma segunda avaliação, ao abrigo do disposto no artigo 76.º do CIMI, a qual é realizada com observância do disposto nos artigos 38.º e seguintes, por uma comissão composta por um perito regional designado pelo diretor de finanças, que preside à comissão, um vogal nomeado pela respetiva câmara municipal e o sujeito passivo ou seu representante.

Sendo, outrossim, de relevar que a partir de 2009, com a Lei 64-A/2008, de 31 de dezembro, foi implementado uma concreta possibilidade de demonstração de que o VPT determinado nos termos dos artigos 38.º e seguintes, se apresenta distorcido relativamente ao valor normal de mercado, efetuando-se, assim, uma avaliação que fixa um novo VPT.

O que significa, portanto, que o pedido de segunda avaliação pode ser efetuado não só com fundamento em erro na aplicação dos critérios legais de avaliação, mas, outrossim, mediante expressa demonstração de que existe distorção entre o VPT fixado e o valor de mercado do bem imóvel.

Importando, igualmente, relevar que de acordo com a definição legal, entende-se que o VPT se encontra distorcido quando, por um lado, for superior em mais de 15% do valor normal de mercado, ou quando o prédio apresente características valorativas que o diferenciam do padrão normal para a zona, designadamente a sumptuosidade, as áreas invulgares e a arquitetura, e o VPT é inferior em mais de 15 % do valor normal de mercado.

É certo que o Recorrente advoga que, como essa concreta possibilidade apenas releva para efeitos de IMT, IRS e IRC, tal traduz uma discriminação negativa, e que inexistem razões ponderosas que validem a distinção e concreta exclusão no domínio do CIMI, porém assim o não entendemos.

Aliás, a própria CRP, no seu artigo 104.º, nºs 2 e 3, estabelece a destrinça na tributação do património e do rendimento das empresas. Sendo, igualmente, de relevar e ressalvar que a isso não obsta, a própria alteração ao artigo 76.º, nº3 do CIMI, implementada com a Lei do Orçamento do Estado para 2022, concretamente, com a Lei nº 12/2022, de 27 de junho.

Neste concreto particular, veja-se o doutrinado no Acórdão do STA, prolatado no âmbito do processo nº 0812/13.5BECBR 0431/18, de 16 de setembro de 2022, do qual se extrata, designadamente, o seguinte:

“A primeira razão evidente desta distinção feita pelo legislador entre estes impostos, IRS, IRC e IMT de um lado e IMI de outro, reside no facto de este tipo de avaliação só dever ocorrer nos casos em que ocorra a transmissão dos prédios avaliados, (…) as regras próprias da avaliação geral constantes dos artigos 38º e ss. do IMI que já prevêem mecanismos de avaliação dos imóveis que permitem atingir valores muito próximos dos valores de mercado; na verdade, este regime de avaliação de imóveis visa que o valor atribuído aos imóveis seja o mais próximo do valor de mercado mas não implica que ocorra uma coincidência absoluta entre o valor de mercado em determinado momento e o valor obtido por via da avaliação nesse mesmo momento, o valor a considerar será o resultante da aplicação das regras estabelecidas na lei e que se projectará durante um período de tempo mais ou menos amplo, o espaço de vários anos, em que poderá haver flutuações do valor de mercado que não são possíveis de considerar e concretizar naquela avaliação (…)
A segunda razão prende-se com as características próprias daquele grupo de impostos que não são inerentes ao IMI.
“...importa salientar que, quer no domínio do IMT, quer no domínio dos impostos sobre o rendimento, foi introduzida uma nova realidade que imporia escalpelizar, visto que o valor de avaliação traduzido no valor patrimonial tributário, passou a relevar como valor mínimo da transacção para efeito daqueles impostos. Explicando um pouco mais detalhadamente, diremos que VPT é o valor mínimo para efeitos de liquidação de IMT (se as partes declararem um valor superior, será sobre este que incidirá o IMT), pelo que. se uma transacção for declarada por valor inferior terá de ser objecto de correcção oficiosa para aquele valor mínimo resultante da avaliação. Por outro lado, no que respeita aos impostos sobre o rendimento, em princípio, esse valor de avaliação fiscal é também o relevante para efeitos de tais impostos, a menos que as partes hajam declarado valor superior. No caso de a empresa vendedora ou o empresário cm nome individual declararem, conjuntamente com o comprador, um valor inferior, para a transacção, por razões de prevenção de evasão fiscal o que vale para efeitos de consideração como matéria colectável em sede desses impostos é o chamado VPT, a menos que o sujeito passivo de IRC ou IRS faça a demonstração de que vendeu efectivamente por valor inferior o imóvel, designadamente autorizando a administração tributária a ter acesso às contas bancárias do requerente, bem como dos administradores e gerentes, nesse exercício e no anterior. É. o que resulta do disposto nos artigos 58.º-A e 129.º do CIRC. e 31.°-A do CIRS. Faz-se notar que a disciplina aqui prevista se aplica aos sujeitos passivos de IRS e IRC, à luz da norma constitucional que determina que a tributação das empresas se faz predominantemente com base no rendimento real, assente na contabilidade, pelo que se tornou necessário consagrar uma possibilidade de o contribuinte fazer a prova em contrário, face à presunção consagrada na lei. Em consequência, previu-se a possibilidade de o contribuinte fazer a demonstração de que efectivamente transaccionou o imóvel por um valor menor do que o da avaliação. Este princípio só se aplica, igualmente, aos rendimentos de IRS de actividade empresarial porque a esse tipo de interpretação conduz a sistemática do código, que permite a prova em contrário quando se está no âmbito exclusivamente de rendimentos profissionais e empresariais. "A contrário”, tal não será valido para os outros sujeitos passivos de IRS...”, cfr. Vasco Valdez, A Reforma da Tributação do Património: Antecedentes, Principais Mudanças e Perspectivas Futuras, Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Paulo de Pitta e Cunha, Vol. II, págs. 1014 e 1015.”

Logo, igualmente, mediante adesão à fundamentação jurídica supra expendida, há que secundar o juízo de constitucionalidade constante na decisão recorrida. Reiterando-se e reforçando-se que a isso não obsta a alteração ao citado artigo 76.º, nº3 do CIMI, implementada, como visto, apenas com a Lei n.º 12/2022, de 27 de junho.

Sendo, igualmente, de evidenciar que carece do relevo que é expendido pela Recorrente todas as alegações concatenadas com direito comparado, porquanto, simplesmente, apenas vinculam no respetivo ordenamento jurídico.

É, igualmente, certo que a Recorrente advoga que o que é, verdadeiramente, questionado não é a existência, em termos teóricos e abstratos, de uma fórmula objetiva de apuramento do VPT, mas sim a sua aplicação a todos os casos e sem que exista uma cláusula de salvaguarda do sistema que possa ser aplicada nos casos em que é manifesta a desproporção entre o resultado da aplicação da fórmula do artigo 38.° CIMI e o valor real dos bens, com a consequente violação do princípio da capacidade contributiva na vertente de igualdade de pagamento de impostos prevista no artigo 103.° da CRP, como no caso vertente.

Mas, tal entendimento não procede, desde logo, face aos mecanismos que permitem, efetivamente, demonstrar essa desproporção entre o VPT e valor efetivo de mercado, e supra densificados anteriormente.

Por outro lado, e inversamente ao propugnado pela Recorrente, in casu, não resulta demonstrado, em concreto, o aduzido desfasamento, não refletindo o probatório qual, em concreto, o valor de mercado, na medida em que o ponto 1 corporiza -tão-só- a asserção atinente ao valor escriturado, o ponto 4 o resultado da segunda avaliação, e o ponto 6 concerne a avaliações imobiliárias requeridas pela Impugnante, já no contexto desta impugnação judicial, e datadas de abril de 2011, ou seja, decorridos cerca de 3 anos após a aquisição dos imóveis visados.

Logo, em nada se pode, efetivamente, concluir que existiu prova inequívoca do concreto valor de mercado e do seu ulterior desfasamento, e naturalmente, “que ficou provado que o valor patrimonial tributário apurado por recurso à fórmula do art. 38° CIMI atinge, em alguns casos, quatro vezes o valor de mercado do bem.”

Sendo, outrossim, de sublinhar que mediante uma análise do teor da sua petição inicial, o que se retira enquanto verdadeira pretensão material é o seu inconformismo com o âmbito e extensão dos efeitos do apuramento de um novo VPT, ou seja, a sua exclusiva circunscrição ao IRS, IRC e IMT -realidade que, à data e como visto, se encontrava vedada pela letra da lei- e por ajuizar, como visto, que o procedimento vigente não traduzia qualquer “cláusula de salvaguarda”, porquanto só relevava para efeitos de IRS, IRC e IMT.

Ademais, é preciso ter, igualmente, presente e valorar que o probatório reflete, outrossim, que existem frações autónomas em que os valores escriturados são, efetivamente, superiores aos VPT apurados, o que, per se, retira credibilidade e fragiliza, igualmente, a esteira de entendimento da Recorrente.

Mais importa relevar que, para efeitos do rendimento, e conforme já evidenciado, a lei já consagrava a possibilidade de demonstração da prova do preço efetivo na transmissão de bens imóveis, quer, em sede de IRC, quer em sede de IRS, conforme resultava, à data, do artigo 129.º do CIRC (atual artigo 139.º do CIRC), e bem assim do artigo 44.º CIRS, nºs 5 e 6, que remete, justamente, para esse procedimento.

Ora, toda esta linha de entendimento permite concluir no sentido da inexistência da violação do princípio da capacidade contributiva, na sua dimensão de igualdade, concretamente da sua vertente material.

Com efeito, dir-se-á que o princípio da capacidade contributiva, tem sido objeto de profusa análise por parte do Tribunal Constitucional cuja caracterização se pode resumir do modo seguinte, convocando, para o efeito, o discurso fundamentador constante no Acórdão n.º 590/2015, do qual se extrata, designadamente, o seguinte:

“[…]
O princípio constitucional da igualdade tributária, como expressão específica do princípio geral estruturante da igualdade (artigo 13.º da Constituição), encontra concretização “na generalidade e na uniformidade dos impostos. Generalidade quer dizer que todos os cidadãos estão adstritos ao pagamento de impostos (…); por seu turno, uniformidade quer dizer que a repartição dos impostos pelos cidadãos obedece ao mesmo critério idêntico para todos” (TEIXEIRA RIBEIRO, Lições de Finanças Públicas, 5.ª edi­ção, pág. 261). E tal critério, como sublinha CASALTA NABAIS, encontra-se no princípio da capacidade contributiva: “Este implica assim igual imposto para os que dispõem de igual capacidade contributiva (igualdade horizontal) e diferente imposto (em termos qualitativos ou quantitativos) para os que dispõem de diferente capacidade contributiva na proporção desta diferença (igualdade vertical)” (Direito Fiscal, 7.ª edição, 2012, pág. 155). Como pressuposto e critério de tributação, o princípio da capacidade contributiva “de um lado, constituindo a ratio ou causa da tributação afasta o legislador fiscal do arbítrio, obrigando-o a que na seleção e articulação dos factos tributários, se atenha a revelações da capacidade contributiva, ou seja, erija em objeto e matéria coletável de cada imposto um determinado pressuposto económico que seja manifestação dessa capacidade e esteja presente nas diversas hipóteses legais do respetivo imposto” (CASALTA NABAIS, ob. cit., pág. 157).
Assim o tem afirmado o Tribunal Constitucional, de que é exemplo o Acórdão n.º 84/2003:
“O princípio da capacidade contributiva exprime e concretiza o princípio da igualdade fiscal ou tributária na sua vertente de “uniformidade” – o dever de todos pagarem impostos segundo o mesmo critério – preenchendo a capacidade contributiva o critério unitário da tributação», entendendo-se esse critério como sendo aquele em que «a incidência e a repartição dos impostos – dos “impostos fiscais” mais precisamente – se deverá fazer segundo a capacidade económica ou “capacidade de gastar” (…) de cada um e não segundo o que cada um eventualmente receba em bens ou serviços públicos (critério do benefício). (…) Não obstante o silêncio da Constituição, é entendimento generalizado da doutrina que a “capacidade contributiva” continua a ser um critério básico da nossa “Constituição fiscal” sendo que a ele se pode (ou deve) chegar a partir dos princípios estruturantes do sistema fiscal formulados nos artigos 103º e 104º da CRP (…)”.
Este Tribunal tem, todavia, salientado que o princípio da capacidade contributiva não dispensa o concurso de outros princípios constitucionais. Como se referiu no Acórdão n.º 711/2006, «é claro que o “princípio da capacidade contributiva” tem de ser compatibilizado com outros princípios com dignidade constitucional, como o princípio do Estado Social, a liberdade de conformação do legislador, e certas exigências de praticabilidade e cognoscibilidade do facto tributário, indispensáveis também para o cumprimento das finalidades do sistema fiscal». E prossegue: «Averiguar, porém, da existência de um particularismo suficientemente distinto para justificar uma desigualdade de regime jurídico, e decidir das circunstâncias e fatores a ter como relevantes nessa averiguação, é tarefa que primariamente cabe ao legislador, que detém o primado da concretização dos princípios constitucionais e a correspondente liberdade de conformação. Por isso, o princípio da igualdade se apresenta fundamentalmente aos operadores jurídicos, em sede de controlo da constitucionalidade, como um princípio negativo (…) - como proibição do arbítrio».
Em suma, na síntese do Acórdão n.º 695/2014, “o princípio da igualdade tributária pode ser concretizado através de vertentes diversas: uma primeira, está na generalidade da lei de imposto, na sua aplicação a todos sem exceção; uma segunda, na uniformidade da lei de imposto, no tratar de modo igual os contribuintes que se encontrem em situações iguais e de modo diferente aqueles que se encontrem em situações diferentes, na medida da diferença, a aferir pela capacidade contributiva; uma última, está na proibição do arbítrio, no vedar a introdução de discriminações entre contribuintes que sejam desprovidas de fundamento racional (…)”.

Sendo, igualmente, de relevar que “[à] luz do princípio da capacidade contributiva, o termo de comparação a mobilizar para o juízo de igualdade há de extrair-se da concretização legislativa da capacidade contributiva que com cada tributo se visa atingir, conquanto se reconheça à(s) norma(s) interposta(s) a necessária conformidade com o mesmo princípio (v. Casalta Nabais, José, O Dever Fundamental de Pagar Impostos – Contributo para a compreensão constitucional do estado fiscal contemporâneo, (3.ª Reimpr.), Almedina, Coimbra, 2012, p.444)”, conforme é doutrinado no Acórdão do Tribunal Constitucional, prolatado no âmbito do processo nº 475/2020, de 01 de outubro de 2020.

Logo, e transpondo o supra exposto para o caso vertente, não se vislumbra, de todo, que a aludida determinação do VPT consagre uma clara violação do princípio da capacidade contributiva o qual, como visto, exprime e concretiza o princípio da igualdade fiscal ou tributária na sua vertente de uniformidade.

Ademais, e no sentido secundado na decisão recorrida, há que sublinhar que situações idênticas à da Recorrente serão tratadas da mesma forma.

E por assim ser, não se vislumbra a advogada desigualdade, quer na vertente formal, quer na sua dimensão material, não se descortinando, de todo, e face a todos os considerandos supra expendidos, qualquer restrição do direito de propriedade constante no artigo 18.° n° 2 da CRP.

Sendo, ainda, de relevar in fine que o próprio princípio da atualização permanente de valores patrimoniais permite imprimir um suporte superior para efeitos da sua conformação constitucional, mormente, na vertente da capacidade contributiva, da igualdade e da proporcionalidade.

Destarte, conclui-se que inexiste o apontado erro de julgamento, ajuizando-se, assim, pela sua integral conformidade constitucional.


***

Prosseguindo, ora, quanto ao item que identifica como “inadmissibilidade de presunções absolutas em direito fiscal e a consequente inconstitucionalidade”.

Neste âmbito, advoga a existência de um erro de julgamento no atinente à concreta valoração da inexistência de presunções, na medida em que a lei infere um facto desconhecido (o VPT) a partir de factos conhecidos (os critérios dos artigos 38.° e seguintes do CIMI, isto é, as áreas, os estados de conservação, a tipologia, os elementos de qualidade e minorativos, a idade, entre outros) pelo que o CIMI pretende ficcionar um valor de mercado como sendo aquele que resulta da fórmula criada pelo CIMI traduzindo assim uma presunção legal.

E por assim ser, sufraga que tal traduz uma violação do princípio de inadmissibilidade de presunções inilidíveis e consequentemente o princípio da igualdade (vertido no artigo 13.° e 104.° CRP) que o primeiro visa proteger, e bem assim do princípio da proporcionalidade da atuação da Administração Pública.

Atenhamo-nos, novamente, no discurso fundamentador da decisão recorrida.

Diz-nos, designadamente, a decisão recorrida que:

“[n]a determinação do valor patrimonial tributário dos prédios urbanos não é firmado qualquer facto desconhecido a partir de factos conhecidos. Com efeito, como se disse, a determinação de tal valor resulta, nos termos do n.° 1 do artigo 38.°, da expressão matemática «Valor Patrimonial Tributário = Valor base dos prédios edificados X Área bruta de construção mais a área excedente à área de implantação X Coeficiente de afectação X Coeficiente de localização X Coeficiente de qualidade e conforto X Coeficiente de vetustez», estando cada um dos critérios e coeficientes regulados nos artigos seguintes.
Tratam-se, portanto, de critérios e coeficientes objectivos, transparentes e uniformes, pois que os avaliadores têm que usar, exclusivamente, na predita fórmula matemática, os critérios e coeficientes legais que dependem apenas das características intrínsecas e do contexto urbano em que se insere o prédio.
Pelo que à míngua da utilização de presunções legais na determinação do VPT - que a Impugnante também não identifica concretamente na sua Petição, antes referindo aqueles "critérios objectivos dos artigos 38.º [e seguintes] do CIMI" (artigo 53.° do articulado) -, a razão não está, também aqui, com a Impugnante.
Por outro lado, o modo como a Impugnante virá a ser tributada na sequência da formação de caso julgado quanto aos actos impugnados não põe em causa o princípio da não discriminação dos contribuintes nem o princípio da proporcionalidade da actuação da Administração Pública, já que, como se viu, todos os imóveis são avaliados pela mesma fórmula, todos os contribuintes têm aos seu dispor as mesmas garantias graciosas e contenciosas e todos são tributados de igual forma em sede de IMI.”

E a verdade é que, mais uma vez, entendemos que inexiste o alegado erro de julgamento, desde logo, porque padece, por um lado, de um erro base na sua premissa, ou seja, de que a fórmula de determinação do VPT assenta em presunções, e por outro lado, porque a lei confere possibilidade de discussão administrativa e ulterior discussão judicial dessa concreta determinação do valor.

Com efeito, preceitua o artigo 73.° da LGT que “[a]s presunções consagradas em normas de incidência tributária admitem sempre prova em contrário", ou seja, institui-se que sempre que sejam estabelecidas presunções respeitantes a normas de incidência tributária estas admitem sempre prova em contrário.

Sendo que quanto à concreta definição legal as mesmas são definidas no artigo 349.° do Código Civil, no sentido de que “presunções são as ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido.”

Dir-se-á, portanto, que a presunção consiste no resultado de uma dedução lógica, que tem como ponto de partida um facto conhecido e pretende demonstrar a realidade desse ou de outro facto.

"A presunção pode definir-se como um raciocínio em virtude do qual, partindo de um facto que está provado (facto-base/facto-indiciário), chega-se à consequência da existência de outro facto (facto presumido), que é o pressuposto fáctico de uma norma, atendendo ao nexo lógico existente entre os dois factos. Assim, a existência de uma presunção caracteriza-se pela seguinte estrutura: facto-indiciário + nexo lógico = facto presumido. De uma forma menos precisa mas impressiva, diremos que na presunção um facto narra outro facto (9) " .

Ora, tal como referido na decisão recorrida inexiste na aludida determinação do VPT qualquer estipulação de uma presunção legal, mas sim a aplicação de uma fórmula matemática enunciada no artigo 38.º do CIMI, a qual assenta em seis coeficientes todos eles de caráter objetivo, e minuciosamente, densificados nos artigos 39.º a 44.º do mesmo diploma legal.

Por outro lado, e tal como já evidenciámos anteriormente a propósito do erro de julgamento atinente à inconstitucionalidade dessa mesma fórmula, para cuja fundamentação remetemos e damos por integralmente reproduzida, há que ter presente que é permitida a demonstração do erro no apuramento desse VPT, mediante, como visto, requerimento de segunda avaliação e ulterior impugnação judicial.

Face ao exposto, e sem necessidade de quaisquer considerandos adicionais improcede, igualmente, o aduzido erro de julgamento.


***


Subsiste, apenas, por aquilatar se procede o erro de julgamento quanto à alegada violação dos fins da avaliação direta e do artigo 104.°, n.° 3, da CRP.

Neste âmbito, advoga a Recorrente que mesmo que se entenda que inexiste qualquer presunção legal ínsita no cálculo do VPT, sempre existiria, contrariamente ao sentenciado, uma violação do regime da avaliação direta, constante nos artigos 83.º e seguintes da LGT, na medida em que o mesmo determinaria a proibição, no caso concreto, de fixação de um VPT manifestamente superior àquele que corresponde ao valor de mercado dos imóveis ou “valor real efetivo dos bens sujeitos a tributação".

De regresso à fundamentação jurídica constante na decisão recorrida, nela se explanou, designadamente, o seguinte:

“Ora, como se disse já, na determinação do valor patrimonial tributário dos prédios urbanos não é firmado qualquer facto desconhecido a partir de factos conhecidos, sendo que, como a Impugnante reconhece no artigo 64.° da Petição, "Os artigos 38° e seguintes do CIMI promovem a avaliação directa dos bens imóveis objecto de tributação".
Por outro lado, ficou também dito que o legislador não pretendeu, em sede de tributação do património, e ao contrário do que sucede na tributação das empresas, que o valor patrimonial correspondesse fundamentalmente ao valor real.
Daí a conformidade constitucional da ausência da possibilidade de demonstrar o preço efectivo do prédio em sede de IMI.”

Ora, tendo presente a aludida fundamentação jurídica não se vislumbra, de todo, qualquer erro de julgamento, sendo certo que não se descortina de que forma a concreta fórmula de determinação do VPT constante nos artigos 38.º e seguintes do CIMI, poderia preterir o convocado artigo 83.º da LGT, o qual está relacionado com o desiderato inerente à própria avaliação direta, estabelecida pelo legislador como prevalente face à avaliação indireta.

Por outro lado, e conforme já demos nota anteriormente o intuito do apuramento do VPT mediante a aludida fórmula visa apurar um valor de mercado, ou tendencialmente, próximo de mercado, não podendo ser realizado o paralelismo que pretende a Recorrente no âmbito da tributação do património com a tributação dos rendimentos.

De resto, há que ter presente que a própria letra do artigo 104.º, nº2, da CRP, utiliza o advérbio “fundamentalmente”, ou seja, a tributação das empresas incide, fundamentalmente, mas não exclusivamente e sem qualquer hipótese de derrogação no rendimento real.

Como doutrina Vasco Valdez (10) “[d]aí que o CIMI tenha procurado estabelecer um conjunto de critérios bastante objectivos que permitisse efectuar a avaliação dos prédios urbanos em ordem a procurar que tal avaliação nos transmitisse valores mais próximos dos de mercado e, sobretudo, que permitisse aos contribuintes conhecer com precisão as regras que levavam à determinação do valor do bem.”

Não se vislumbrando, assim, que in casu a tributação do património incumpra com a ratio e com a letra do nº3, do citado artigo 104.º da CRP, no sentido de que “deve contribuir para a igualdade entre os cidadãos”.

De reiterar, e sublinhar o que já anteriormente evidenciámos quanto à concreta prova do aduzido valor de mercado nos autos, e à luz da concreta densificação do probatório, sendo, naturalmente, de valorar, negativamente, as situações respeitantes à fração CQ, adquirida por € 55.246,88 e que foi avaliada em € 54.340,00 - cfr. pontos 1 e 4, alíneas f) -, tendo a DD também sido avaliada (€ 54.340,00) em valor inferior ao da aquisição (€ 55.246,68) - cfr. pontos 1 e 4, alíneas h).

Inversamente ao aduzido pela Recorrente, mormente, em 23), estas duas realidades de facto podem e devem ser chamadas à colação enquanto “plus” e elemento complementar à demonstração da improcedência da sua argumentação, sendo certo que inversamente ao por si propugnado e já devidamente analisado anteriormente, é possível a demonstração, quando solicitada e mediante concreta demonstração e fundamentação atinente ao efeito, do desfasamento do VPT quanto ao valor de mercado, prevendo, igualmente, o CIMI cláusula de salvaguarda para esse efeito.

Uma última nota para evidenciar que, independentemente da bondade do ajuizado na decisão recorrida quanto à concreta possibilidade de utilização do meio de reação consignado no artigo 78.º da LGT, a verdade é que tal juízo de entendimento foi convocado, igualmente, numa perspetiva de sedimentar a improcedência do peticionado. Pelo que, mesmo que não se anua com o seu sentido e alcance, a verdade é que face ao quadro jurídico aplicável, a todos os considerandos de direito, premissas, vetores e interpretações supra expendidas, o aduzido em 24) e 25), não poderia, de todo, lograr o mérito pretendido pela Recorrente.

E por assim ser, improcede, na íntegra, o presente recurso.


***


Resta apreciar, ex officio, a dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, nº 7 do RCP.

In casu, considera-se que o valor de taxa de justiça devido, calculado nos termos da tabela I.B., do RCP, é excessivo. Porquanto, ponderadas as circunstâncias do caso vertente à luz dos critérios escolhidos pelo legislador, em especial, o comportamento processual das partes litigantes, sem qualquer reparo negativo a apontar, não obstante as questões aí decididas não se afigurarem de complexidade inferior à comum, determina-se que haja lugar à dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, prevista no art.º 6.º, n.º 7, do RCP, na parte em que excede os €275.000,00.


***



IV. DECISÃO

Face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso tributário, subsecção comum, deste Tribunal Central Administrativo Sul em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO e confirmar a decisão recorrida.
Custas pela Recorrente, com a dispensa do remanescente da taxa de justiça, na parte em que excede os €275.000,00.

Registe. Notifique.


Lisboa, 03 de abril de 2025

(Patrícia Manuel Pires)

(Isabel Silva)

(Sara Diegas Loureiro)


(1) Código de Processo Civil anotado, Volume V, Coimbra Editora, 1981 (reimpressão), pág. 143.
(2) António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 5ª edição, pp 165 e 166; José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, C.P.Civil anotado, Volume 3º., Tomo I, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 2008, pág.61 e 62; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª. edição, Almedina, 2009, pág.181; Vide, designadamente, Acórdão do TCA Sul, proferido no processo nº 6505/13, de 2 de julho de 2013.
(3) Henrique Araújo: “A matéria de facto no processo civil”, publicado no site do Tribunal da Relação do Porto, acessível em www.trp.pt
(4) Ac. do Tribunal da Relação do Porto, de 11 de julho de 2018, proferido no processo nº 1193/16.1T8PRT.P1
(5) Vide Acórdão do TCA Norte, proferido no processo nº 02324/04.9 BEPRT, datado de 31 de maio de 2012 e bem assim Aresto do TCA Sul, proferido no processo nº 618/10.3 BELRS de 07 de junho de 2018.
(6) Lições de Impostos sobre o Património e Selo, Almedina, 2011, pp. 26-27.
(7) As Bases Constitucionais da Reforma da Tributação do Património, Fisco nº 111/112, de outubro 2003, página 20.
(8) A conformidade com a CRP da Nova Fórmula de Determinação do Valor Patrimonial Tributário, Fisco nº 113/114, pp. 21 e 22.
(9) In Luís Pires de Sousa, Prova por Presunção no Direito Civil, Almedina, 2012, pp. 23-24.
(10) A Reforma da tributação do património, antecedentes, principais mudanças e perspetivas futuras, Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Paulo de Pita e Cunha, Vol. II, página 1012.